Esta é uma editora que nasceu do desejo de “revolucionar a literatura” e que, 40 anos depois, consegue continuar não só independente, como produzir Cultura e não apenas mercadoria. Essa editora é a Relógio d’Água, há quatro décadas a ser um oásis no meio literário, sobretudo depois do desaparecimento de projetos semelhantes, de editoras de media dimensão.
Talvez seja uma questão de estratégia ou de sorte, mas o facto é que a Relógio d’Água se mantém fiel aos princípios que nortearam a sua fundação, ainda sob ecos revolucionários: dar aos leitores portugueses livros exigentes, livros que transportem e espalhem o espírito humano, como quem espalha sementes e, com isso, contribuir para uma sociedade mais coesa, formas de vida mais justas, horizontes de sentido mais vastos. A longevidade e a independência cultural e financeira, que lhe permite disputar direitos de autores milionários com qualquer grande grupo editorial, são a prova de que se pode publicar os mundos negros da prosa poética de Rui Nunes, a bestseller Elena Ferrante, os ensaios filosóficos de Sloterdijk e ainda pagar a poetas portugueses para traduzirem poesia estrangeira. Não é pouco.
No início deste ano, Francisco Vale, o fundador (com Fernando Dacosta e Rogério Rodrigues, que depois se desvincularam do projeto) anunciou que se ia reformar. As campainha de alarme soaram. O que poderia acontecer? Fomos falar com o editor, recuámos à sua história pessoal como jovem revolucionário, a sua passagem pelo jornalismo até à criação da Relógio d’Água, à qual dedicou a vida. Um jardim que plantou, cuidou e deixou florir e que agora quer passar para as mãos do filho Carlos Vasconcelos, para poder finalmente colocar as mãos na terra e cultivar verdadeiras árvores e plantas, na sua quinta.
A história da Relógio d’Água também não pode contar-se desvinculada da história pessoal do seu editor, nomeadamente da sua formação cultural, política, humana. Que acontecimentos, que caminhos percorreu até que, em 1982, fundou a editora?
Cresci em Cabeceiras de Basto, numa família de 12 filhos. O meu pai era um proprietário rural, tinha dinheiro, mas era muito autoritário e conservador ao nível da moral e dos costumes, embora fosse politicamente liberal. E até apoiava o general Humberto Delgado. Lembro-me de haver panfletos políticos dessa campanha e talvez tenha começado aí a minha politização. Mais tarde, os meus irmãos mais velhos, que já estavam a estudar em Coimbra, davam-me a ler livros do Albert Camus e do J.P.Sartre e outros que me contagiaram com as suas ideias. Talvez inspirado neles, aos 16 anos cortei relações com o meu pai e saí de casa. Fui estudar engenharia Mecânica para o Porto, porque apesar de gostar de ler não gostava de intelectuais. Queria mexer em coisas, gostava de usar as mãos. O meu caminho na literatura fi-lo muito anarquicamente, uns livros guiavam-me aos outros.
Quando entrei para a faculdade, rapidamente me envolvi na luta política, liderei a ocupação da Faculdade de Engenharia do Porto, no final dos anos 60. Fechámos a faculdade e sequestrámos o reitor. Resultado: fui preso e expulso da universidade. Nunca mais voltei. Nessa época eu, o João Botelho [cineasta], o Francisco Louçã, o Manuel Resende [poeta], o Ferreira Fernandes [jornalista] participámos no que se designava como LCI [Liga Comunista Internacionalista]. Éramos considerados trotskistas, embora a nossa principal razão de protesto fosse a Guerra Colonial. Essa minha incursão política valeu-me ser preso pela Pide numa rua do Porto, mas consegui fugir no meio da confusão que se gerou. Depois disso, vivi na clandestinidade até ao 25 de Abril. Foi um tempo duro, mas creio que as dificuldades são a maior fonte de aprendizagem que se pode ter, até para gerir um editora.
