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Administração demissionária da Inapa acusa Parpública de estar indisponível para qualquer solução e saber que isso teria "um efeito devastador" na empresa

Bloomberg via Getty Images

Administração demissionária da Inapa acusa Parpública de estar indisponível para qualquer solução e saber que isso teria "um efeito devastador" na empresa

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Inapa. Governo socialista também recusou pedido de fundos à Parpública porque só envolvia dinheiro do Estado

Empresa propôs financiamento com fundos da Parpública em 2020. Operação não avançou após secretário de Estado ter dado, no final de 2022, instruções para não haver financiamento público à Inapa.

A Inapa já andava a tentar um financiamento junto do acionista público há vários anos. E tinha esbarrado na parede também com o anterior Executivo. O Governo de António Costa recusou o pedido feito pela administração da empresa e que já teria até acordo dos privados. O processo arrasta-se pelo menos desde 2020, o que foi confirmado pela Inapa em comunicado emitido esta quinta-feira.

“Desde início de 2020 que a administração da Inapa apresentou à Parpública, enquanto maior acionista, diversas alternativas de capitalização, envolvendo sempre outros acionistas de referência. Após três anos de apresentação de diversas propostas alternativas devidamente fundamentadas, não foi possível avançar com qualquer solução por indisponibilidade da Parpública, comunicada à Inapa em janeiro de 2023″.

O “não” do Governo de António Costa tinha sido dado em novembro de 2022. No entanto, isso não empurrou a empresa para a falência, o que só veio a acontecer este ano com nova recusa de apoio público. Sobre esta situação, a administração demissionária diz agora que alertou a sua maior acionista (a Parpública) “para a necessidade premente de uma solução de capitalização que permitisse à Inapa apoiar as suas operações”. E mais. A holding do Estado foi “sensibilizada para a circunstância de que a insolvência súbita, mas absolutamente evitável, teria o efeito devastador numa empresa nacional com ações admitidas a negociação, que é, ademais, um dos principais distribuidores europeus”.

O conselho liderado por Frederico Lupi justifica assim a decisão de apresentar a renúncia, mas assegura que “continuará a trabalhar para, no mais curto espaço de tempo possível, apresentar a Inapa à insolvência, continuando a explorar todas as possíveis soluções para mitigar os impactos desta crise”.

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A Parpública foi "sensibilizada para a circunstância de que a insolvência súbita súbita, mas absolutamente evitável, acima referida, teria o efeito devastador numa empresa nacional com ações admitidas a negociação, que é, ademiais, um dos principais distribuidores europeus".
comunicado da administração demissionária da Inapa

A proposta de 2020 que foi recusada no final de 2022 pelo anterior Governo

A primeira proposta começou a ser discutida com a Parpública no ano da pandemia, levando a uma sucessão de conversas e negociações entre a gestão da empresa distribuidora de papel, os acionistas privados e a holding do Estado que detém quase 45% da Inapa. Em causa, apurou o Observador, já estaria uma operação comparável à que acabou por chegar, via Parpública, também ao atual Executivo e que pressupunha que só o acionista Estado entrasse com fundos, cujo destino seria o reembolso parcial da dívida bancária, nomeadamente dos três principais credores, dois quais dois, o BCP e o Novo Banco, eram também, à data, acionistas. Em 2020 tinham, no total, 33,64%, os mesmos direitos de votos da Parpública (que apesar disso tinha mais capital, perto de 45%).

A resposta do Governo socialista chegou no final de 2022 e foi negativa. Um despacho assinado pelo então secretário de Estado do Tesouro e Finanças, João Nuno Mendes em novembro desse ano, dava instruções à Parpública para recusar esta operação financeira. “Não via com bons olhos a operação apresentada”, confirmou ao Observador uma fonte conhecedora das negociações.

A fundamentar esta recusa estiveram, segundo apurou o Observador, vários fatores, a começar pela elevada dívida da empresa. O financiamento pedido era uma parte relativamente pequena face aos quase 200 milhões de euros de dívida bancária – em dezembro de 2022 os empréstimos bancários ascendiam a 183,5 milhões de euros a que acrescia 22,3 milhões de papel comercial. Por outro lado, o dinheiro público entraria na Inapa para sair logo de forma a reembolsar parte da dívida bancária. Também não terá sido apresentado um plano de reestruturação operacional ou financeiro.

Na prática, a Parpública teria de comprometer cerca de 12 milhões de euros. E os bancos limitavam-se a converter dívida em capital. À data, BCP e Novo Banco, eram acionistas. A Caixa já tinha vendido a sua participação, também ela resultante de dívida (obrigações) convertida em capital, ao Estado que, por sua vez, a transferiu para a Parpública. O chumbo desta operação acabou por levar o BCP a vender as ações e a sair do capital.

