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O ministro das Finanças Fernando Medina à chegada para a reunião do Conselho de Ministros dedicado à temática da Ciência, em Aveiro, 6 de julho de 2023. JOSÉ COELHO/LUSA
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Plano de Estabilidade do Governo prevê uma redução do IRS, mas moldes são incertos

JOSÉ COELHO/LUSA

Plano de Estabilidade do Governo prevê uma redução do IRS, mas moldes são incertos

JOSÉ COELHO/LUSA

Governo gere expectativas sobre redução do IRS. Mas faz contas para tentar entregar “Orçamento simpático”

Atento à evolução internacional, Governo promete reduzir IRS mais do que o previsto no Plano de Estabilidade - mas com cautelas. Contas certas continuam a ser prioridade, mas guerra com PSD enervou.

O leilão que vai marcar o regresso à política começou em altas. Se até dentro do PS se antecipa há meses que o Orçamento do Estado para o próximo ano precisa de ser “expansionista” — leia-se: um meio para distribuir dinheiro às famílias em tempos difíceis –, o PSD decidiu subir a parada e avançar já com as suas propostas para baixar o IRS. Entre socialistas e Governo, o exercício que se vai fazendo é claro: lançar as suas tropas em força contra o PSD e gerir as expectativas para um Orçamento que, sendo mais “simpático” para o bolso dos contribuintes, fará por provar que as contas certas são a primeira prioridade do PS (e que a redução de impostos nunca terá dimensão suficiente para beliscar o equilíbrio orçamental).

“O Orçamento vai ser simpático. Aliás, se não fosse essa a previsão, o PSD não andava agora à procura do menor prejuízo”, atira um alto dirigente socialista. Apesar de tentar sacudir a pressão e passar a bola aos sociais-democratas, o dilema do PS é evidente: nesta altura do campeonato, o Governo está a trabalhar na construção de um Orçamento que devolva dinheiro às pessoas — depois de meses a ser acusado pela oposição de encher os cofres com os efeitos da inflação e com a cobrança de impostos — e que não estrague a reputação que o partido foi tentando construir de gerir as contas com pulso férreo, matando a fama de “despesista” que o assombrava.

No Governo, o plano mantém-se: o Executivo já previa, no Plano de Estabilidade que vai até 2027, reduzir a receita fiscal em 524 milhões de euros no próximo ano. “Não há dúvida” de que a redução continua nos planos e que esse valor será o “mínimo” com que vai trabalhar, assegura-se no Executivo. A partir daí, o que se puder reduzir dependerá da conjuntura e, mais uma vez, do equilíbrio das contas públicas. Esse objetivo virá sempre primeiro e o Governo “não irá desviar-se em nada dessa linha”, promete fonte do Executivo, com os olhos postos na meta da redução da dívida pública.

Governo mantém plano: só quer anunciar medidas mais específicas sobre OE mais perto da entrega do documento

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Dados mais finos só em setembro. Alemanha assusta

Se “o plano está feito”, falta fazer contas, e contas muito concretas. Neste momento, apurou o Observador, o Governo regressa de férias com a necessidade de fazer contas à medida que for recebendo dados relativos à receita e à execução orçamental deste ano (uma avaliação que fará até setembro) e puder projetá-los para o próximo ano, tendo em conta os “dados contraditórios” que chegam de economias com peso como a alemã (com um desempenho pior do que o esperado no segundo trimestre) ou a norte-americana (com um peso positivo).

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Ou seja: o momento é de cautela. O próximo Orçamento do Estado incluirá garantidamente uma redução do IRS — sendo admitido no Governo que será “sustentável” descer taxas, no plural, de escalões do imposto — e mexidas no IRS Jovem. Mas as alterações terão em conta a incerteza dessa evolução internacional. “Não há nada pior do que baixar para depois subir“, ouviu o Observador de fonte do Governo.

Assim, o Governo tenta pôr gelo nos pulsos e não lançar já medidas específicas contra o PSD, limitando-se a apontar os defeitos das propostas sociais-democratas. A expectativa é de que a partir de meados de setembro seja possível começar a lançar anúncios mais concretos sobre o Orçamento — cujo prazo de entrega está marcado para meio de outubro — que permitam dar algum alívio às famílias e centrar aí o discurso político.

