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A direção da Galeria Diferença em 1987: Monteiro Gil, Helena Almeida, Eduardo Nery, Albertina de Sousa, Irene Buarque

A direção da Galeria Diferença em 1987: Monteiro Gil, Helena Almeida, Eduardo Nery, Albertina de Sousa, Irene Buarque

Galeria Diferença: a história de uma arte independente e as mulheres que a construíram

A exposição “Sentada à mesa, olhando em frente” de Gwendolyn Van der Velden marca os 44 anos da Diferença, em Lisboa, e homenageia as mulheres que fizeram a cooperativa artística. Apresentamos ambas.

No número 42 da Rua São Filipe Neri, em Lisboa, a Galeria Diferença – na verdade uma cooperativa de artistas – compõe-se pelas muitas histórias que ao longo de décadas ajudam a contar o percurso deste espaço, ali fundado em 1979. Nas suas passagens, há um acervo e um centro de documentação por descobrir, com obras de alguns dos mais importantes artistas portugueses da segunda metade do século XX, mas sobretudo vestígios de um núcleo e movimento artístico construído a múltiplas vozes.

“Este pátio interior foi projetado pelo arquiteto Nuno Teotónio Pereira, aquelas escadas em caracol foram pensadas pela Helena Almeida e aquela pequena fonte é uma obra da Sarah Afonso, feita de cacos, do período em que viveu neste prédio com o seu companheiro Almada Negreiros – diz-se que provêm da loiça partida nas suas discussões enquanto casal”, aponta Rita Filipe, a atual diretora da galeria, à medida que vai percorrendo os seus espaços.

Numa outra sala da cooperativa, a artista holandesa Gwendolyn Van der Velden prepara a exposição “Sentada à mesa, olhando em frente”, em que um conjunto de aguarelas e pequenas esculturas em cerâmica homenageiam as mulheres artistas que passaram pela cooperativo ao longo dos anos. Na mostra, que inaugura esta quarta-feira, dia 15 de março, estão retratos de Irene Buarque, Cristina Ataíde, Fernanda Pissarro, Ana Vidigal, Helena Almeida ou Albertina Sousa, entre outras personalidades, que se centra na condição de se ser mulher e artista em Portugal e nos desafios que esse mesmo contexto acarreta nas diferentes práticas artísticas.

Reportagem na Galeria Diferença, que celebra 44 anos desde a data da sua inauguração. Entrevista à diretora da galeria, Rita de Almeida e à artista holandesa, Gwendolyn Van Der Velden, que inaugura no próximo dia 15 de Março de 2023 a sua exposição "Sentada à mesa, olhando em frente". 14 de Março de 2023 Galeria Diferença, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A artista holandesa Gwendolyn Van der Velden prepara a exposição “Sentada à mesa, olhando em frente”, em que um conjunto de aguarelas e pequenas esculturas em cerâmica homenageiam as mulheres artistas

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A artista nascida em 1972, a viver e a trabalhar em Lisboa há mais de 15 anos, tem registado comunidades através de retratos a aguarela, cerâmica e gravação de conversas para criar instalações adaptadas aos espaços e às suas histórias, dando-lhes o devido reconhecimento. É isso que tenta agora fazer na Diferença, depois de na sua pesquisa se ter tornado relevante regressar ao papel das artistas mulheres neste espaço. “Já tinha contactado com a Rita Filipe sobre vir a fazer uma exposição aqui e depois de algum tempo a trabalhar neste espaço, percebi que havia esse lado comunitário e feminino a que importava regressar.”

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A exposição, diz, é “um ato de escuta”, sobre um local que se tornou fundamental para muitos artistas nas últimas décadas – e para a sua independência. Nesses retratos testemunha-se um padrão social e uma partilha entre artistas e a sua multiplicidade de técnicas. “Todos nós nos queremos sentar à mesa. O que sempre entendi é que esta galeria permitiu que muitos artistas se pudessem realmente sentar à mesa, sobretudo depois da revolução portuguesa”, explica ao Observador Gwendolyn, explicando o título da mostra. “Já é difícil ser-se artista, mas em especial para as mulheres. E para muitas destas, tendo em conta o período em surgiram, essa condição era desafiante e desafiadora”, sustenta. A verdade, é que na história por detrás desta cooperativa estão muitos artistas que, nos anos que se seguiram à revolução, procuraram um local onde expor e, acima de tudo, sustenta a diretora, um local que preservasse a sua independência. Foi isso que fizeram.

Uma cooperativa num tempo de rutura

Tinham passado menos de cinco anos desde o 25 de Abril de 1974. Num período onde as poucas galerias que existiam em Lisboa estavam ainda conectadas com uma certa classe dominante do Estado Novo ou pouco interessados nas expressões artísticas mais contemporâneas, muitos artistas não encontravam formas de expor a sua arte. Essa é parte da explicação dada por Rita Filipe. E apesar da crise, a que se assistiu no final de década de 1970, e de Portugal se encontrar afastado dos circuitos internacionais, verificou-se uma confluência tímida de novos movimentos e correntes artísticas pós-vanguardistas em alguns artistas nacionais, a que a cooperativa iria dar espaço.