Nunca me senti um verdadeiro trotskista, gostava mais do Gramsci e da Rosa do Luxemburgo e ainda quero editar os diários dela. Nunca me imaginei a fazer carreira na política, por isso quando caiu a ditadura desvinculei-me da LCI, que depois deu origem ao PSR, mas nessa altura eu já era só um jornalista. Comecei a trabalhar como jornalista no semanário Extra, depois passei para o Diário de Lisboa e por fim O Jornal, onde estive mais tempo e escrevia sobre Economia e Cultura.
Mas continuava a sentir-se desassossegado…
Sim, a certa altura já não tinha imaginação para bons temas, escrever boas crónicas, foi então que me vi a editar livros e a ter relações privilegiadas com pessoas que admirava. Assim como a Virginia Woolf e o marido tinham com os autores que publicavam. Entre 1982, quando fundei a RA, e 1987, ainda me mantive como jornalista. Era com parte do meu ordenado que ia levantando a editora. Mas, como não tinha dinheiro para pagar a mais do que uma pessoa, era eu próprio que fazia as traduções, e quase todo o trabalho editorial. Não tinha formação nenhuma no ramo, nem uma boa tipografia soube encontrar. Mas aquilo dava-me prazer e, em 1987, decidi dar o salto; vendi a quinta onde nasci e que tinha herdado e, com esse dinheiro, saí do jornalismo e tornei-me editor e empresário do meu próprio negócio. Uma das primeiras coisas que fiz foi começar a publicar poesia estrangeira traduzida por poetas, a quem eu pagava, claro. Foi aí que começou a segunda vida da Relógio d’Água.
Quais foram os livros inaugurais da Relógio d’Água?
Os dois primeiros livros que saíram foram o Quem da Pátria Sai de Si Mesmo Escapa? do Rui Nunes e o Soma da Hélia Correia. Tinha-os entrevistado para O Jornal e gostava dos livros deles. Telefonei-lhes a perguntar se queriam editar comigo e eles foram tão parvos que aceitaram! Tinha muita vontade de editar obras clássicas que ainda não tinham tido traduções em Português, então eu próprio traduzi a Virginia Woolf, a Casa Assombrada, que creio foi o terceiro livro da editora. Também traduzi a Katerine Mansfield, em 1983 publiquei Laços de Família da Clarice Lispector, embora ela só se tenha tornado um fenómeno de vendas em 2010…
E como foram as vendas nesse ano de 1982?
Terríveis. O Rui Nunes vendeu uns 200 exemplares. Mas continuei a editá-lo até hoje. Desde o inicio há algo muito claro para mim: só me interessa ser editor na medida em que possa imprimir um marca na Cultura portuguesa. O meu catálogo é a minha obra. Se quiser, é a minha forma de fazer política, dando às pessoas livros que as tornem melhores cidadãos. Dando mais e melhor Cultura. Nunca quis ser um editor convencional, daqueles que na verdade não passam de gestores de uma empresa.
Quais são então os editores que admira, cujo trabalho o inspira?
Os editores que mais admiro são o Ribeiro de Mello, da Afrodite, e o Vítor Silva Tavares da &Etc. Porque eram projetos quase artesanais, mas onde se podia sentir a força da sua Cultura, da sua sabedoria da arte de editar. No entanto, eram empreendimentos muito vulneráveis, que viviam da aristocracia cultural destes editores. Também admiro o trabalho de José Agostinho na Portugália, que lançou cá o William Faulkner e a Natália Nunes. Os Estúdios Cor do José Saramago fizeram muita coisa boa. Também a Ulisseia por onde passaram o Cardoso Pires e o Vítor Silva Tavares e que era graficamente muito bem conseguida. As Edições B da Estampa, onde chegou a estar o Herberto Helder, também foram um trabalho muito bom. Houve ainda a Moraes, do António Alçada Batista, que editou o Nuno Bragança ou a Hannah Arendt.
Normalmente é nessas editoras de pequena dimensão, dirigidas por quem tem verdadeira vocação de editor, que surgem os melhores livros. Porque também é preciso ter uma grande cultura para se descobrir um bom autor. Há autores que só existem porque tiveram uma editora que investiu neles, como o Kafka, por exemplo. E cá temos o caso da Agustina na Guimarães, do Fernando Pessoa na Ática, do Saramago na Caminho. Admiro editores que tiveram a sensibilidade para perceber onde estava um grande escritor.
