A crise económica provocada pela pandemia fez com que haja, neste momento, um “risco iminente de colapso de muitas empresas rentáveis” em Portugal e, por isso, a CIP – Confederação Empresarial de Portugal propôs esta quinta-feira um conjunto de “medidas temporárias” que querem ver no Orçamento do Estado para 2021, onde se inclui a transformação de linhas de crédito Covid em apoios a fundo perdido e, também, uma utilização dos prejuízos de 2020 no abatimento de lucros não futuros mas, sim, passados – uma medida que outros países europeus tomaram em resposta à crise pandémica.

Além destas (e outras) medidas temporárias que a CIP recomenda, a organização que representa os patrões apresenta, também como é habitual, uma série de “medidas permanentes” que querem, por exemplo, contribuir para que haja um “pleno aproveitamento das oportunidades abertas pelo Plano de Recuperação Europeu”. Essas são “propostas que têm como objetivo superar a atual crise em que nos encontramos e colocar definitivamente Portugal na rota do crescimento, baseado na competitividade e na produtividade como premissas essenciais para que as empresas conquistem quota de mercado nos mercados globais, criem mais emprego, gerem mais rendimento, ao mesmo tempo que integram as transições digital e ecológica”.

A “nota” que a CIP dá à resposta que o Governo tem dado à crise pandémica é: insuficiente. “A resposta orçamental dada à situação económica dramática que vivemos não é, ainda, satisfatória“. Os patrões dizem que “é patente a resistência em acionar a política fiscal no estímulo à economia” e que, neste campo, apesar de algumas medidas favoráveis, nenhuma traz qualquer alteração estrutural à fiscalidade portuguesa”.

A CIP lamenta, por exemplo, que “a medida que se revelou mais eficaz para evitar uma escalada brutal no desemprego – o lay off simplificado – foi descontinuada, sendo substituída por medidas de efeito mais reduzido, de aplicação menos flexível e associadas a condicionalismos excessivos e injustificados”. Por outro lado, “o recurso a incentivos não reembolsáveis é parco e as medidas previstas para apoiar a capitalização das empresas são de dimensão insuficiente ou ainda pouco amadurecidas”.

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Como a organização liderada por António Saraiva já veio defender, nas últimas semanas e meses, “o apoio do Estado aos seguros de crédito revelou-se tardio, limitado, inadequado e incompleto, não abarcando ainda as transações no mercado nacional”, pode ler-se no relatório apresentado esta quinta-feira. No fundo, diz a CIP, “é particularmente negativo o facto de não se ter previsto o alargamento dos diferimentos parciais de pagamento de impostos e contribuições“, o que terá uma consequência perigosa: “as empresas que recorreram a estas medidas ver-se-ão confrontadas com o pagamento dos montantes diferidos numa altura em que a superação das suas dificuldades de tesouraria ainda estará longe”.

Impostos devolvidos, créditos convertidos em subsídios e outras medidas “de caráter excecional”

O enfoque principal do relatório vai para um conjunto de “medidas temporárias, de caráter excecional, de apoio à recomposição da tesouraria das empresas e de estímulo extraordinário à economia”, o que se justifica, na ótica do presidente da CIP, António Saraiva, porque tomar medidas “é imprescindível para evitar uma escalada descontrolada do desemprego e garantir uma recuperação mais rápida e mais forte, que sustente, nos próximos anos, o regresso ao crescimento e a finanças públicas equilibradas”.

Entre as propostas está a transformação de alguns empréstimos das linhas Covid em subsídios (a “fundo perdido”) para as empresas que mantenham o emprego. Além desta, destaca-se, também, uma ideia que já foi aplicada noutros países e que passa por poder abater em lucros passados os prejuízos deste ano, invertendo a ordem normal. Eis as medidas que constam no documento que a CIP vai entregar ao Governo e aos grupos parlamentares, uma por uma.

