Graça Freitas já comunicou ao ministro da Saúde que pretende abandonar a liderança da Direção-Geral da Saúde (DGS) em vez de renovar o mandato até 2027. A intenção da atual diretora-geral da Saúde era sair efetivamente do cargo já no dia 31 de dezembro, último dia do mandato de cinco anos que está a concluir neste momento, mas chegou a um acordo com Manuel Pizarro: ficará na liderança da DGS até ser oficialmente substituída, cumprindo as regras da administração pública que não a deixam sair do cargo sem ser substituída. Vai, por isso, dar tempo ao Governo para encontrar uma solução no início do próximo ano.

Em declarações ao Observador, o Ministério da Saúde confirmou que Graça Freitas já tinha “formalizado junto da tutela a sua vontade de não renovar a nomeação” e que “está assegurada a permanência no cargo até à sua substituição, agradecendo o Ministério da Saúde a disponibilidade demonstrada pela diretora-geral da Saúde no término do seu mandato e todo o empenho e dedicação na liderança da Direção-Geral da Saúde ao longo dos últimos anos, de um modo especial na resposta à pandemia, a maior crise global de saúde pública do último século”.

Até à substituição de Graça Freitas podem acontecer dois cenários: apontar alguém que entrará em regime de substituição, rendendo-a enquanto se espera pelo nome definitivo; ou manter a atual diretora de forma interina enquanto se espera pelo resultado do concurso da Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Público (CReSAP), que escolhe as três pessoas com melhores condições de idoneidade e competência técnica entre os candidatos, para que depois o ministro da Saúde escolha uma delas. No caso de ser colocada outra pessoa em regime de substituição, ela não fica excluída, podendo vir a ocupar o cargo de forma definitiva, depois de passar todas as fases do concurso.

O Ministério da Saúde não esclareceu ao Observador qual dos caminhos será adotado, mas sublinha que “a designação do futuro titular do cargo de Diretor-Geral da Saúde seguirá a tramitação legal, em obediência às regras de recrutamento, seleção e provimento dos cargos de direção superior da Administração Pública”. Também não detalha se no perfil que se procura se dará alguma relevância especial ao facto de o estado de pandemia não ter ainda terminado: “A escolha será naturalmente efetuada dentro de um perfil que se enquadre no quadro das competências da DGS, onde sempre estiveram presentes as responsabilidades da Autoridade de Saúde Nacional na resposta a emergências sanitárias e de saúde pública”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Nunca haverá dados escondidos, é uma garantia da diretora-geral da Saúde”

Ainda nada está fechado até porque, como refere o ministério, tudo dependerá do concurso da CReSAP. Mas várias fontes consultadas pelo Observador defendem que um dos nomes que poderá ir ao encontro do perfil procurado é o da médica pneumologista e perita em saúde pública Raquel Duarte, ex-secretária de Estado da Saúde de Marta Temido entre outubro de 2018 e outubro de 2019, professora no Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto e principal consultora para as medidas de confinamento e desconfinamento que foram sendo adotadas pelo Governo de António Costa ao longo da pandemia de Covid-19.

Por outro lado, o facto de ser do Norte poderia ser um fator de desconforto junto de uma determinada ala. Isto, porque, como avançaram as mesmas fontes ao Observador, os maiores cargos públicos na pasta da Saúde estão a ser preenchidos por membros da academia portuense — é o caso do ministro Manuel Pizarro, o da secretária de Estado da Promoção de Saúde e da cúpula da Direção Executiva do SNS. Não se sabe, porém, se no final isso poderá ter algum impacto ou não na definição do perfil do futuro DGS.

Outro nome que, de forma genérica, poderá corresponder ao perfil que se procura é o de Rui Portugal, atual subdiretor-geral da saúde, coordenador do Gabinete Regional de Intervenção para a Supressão da Covid-19 em Lisboa e Vale do Tejo e ex-presidente da Administração Regional de Saúde (ARS) Lisboa e Vale do Tejo. No entanto, o Governo poderá preferir alguém que não tenha estado diretamente envolvido na gestão da DGS dos últimos anos, dado o cansaço que os membros da comissão de serviço têm acusado devido à pandemia Covid-19.

Apesar de publicamente nunca ter sido muito interventivo, Rui Portugal foi protagonista de um momento insólito no Natal de 2020 quando, para exemplificar a aplicação das medidas de contenção naquela quadra, sugeriu aos portugueses que trocassem “compotas” enquanto mantinham o distanciamento físico.