E nos anos 80, entre essas editoras, onde ficava a Relógio d’Água?
Como disse, eu nem sabia escolher uma tipografia. Hoje olho para trás e acho os livros horríveis. Não o conteúdo, voltaria a publicá-los hoje, mas as capas, o grafismo, tudo era péssimo. Mas eu estava encantado, olhava para aqueles livros e não percebia como é que só tinham vendido 500 exemplares. Também não havia em Portugal tantos bons novos escritores como tinha havido nas décadas anteriores. Os escritores só escreviam coisas muito politizadas, tivemos cá o FMI, não havia dinheiro, foi uma década difícil. Acho que sobrevivi porque tive alguma sorte no meio disto tudo. O Napoleão dizia que trocava generais competentes por generais com sorte. Eu vi desaparecerem todos esses grandes editores porque, em parte, não souberam dar uma dimensão mais pragmática às editoras. Torná-las um projeto cultural.
Manter uma editora não é nada fácil, não basta ter olho para bons encontrar escritores promissores, tem que se falar várias línguas, conseguir contactos com editoras e agentes de escritores estrangeiros, saber o que se passa noutros países, equilibrar a editora entre escritores que vendem muito e os que vendem pouco. Por vezes, nem sequer ter autores bestseller chega. Veja-se o exemplo da Caminho, que apesar de ter o prémio Nobel português foi comprada pela Leya, não se aguentou. Ou a Assírio, que tinha os direitos de autor do Fernando Pessoa e acabou comprada pela Porto Editora. Ter um bestseller pode ser uma grande ilusão. Não basta. Considero que pelo menos de cinco em cinco anos uma editora deve ter um grande sucesso. Uma editora não vive da criatividade do editor, é uma empresa com muitos custos.
Mas o Francisco tem tido muita sorte ou astúcia, porque já tinha no catálogo da editora autores que vieram a ganhar o prémio Nobel. Além de outros nobelizados cujos direitos conseguiu comprar, como aconteceu, em 2020, com a poeta norte-americana Louise Glück. Como é que escolhe os livros, sobretudo estrangeiros, que edita?
Leio muita coisa, mas também sigo muito sugestões de autores meus, de tradutores com os quais trabalho, e agora, na língua inglesa, é o meu filho quem está atento e escolhe. Mas, na verdade, o que eu mais prezo é publicar um bom escritor português, entusiasmar-me com um bom escritor português e depois ter com eles uma boa relação, uma relação de proximidade. Repare que a Hélia Correia é a madrinha do meu filho. Claro que hoje a tecnologia facilita, antes era mais difícil aceder aos autores estrangeiros por exemplo. Ainda tenho arquivadas as cartas muito formais que trocava com o editor da Gallimard e da Minuit. Hoje mandamos emails e em pouco tempo tudo se resolve. Claro que gosto de editar os clássicos, mas não posso ir almoçar com o Stendhal. Depois também há livros que são ou foram para mim um guia da edição, como o Livro do Por Vir, do Maurice Blanchot, em que editei todos os livros de que ele fala.
Começou com os quase desconhecidos e difíceis autores Hélia Correia, Rui Nunes, Virginia Woolf, Maurice Blanchot, Walter Benjamin, Thomas Mann. Tem muitos autores que eram de nicho e isso granjeou-lhe respeito no meio literário e académico, tornou a Relógio d’Água um editora prestigiada. Isso também ajuda às vendas?
Com os autores estrangeiros e dentro deles os clássicos e a poesia, penso que mais importante do que apenas publicá-los cá foi ter investido em bons tradutores. Se um bom livro tiver um mau tradutor é um desastre. Mas escolher bons livros para editar também é uma questão de treino do olhar, da sensibilidade…
Qual foi o primeiro bestseller da Relógio d’Água?