O montante foi, também, considerado desproporcionado face à participação do Estado, que era o maior acionista, mas minoritário, e à capitalização bolsista da Inapa (no final de 2022 a empresa valia em bolsa pouco menos de 20 milhões de euros) e à própria natureza de empresa cotada que dificultava acordos à margem do mercado de capitais. Foi ainda avaliado o perfil das operações da empresa em Portugal e ponderada a situação do setor do papel e, tal como o atual Executivo, chegou-se à conclusão que não estava em causa uma empresa estratégica. Na altura, o Ministério das Finanças (e a Parpública) enfrentavam já injeções sucessivas na Efacec, não se quiseram envolver noutro resgate em que não era claro até onde poderia ter de ir o apoio público e a que custo.

Apesar da necessidade de capitalização (o passivo era 2,7 vezes superior ao capital próprio), a recusa de injeção por parte do Estado nesta fase não atirou a empresa para a insolvência, como aconteceu já este ano.

A empresa até apresentou lucros de 17,8 milhões de euros em 2022 – voltaria aos prejuízos em 2023 de 8 milhões — mas, apesar dos lucros de 2022, havia já um desequilíbrio de capitais e um endividamento relevante, cuja redução era aliás o principal objetivo e que estava a ser paulatinamente conseguido desde 2019, ano em que por via de um efeito contabilístico e da compra da Papyrus Deutschland tinha subido, mas que sem esse efeito voltou a descer. A dívida líquida da Inapa passou, aliás, de 14,8 vezes o EBITDA para 2,5 vezes, subindo novamente em 2023 para 6,2 vezes o EBITDA (por efeito da queda dos resultados operacionais). Mas tinha um empréstimo obrigacionista feito quando comprou a Papyrus e que a pressionava todos os anos no pagamento de juro.

O colapso da Inapa. Um “líder europeu” no papel que não é estratégico para Portugal, diz o maior acionista (o Estado)

A operação recusada já em 2024 e que Parpública sabia que ser “crucial” para manter a empresa

Em 2024, com um novo presidente na Parpública, José Realinho de Matos, e um novo CEO na Inapa, Frederico Lupi (um homem que já estava na administração há vários anos), a equipa gestora da empresa voltou a tentar obter fundos do seu maior acionista, a Parpública. Isto depois de um ano muito mais complicado no mercado de distribuição do papel, com queda de vendas e prejuízos, e uma subida em flecha dos juros e dos encargos financeiros.

O ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, durante a Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública, na Assembleia da República, em Lisboa,16 maio 2024.    MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Joaquim Miranda Sarmento, ministro das Finanças, disse não ao financiamento da Parpública à Inapa

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

No comunicado divulgado esta quinta-feira pela administração demissionária na CMVM, e que chegou a estar previsto para ontem de manhã, a Inapa diz que retomou os contactos com a Parpública em 2024 sentido de apoiar uma reestruturação da empresa, com base num empréstimo de médio e longo prazo de 15 milhões de euros.

A 30 de abril, já com o novo governo em funções desde 2 de abril, a administração da Inapa terá feito chegar à Parpública uma nova operação de reestruturação financeira que envolvia fundos adicionais do Estado de 15 milhões de euros. Esses fundos chegariam através de suprimentos (empréstimo acionista), sem corresponderem a um aumento de capital para evitar o risco de ter de ser lançada uma oferta pública de aquisição por parte da Parpública, que tem 33,33% dos direitos de voto (apesar dos 45% do capital). Patamar esse que está no limiar da obrigatoriedade de lançamento de OPA.

Segundo informação obtida pelo Observador, essa operação já teria o acordo dos bancos credores e acionistas privados e previa um desconto significativo (haircut) de mais de 50% nos cerca de 110 milhões de euros que correspondem ao grosso do crédito bancário dividido pelo BCP (85 milhões de euros), pelo Novo Banco (20 milhões) e pela Caixa (5 milhões de euros).

A negociação terá sido conduzida entre a gestão e o administrador da Parpública que tinha o pelouro da Inapa, não tendo a administração da empresa falado com o Governo, nem tido conhecimento das interações da holding com a tutela.

Finanças chumbam injeção pública de 12 milhões na Inapa porque operação não era viável e empresa não tem atividade estratégica para Portugal

O Ministério das Finanças garantiu, em comunicado, que o atual Governo só teve conhecimento da situação da Inapa quando a empresa, que já estava com a corda na garganta, avisou o mercado, a 11 de julho, que não pagaria no prazo o reembolso de uma emissão obrigacionista, que entretanto não será pago devido ao pedido de insolvência. Por essa data, ainda não haveria uma resposta positiva (nem negativa) da Parpública ao pedido de 15 milhões de euros.

