Houve fogo-amigo no tiro que matou Cotrim como vice-presidente da AR: a indignação da bancada do PSD com o comportamento da IL nos últimos dias no chamado “jogo das cadeiras” levou vários deputados sociais-democratas a não votarem no liberal. A isso somaram-se votos brancos, mais esperados, de deputados do PS e dos partidos à esquerda. Resultado: João Cotrim Figueiredo acabou chumbado com 108 votos a favor como vice-presidente da AR, quando a sua bancada tem apenas oito deputados. Agora o Parlamento ficará com dois vices apenas, o que não impede o funcionamento da Mesa.

No PS, na reunião da bancada de manhã, foi defendido o voto no candidato da Iniciativa Liberal para o diferenciar do candidato do Chega. Grande parte dos deputados socialistas (nas contas da direção, cerca de 75% — impossíveis de confirmar porque o voto é secreto) garantem ter feito isso mesmo, mas não chegou e os socialistas levantaram logo a suspeita sobre o PSD.

O chumbo de Cotrim foi o mais inesperado, mas mais inesperado ainda — apesar de o voto ser secreto — é quem terá contribuído para esse chumbo. Não terá sido apenas a esquerda, mas também de uma parte da bancada do PSD.

Como a IL perdeu votos dos deputados do PSD

A popularidade de João Cotrim Figueiredo junto dos deputados do PSD entrou em queda quando, na última reunião da bancada social-democrata, foram informados das posições da IL na conferência de líderes. Os deputados Catarina Rocha Ferreira e Duarte Pacheco passaram a informação de que a IL queria ficar com um dos lugares do PSD na primeira fila. A partir daí, tudo mudou.

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“Percebemos que a IL andava a jiboiar com o PS para nos roubar um lugar na fila da frente. Ao perceber isso, a malta ficou doida na reunião da bancada e passou a ser óbvio que muitos não iam votar no Cotrim”, diz um dos deputados presentes ao Observador. “Essa postura da IL, de garotice, na conferência de líderes, matou a hipótese de o Cotrim ser vice-presidente. É bem-feito, para não se armarem em Bloco da direita. Estão a tentar fazer-nos o que o Bloco fez ao PS no passado”, completa outra fonte também presente. Como o Observador noticiou a 22 de março, a IL admitiu um “contacto prévio” com o PS e isso, para o PSD, foi uma traição.

Várias fontes na reunião da bancada do PSD confirmam assim ao Observador que — após o relato do que se passou na conferência de líderes — alguns deputados do PSD manifestaram a sua indignação relativamente à Iniciativa Liberal.

Rui Rio também criticou a postura da IL na conferência de líderes, mas tentou colocar alguma água na fervura e dizer que, por princípio, devem ser respeitadas as indicações dos partidos. A preocupação do líder do PSD até era mais com os socialistas, pois terá lembrado que “não se ganha credibilidade” a votar contra nomes do PS como aconteceu na legislatura anterior.

Mas já era tarde de mais. A imagem da IL junto dos deputados do PSD já não era a mesma e a vontade era de “dar uma lição” — até porque foi decido dar liberdade de voto aos deputados, sem uma imposição vinda de cima. “Ficámos aziados, irritados, claro”, confessam vários deputados, mesmo que o adjetivo vá mudando.

Já depois do chumbo do nome de Cotrim Figueiredo, um dos deputados do PSD não teve pudor em assumir ao Observador corresponsabilidade do chumbo do presidente da IL como vice da AR: “É óbvio que o chumbo é consequência do comportamento desleal da IL relativamente ao PSD“. O Observador contactou sete deputados do PSD que admitem que a bancada ajudou a chumbar o nome de Cotrim, mas todos ressalvam que “não houve nada concertado”, mas sim “sentimento de desrespeito que foi comum a muitos de nós”.

Na bancada do PS, defendeu-se Cotrim

De manhã, na bancada parlamentar do PS, pelo menos três deputados  (Porfírio Silva, Pedro Delgado Alves e Eurico Brilhante Dias) defenderam que os socialistas votassem a favor do candidato da Iniciativa Liberal à vice-presidência da Assembleia da República, entre eles o líder parlamentar. Eurico Brilhante Dias não deu indicação de voto à bancada que teve liberdade de voto, mas foi transmitido o entendimento que havia uma diferença a fazer e que os candidatos do Chega e IL não deviam ser colocados no mesmo saco.