O combate, no fundo, é o mesmo. Socialistas e sociais-democratas querem mostrar que há intenções de aliviar as famílias em tempos conturbados, a meses da próxima prova eleitoral, as eleições europeias, altura em que o próximo Orçamento já estará em vigor. O PSD até pode tentar ultrapassar o PS pela direita quando apresentar a sua proposta de redução do IRS no Parlamento, logo a 20 de setembro, mas “nessa altura já se saberão novidades do Orçamento do Estado para o próximo ano”, garante um dirigente socialista. “As boas notícias dão-se aos poucos“, acrescenta outro.

A ofensiva do PSD (e a contra-ofensiva do PS)

A tensão que rodeia o assunto é evidente: ainda Luís Montenegro não tinha começado a anunciar as medidas do PSD para esta área, na tradicional Festa do Pontal, e já o PS — pela voz do secretário-geral adjunto, João Torres — pré-reagia. O dirigente Porfírio Silva fez o mesmo, já depois do anúncio propriamente dito.

Seguiu-se uma conferência de imprensa, esta quarta-feira, em que os sociais-democratas detalharam mais especificamente o conjunto de propostas para reduzir impostos, a que o PS respondeu prontamente com uma espécie de contra-conferência de imprensa, primeiro, e com uma entrevista do braço direito de António Costa, António Mendonça Mendes, que fecharia a noite a atribuir os anúncios do PSD a uma mera guerra com a Iniciativa Liberal, descredibilizando as intenções sociais democratas.

Porquê a multiplicação de reações? “Não é uma questão de competição“, assegura fonte do Governo, embora admitindo que o terreno é fértil para o “combate político”. E faz lembrar outra guerra de rentrée que colocou o frente a frente PS e PSD no ano passado — na altura o assunto eram os pacotes de apoio às famílias e empresas por causa da inflação; o PSD também se adiantou no Pontal, apenas para ver o PS ultrapassá-lo depois, propondo um pacote com valores mais robustos.

O PSD no ano passado sentiu-se ultrapassado…“, comenta um dirigente socialista, dizendo que o instinto do partido foi, este ano, “apresentar mais” para não sair “desarmado” do combate que vai marcar a rentrée política. E, questionado sobre os anúncios do PSD, o PS não deixa pedra sobre pedra: fala em “mentiras”, “pecados capitais”, diz que as propostas são “enganadoras” e apela ao eleitorado para que tenha “memória” e se lembre dos tempos de Pedro Passos Coelho e do “enorme aumento de impostos” que veio com a troika.

O PS mostra-se assim confiante nos efeitos dos anúncios sobre um Orçamento que, como descreve um governante ao Observador, terá de mostrar que sabe conjugar “prudência” com “ambição“. A pressão dentro do próprio partido está alta. Como o Observador já escreveu, há quem dentro do PS acredite mesmo que esta será a derradeira oportunidade dos socialistas para virarem o jogo de uma legislatura acidentada e prepararem um terreno favorável rumo às eleições europeias.

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“Contas certas são património nosso”

“De facto, a dívida pública é uma preocupação relevante do PS e continuará a ser”, frisa um dirigente situado na ala mais à esquerda do PS, lembrando que em todos os grande debates protagonizados pelo Governo existe uma intervenção “dedicada às contas certas”. “Vamos demonstrar de vez que contas certas são um património nosso e não da direita. Somos absolutamente intransigentes nisso”, atira.

O que se recorda agora no PS é que o grau de redução dos impostos dependerá precisamente da receita fiscal que tiver sido arrecadada (já vai em mais de 100 mil milhões, só em IRS, desde que António Costa é primeiro-ministro, e é tendencialmente maior em tempos de inflação) e portanto com a dimensão da tal “folga” com que o Governo estiver a jogar, sendo certo que será sempre cauteloso.

“O PSD está a tentar dizer às pessoas que o Estado meteu milhões no bolso e está a extorqui-los aos cidadãos”, queixa-se um dirigente socialista, frisando que o partido tem estado a fazer uma “grande dinamização dos apoios” às famílias, com base no excedente que arrecadou. Ou seja, a mensagem que o PS quer passar nesta altura é que “o excedente não é excedente nenhum”. “O que o Estado tem arrecadado em excesso tem procurado devolver de forma justa para mitigar efeitos da inflação”, insiste-se.