Segundo avançou jornal Eco, o presidente da holding, José Realinho de Matos, só foi informado da proposta dos 15 milhões de euros a 6 de junho. Mas, escreve o mesmo jornal, só a comunicou ao Ministério das Finanças 35 dias depois. Ou seja, quando a Inapa teve de tornar público o incumprimento do empréstimo obrigacionista após a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários ter suspendido pela primeira vez a negociação em bolsa.

A partir desta data e já com escassa margem temporal, a gestão da empresa ainda tenta uma solução alternativa de emergência. Em causa estava agora um empréstimo de 12 milhões de euros para evitar a rotura de tesouraria na filial alemã, que passaria por um financiamento de curto prazo, reembolsável no último trimestre, à espera das receitas de venda do papel que têm um ciclo mais positivo após o verão. Isto permitir-lhe-ia ganhar tempo e negociar a reestruturação financeira. Daí que, os responsáveis da empresa separem os dois pedidos e considerem que não se podem somar os dois montantes (15 mais 12 milhões de euros).

Já esta quinta-feira, a Inapa veio confirmar que os 12 milhões de euros correspondiam a um empréstimo de muito curto prazo a reembolsar em outubro e para o qual o contributo da Parpública era de 8,4 milhões de euros. O resto seria assegurado por outros acionistas de referência — o Novo Banco e a Nova Expressão. Diz ainda que “era do conhecimento da Parpública que a inexistência do apoio de tesouraria acima referido resultaria na declaração de insolvência na Alemanha, atendendo às estritas regras sobre prazos de pagamento vigentes na Alemanha, e no inevitável e imediato contágio à Inapa IPG e consequentemente a todo o Grupo Inapa”.

O Observador remeteu várias questões à Parpública e ao Ministério das Finanças sobre a condução deste processo ainda antes deste comunicado, mas não obteve respostas.

O deputado e ex-ministro do Partido Socialista (PS), Fernando Medina, intervém durante a sua audição na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública, sobre os factos mencionados pela UTAO no relatório n.º 4/2024, na Assembleia da República, em Lisboa, 14 de maio de 2024. MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Em 2022 o Ministério das Finanças, então liderado por Fernando Medina, também disse não a um financiamento à Inapa

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Venda da Inapa pela Parpública? Orientação chegou em 2022 mas não avançou

A Inapa “é uma empresa privada, não tendo uma atividade considerada como estratégica para a economia portuguesa”. A declaração do Ministério das Finanças, para explicar o “não” para o financiamento este ano, revela outro pressuposto. A Inapa está no balanço da Parpública, mas não é uma posição estratégica, logo será para vender. Só que pouco foi sendo feito até ao momento para isso acontecer.

Na orientação dada em 2022 pelo então secretário de Estado do Tesouro e Finanças à Parpública para não financiar a reestruturação da Inapa, estavam também instruções para a empresa do Estado avaliar uma eventual venda da participação. E este não era um cenário novo. No passado, a alienação da Inapa fez parte das intenções políticas — em 2006 no primeiro Governo de José Sócrates, a operação estava no pacote de privatizações a realizar até ao ano seguinte, mas foi retirada devido a razões de mercado.

Não se conhecem processos concretos ou mandatos atribuídos quer à administração, quer a bancos de investimento para encontrar compradores. O facto de ser uma posição minoritária numa empresa cotada em bolsa e a operar num setor considerado difícil porque muito exposto à revolução digital, são explicações.

Fontes próximas da Inapa garantem que a gestão nunca recebeu instruções do acionista Parpública para encontrar comprador para esta posição nem foi informada de diligências do acionista público de eventual venda. E, acrescentam, não tinha, necessariamente, de passar pela administração, na medida em que são decisões acionistas. Também quando o BCP começou a vender a sua participação não houve qualquer intervenção da gestão.

O BCP era o segundo maior acionista. Mas, apesar de ser o maior credor com 85 milhões de euros, foi reduzindo a sua participação a partir de 2022, deixando de ter uma participação qualificada em 2023.  Aliás, em 2022 o BCP passou de 21,47% para uma participação de 13,51% no final desse ano. A 15 de novembro o BCP comunica a redução da sua participação, numa altura em que estaria a ser decidido o desfecho (desfavorável) da reestruturação que a gestão tentava levar a bom porto há alguns anos. Poucos dias antes, a Inapa tinha atingido o pico da cotação desse ano, nos 5,1 cêntimos.

Atualmente a cotação da ação (suspensa desde segunda-feira) está abaixo de 3 cêntimos, menos do que os 4 cêntimos que valia no final de 2023 e que levou a Parpública a registar, nas contas desse ano, um valor para a participação de 8,7 milhões de euros, o que reflete menos 10 milhões do que o custo de aquisição que foi de 18,9 milhões devido a imparidades registadas por essa participação por parte da holding pública.

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