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Fábrica de Souselas da Cimpor que é uma das consumidores intensivas de energia
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Fábrica de Souselas da Cimpor que é uma das consumidores intensivas de energia

PAULO NOVAIS/LUSA

Fábrica de Souselas da Cimpor que é uma das consumidores intensivas de energia

PAULO NOVAIS/LUSA

Impacto da escalada da eletricidade "é gravíssimo" dizem grandes indústrias. Governo prepara pacote de medidas

Grandes consumidoras de energia dizem que nada está a ser feito em Portugal para corrigir preço "elevadíssimo" da eletricidade. Governo contraria inação e revela pacote de medidas que está a preparar.

O impacto é “gravíssimo” e a situação é “preocupante”. É assim que as grandes empresas consumidoras intensivas de energia reagem ao aumento do preço da eletricidade no mercado ibérico. O fenómeno dura há vários meses e levou já o regulador português a anunciar uma subida extraordinária da tarifa regulada para domésticos a partir de julho.

O efeito nas empresas sente-se mais cedo, até porque há vários contratos que estão indexados à cotação dos mercados grossistas —  ainda que várias tenham vindo a procurar soluções de maior estabilidade. Se é certo que depende do tipo de contratos de fornecimento que cada empresa tenha, “a alta no mercado diário também se reflete no mercado de futuros, o que agrava toda uma situação já de si preocupante”, afirma ao Observador a Associação Portuguesa dos Industriais Grandes Consumidores de Energia Elétrica.

Os associados da APIGCEE contam-se pelos dedos de duas mãos, mas representam quase 10% do consumo elétrico em Portugal. São também grandes empresas industriais com receitas anuais de 4.000 milhões de euros, dos quais mais de metade equivalem a exportações.

Os números das empresas eletrointensivas

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A APIGCEE tem 10 associados: Secil, Megasa — Siderurgia Produtos Longos, Cimpor, Solvay, Bondalti Chemicals, Ar Líquido, Navigator, Somincor, Cimentos Maceira e Pataias, Appico Maia. Segundo dados avançados pela associação, estas empresas faturaram cerca de 4.000 milhões de euros em 2019 que corresponde um VAB (valor acrescentado bruto) de 1.070 milhões de euros. As exportações valeram 2.800 milhões de euros no mesmo. São responsáveis por 6,600 postos de trabalho diretos mais de 20.000 indiretos e reinvestiram 380 milhões de euros.

São as cimenteiras, siderúrgicas, empresas de pasta, químicas e mineiras e queixam-se que o Governo não está a fazer nada para corrigir um problema que já existia antes da recente alta dos preços da energia no mercado grossista, mas que é agravado por esta evolução.

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“O impacto é gravíssimo e nada está a ser feito para ser corrigido. Em Portugal, além destes preços elevados da eletricidade nos mercados, sofremos com as tarifas de acesso às redes (custos regulados da eletricidade) mais altas dos países da nossa envolvente” — Espanha, França e Alemanha.

O Ministério do Ambiente e Ação Climática (MAAC) contraria esta tese de inação e responde, ao Observador, que está a preparar um pacote de medidas — já comunicadas à associação de consumidores intensivos — que vão “permitir reduzir os custos do preço final da energia elétrica suportada por estes consumidores”. Mas algumas só deverão entrar em vigor no próximo ano.

A produção de emissão de CO2 na atividade industrial está diretamente associada ao uso intensivo de combustíveis fósseis. A necessidade de cobrir essas emissões com licenças de poluição onera a produção destas indústrias, sobretudo com o agravamento que se tem verificado nas cotações do mercado de carbono europeu, onde são transacionadas essas licenças. A alta do mercado de carbono é também a principal razão por trás do agravamento dos preços da eletricidade no mercado grossista.

Medida para compensar indústrias por fuga de carbono avança em 2022

Uma das medidas que o Governo prevê criar é um mecanismo de compensação dos custos indiretos do CO2 que abrangerá instalações abrangidas pelo comércio de licenças e cuja atividade está exposta a risco significativo de fuga de carbono, quando há deslocalização para países menos exigentes em termos de emissões. Incluem-se nesta classificação unidades com consumo de intenso de energia que têm custos relacionados com as emissões de gases e que passam para o preço da eletricidade.

Sobre este tema, a APIGCEE diz que Portugal “deixou passar a oportunidade que existia até fim de 2020 para compensar os consumidores eletrointensivos do custo do CO2 na eletricidade, como fazem, e cada vez com maior peso, a grande parte das economias na Europa, com as quais competimos.” A associação dá exemplos de como essa compensação foi distribuída em alguns (poucos países) pela indústria, no quadro dos custos indiretos do CO2.

Em Portugal, as receitas dos leilões do CO2 têm sido canalizadas para o Fundo de Carbono. Principal destino? O abate dos custos do sistema elétrico, beneficiando genericamente todos os consumidores, mas sem um tratamento específico para grandes indústrias, que quase sempre são também grandes emissoras de gases.