"O que sempre entendi é que esta galeria permitiu que muitos artistas se pudessem realmente sentar à mesa, sobretudo depois da revolução portuguesa”, explica Gwendolyn Van der Velden, explicando o título da mostra. “Já é difícil ser-se artista, mas em especial para as mulheres. E para muitas destas, tendo em conta o período em surgiram, essa condição era desafiante e desafiadora”, sustenta".

Foi a 30 de janeiro de 1979 que foi dado o primeiro passo. Nessa mesma data criava-se então a Diferença Comunicação Visual CRL, uma cooperativa cultural sem fins lucrativos, fundada a 30 de janeiro de 1979 por Ernesto de Sousa, Helena Almeida, Irene Buarque, António Palolo, Monteiro Gil, José Conduto, José Carvalho, Fernanda Pissarro, Marília Viegas e Maria Rolão. O núcleo inicial fundador da Cooperativa Diferença — Comunicação Visual nasceu a partir da Alternativa Zero organizada em 1977, que foi um marco de viragem na arte portuguesa contemporânea. A eles rapidamente se juntaram outros artistas de grande relevância como Alberto Carneiro, Julião Sarmento, Ana Vieira, Eduardo Nery, João Vieira, Artur Rosa, Nuno Teotónio Pereira. Com um modelo de sócios, muitos destes provieram da Cooperativa Grafil (1973-77), que se dedicava principalmente à gravura.

Já desde 1977 que muitos destes artistas organizavam mostras coletivas, onde se dava conta de todo um singular conjunto de expressões e técnicas plásticas e visuais que funcionariam como uma pedra no charco da arte portuguesa. Em simultâneo, foi também nesse período que vieram a Portugal muitos artistas estrangeiros como o Wolf Vostell, Cavellini, Klaus Staeck, Manolo Calvo, Michael Jager, Nicole Gravier, Regina Silveira, Julio Plaza, Dércio Pignatari ou Jun Shirasu, que colaboraram ativamente naquilo que era um vento de mudança.

Reportagem na Galeria Diferença, que celebra 44 anos desde a data da sua inauguração. Entrevista à diretora da galeria, Rita de Almeida e à artista holandesa, Gwendolyn Van Der Velden, que inaugura no próximo dia 15 de Março de 2023 a sua exposição "Sentada à mesa, olhando em frente". 14 de Março de 2023 Galeria Diferença, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A história da Diferença está ligada à de Rita Filipe, diretora: “Comecei a frequentar este espaço jovem, através da minha mãe, a Manuela Almeida, e da minha tia, Helena Almeida, uma das fundadoras"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O período era propício a um ideal que se manteve resistente no tempo. “Desde a sua fundação como espaço alternativo sem fins lucrativos, que se propõe fazer a ‘diferença’ das galerias de arte comerciais a trabalhar exclusivamente com os seus artistas, dando oportunidade de expor a artistas emergentes, dar a experienciar novas práticas artísticas e captar novos públicos”, realça Rita Filipe, que dirige o espaço desde 2021. Tal como nos pressupostos iniciais da fundação da cooperativa, a Diferença mantém-se como espaço de incentivo à experimentação, apoio à produção e apoio a novos projetos de interesse artístico e social.

Entre oficinas de serigrafia e gravura que ali se mantém em funcionamento, a programação da Diferença tem continuado a dar destaque ao trabalho de autores emergentes. “O panorama artístico da época em que foi criada só tinha galerias convencionais e conservadoras. Neste espaço deu-se uma euforia pela arte contemporânea e a liberdade de se poder expor”, sintetiza Rita Filipe, que está à frente da cooperativa desde 2021. “É preciso não esquecer que muitos destes artistas foram perseguidos pelo anterior regime e aqui abriu-se todo um novo olhar sobre o papel que a arte pode desempenhar.” A década seguinte ajudou a consolidar a ideia. Tiveram mostras de diferentes géneros artísticos, desde gravura, ao vídeo, à performance, escultura, instalação, bem como debates e audições musicais.

“Atualmente, o mercado está mais sucumbido ao poder do dinheiro e ao poder dos privados e o que vemos é que muitos artistas vêm ter connosco porque o seu trabalho não tem um propósito comerciável ou não é vendável”, diz Rita Filipe.

Em 1985 foi conferida à cooperativa o Estatuto de Utilidade Pública em reconhecimento do pioneiro trabalho de apoio a jovens artistas e também devido à estreita colaboração com a Galeria Quadrum, o CAPC de Coimbra, a Cooperativa Árvore do Porto, o Museu Vostell de Malpartida de Cáceres, o MAC de S. Paulo em ’81 e ‘85, a Arte Micro com o Grupo da Poesia Concreta Brasileira, a criação da Bienal de Fotografia com a Câmara de Vila Franca de Xira com Américo Silva, o Centro Português de Escultura e a GIEFARTE / Fundação Carmona e Costa. Foi nesse mesmo período, que a cooperativa ampliou o seu espaço – para aquele que se mantém hoje – com uma nova sala de exposições oferecida pelos arquitetos Nuno Teotónio Pereira e Artur Rosa (ambos os arquitetos premiados com Prémios Valmor) e o engenheiro Câncio Martins, realizado com os apoios da Secretaria de Estado da Cultura e da Fundação Calouste Gulbenkian e inaugurado em 1987.

