O futuro da Europa começa a jogar-se esta quarta-feira na Holanda, onde os eleitores vão decidir entre manter o sistema ou um desvio considerável para a extrema-direita de Geert Wilders. Mas na terra das tulipas e dos moinhos — e também na sequência das eleições desta quarta-feira — há uma batalha pela influência que a Holanda provavelmente perderá: a cadeira do Eurogrupo. E Espanha está (outra vez) à espreita. Portugal aposta numa mudança na presidência já e o Governo não rejeita apoiar as ambições do país vizinho, ainda que agora se limite a traçar as suas exigências: apoiaremos quem se aproximar do que queremos para as políticas económicas e monetárias da União.
Quando os holandeses começarem a votar, numa conjuntura ensombrada pelos protestos da comunidade turca, a escolha estará muito centrada no partido do atual primeiro-ministro, Mark Rutte, os conservadores liberais do Partido do Povo para a Liberdade e Democracia (VVD), e o eurocético e anti-Islão de Geert Wilders, o Partido da Liberdade (PVV).
O programa de Geert Wilders cabe numa página de tamanho A4 e é claro no eleitorado a que se destina. Já Mark Rutte tem às costas um mandato muito marcado por reformas económicas durante um período de crise que, embora tenham colocado a economia na rota do crescimento acima dos 2% ao ano, também não foram muito populares. A coligação no governo holandês aumentou a idade da reforma, congelou os salários na função pública durante vários anos e criou restrições à contratação a prazo, tem vindo a cortar subsídios para os empréstimos à habitação.
Durante os anos de crise a economia cresceu de forma muito moderada e os números só começaram a dar argumentos ao Governo para poder justificar as suas políticas em 2016, altura em que a economia voltou a crescer mais de 2%, algo que deve voltar a acontecer este ano. O desemprego caiu para 5,3%, bastante abaixo dos 8,1% da zona euro e as contas públicas estão em ordem: o Estado teve um ligeiro excedente orçamental e a dívida pública ficou nos 62% do PIB, muito perto da meta de 60% imposta pelas regras orçamentais europeias.
Mas se o partido de Mark Rutte está a sofrer nas sondagens o impacto dos anos de reformas difíceis, o primeiro e principal castigado parece ser o parceiro minoritário da coligação governamental holandesa, o Partido Trabalhista (PvdA), a que pertence o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem .
Os trabalhistas são tradicionalmente apoiados pela classe trabalhadora, pelas comunidades imigrantes e por intelectuais progressistas, e nestas eleições aparecem, para já, colocados como os grandes derrotados. Num agregador de sondagens, aquele que foi o segundo partido mais votado das últimas legislativas não passa do sétimo lugar e pode não eleger sequer 30% dos deputados que conseguiu eleger no último voto popular.
A principal dificuldade do partido de Dijsselbloem, que no Governo holandês é o responsável pelas Finanças, passa por explicar aos seus apoiantes as mudanças nos apoios sociais, vistos como cortes entre as bases dos trabalhistas, que estão agora a ‘fugir’ para outros partidos. Os Verdes estão a captar a atenção dos jovens (em quinto nas sondagens) e dos mais preocupados com questões ambientais. O 50+ está a cativar os mais velhos, o DENK os imigrantes e o D66, em quarto nas sondagens, os intelectuais.
A concretizar-se aquilo para que apontam as sondagens, mesmo com uma grande coligação que o possa levar ao governo, dificilmente Mark Rutte conseguirá manter Jeroen Dijsselbloem — com a permissão de outros partidos mais votados — no cobiçado cargo de ministro das Finanças, cadeira onde se senta desde novembro de 2012.
O problema para Dijsselbloem e para a Holanda é que a presidência do Eurogrupo que lhe deu visibilidade só pode ser ocupada por um ministro das Finanças. Mesmo antes de o seu mandato acabar (em janeiro de 2018), se Dijsselbloem deixar de ser ministro das Finanças — o que é uma possibilidade muito forte –o holandês perde imediatamente a presidência do Eurogrupo.
Espanha (outra vez) à espreita
Um cargo, em grande parte, de gestão de egos e de interesses, tanto regionais como políticos, a presidência do Eurogrupo garante sobretudo visibilidade.
