Ao terceiro, e suposto último, dia de alegações finais, a sala do Tribunal Central Criminal de Lisboa voltou a estar cheia. Tal como tem sido habitual, Rui Pinto entrou pela porta lateral, sempre acompanhado por um elemento das autoridades, com o seu computador, dossier e garrafa de água. Já depois das dez da manhã, advogados, coletivo de juízes e arguidos estavam prontos para ouvir as alegações finais de Francisco Teixeira da Mota, advogado de Rui Pinto. Mas João Azevedo, advogado de Aníbal Pinto, quis falar. E os planos mudaram depois dessa intervenção. As alegações finais foram interrompidas e só serão retomadas daqui a 10 dias, a 16 de janeiro.
Depois de ter falado esta quinta-feira durante mais de duas horas, a defesa de Aníbal Pinto — advogado que representou Rui Pinto em 2015, altura das conversações com o fundo de investimento Doyen e em que estava em causa um pagamento em troca do silêncio do alegado pirata informático –, pediu a palavra e anunciou o resultado preliminar, recebido às 9h27 desta sexta-feira, de uma perícia ao computador de Aníbal Pinto. Esta perícia foi, aliás, pedida já na quinta-feira à noite, depois do segundo dia de alegações e de terem sido ouvidos os representantes dos assistentes deste caso.
A defesa de Aníbal Pinto pediu então uma perícia ao computador deste arguido e, no resultado, segundo indica o requerimento entregue ao tribunal esta manhã, refere-se que “Aníbal Pinto foi atacado informaticamente pelo método de phishing pelo dr. Pedro Henriques, através do domínio da Ordem dos Advogados”.
No dia 21 de outubro de 2015, Aníbal Pinto terá recebido um e-mail de Pedro Henriques, que representava Nélio Lucas nas negociações com Rui Pinto. O anexo que estava neste e-mail “tem características que lhe atribui um comportamento duvidoso para um URL, endereço de IP considerado como malicioso”. “Este tipo de ameaça está relacionado [com] ações de phishing ou na execução de comandos para aceder aos computadores infetados e roubo de dados”, lê-se no requerimento.
Quem surge neste e-mail?
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- Aníbal Pinto – Arguido e advogado de Rui Pinto em 2015, altura em que representou o alegado pirata informático nas negociações com a Doyen.
- Pedro Henriques – Representante de Nélio Lucas, representante legal da Doyen. Trocou e-mails com Aníbal Pinto em 2015, com o objetivo de chegar a um acordo entre Rui Pinto e a Doyen.
- Nélio Lucas – Representante legal do fundo de investimento Doyen, que foi contactado em 2015 por Rui Pinto. O alegado pirata informático enviou e-mails a Nélio Lucas, dizendo que tinha informações confidenciais da Doyen.
- José Amador – Inspetor da Polícia Judiciária. Liderou a investigação do caso Football Leaks.
- Rogério Bravo – Inspetor-chefe da Polícia Judiciária. Chegou a ser constituído arguido por suspeitas de ter colaborado com a Doyen durante a investigação ao caso Football Leaks, mas foi ilibado.
A identificação do suspeito Rui Pinto e PJ
Considerando confiável o conteúdo do e-mail, Aníbal Pinto abriu então o link e, a partir daí, terá sido possível aceder aos ficheiros pessoais do então advogado de Rui Pinto. E é aqui que entra a Polícia Judiciária, segundo a defesa. É que nesse mesmo dia, a 21 de outubro, Pedro Henriques terá enviado um e-mail para Nélio Lucas, com o conhecimento do inspetor José Amador e do inspetor-chefe Rogério Bravo, com a seguinte mensagem: “É um pequeno texto de cobertura para lhe dar mais segurança a abrir o documento.”
Para a defesa de Aníbal Pinto, os dois inspetores da PJ estariam a par do envio do e-mail de Pedro Henriques para o então advogado do alegado pirata informático. E só desta forma é que “conseguiram a identificação do à data suspeito Rui Pinto”. Esta sexta-feira, foi pedida ao tribunal uma perícia ao computador de Aníbal Pinto e, a confirmar-se, acrescenta a defesa, “estamos claramente perante prova proibida”, uma vez que a identificação de Rui Pinto terá sido conseguida através de acessos ilegítimos. “Ou seja, a identidade do Rui Pinto não foi obtida como José Amador testemunhou, dizendo que ouviu a descrição do Rui Pinto e fez-se luz”, lê-se no requerimento.
Neste momento, há, aliás, vários pontos suscetíveis de confirmação: primeiro, se os inspetores da PJ tinham conhecimento do envio deste e-mail; depois, se os inspetores já tinham suspeitas de que Rui Pinto era o pirata informático que procuravam, ou se, por outro lado, só obtiveram essa informação depois do ataque informático à conta de Aníbal Pinto.