Num tempo de viragem

A história deste local, esclarece Rita Filipe, está ligada à sua história de vida, mas também à cidade de Lisboa. “Comecei a frequentar este espaço jovem, através da minha mãe, a Manuela Almeida, mas também pela minha tia, a Helena Almeida, que tinha sido fundadora da cooperativa.” Veio atrás dessa presença familiar e foi naquelas oficinas onde se começou também a interessar pelo design e pela fotografia, que se tornariam os seus principais ofícios de vida. Certo é que o tempo passou pela galeria e, embora muitos dos pressupostos iniciais se mantenham importantes até hoje, a falta de apoios não tem contribuído para o melhor funcionamento do local. “Há muitos aspetos que acho que importam reviver – não de uma forma nostálgica, mas simplesmente num olhar para o que estava bem feito –, apesar das práticas que se parecem ter esquecido com o passar dos tempos”, sustenta.

Reportagem na Galeria Diferença, que celebra 44 anos desde a data da sua inauguração. Entrevista à diretora da galeria, Rita de Almeida e à artista holandesa, Gwendolyn Van Der Velden, que inaugura no próximo dia 15 de Março de 2023 a sua exposição "Sentada à mesa, olhando em frente". 14 de Março de 2023 Galeria Diferença, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Reportagem na Galeria Diferença, que celebra 44 anos desde a data da sua inauguração. Entrevista à diretora da galeria, Rita de Almeida e à artista holandesa, Gwendolyn Van Der Velden, que inaugura no próximo dia 15 de Março de 2023 a sua exposição "Sentada à mesa, olhando em frente". 14 de Março de 2023 Galeria Diferença, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Entre oficinas de serigrafia e gravura que ali se mantém em funcionamento, a programação da Diferença tem continuado a dar destaque ao trabalho de autores emergentes

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Quarenta e quatro anos depois da sua abertura de portas, passaram por ali mais de uma centena de artistas portugueses e estrangeiros. Muitos começaram a sua atividade artística na Diferença, como por exemplo Rui Órfão, elementos do grupo 8 de Évora, fundado por António Palolo, nomeadamente José Carvalho, Joaquim Tavares, Joaquim Carapinha, José Conduto e também Pedro Calapez, Ana Leon, Cabrita Reis, José Pedro Croft, Rui Sanches, José Loureiro, Rui Chafes, Miguel Branco, Manuel João Vieira, Pedro Portugal e também com colaborações frequentes com artistas sócios e não sócios como Fernando Calhau, Gaetan, Gerard Burmester, Pedro Tudela, Xana, João Queiroz ou Pedro Tropa.

Em contraponto com esse período de grande dinâmica, há, hoje em dia, um mercado da arte dominante, no qual se perdeu “uma atitude irreverente” que estava no léxico desta cooperativa. “Atualmente, o mercado está mais sucumbido ao poder do dinheiro e ao poder dos privados e o que vemos é que muitos artistas vêm ter connosco porque o seu trabalho não tem um propósito comerciável ou não é vendável”. Ainda assim, explica, a Diferença vende obras – se os artistas assim o quiserem – e vive das quotas dos sócios e dos cursos e ateliers que funcionam no primeiro andar do edifício. Sobrevive, mas há formas de fazer mais, diz a diretora: “Temos material para fazer mais exposições e uma programação que queremos manter como forma de preservar um legado”, sublinha, acrescentando que a cooperativa serviu de exemplo para outras associações que lhe seguiram o exemplo, como a Galeria Zé dos Bois (ZDB) ou a Zaratan, apresentando-se como alternativa no panorama artístico instituído.

Não deixa de referir também o papel ligado ao ativismo, num local de gerou polémicas, mas que se manteve às tendências marginais. Foram um exemplo num período de rutura, mas também espaço de consolidação para muitos nomes que se tornaram essenciais no panorama artístico nacional. Numa perspetiva de “art and life”, ali não se faz a diferença entre as práticas e uma forma de estar artística. “Há muitos artistas que querem expor e manter uma certa independência. Nós mantemo-nos de portas abertas para todos eles. O papel da Diferença continua a ser esse e gostava que voltássemos a ter a dinâmica de outros tempos e que voltasse a ser um ponto de encontro. Já se diz por aí que a ‘Diferença’ está diferente. Espero que assim seja.”

Na foto de abertura deste especial, a direção da Galeria Diferença em 1987: Monteiro Gil, Helena Almeida, Eduardo Nery, Albertina de Sousa, Irene Buarque (imagem cedida pela Diferença)

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