Depois de tudo encerrado, o líder parlamentar do PS veio assumir publicamente que havia essa linha entre a maioria dos deputados socialistas. Em declarações aos jornalistas explicou: “Sempre sublinhámos — e acreditamos que foi isso que aconteceu na maioria dos deputados do PS — que é possível votar em todos os candidatos democratas. Em consciência, quem se apresenta no Parlamento eleito pelas listas do PS defende um conjunto de valores que são incompatíveis com as do Chega e são corporizadas pelos seus deputados”.

Eurico Brilhante Dias afirmou mesmo que “o PS distinguiu de forma clara candidatos de forças políticas democráticas, de candidatos de forças políticas anti-democráticas e com forte conotação racista e xenófoba e isso ficou evidente na votação”. E ainda destacou a “forma humilde e democrática como João Cotrim Figueiredo aceitou o resultado eleitoral. Teve muitos mais votos que os possíveis a partir do seu grupo, mais 100 votos, e isso demonstra bem como em liberdade votámos e como em liberdade democrática aceitou o veredicto”.

O PS considerou mesmo que pelo resultado da primeira votação “não é difícil perceber qual o partido político que quis inviabilizar a candidatura de João Cotrim Figueiredo. É claro e objetivo e por qualquer leitura dos resultados é fácil perceber”. O líder da IL foi rejeitado com 108 votos a favor, 110 brancos e seis nulos, quando tem apenas 8 deputados na Assembleia da República. Cem votos vieram de outras bancadas.

Ora, os socialistas reclamam ainda o incumprimento do acordo de cavalheiros firmado entre as duas bancadas sobre os cargos que foram a votos nesta quinta-feira. Apesar de a maioria socialista ser suficiente para garantir a eleição dos candidatos apresentados pelo partido tanto à vice-presidência, como a secretários e vice-secretários da Mesa, o PS acordou informalmente com o PSD que garantiria que também os seus candidatos seriam eleitos.

Mas na hora da votação secreta, foi possível ver que, aos 77 deputados do PSD foram sempre somados mais votos de outras bancadas, garantindo uma maioria robusta, e que isso não aconteceu em igual proporção quando se trataram dos candidatos do PS. Aliás, viu-se logo na votação de Edite Estrela (PS), que teve 159 votos a favor, enquanto Adão Silva (PSD) teve 190 votos favoráveis. O mesmo na votação dos secretários da Mesa, com Maria da Luz Rosinha e Palmira Maciel, ambas PS, a conseguirem menos votos a favor do que Duarte Pacheco e Lina Lopes, ambos do PSD. E o mesmo ainda para os secretários da Mesa. O PSD “falhou” ao PS.

Aliás, os resultados que superaram os do PS foram sendo sinalizados com aplausos da bancada do PSD o que irritou os socialistas da direção da bancada (ontem eleita) que viam nos números o incumprimento do acordo informal.

Dois ‘vices’ chumbados. E agora?

O Chega prometeu voltar à carga com nova candidatura, mas sem data concreta. André Ventura diz que o Chega “voltará a este assunto quando entender que seja necessário”. Já Cotrim Figueiredo disse que, pela Iniciativa Liberal, não haverá nova candidatura. Assim, a Mesa da Assembleia da República ficará apenas com dois vice-presidente, quando pode ter quatro — com o Chega e a IL a reclamarem ter, no atual quadro parlamentar, direito a lugares neste órgão.

A discussão chegou a colocar-se logo depois das eleições legislativas, com o Chega a avisar que apresentaria candidato, já que o Regimento da Assembleia da República prevê que “cada um dos quatro maiores grupos parlamentares propõe um vice-Presidente e, tendo um décimo ou mais do número de deputados, pelo menos um secretário e um vice-Secretário”. Acontece que o mesmo artigo define, no número dois, que “consideram-se eleitos os candidatos que obtiverem a maioria absoluta dos votos dos deputados em efetividade de funções”, coisa que os candidatos indicados pelos dois novos grupos parlamentares não conseguiram.

E se o vice do Chega for chumbado? A lei, a prática e como o Parlamento está imune a um impasse

O Regimento determina ainda que “eleitos o Presidente e metade dos restantes membros da Mesa [da Assembleia da República], considera-se atingido o quórum necessário ao seu funcionamento”. Tendo sido eleitos dois vices-presidentes, quatro secretários e quatro vice-secretários, há elementos suficientes para funcionamento legítimo.

Caso se torne curto o número de ‘vices’ para fazer face às substituições do presidente que venham a ser necessárias ou a outras situações imponderáveis, o mesmo Regimento prevê que, caso nenhum dos ‘vices’ esteja disponível para presidir a reuniões do plenário, que isso seja coberto “pelo deputado mais antigo e, em caso de idêntica antiguidade, pelo mais idoso de entre os mais antigos”.