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O julgamento de Rui Pinto começou há mais de dois anos
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O julgamento de Rui Pinto começou há mais de dois anos

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O julgamento de Rui Pinto começou há mais de dois anos

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Football Leaks. O alegado ataque informático e o e-mail que interrompeu a sessão. O que aconteceu no 3º dia de alegações finais

O julgamento de Rui Pinto deveria ter terminado esta sexta-feira, mas os arguidos, assistentes e advogados regressam ao tribunal a 16 de janeiro. Em causa está um e-mail recebido por Aníbal Pinto.

Ao terceiro, e suposto último, dia de alegações finais, a sala do Tribunal Central Criminal de Lisboa voltou a estar cheia. Tal como tem sido habitual, Rui Pinto entrou pela porta lateral, sempre acompanhado por um elemento das autoridades, com o seu computador, dossier e garrafa de água. Já depois das dez da manhã, advogados, coletivo de juízes e arguidos estavam prontos para ouvir as alegações finais de Francisco Teixeira da Mota, advogado de Rui Pinto. Mas João Azevedo, advogado de Aníbal Pinto, quis falar. E os planos mudaram depois dessa intervenção. As alegações finais foram interrompidas e só serão retomadas daqui a 10 dias, a 16 de janeiro.

Depois de ter falado esta quinta-feira durante mais de duas horas, a defesa de Aníbal Pinto — advogado que representou Rui Pinto em 2015, altura das conversações com o fundo de investimento Doyen e em que estava em causa um pagamento em troca do silêncio do alegado pirata informático –, pediu a palavra e anunciou o resultado preliminar, recebido às 9h27 desta sexta-feira, de uma perícia ao computador de Aníbal Pinto. Esta perícia foi, aliás, pedida já na quinta-feira à noite, depois do segundo dia de alegações e de terem sido ouvidos os representantes dos assistentes deste caso.

"Aníbal Pinto foi atacado informaticamente pelo método de phishing pelo dr. Pedro Henriques, através do domínio da Ordem dos Advogados", refere o requerimento entregue pela defesa de Aníbal Pinto.

A defesa de Aníbal Pinto pediu então uma perícia ao computador deste arguido e, no resultado, segundo indica o requerimento entregue ao tribunal esta manhã, refere-se que “Aníbal Pinto foi atacado informaticamente pelo método de phishing pelo dr. Pedro Henriques, através do domínio da Ordem dos Advogados”.

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No dia 21 de outubro de 2015, Aníbal Pinto terá recebido um e-mail de Pedro Henriques, que representava Nélio Lucas nas negociações com Rui Pinto. O anexo que estava neste e-mail “tem características que lhe atribui um comportamento duvidoso para um URL, endereço de IP considerado como malicioso”. “Este tipo de ameaça está relacionado [com] ações de phishing ou na execução de comandos para aceder aos computadores infetados e roubo de dados”, lê-se no requerimento.

Quem surge neste e-mail?

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  • Aníbal Pinto – Arguido e advogado de Rui Pinto em 2015, altura em que representou o alegado pirata informático nas negociações com a Doyen.
  • Pedro Henriques – Representante de Nélio Lucas, representante legal da Doyen. Trocou e-mails com Aníbal Pinto em 2015, com o objetivo de chegar a um acordo entre Rui Pinto e a Doyen.
  • Nélio Lucas – Representante legal do fundo de investimento Doyen, que foi contactado em 2015 por Rui Pinto. O alegado pirata informático enviou e-mails a Nélio Lucas, dizendo que tinha informações confidenciais da Doyen.
  • José Amador – Inspetor da Polícia Judiciária. Liderou a investigação do caso Football Leaks.
  • Rogério Bravo – Inspetor-chefe da Polícia Judiciária. Chegou a ser constituído arguido por suspeitas de ter colaborado com a Doyen durante a investigação ao caso Football Leaks, mas foi ilibado.

A identificação do suspeito Rui Pinto e PJ

Considerando confiável o conteúdo do e-mail, Aníbal Pinto abriu então o link e, a partir daí, terá sido possível aceder aos ficheiros pessoais do então advogado de Rui Pinto. E é aqui que entra a Polícia Judiciária, segundo a defesa. É que nesse mesmo dia, a 21 de outubro, Pedro Henriques terá enviado um e-mail para Nélio Lucas, com o conhecimento do inspetor José Amador e do inspetor-chefe Rogério Bravo, com a seguinte mensagem: “É um pequeno texto de cobertura para lhe dar mais segurança a abrir o documento.”

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Para a defesa de Aníbal Pinto, os dois inspetores da PJ estariam a par do envio do e-mail de Pedro Henriques para o então advogado do alegado pirata informático. E só desta forma é que “conseguiram a identificação do à data suspeito Rui Pinto”. Esta sexta-feira, foi pedida ao tribunal uma perícia ao computador de Aníbal Pinto e, a confirmar-se, acrescenta a defesa, “estamos claramente perante prova proibida”, uma vez que a identificação de Rui Pinto terá sido conseguida através de acessos ilegítimos. “Ou seja, a identidade do Rui Pinto não foi obtida como José Amador testemunhou, dizendo que ouviu a descrição do Rui Pinto e fez-se luz”, lê-se no requerimento.

Para a defesa de Aníbal Pinto, os dois inspetores da PJ estariam a par do envio do e-mail de Pedro Henriques para o então advogado do alegado pirata informático. E só desta forma é que "conseguiram a identificação do à data suspeito Rui Pinto".