Resta saber o que significa isto para o próximo Orçamento. O Governo deverá fazer uma previsão cautelosa sobre a arrecadação de impostos, mas se esta for igual à que existiu este ano — muito por causa da inflação — é dado como certo que haverá margem para devolver dinheiro aos contribuintes. Até porque este ano boa parte desse excedente foi aplicado em medidas pontuais anti-inflação, que não serão eternas.

Governo tem apostado em apoios pontuais para as famílias, mas oposição pressiona para que haja redução estrutural de impostos

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Medina avisou contra euforias desmedidas

Nos últimos meses o ministro das Finanças, Fernando Medina, foi soltando uma série de anúncios. O mais certo tem a ver com a redução do IRS, que consta do Plano de Estabilidade apresentado pelo Governo — faltando saber em que grau, ou com que intensidade, acontece. Mas também há promessas quanto a outro dos temas que mais afligem a população — o crédito à habitação — e um aparente corte com a parte mais controversa da estratégia dos tempos de Mário Centeno, com o fim das cativações para conseguir que os Orçamentos sejam mais “transparentes”.

Ainda assim, o fantasma das contas certas paira por todo o lado — e ninguém no PS está disposto a exorcizá-lo. Desde logo, Medina decidiu em julho publicar no Expresso um artigo de opinião propondo-se a explicar quais são, afinal, os “fundamentos” do caminho que o Executivo prossegue enquanto é desafiado por toda a oposição a gastar mais em apoios e baixar impostos.

Nesse artigo, Medina mostrava-se um defensor indefectível das contas certas e um adepto convicto da filosofia de Mário Centeno: “Um país que retomou a rota de convergência com a União Europeia há poucos anos, que tem uma dívida ainda elevada e que está a recuperar a sua credibilidade financeira não tem folgas orçamentais“, começava por escrever, passando depois a enumerar os méritos do Governo na redução da dívida pública (uma conquista que se vai repetindo pelos corredores do PS) e o caminho que ainda está por fazer.

Depois, o ministro desaconselhava euforias relativamente à forma de gastar as tais “folgas”. “Mesmo quando não se vislumbram crises financeiras é nossa obrigação acautelar um futuro que é por definição incerto. A ideia de que o nível de dívida não é muito relevante neste contexto é pueril e perigosa”, garantia, defendendo mesmo que a atual conjuntura de crescimento do país transforma estes tempos numa “oportunidade única em três décadas” para reduzir a dívida — fazer o contrário seria “uma falha imperdoável” também para com as gerações futuras.

Medina rematava lembrando, no outro prato da balança, os gastos do Estado com as medidas de mitigação da inflação (entre 2022 e 2023 serão de 9300 milhões de euros) e a vantagem de Portugal contar com “o maior volume de fundos europeus que já teve à sua disposição”. “A crítica de que a política económica se subordinou totalmente à redução do défice e da dívida não tem correspondência com a realidade”, respondia.

Tudo com o objetivo de responder a um dilema que se vai instalando no Largo do Rato e que contamina o Ministério das Finanças: as contas certas estão no centro, sim, e o PS quer acima de tudo consolidar uma ideia de partido responsável; mas o pior que poderia acontecer ao Governo seria passar a identificar-se com a frase que Luís Montenegro disse um dia, em 2014, e que lhe ficou colada à pele (“A vida das pessoas não está melhor, mas o país está muito melhor”).

O parágrafo final do texto era, de resto, todo um programa político assinado pelo herdeiro de Mário Centeno e João Leão. “Um compromisso que assuma que, com crescimento alto e quase pleno emprego, contas equilibradas ou até superavitárias, são a boa política a seguir. Um compromisso de redução da dívida pública, ao ritmo que as circunstâncias e o reforço do nosso contrato social o permitirem, a bem das gerações futuras e, sobretudo, da nossa soberania”. Contas certas primeiro; o resto logo se vê.

Já Marcelo Rebelo de Sousa veio, esta semana, fazer o mesmo aviso: o Estado tem as contas equilibradas e por isso existe “folga para desagravar impostos”. A dúvida é a mesma e tem a ver com o grau ou a intensidade em que essa redução acontecerá: “Muito ou pouco, vai depender da evolução da economia”. São essas as contas que o Governo promete fazer e cujos resultados promete revelar mais perto do período orçamental — e do final de um ano quente (e início de pré-campanha europeia) em que precisa mesmo de dar boas notícias.

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