Como as empresas eletrointensivas são também “fortemente exportadoras, principalmente para esses países, a situação não é sustentável para manter o nível de atividade”, diz a associação. Considerando que ainda falta muito para que as empresas possam beneficiar de condições de mercado comparáveis, “temos de estar conscientes que sem um custo de eletricidade alinhado com o dos nossos concorrentes na Europa, não é viável a indústria eletrointensiva em Portugal. A atividade, o emprego, as exportações e o investimento desaparecem”.

Na resposta dada ao Observador, fonte oficial do MAAC reconhece que a dimensão destas empresas dá-lhes algum poder negocial para conseguir melhores condições junto dos comercializadores.

Argumenta também que a competitividade da indústria – em particular, exportadora – não se coloca ao nível dos preços grossistas, que tendem a ser alinhados com o resto da Europa, mas sim ao nível das tarifas de acesso às redes. Nessa medida, destaca medidas de política energética que isentaram estes clientes de pagar uma fatia ou a totalidade de alguns custos de interesse económico geral (CIEG), como o sobrecusto das renováveis. E refere as transferências feitas para travar os custos no sistema elétrico, que permitiram manter as tarifas de acesso à rede dos grandes consumidores.

Na resposta dada ao Observador, a APIGCEE diz que as tarifas de acesso às redes que em Portugal são “mais do dobro das existentes em Espanha“, enquanto que em França e Alemanha os grandes consumidores beneficiam de uma redução quase total das tarifas em vigor.

Subsídio para cortes no fornecimento acaba em outubro, mas Governo garante regime alternativo

A associação das indústrias receia ainda a extinção da interruptibilidade, um mecanismo que subsidia os grandes consumidores em troca de micro-cortes no fornecimento que permitam uma gestão mais eficiente da rede, ajustando a procura em vez da oferta. A entrada neste regime está sujeita a teste de disponibilidade das instalações abrangidas, mas na prática o que tem acontecido é o operador da rede, a REN, nunca ativar a redução da potência. No ano passado, a interrutibilidade custou mais de 100 milhões de euros, que equivalem a um subsídio dado às empresas, sem que as 46 entidades abrangidas tivessem de enfrentar cortes ou redução da potência.

"Não existiu até agora por parte do Governo uma resposta que viabilize de forma clara e sustentável no tempo uma indústria eletrointensiva no país."
Resposta da Associação Portuguesa dos Industriais Grandes Consumidores de Energia Elétrica

Sem questionar o fim deste regime que, no passado, foi muito contestado, a APIGCEE alerta que não existem medidas concretas alternativas e pede por isso que seja prolongado até que isso aconteça. Acrescenta que enviou propostas para a criação do estatuto de consumidor intensivo, em linha com o que existe em outros países e foi validado pela Comissão Europeia — redução das tarifas de acesso às redes, a compensação pelos custos indiretos de CO2, a participação de consumidores em mecanismos de capacidade e isenções fiscais. Mas, sublinha, “não existiu até agora por parte do Governo uma resposta que viabilize de forma clara e sustentável no tempo uma indústria eletrointensiva no país.”

O MAAC justifica o fim da interruptibilidade como uma exigência da Comissão Europeia, mas diz que a gestão do sistema elétrico não pode abdicar de um instrumento que permita fazer cortes descricionários de consumos não prioritários, em nome da segurança do abastecimento. Por isso, revela na resposta ao Observador, “está a ser desenhado, no estrito cumprimento das regras e princípios da legislação europeia, um mecanismo de gestão da procura flexível, no seio do mercado de serviços de sistema, que abrange este tipo de consumidores e que entrará em vigor aquando do fim da interruptibilidade, i.e., a 1 de novembro próximo, estando, neste momento, em consulta pública pela REN”.

Está ainda a ser revisto um mecanismo de reserva de segurança acessível a estes consumidores, o qual terá ainda de ser aprovado pela Comissão Europeia.

"Está a ser desenhado, no estrito cumprimento das regras e princípios da legislação europeia, um mecanismo de gestão da procura flexível, no seio do mercado de serviços de sistema, que abrange este tipo de consumidores e que entrará em vigor aquando do fim da interruptibilidade, i.e., a 1 de novembro próximo, estando, neste momento, em consulta pública pela REN."
Resposta do Ministério do Ambiente ao Observador

O Ministério que tutela a energia refere igualmente que está a ser revista a legislação do sistema elétrico para mudar o regime de autoconsumo (produção para consumo próprio). A associação que representa as grandes indústrias está disponível para fazer investimentos em projetos de autoconsumo rentáveis, mas quer clarificar o enquadramento jurídico no sentido de “garantir a sua estabilidade durante o período de amortização dos investimentos”. Ao mesmo tempo, insiste, devem ser tomadas medidas para que o resto do consumo de energia tenha condições de custos comparáveis às verificadas na Europa, o que passa pelas compensações já referidas.