  • Adequação dos limites das linhas de crédito com garantia mútua à procura por parte das empresas. As primeiras linhas de crédito foram totalmente consumidas, com relatos de que a procura terá superado os 10 mil milhões de euros, para um montante inicial de cerca de 6 mil milhões. O Governo está autorizado por Bruxelas a aumentar o volume, pelo que a CIP pede que esses montantes adicionais cheguem ao terreno.
  • Conversão de garantias associadas aos empréstimos obtidos ao abrigo das linhas de crédito Covid em incentivo não reembolsável, faseadamente ao longo dos próximos quatro anos, para as empresas que mantiverem a atividade económica e garantirem a manutenção do emprego. A ideia é transformar alguns dos créditos que receberam e que foram vitais para muitas empresas em março e abril em apoios a fundo perdido, desde que as empresas se comprometam com alguns objetivos designadamente na área da manutenção dos postos de trabalho.
  • Reformulação do apoio do Estado aos seguros de crédito, reconfigurando-o num regime de resseguro e alargando-o aos seguros de crédito nas transações no mercado nacional.
  • Regime excecional de reporte dos prejuízos fiscais de 2020 e 2021 para anos anteriores (tax losses carry back), permitindo um encaixe financeiro imediato para as empresas (via reembolso de imposto) e maiores receitas fiscais no futuro (uma vez que esses prejuízos deixariam de ser reportados a anos posteriores). Esta é uma medida, diz a CIP, que “está prevista no ordenamento fiscal de diversos países, incluindo França, Países Baixos, Reino Unido, e Alemanha. Na sequência da atual crise, outros países introduziram esta possibilidade, como a Bélgica, Irlanda, Noruega e República Checa”. O que está aqui em causa, basicamente, é poder inverter a ordem comum dos créditos fiscais por prejuízos – em vez de os abater em lucros futuros, usá-los para abater na fatura fiscal de lucros passados (em anos como 2019 e 2018, por exemplo).
  • Regime excecional para o exercício de 2021 de não aplicação das tributações autónomas em IRC, nomeadamente as relativas a despesas com hotelaria e viagens de negócios.
  • Regime excecional de majoração em 140% das despesas associadas à proteção dos colaboradores e dos consumidores, decorrente da pandemia, para efeitos de dedução em sede de IRC (nomeadamente as despesas associadas a equipamentos de proteção individual, alterações estruturais nos postos de venda, material desinfetante e outros) para mitigar o esforço neste tipo de produtos e operações.
  • Medidas de fiscalidade positiva que promovam a atividade dos operadores de comércio, serviços e restauração para estimular o consumo. 
  • Regime excecional de majoração em 120% das despesas com pessoal para efeitos de dedução em sede de IRC, promovendo a manutenção do emprego.
  • Previsão de um instrumento de recurso, para casos absolutamente excecionais, em que poderá haver lugar a operações de capitalização direta promovidas pelo Estado Português no quadro do novo regime de auxílios de Estado.
  • Criação pelo Governo de uma task force multidisciplinar, com representantes do mundo empresarial, para implementação do plano de suporte à economia e ao emprego e para a recuperação da estratégia de desenvolvimento.

Apoios à capitalização, IRC a caminho dos 19% e outras “medidas permanentes”

Além destas medidas temporárias, a CIP propõe, como é habitual, uma série de medidas permanentes, essencialmente “dirigidas ao enorme esforço de investimento, privado e público, que a recuperação exige, à aposta na qualificação dos recursos humanos e sua adequação às necessidades do mercado de trabalho, a um ambiente de negócios mais favorável à atividade empresarial”.

Porque “não basta que as empresas sobrevivam – é preciso que mantenham a sua solidez e a sua capacidade para impulsionar a recuperação”, a CIP pede ao Governo que lance “medidas que favoreçam o reforço de capitais das empresas” que, reconhece, “não deixarão de incluir o recurso a fundos públicos”.

O documento com as propostas da CIP será enviado ao Governo e aos grupos parlamentares.

Entre as medidas está a criação de um “Fundo de Fundos”, dotado de três mil milhões de euros para capitalização de empresas através dos fundos de capital de risco. A CIP pede, também, que se execute a medida prevista no plano de recuperação (PEES) de criar “um veículo especial para aquisição de dívida emitida por PME e colocação dessa dívida no mercado de capitais, através da emissão de obrigações, com a possibilidade de associar Garantia Mútua”.

Na linha do que os patrões defenderam no passado, pede-se que se “aprofunde” o regime de dedução de lucros retidos e reinvestidos. Aí, faria sentido aumentar a possibilidade de dedução à coleta para 50% dos lucros retidos que sejam reinvestidos em aplicações relevantes; alargar este regime a todas as empresas, até 50% da coleta de IRC; e eliminar o limite máximo absoluto do investimento, que atualmente é de 12 milhões de euros.

Um caminho de redução do IRC até aos 19% volta a estar nos planos que a CIP tem para promover “um ambiente económico favorável à atração de investimentos e ao desenvolvimento de empresas capazes de competirem no mercado global”. Nesta área, pede-se, também, um aumento de 25 mil euros para 50 mil euros no limite de matéria coletável para efeitos de aplicação às PME da taxa reduzida de 17%, em sede de IRC, sem prejuízo de taxas inferiores a aplicar ao abrigo do regime de interioridade.

A CIP quer, também, “aplicar a taxa reduzida de IRC de 12,5% a todas as empresas que operam em territórios do interior, eliminando o limite de 25 mil euros da matéria coletável atualmente aplicado”.

Nas medidas para a formação e qualificação, a CIP volta a defender que se possa passar a “alocar uma parcela da Taxa Social Única a uma conta específica de cada empresa, que poderia ser utilizada para financiamento da formação profissional certificada dos seus trabalhadores, através da correspondente redução das contribuições para a segurança social”.

É, também, lançado um repto para que se regularize de forma “urgente, completa e definitiva os pagamentos em atraso por parte de todas as entidades públicas”. A CIP propõe, mesmo, que se passe a “aplicar automaticamente juros de mora em todos os pagamentos de entidades públicas cujo prazo médio de pagamentos seja superior a 90 dias”, ao mesmo tempo que volta a defender a criação de “contas-corrente” com a administração fiscal.

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