O fim de semana que marca a entronização de Pedro Nuno Santos como líder do PS vai trazer as primeiras pistas sobre o futuro do partido, seja nas entrelinhas dos discursos ou nos nomes escolhidos para ocuparem as primeiras linhas do PS neste novo ciclo. O Observador sinaliza neste texto tudo aquilo a que é preciso estar atento nesta reunião dos socialistas, a começar pela despedida do “camarada” António Costa e pelo discurso de Pedro Nuno Santos, que deverá trazer as aguardadas novidades programáticas para lançar a pré-campanha eleitoral.
Nos bastidores, os socialistas estarão ocupados a ultimar as listas aos órgãos do partido, que é suposto mostrarem a união entre fações – mas no caso das listas de deputados e da elaboração do programa eleitoral o equilíbrio será mais precário, como conta o Observador neste artigo. Também por isso será importante ouvir com atenção José Luís Carneiro e os seus apoiantes, que se agarram aos 36% que obtiveram na corrida interna como garantia de que terão uma palavra a dizer no rumo do PS. Pelo meio, Pedro Nuno terá vários obstáculos e temas delicados para enfrentar, dos CTT à Justiça, se este domingo quiser dizer que encerrou o Congresso com sucesso e mostrou um partido com vivacidade para os desafios que aí vêm.
Objetivo: união (pelo menos aparente)
Conscientes de que o PS não pode distrair-se com guerras internas enquanto prepara umas eleições difíceis, ambos os candidatos à liderança socialista assumiram desde cedo uma ideia-chave para o futuro (próximo): mostrar que existe união interna e que a batalha no PS não foi fratricida. O primeiro sinal dessa vontade foi dado logo com a constituição de uma lista única para os órgãos do partido, que será apresentada no sábado e votada no domingo. No entanto, na elaboração dos documentos que mais contam para o futuro do PS e para a distribuição de lugares no partido – as listas de deputados e o programa eleitoral – é que acontece a prova de fogo para se perceber se o ‘carneirismo’ é verdadeiramente incluído na nova vida do PS. E aqui parece haver, no mínimo, um desencontro de expectativas.
No que toca às listas de deputados, o Observador ouviu versões diferentes do lado dos apoiantes de José Luís Carneiro e de Pedro Nuno Santos. No primeiro ouve-se a garantia de que, não havendo um “acordo aritmético” propriamente dito para atribuir X lugares nas listas ao candidato derrotado, há “canais de diálogo” e existiu uma “sensibilização”, feita junto do novo líder, para que quem apoiou Carneiro não seja posto de parte e não haja uma “tenaz” que exclua os carneiristas — isto mesmo terá sido dito por Carneiro ao novo líder na reunião que tiveram na sexta-feira passada.
Já do lado de Pedro Nuno Santos essa ideia não ficou assim tão clara: mesmo garantindo que não estão a contar “varrer” os apoiantes de Carneiro do Parlamento, os socialistas que estão, por estes dias, a fazer contas para construir as listas de candidatos a deputados têm outras preocupações na cabeça.
A primeira é simples: mesmo os pedronunistas não dão por adquirido que Pedro Nuno chegue mesmo a primeiro-ministro – para isso o PS precisa de ganhar as eleições ou, no mínimo, a esquerda precisa de ter maioria no Parlamento – o que dá menos margem aos socialistas para construir listas. Ou seja, quando o PS está a contar ganhar confortavelmente umas eleições, consegue distribuir lugares contando já que vários dos seus nomes acabarão por ir para o Governo, o que abre novas vagas no Parlamento. Neste caso, não é isso que acontece – e os presidentes de federação, responsáveis por entregar as propostas de listas a Pedro Nuno, estão a “cerrar fileiras” e a proteger os seus, aponta uma fonte próxima do processo. Outra garante que o líder precisará de “satisfazer os seus caciques”, que ainda agora o ajudaram a chegar à vitória nas eleições internas do PS, e só depois poderá tentar fazer ajustes nos equilíbrios internos.
Quanto à construção do programa eleitoral, acontece o mesmo: se do lado de Carneiro se está a contar com um trabalho conjunto entre os coordenadores das duas moções – Alexandra Leitão e André Moz Caldas – que inclua conteúdos defendidos por Carneiro no programa eleitoral, do lado de Pedro Nuno espera-se apenas o envio de alguns contributos e não há garantias de que acabem por ser mesmo incluídos no programa final.