Foi o Júlio Machado Vaz. No final dos anos 80 ele tinha um programa na rádio chamado “O Sexo dos Anjos”. Na altura ele era muito mais subversivo e inovador do que é hoje. Eu ouvia o programa e um dia propus-lhe editar aquelas conversas em livro. E foi uma explosão, eu até à televisão fui, imagine. Fizemos oito edições do livro. Depois editei os primeiros livros do Miguel Sousa Tavares que foram também um enorme sucesso. Um Nómada no Deserto e Sul tiveram também várias edições. Na mesma época, o Adeus Princesa da Clara Pinto Correia também foi muito lido.
Hoje, 40 anos e 1800 títulos em catálogo depois, quais foram os mais reeditados?
Estrangeiros: a Elena Ferrante, a tetralogia A Amiga Genial, que negociei por menos de dois mil euros, antes de ela ter explodido a nível mundial. Hoje cada livro está a ser negociado por uns 30 mil euros. Portugueses: o mais reeditado é o Portugal Hoje: o medo de existir, do José Gil. Este foi uma enorme surpresa até para ele. Na primeira edição, fiz uns 1500 e esgotou em poucos dias. Andava-se na rua e no metro e viam-se pessoas a ler o livro. Saiu em 2004 e continua a ser reeditado.
E agora o maior flop?
Eu falho muito. Mas as coisas não podem ser vistas assim. Há autores que vendem pouco mas nos quais eu acredito e quero continuar a editar, independentemente do que vendem. Creio que o menos vendido foi o primeiro livro que editei do Rui Nunes, vendeu uns 200 exemplares. Mas hoje já vende muito mais. Fazer um autor leva tempo. Há muitos fatores externos que contribuem muitas vezes para um livro não ser comprado, um deles é a má distribuição. Isso é uma coisa que me preocupa muito, quero ter a certeza que um livro é bem distribuído.
Que autor gostava muito de ter publicado e não conseguiu?
O Ruy Belo. Já tentei várias vezes publicá-lo, mas nunca consegui os direitos. Para mim, é um dos maiores poetas do século XX português.
Entre 1982 e 2022 o mundo e o país mudaram muito. Um autor seu, o filósofo francês Gilles Lipovetsky, afirma mesmo que já que estamos numa nova era civilizacional. Os ideais fundadores da Relógio d’Água, em 30 de novembro de 1982, mantêm-se?
O nosso principal ideal é ter um compromisso sério entre a criatividade e os leitores capazes de a encontrar. Eu não edito, não escolho o que vou editar em função do que os leitores querem ler. Isso também lá está, mas não é nem será nunca o mais importante. Aqui não fazemos prospeção de mercado antes de decidirmos editar um livro. O que eu quero é entusiasmar os leitores com um autor que eu acho bom, porque vender livros não é o mesmo que vender sapatos. O editor ideal tem que ter faro para perceber o que está para lá do agora, por isso procuro editar livros inovadores como foi A Era do Vazio do Lipovetsky, no fim dos anos 80.
Os leitores têm hoje expectativas muito altas em relação à Relógio d’Água. Até porque há toda uma geração de leitores que se formou com os vossos livros, sobretudo quem se interessa pela cultura germânica, por filosofia e por poesia. Para se manter independente, não terá que fazer concessões?
Uma boa editora não deve ser avaliada só pelos bons livros que edita, mas também pelos maus livros que evita. Nem todas as editoras o sabem fazer. Veja-se aquela editora que não vou nem dizer o nome mas que publica a biografia da Agustina e do Cardoso Pires e depois também publica a Cristina Ferreira e o ex-dirigente do Sporting Bruno Carvalho? Uma editora que faz isto não quer ser respeitada, quer apenas vender. Mas foi a única que teve a ministra da Cultura num lançamento seu. Se eu fosse escritor, não queria ter o meu nome associado a essa editora.
Publicar bons livros não quer dizer publicar só génios, nem publicar só bestsellers. Veja-se o caso da Elena Ferrante; vende muito, mas a sua capacidade narrativa é muito boa, ela é herdeira da melhor tradição literária italiana. Simplesmente, ela consegue chegar a um público mais vasto. Também os clássicos vendem muito e não passam a ser maus por isso. Um editor que se queira manter independente tem que jogar nos dois campos, mas eu jamais publicaria aqui a Cristina Ferreira ou o José Rodrigues dos Santos.