O encontro na estação de serviço, no mesmo dia em que foi enviado o e-mail
Além da informação exposta esta sexta-feira pelo advogado João Azevedo, existe ainda outro ponto interessante: na acusação, é descrito um episódio que aconteceu, precisamente, no mesmo dia em que Aníbal Pinto recebeu o e-mail de Pedro Henriques.
Segundo a acusação, Nélio Lucas sugeriu a Rui Pinto um encontro entre os dois representantes — Aníbal Pinto e Pedro Henriques — no dia 21 de novembro. “A 21 de outubro de 2015, pelas 16h00, realizou-se um encontro presencial entre Nélio Lucas, o seu advogado Pedro Henriques e o arguido Aníbal Pinto (em representação do arguido Rui Pinto), na estação de serviço de Oeiras“, em Lisboa, lê-se no ponto 152 da acusação. E mais: “Nessa data, o arguido Aníbal Pinto nunca revelou a identidade do seu cliente Rui Pinto, por forma a não denunciar o autor das mensagens.”
Ainda sobre este dia, e tal como o Observador avançou em 2019, estavam também nessa estação de serviço dois inspetores da Polícia Judiciária, na mesa ao lado, a ouvir toda a conversa entre Aníbal Pinto, Nélio Lucas e Pedro Henriques.
O encontro secreto entre o ex-advogado de Rui Pinto e a Doyen — com a PJ na mesa ao lado
Voltando à defesa de Aníbal Pinto, o advogado pediu ao tribunal, além da perícia ao computador do antigo representante de Rui Pinto, que sejam novamente ouvidos Nélio Lucas, Pedro Henriques, José Amador e Rogério Bravo. Em relação ao inspetor José Amador, a defesa quer “esclarecer de que forma e quando identificou o suspeito e agora arguido Rui Pinto”.
A sessão desta sexta-feira, antes de ser interrompida, esteve ainda suspensa durante mais de meia hora, período em que o coletivo de juízes, presidido pela juíza Margarida Alves, reuniu e deliberou que a defesa e o Ministério Público têm dois dias úteis para se pronunciarem.
Aliás, na mesma sessão, os representantes da Sporting SAD, da Federação Portuguesa de Futebol e da Ordem dos Advogados não quiseram pronunciar-se sobre o requerimento entregue por Aníbal Pinto. Já o advogado Rui Costa Pereira, assistente no processo, classificou a entrega do requerimento como “uma manobra dilatória, uma canelada no tribunal”, e a representante da Doyen, Sofia Ribeiro Branco, disse que os factos agora invocados pela defesa de Aníbal Pinto são “absolutamente irrelevantes”. “Quanto às pretensões, não conseguimos atingir exatamente o esforço e perceção das mesmas, não se percebe que concreta prova é que seria nula”, acrescentou.
Os recados da Ordem dos Advogados e a pena de prisão pedida pelo Ministério Público
Logo no primeiro dia de alegações finais, o Ministério Público pediu uma pena de prisão para Rui Pinto e para Aníbal Pinto, embora não tenha especificado se pretende uma pena de prisão suspensa ou efetiva. Em relação ao alegado pirata informático, não ficou provado o crime de sabotagem informática à Sporting SAD, avançou a procuradora Marta Viegas. “Foi possível percecionar que o sistema (da Sporting SAD) já se encontrava em baixo. A ação do arguido não teve então o efeito expresso na acusação”, referiu.
Sem o crime de sabotagem informática, o MP pediu então que Rui Pinto seja condenado por 89 crimes — de tentativa de extorsão, de acesso indevido, de acesso ilegítimo e de violação de correspondência. O Ministério Público concluiu ainda que “o projeto Football Leaks foi idealizado pelo arguido Rui Pinto”.
Já o segundo dia de alegações finais ficou marcado pela intervenção da Ordem dos Advogados, que adiantou que o dever de segredo em exercício da profissão “foi posto em causa pela ação do arguido Rui Pinto”. E deixou uma crítica ao funcionamento da Justiça: “Pode assustar qualquer um ouvir o que foi dito pelo assistente João Medeiros, que diz que já se deparou noutros processos, enquanto advogado, com notas de rodapé em que são citados e-mails trocados entre ele e outro advogado, relativamente a processos que foram cedidos deste processo“.
Para a Ordem de Advogados, “é incompreensível” que dados conseguidos através de acessos indevidos estejam noutros processos. “Como é que se permite que se promovam medidas de coação ou se responda a medidas de coação com notas de rodapé em que se andaram a vasculhar e-mails de advogados que foram ilicitamente acedidos?”