Preferencialmente, devemos limitar todas as celebrações e os contactos, nesta quadra festiva, ao agregado familiar com quem se habita, tendo contacto com os outros membros — tanto quanto possível e desejavelmente — por meios digitais, por telefonemas, por visitas rápidas no quintal de uns e de outros, no patamar das escadas do prédio de uns e de outros, com uma troca simbólica de uma compota que um fez ou de algo que seja aprazível de um contacto humano, um contacto de proximidade, mas com distanciamento físico”, aconselhou.

Encontros nas escadas, celebrações ao pequeno-almoço e outras “soluções criativas”: 10 conselhos da DGS para um Natal seguro

No passado, quando Francisco George abandonou o cargo de diretor-geral da saúde por ter atingido o limite de idade para o exercícios de funções na administração pública (70 anos), tanto Raquel Duarte como Rui Portugal já haviam sido apontados como nomes possíveis para liderar a DGS.

Os perfis de Graça Freitas, Raquel Duarte e Rui Portugal também foram analisados na altura pela Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP) e depois apresentados ao Ministério da Saúde, à época tutelado por Adalberto Campos Fernandes, para apreciação. Graça Freitas, que já era subdiretora-geral da saúde desde 2005, acabou por ser escolhida numa época em que já estava a substituir interinamente o médico Francisco George. E assumiu o cargo a 1 de janeiro de 2018.

O mandato de cinco anos de Graça Freitas era de carácter renovável e podia efetivamente ser estendido por mais cinco anos. Com 65 anos celebrados em agosto de 2022, só em 2027 é que a médica especialista em saúde pública alcançaria o limite de idade para exercer funções de administração pública e teria de abandonar o cargo à semelhança do que fez o antecessor, Francisco George. Nesse caso, Graça Freitas teria de sair da liderança da DGS a 27 de agosto de 2027, um dia depois do seu 70º aniversário.

Mas as exigências que recaíram sobre a diretora-geral da saúde nos últimos dois anos motivaram Graça Freitas a abandonar as funções mais cedo: está “cansada” por causa das exigências que a pandemia depositou na DGS.  Aliás, com a demissão de Marta Temido, ex-ministra da Saúde, a reformulação da cúpula desse ministério e a entrada em vigor do novo Estatuto do SNS — que criou a figura do diretor executivo do SNS, desempenhada por Fernando Araújo —, Graça Freitas era das poucas resistentes após a pandemia entre os administradores públicos à frente de órgãos de autoridade na área da saúde pública. E manteve-se no cargo apesar das críticas que lhe chegaram a ser tecidas sobre a gestão da crise de saúde pública gerada pela Covid-19.

Entre essas críticas está a desvalorização inicial do potencial infeccioso do SARS-CoV-2, quando Graça Freitas disse, ainda no início de 2020, que “a probabilidade de transmissão secundária na União Europeia/Espaço Económico Europeu é baixa, desde que sejam cumpridas as práticas de prevenção e controlo de infeção relacionadas com um eventual caso importado”.

“Não há motivo para alarme”, diz DGS sobre vírus que já fez um morto na China e levou OMS a lançar alerta global

E também a demora da DGS em instituir a utilização de máscara de proteção individual para reduzir a transmissão do vírus por conferir “uma falsa sensação de segura”: “A máscara não é panaceia para tudo. Não vale a pena usar máscaras que nem sequer são impermeáveis”, disse em conferência de imprensa, acrescentando: “Não use máscaras. Tenha a contenção e o cuidado de manter distância social”. A utilização de máscara viria a ser recomendada, e depois tornada obrigatória em alguns contextos, poucos dias depois.

Ainda este verão, a diretora-geral da Saúde afirmou que a “pior coisa” que pode acontecer é “adoecer em férias” e em agosto. “Não é um bom mês para se ter acidentes ou doenças“, sublinhou: “Há muitos piqueniques e uma das coisas que as pessoas levam é o bacalhau à Brás”. É “uma coisa pré-feita de manhã, aquece-se, não chega a aquecer e os ovos são uma cultura de salmonela”.

Graça Freitas: agosto não “é bom mês para se ter acidentes ou doenças” e bacalhau à Brás “estraga muitos fins de semana” de verão

Mas o seu currículo inclui também alguns dos maiores sucessos do Serviço Nacional de Saúde português. Coordenou o Plano Nacional de Vacinação — foi no seu mandato que entraram no plano as vacinas da meningite B, rotavírus e vírus do papiloma humano para os rapazes — dirigiu os Serviços de Prevenção da Doença e Promoção da Saúde (que incluía tópicos como a saúde sexual e reprodutiva, por exemplo). Logo nos primeiros meses na liderança da DGS, Graça Freitas geriu surtos de varicela — detetado entre mulheres grávidas menos de 24 horas depois de ter substituído Francisco George —, de legionella e sarampo.