Apesar de não ser um grupo informal, as decisões são tomadas em reuniões das quais só sai um comunicado final com o desenho geral do que foi discutido e é nele onde têm sido tomadas as principais decisões dos últimos anos de crise. Exemplos? Foi lá que foram discutidos todos os resgates — Grécia, Irlanda, Portugal, Chipre e o apoio aos bancos espanhóis –, é nele que a Alemanha tem exercido a maior pressão (e conseguido os maiores resultados para a sua agenda) no que a decisões económicas diz respeito e é aí se espelha de forma muito clara quem tem mais voz na Europa.
Jeroen Dijsselbloem assumiu a liderança do grupo em janeiro de 2013, com um mandato de dois anos e meio, e um segundo mandato já no final de 2015, mais tarde do que o planeado devido à delicada situação da Grécia.
Foi precisamente a situação da Grécia — apesar das muitas críticas vindas de Atenas — que lhe possibilitou manter o cargo. O valor da estabilidade, numa altura delicada, e o reconhecimento, pelos seus colegas ministros, da sua capacidade de unir o Eurogrupo para negociar com a Grécia a uma só voz, permitiu ao holandês manter-se na liderança. Mas a pouco tempo de terminar o seu mandato, e com uma provável derrota nas eleições no horizonte, todo este capital pode esfumar-se.
Luis De Guindos, o ministro das Finanças espanhol, é o nome mais falado, mais do que por ser favorito, por se manter como candidato ao lugar.
O nome do espanhol para a presidência do Eurogrupo tem sido veiculado nos corredores de Bruxelas desde, pelo menos, meados de 2014. A especulação tornou-se mais intensa na segunda metade de 2015, altura em que Dijsselbloem acabava aquele que acabou por ser o seu primeiro mandato. Mariano Rajoy terá prescindido de uma luta mais aguerrida por um lugar de destaque num dos cargos europeus de topo para ficar com a presidência do Eurogrupo. Angela Merkel até chegou a dar o seu apoio público ao candidato espanhol, mas deixando um pequeno ‘mas’ que seria fatal: se fosse outro o escolhido, também não mostraria grande oposição.
Quando Dijsselbloem foi eleito pela primeira vez em 2013, Espanha foi o único país que não deu o seu voto favorável. Quase três anos mais tarde, acabaria por ver a Holanda a manter o cargo que mais desejava, e em troca o melhor que conseguiu na Comissão Europeia foi a pasta da Energia, sem sequer uma vice-presidência. Nem a presidência do Conselho Europeu (nas mãos de um polaco), nem a presidência da Comissão Europeia (um luxemburguês), nem a liderança da diplomacia europeia (uma italiana), nem o Fundo de Resgate do euro (um alemão).
Com o Banco Central Europeu liderado por um italiano, Espanha acabou por passar de uma pasta relativamente importante — mas não decisiva — na Comissão Barroso (Almunia tinha a Concorrência), para uma ainda menos importante — embora não insignificante — e sem qualquer cargo de destaque.
Os difíceis equilíbrios regionais e Portugal à espera de mudanças
Menos de dois anos depois de a Comissão Juncker assumir funções, já sofreu algumas mudanças e poderá vir a sofrer mais. A reeleição de Donald Tusk para a presidência do Conselho Europeu (apesar da oposição inédita do seu próprio país, a Polónia) e a não atribuição de um dos postos de vice-presidente, com a saída de Katalina Georgieva para o Banco Mundial, podem vir a provocar mudanças.
Segundo a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Marques, em declarações ao Observador, existe um consenso cada vez maior entre os líderes europeus que tem de existir uma mudança no Eurogrupo e não só.
O reajustamento de pastas na Comissão, que ainda tem concentrados nos comissários Valdis Dombrovskis e Pierre Moscovici competências dos serviços financeiros de Jonathan Hill, o comissário britânico que se demitiu depois do Brexit, são exemplo de algum ajustamento que pode ser feito, na perspetiva do Governo português.