Neste momento, há, aliás, vários pontos suscetíveis de confirmação: primeiro, se os inspetores da PJ tinham conhecimento do envio deste e-mail; depois, se os inspetores já tinham suspeitas de que Rui Pinto era o pirata informático que procuravam, ou se, por outro lado, só obtiveram essa informação depois do ataque informático à conta de Aníbal Pinto.

O encontro na estação de serviço, no mesmo dia em que foi enviado o e-mail

Além da informação exposta esta sexta-feira pelo advogado João Azevedo, existe ainda outro ponto interessante: na acusação, é descrito um episódio que aconteceu, precisamente, no mesmo dia em que Aníbal Pinto recebeu o e-mail de Pedro Henriques.

Segundo a acusação, Nélio Lucas sugeriu a Rui Pinto um encontro entre os dois representantes — Aníbal Pinto e Pedro Henriques — no dia 21 de novembro. “A 21 de outubro de 2015, pelas 16h00, realizou-se um encontro presencial entre Nélio Lucas, o seu advogado Pedro Henriques e o arguido Aníbal Pinto (em representação do arguido Rui Pinto), na estação de serviço de Oeiras“, em Lisboa, lê-se no ponto 152 da  acusação. E mais: “Nessa data, o arguido Aníbal Pinto nunca revelou a identidade do seu cliente Rui Pinto, por forma a não denunciar o autor das mensagens.”

"A 21 de outubro de 2015, pelas 16h00, realizou-se um encontro presencial entre Nélio Lucas, o seu advogado Pedro Henriques e o arguido Aníbal Pinto (em representação do arguido Rui Pinto), na estação de serviço de Oeiras", refere a acusação.

Ainda sobre este dia, e tal como o Observador avançou em 2019, estavam também nessa estação de serviço dois inspetores da Polícia Judiciária, na mesa ao lado, a ouvir toda a conversa entre Aníbal Pinto, Nélio Lucas e Pedro Henriques.

O encontro secreto entre o ex-advogado de Rui Pinto e a Doyen — com a PJ na mesa ao lado

Voltando à defesa de Aníbal Pinto, o advogado pediu ao tribunal, além da perícia ao computador do antigo representante de Rui Pinto, que sejam novamente ouvidos Nélio Lucas, Pedro Henriques, José Amador e Rogério Bravo. Em relação ao inspetor José Amador, a defesa quer “esclarecer de que forma e quando identificou o suspeito e agora arguido Rui Pinto”.

A sessão desta sexta-feira, antes de ser interrompida, esteve ainda suspensa durante mais de meia hora, período em que o coletivo de juízes, presidido pela juíza Margarida Alves, reuniu e deliberou que a defesa e o Ministério Público têm dois dias úteis para se pronunciarem.

"Quanto às pretensões, não conseguimos atingir exatamente o esforço e perceção das mesmas, não se percebe que concreta prova é que seria nula", considerou a representante da Doyen. A Sporting SAD, a Federação Portuguesa de Futebol e a Ordem dos Advogados não quiseram pronunciar-se. 

Aliás, na mesma sessão, os representantes da Sporting SAD, da Federação Portuguesa de Futebol e da Ordem dos Advogados não quiseram pronunciar-se sobre o requerimento entregue por Aníbal Pinto. Já o advogado Rui Costa Pereira, assistente no processo, classificou a entrega do requerimento como “uma manobra dilatória, uma canelada no tribunal”, e a representante da Doyen, Sofia Ribeiro Branco, disse que os factos agora invocados pela defesa de Aníbal Pinto são “absolutamente irrelevantes”. “Quanto às pretensões, não conseguimos atingir exatamente o esforço e perceção das mesmas, não se percebe que concreta prova é que seria nula”, acrescentou.

Os recados da Ordem dos Advogados e a pena de prisão pedida pelo Ministério Público

Logo no primeiro dia de alegações finais, o Ministério Público pediu uma pena de prisão para Rui Pinto e para Aníbal Pinto, embora não tenha especificado se pretende uma pena de prisão suspensa ou efetiva. Em relação ao alegado pirata informático, não ficou provado o crime de sabotagem informática à Sporting SAD, avançou a procuradora Marta Viegas. “Foi possível percecionar que o sistema (da Sporting SAD) já se encontrava em baixo. A ação do arguido não teve então o efeito expresso na acusação”, referiu.

Sem o crime de sabotagem informática, o MP pediu então que Rui Pinto seja condenado por 89 crimes — de tentativa de extorsão, de acesso indevido, de acesso ilegítimo e de violação de correspondência. O Ministério Público concluiu ainda que “o projeto Football Leaks foi idealizado pelo arguido Rui Pinto”.

Para a Ordem de Advogados, "é incompreensível" que dados conseguidos através de acessos indevidos estejam noutros processos. "Como é que se permite que se promovam medidas de coação ou se responda a medidas de coação com notas de rodapé em que se andaram a vasculhar e-mails de advogados que foram ilicitamente acedidos?"

Já o segundo dia de alegações finais ficou marcado pela intervenção da Ordem dos Advogados, que adiantou que o dever de segredo em exercício da profissão “foi posto em causa pela ação do arguido Rui Pinto”. E deixou uma crítica ao funcionamento da Justiça: “Pode assustar qualquer um ouvir o que foi dito pelo assistente João Medeiros, que diz que já se deparou noutros processos, enquanto advogado, com notas de rodapé em que são citados e-mails trocados entre ele e outro advogado, relativamente a processos que foram cedidos deste processo“.

Para a Ordem de Advogados, “é incompreensível” que dados conseguidos através de acessos indevidos estejam noutros processos. “Como é que se permite que se promovam medidas de coação ou se responda a medidas de coação com notas de rodapé em que se andaram a vasculhar e-mails de advogados que foram ilicitamente acedidos?”

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