Se por agora o acordo para a constituição das listas aos órgãos do partido (que dá a Carneiro 35% dos lugares) deixou ambos os lados satisfeitos – como resume um pedronunista, foi um acordo “win-win”, em que Pedro Nuno apazigua tensões e Carneiro “legitima-se e salvaguarda a posição dos seus” – a parte mais complicada ainda está por vir. “As listas de deputados são outra conversa. Mas esta base de trabalho interna desanuvia o ambiente”, espera a mesma fonte. Até porque as listas de deputados e o programa definem as caras e propostas que vão contar no futuro do PS, e ninguém espera que Carneiro esteja quieto e calado se as coisas correrem mal a Pedro Nuno – nesse caso, o candidato derrotado contará com a legitimidade de ter uma fatia considerável do partido consigo e de ter estado afastado da era pedronunista.
O que esperar de Pedro Nuno Santos
Há uma expectativa elevada para que a liderança de Pedro Nuno Santos saia deste Congresso já com um princípio de programa eleitoral, com duas ou três medidas de preferência dirigidas à classe média, para cativar o centro político e avançar já no terreno eleitoral. O 10 de março está a cerca de dois meses de distância e no partido admite-se a urgência em ganhar a narrativa pública, não deixando um vazio que possa ser invadido por temas mais ou menos bicudos (TAP, justiça e agora também os CTT). Essa é uma das tarefas que o novo líder terá em mãos. Mas também conseguir equilibrar-se em cima de um discurso que ao mesmo tempo que assume o compromisso com o legado, renova a cara do partido que está há oito anos no Governo.
A outra expectativa, já explicada, é que o novo líder consiga unir o partido. Pelo caminho ainda tem de marcar o ritmo da resposta aos adversários políticos, afinal esta será a primeira vez que juntará o partido para mostrar a sua linha. Numa coisa não será muito diferente da estratégia anterior — e que saiu vitoriosa nas legislativas de 2022: aproximar o PSD o mais possível do Chega. E ainda aproveitar qualquer vislumbre da era Passos Coelho para lembrar pensionistas e funcionários públicos dos cortes desse tempo. A reedição da AD tem sido, aliás, já aproveitada pelo PS precisamente nesse sentido, com Pedro Nuno a chamar-lhe “projeto do passado” e a recordar que “uma das primeiras medidas” da coligação PSD-CDS em 2011 “foi cortar o subsídio de Natal”.
Os discurso a que interessa estar mais atento
O Congresso contará com intervenções de relevo logo na cerimónia de abertura, onde falarão três nomes fortes. Desde logo, António Costa, que no programa do evento já é referido simplesmente como “camarada”, deverá querer puxar dos galões no que toca à obra feita pelo seu Governo, que anda a mostrar freneticamente nestes últimos dias antes da dissolução da Assembleia da República, e poderá deixar pistas sobre o que fará a seguir, numa altura em que continuam a ser-lhe apontadas ambições a um cargo europeu. Depois, falarão o presidente da federação de Lisboa, Duarte Cordeiro – apoiante e amigo de Pedro Nuno Santos de sempre, mais afastado da política desde que foi alvo de buscas no contexto da Operação Influencer – e a presidente da concelhia, Marta Temido – o nome mais apontado no PS para concorrer à Câmara de Lisboa, tendo Pedro Nuno considerado recentemente que daria uma “excelente” autarca.
No sábado há apresentação e debate das moções políticas de orientação nacional (dos três candidatos nas diretas) e depois disso várias intervenções políticas, havendo vários socialistas que será importante ouvir. Francisco Assis será um nome incontornável, uma vez que foi uma das principais, e mais surpreendentes, figuras que Pedro Nuno convenceu a estarem ao seu lado: apesar de ter sido grande crítico da geringonça, Assis diz que os tempos mudaram e entrou no Largo do Rato ao lado de Pedro Nuno no dia da apresentação da candidatura – atitude que não caiu bem entre os carneiristas, e que agora, já como cabeça de lista à Comissão Nacional dos socialistas, deverá explicar.