A vice-presidência por atribuir, que estava destinada ao comissário Gunter Oettinger, acabou por ficar pendurada, depois das polémicas declarações polémicas, alegadamente xenófobas, do alemão. O cargo pode agora entrar numa dança das cadeiras, para equilibrar famílias políticas nas instituições europeias e sobretudo para agradar a alguns governos.
Portugal, desta vez sem candidato próprio à liderança do Eurogrupo, pode apoiar a candidatura de Luis De Guindos, do Partido Popular espanhol, apesar de este fazer parte de uma família política diferente da do atual Governo.
“Apoiamos qualquer pessoa que esteja na linha de pensamento que temos sobre aquele que deve ser o comportamento das políticas económicas e monetárias”, explicou Margarida Marques, sem avançar com um nome.
O importante para o Governo, diz a governante, é que que o pensamento em termos europeus seja o mesmo que o do Governo: “Ter uma pessoa do nosso lado e do lado do que pensamos para a política europeia”.
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Bélgica: Johan van Overtveldt, Nova Aliança Flamenga – centro-direita.
Holanda: Jeroen Dijsselbloem (Presidente), Partido Trabalhista – centro-esquerda.
Alemanha: Wolfgang Schauble, CDU – centro-direita.
Estónia: Sven Sester, União Pro Patria e Res Publica – centro-direita.
Irlanda: Michael Noonan, Fine Gael – centro-direita.
Grécia: Euclid Tsakalotos, Syriza – Esquerda radical.
Espanha: Luís De Guindos, Partido Popular – centro-direita.
França: Michel Sapin, Partido Socialista – centro-esquerda.
Itália: Pier Carlo Padoan, independente, faz parte de um governo de centro-esquerda.
Chipre: Harry Georgiades, DISU – centro-direita.
Letónia: Dana Reizniece-Ozola, Latvijai un Ventspilij – centro, eurocético e regionalista.
Lituânia: Villus Sapoka, independente, faz parte de um governo de centro-direita.
Luxemburgo: Pierre Gramegna, Partido Democrático – centro-direita.
Malta: Edward Scicluna, Partido Democrático – centro-esquerda.
Áustria: Hans Jorg Schelling, Partido do Povo – centro-direita.
Portugal: Mário Centeno, Partido Socialista – centro-esquerda.
Eslovénia: Mateja Vranicar Erman, independente, faz parte de um governo de centro esquerda
Eslováquia: Peter Kazimir, SMER-SD – centro-esquerda.
Finlândia: Petteri Orpo, National Coallition Party – centro-direita
Luis De Guindos parece enquadrar-se nesse perfil. O espanhol até foi convidado do Governo português para discursar no seminário “Um euro para o crescimento e a convergência”, que decorreu em Lisboa a 27 de janeiro, organizado pelo Governo para promover ideias para a mudança do euro.
A aprovação de De Guindos ainda depende de um delicado equilíbrio regional. O bloco mais conservador do Eurogrupo — liderado pela Alemanha, Holanda, Áustria e Finlândia — tem arrastado conseguido muitos dos países de leste, inclusivamente os que têm governos de centro-esquerda.
É importante também ter em conta que a maior parte dos ministros das Finanças do euro são de partidos de centro-direita. Há alguns independentes e de centro-esquerda, que no leste, e em termos de agenda política, está mais perto da direita do que da esquerda que conhecemos em Portugal.
Com tudo isto em cima da mesa, De Guindos parece estar novamente na corrida. Do lado de Portugal parece haver, no mínimo, abertura para a sua campanha e um desejo de mudança expresso muitas vezes pelo ministro das Finanças, Mário Centeno, e até já uma espécie de certidão de óbito passada por António Costa há cinco dias em Bruxelas ao atual líder do Eurogrupo: “Podemos contar com Jean-Claude Juncker na Comissão e com Donald Tusk no Conselho, são duas mais-valias que nós temos tido, e esperemos que rapidamente, com a mudança da presidência do Eurogrupo, possamos também ter no Eurogrupo um novo presidente capaz de dar um sinal positivo para a construção dos consensos que são essenciais para podermos ter uma zona euro mais estável e que seja um fator de união entre todos os países da zona euro”.