Governo confia em contratos de renováveis como seguro para contrariar subida dos preços

Sobre o impacto da alta de preços para os consumidores, o Governo anunciou esta semana uma redução da remuneração a pagar aos produtores eólicos que estenderam os contratos de tarifas garantidas entre cinco e sete ano. Essa redução irá representar uma poupança de 165 a 273 milhões de euros, segundo estimativas reveladas esta semana.

Governo anuncia redução na remuneração das eólicas. Bloco denuncia “fraude política” porque corte estava previsto

No debates sobre política climática realizado esta quarta-feira no Parlamento, o secretário de Estado da Energia afirmou que esta medida — que baixa o preço a pagar por MW/hora para 66 euros —, associada à entrada em operação das primeiras centrais solares atribuídas no leilão de potência “são a melhor garantia de que os consumidores poderão ter preços mais baixos nos próximos anos”. João Galamba sublinhou ainda que as chamadas rendas excessivas das renováveis que durante anos foram um sobrecusto para o sistema elétrico (ainda em 2020) são agora “a melhor garantia de seguro contra a subida do preço”.

O ministro do Ambiente, João Matos Fernandes (D), conversa com o secretário de Estado Adjunto e da Energia, João Galamba (E), durante o debate sobre Política Setorial, que decorreu na Assembleia da República, em Lisboa, 16 de junho de 2021. ANTÓNIO COTRIM/LUSA

João Galamba defendeu que os contratos com as renováveis vão ser um seguro contra subida de preços em 2022

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

São quase 6.000 megawatts de potência cujos preços ainda garantidos, mas revistos para 66 euros, são já competitivos face à escalada das cotações no Mibel. “Quando o preço do carbono sobe, sobe em todo o lado. Mas há um país onde há um segundo efeito. As rendas das eólicas vão desaparecer em 2022 e vão fazer o contrário do que fizeram até agora, vão baixar o preço da eletricidade” e vão constituir um seguro e uma proteção para as famílias e empresas que atribui à política energética dos PS de promoção da energia renovável.

Estas declarações foram feitas dois dias depois de o regulador da energia ter anunciado um aumento de 3% na fatura dos consumidores domésticos que ainda estão na tarifa regulada a partir de julho. A subida dos preços vai acabar por chegar, ou já chegou, à generalidade do mercado residencial e empresarial.

Eletricidade vai subir só para alguns? Ou a escalada no mercado vai chegar a todos?

Espanha quer capturar ganhos das elétricas com CO2. Portugal não vê anomalias no mercado

O Ministério do Ambiente e Transição Enegética (MAAC) reconhece que os preços verificados no mercado ibérico causam “apreensão”, mas considera que não são surpreendentes no quadro da recuperação económica pós-pandemia e com um aumento de produção das centrais a gás natural que definem o preço de mercado. Além de que não são um fenómeno exclusivo da Península Ibérica.

O Governo espanhol anunciou uma medida para capturar uma parte dos ganhos obtidos pelas centrais elétricas que beneficiam da subida dos preços de venda, mas que não tem os custos com o CO2 e cujos investimentos já estejam armazenados.  Esses ganhos sombra (windfall profits) seriam transferidos para o sistema de modo a baixar os preços da energia. As estimativas apontam para receitas até mil milhões de euros, mas há dúvida sobre a compatibilidade da iniciativa com as regras europeias.

O "Governo não tem elementos que permitam, presentemente, inferir a existência de uma anomalia de mercado ou de práticas anticoncorrenciais (...) não se encontrando assim fundamento para, neste momento, fazer uma intervenção sobre o Mibel"
Resposta do Ministério do Ambiente e Transição Energética sobre eventuais medidas contra lucros sombra das eletricas

Portugal assume que não foi informado desta iniciativa, apesar de os dois mercados elétricos estarem integrados no Mibel. E “o Governo não tem elementos que permitam, presentemente, inferir a existência de uma anomalia de mercado ou de práticas anticoncorrenciais (…) não se encontrando assim fundamento para, neste momento, fazer uma intervenção sobre o Mibel”. No entanto, acrescenta o MAAC, não deixará de estar atento à evolução do mercado ibérico.

Questionado pelo Observador sobre o eventual impacto desta iniciativa espanhola, fonte oficial da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) realça que o espírito da legislação que estabelece o mecanismo de equilíbrio concorrencial — o chamado clawback — é justamente o de neutralizar os efeitos de medidas externas sobre o preço suportado pelos consumidores portugueses”. Mas só “com a análise concreta da medida a adotar, eventualmente, em Espanha é que se poderia determinar com exatidão se o quadro legal do mecanismo de equilíbrio concorrencial acomodaria esse novo evento, ou se seria necessário proceder a algum ajustamento. Em todo o caso, tal ajustamento, a ser necessário, será em sede legislativa e não por atuação exclusiva do regulador.”

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