Será também importante perceber o tom da intervenção que José Luís Carneiro levará ao Congresso, e de que forma se mostrará, ou não, comprometido com o projeto de Pedro Nuno Santos, assim como se deixará pistas sobre o seu próprio futuro. O candidato derrotado poderá ainda deixar algum caderno de encargos ao novo líder.
Do lado dos carneiristas, há várias figuras que podem ajudar a estabelecer o tom do Congresso e da própria convivência de fações, como Fernando Medina (que tem andado mais silencioso sobre a atualidade política), José António Vieira da Silva, Augusto Santos Silva (falaram em eventos de apoio a José Luís Carneiro, durante a campanha, por vezes com duras críticas aos pedronunistas) ou Eurico Brilhante Dias. Do lado de Pedro Nuno Santos, é expectável que subam ao palco do Congresso nomes como Francisco César, João Torres (seu diretor de campanha) ou Alexandra Leitão (coordenadora do programa eleitoral) e ainda Duarte Cordeiro — que embora esteja a dar sinais de querer afastar-se da política, tem estado a ajudar o amigo Pedro Nuno nos bastidores e vai discursar na sexta e no sábado.
Pontos delicados
Já eram muitos e os últimos dias ainda trouxeram mais uma alta sensibilidade para o PS: o avanço do Estado nos CTT numa operação do Governo em 2021 sem notícia pública da compra de ações . A tutela do setor está nas Infraestruturas, onde Pedro Nuno era ministro na altura, e embora garanta não ter conduzido o processo de reentrada do Estado na empresa, a oposição não o poupa, até porque a operação é vista como uma moeda de troca com a esquerda da geringonça — que Pedro Nuno namora. O caso surgiu nesta última semana e o novo líder do PS tardou em reagir, aguardando que o Governo o fizesse primeiro. Não aconteceu e Pedro Nuno acabou por ter de falar, primeiro para tentar sacudir o assunto para o Ministério das Finanças, depois para vir explicar que embora conhecesse o processo, não o conduziu. Só depois de tudo isto é que surgiu o primeiro-ministro, a dar as explicações por parte do Governo. A oposição não parece minimamente interessada em deixar morrer o tema.
Mas este é só o mais recente, há outros mais pesados, como a eterna questão da TAP e, claro, a questão judicial que envolver membros do Governo socialista, incluindo o primeiro-ministro. A ordem do novo líder é não deixar que esse seja assunto nos próximos meses de campanha, mas é difícil evitar que pelo palco do Congresso passem críticas ao Ministério Público. Uma das vozes que não tem seguido a orientação da nova liderança é Augusto Santos Silva que já veio atirar diretamente à investigação do Ministério Público, na operação Influencer e pedir mesmo uma decisão rápida (até às eleições) sobre a o processo-crime contra o primeiro-ministro até às eleições — o que foi prontamente criticado pela oposição, sobetudo o Chega. Santos Silva também já atacou “uma certa atitude de que os políticos são suspeitos por natureza” e a uma “cultura pouco democrática do Ministério Público” por não aceitar críticas. O antigo líder Eduardo Ferro Rodrigues foi um dos socialistas de peso que concordou com o tom e disse-o numa entrevista ao Observador logo em novembro. Vai estar neste Congresso, no entanto, não pretende intervir.
Órgãos a votos
Quanto à reorganização do partido, com novo líder depois de nove anos, vai começar no sábado pela votação do presidente do partido (onde o único candidato é Carlos César e apoiado pelo novo líder) e também da Mesa do Congresso, da Comissão de Verificação de Poderes e da Comissão de Honra. A partir daí arranca o Congresso do PS pedronunista que vai fechar, no domingo, com a votação das moções de estratégia global e dos órgãos de direção (os tais em que houve um acordo para uma representação 35% carneirista), onde se incluem a Comissão Nacional, a Comissão Nacional de Jurisdição e também a Comissão Nacional de Fiscalização Económica e Financeira. Para um dos fins de semana seguintes ficará a primeira reunião da Comissão Nacional, o órgão máximo entre congressos que vai eleger a Comissão Política Nacional (para a gestão corrente do partido) e também a equipa de direção de Pedro Nuno Santos (que o novo líder está ainda a fechar).