Onde se situa a Relógio d’Água no território literário nacional, com três grandes grupos editoriais por um lado a comprarem os direitos dos mais disputados autores nacionais e internacionais, e as pequenas editoras, persistentes, a descobrirem autores?
A nível financeiro estamos muito bem e conseguimos disputar os direitos de autor com qualquer grande grupo editorial, embora sejamos apenas uma PME, somos lideres de mercado há uns nove anos. Como temos uma estrutura equilibrada, qualquer banco nos empresta dinheiro se precisarmos. Depois vamos estando atentos, seguimos as shortlists dos principais prémios literários, temos autores portugueses muito promissores como o Gonçalo M.Tavares ou a Djaimilia Pereira de Almeida. Este ano não tivemos o Nobel. Fizemos uma oferta baixa pelos direitos de autor porque ele não nos interessava muito. Foi um prémio muito politicamente correto.
Quanto às pequenas editoras, que muito aprecio, o problema delas é que apesar de serem bons projetos não se conseguem manter financeiramente. Deixo o exemplo da Ahab, de que eu gostei bastante, e que teve uma vida curta. Os cemitérios estão cheios de pequenas e promissoras editoras. Eu olho com grande simpatia para esses projetos criativos e desejo sinceramente que se consigam manter à tona. Mas, por experiência própria, sei que é muito difícil, se eles não souberem conjugar criatividade e gestão.
Já os grandes grupos têm o problema de serem estruturas muito grandes que precisam de muito dinheiro para se manterem e, por isso, não arriscam nada. Os dois fenómenos estão interligados: sempre que os grandes grupos crescem, também surgem mais pequenas editoras. Em Espanha está a ocorrer um fenómeno idêntico.
Atualmente assistimos a um fenómeno que atingiu o meio editorial que são os livros baseados em series de televisão. A Relógio d’Água parece bastante empenhada nessa tendência que são os livros baseados em séries de streaming ou livros que posteriormente deram origem a séries. Isso não é uma concessão ao puro mercado?
As séries são um fenómeno cultural que se impôs com muita força, e ganhou muita importância no meio editorial. Mas mesmo assim nós só vamos editar aqueles que consideramos bons ou muito bons. Vejamos o caso da Ferrante ou da Sally Rooney que já tínhamos editado antes de haver qualquer série. Já a série Arsene Lupin, do escritor Maurice Leblanc, é algo que eu já tinha lido e, sendo um policial, é literatura da melhor qualidade. Não é por fazer sucesso que publicamos. A qualidade da escrita, a inventividade, a linguagem, tudo isso é mais determinante para nós.
No início deste ano anunciou que se ia reformar e passar a editora para as mãos do seu filho. Essa notícia deixou os leitores da Relógio d’Água inquietos…
Já há algum tempo que vou passando muita coisa para ele, desde a escolha de livros, até à relação com os media. Sou apenas o diretor editorial. Mas o Carlos, que também é escritor — e até já escreveu um livro que ganhou dois prémios literários) — saberá manter o nível da editora. E, enquanto eu estiver neste mundo, a Relógio d’Água não se tornará uma editora comercial. Tenciono trabalhar aqui mais dois ou três anos e depois reformar-me mesmo e ir cultivar outras coisas: as plantas e as árvores da minha quinta. Já não é aquela do Minho que vendi para construir a editora, onde até passava um rio, é uma quinta na Ericeira onde ando a construir um jardim desde há vários anos. De sexta a domingo estou lá. Os outros dias passo aqui. Mas cada vez mais o apelo da terra é maior que o apelo dos livros. Já plantei dezenas de árvores, já fiz mau vinho. Criar um jardim não é muito diferente de criar um autor: é preciso cuidado e muitas atenções. De qualquer forma, não deixarei para trás a editora, porque um editor deve morrer como um guerreiro, com a armadura posta.