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Inés Arrimadas. A maria-rapaz que ficou em primeiro lugar na Catalunha

Inés Arrimadas levou o Ciudadanos ao primeiro lugar nas eleições da Catalunha. É contra a independência, já foi gozada por ser bonita e até usou um passaporte para atacar Puigdemont.

[Artigo publicado originalmente a 19 de dezembro e atualizado a 22]

Naquele que foi um dos dias mais estranhos da política catalã, Inés Arrimadas guardou o trunfo para o fim. Momentos antes, naquele 10 de outubro de 2017, o então presidente do governo regional da Catalunha, Carles Puigdemont, declarou a independência da Catalunha para, segundos depois, suspendê-la. À confusa declaração do líder da Generalitat, seguiram-se os discursos dos líderes de cada um das bancadas parlamentares.

Quando chegou a sua vez, Inés Arrimadas foi dura no discurso, que dirigiu integralmente ao “senhor Puigdemont”. “Ninguém na Europa apoia o que você acaba de fazer, senhor Puigdemont”, atirou-lhe. “Vocês são o pior do pior do nacionalismo”, continuou. “Ninguém na Europa apoia o que você acaba de fazer, senhor Puigdemont”, acrescentou. “Pode enganar alguns, mas a maioria confia mais no senhor Juncker do que no senhor Junqueras [ex-número dois do governo regional catalão]”, insistiu.

Cada uma destas frases, entre tantas outras, foram ditas com a postura que adota sempre que quer imprimir um tom grave ao que diz: sobrolhos franzidos e costas ligeiramente curvadas, enquanto gesticula com as mãos, como se falasse com elas.

Porém, houve uma parte do seu discurso em que repousou as mãos sobre o púlpito e, entre os seus papéis, pegou num passaporte espanhol. Era aquele o seu trunfo e tinha chegado a altura de usá-lo. “Os meus pais, os meus irmão e os meus sobrinhos vivem na Andaluzia, senhor Puigdemont”, disse, para depois rematar: “Não vou permitir que lhes peçam o passaporte para virem visitar-me”.

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A biografia de Inés Arrimadas — que foi a cabeça de lista dos Ciudadanos nas eleições desta quinta-feira, conseguindo o primeiro lugar na votação, e que se destaca pela luta contra a independência — espalha-se por várias partes de Espanha. As raízes da sua família são em Salmoral, uma aldeia perto de Salamanca onde atualmente vivem 147 pessoas. Os quatro avós nasceram lá e também foi ali que os pais, Rufino Arrimadas e Inés Garcia, se conheceram. Depois de ter terminado o curso de Direito na Universidade de Salamanca, Rufino conseguiu convencer a mulher a mudarem-se para Barcelona, onde trabalhou como polícia a tempo inteiro. Mudaram-se para a capital da Catalunha em 1959 e em 1970, quando Rufino Arrimadas já era fluente em catalão — a sua mulher, que foi doméstica aquele tempo todo, nunca se acostumou àquele idioma — voltaram a alterar a morada. Dessa vez, para Jerez de la Frontera, na Andaluzia, por ali viverem os pais de Inés Garcia. Passados onze anos na Catalunha, a família Arrimadas parecia colocar ali um ponto final da sua vida naquela região — desconhecendo que, décadas depois, a sua quinta e última filha iria tratar de escrever um novo parágrafo.

“Os meus pais, os meus irmãos e os meus sobrinhos vivem na Andaluzia, senhor Puigdemont. Não vou permitir que lhes peçam o passaporte para virem visitar-me."
Inés Arrimadas, no parlamento catalão depois de Carles Puigdemont ter declarado a independência da Catalunha

Se aos 36 anos os primeiros comentários que Inés Arrimadas causa apontam invariavelmente para a sua boa aparência e traços delicados, as histórias que remanescem da sua infância e adolescência mostram uma maria-rapaz pouco dada a bonecas e vestidos. “Nunca pensei que fosse bonita”, costuma dizer nas entrevistas. Na infância e adolescência, a sua preocupação era outra: futebol. “A verdade é que sempre fui muito masculina”, disse numa entrevista ao El Español. “Relacionava-me sempre com rapazes, sabia o nome de todos os jogadores de futebol, das equipas titulares, discutia com os meus amigos depois de cada jornada do campeonato.” Durante anos, participava na Liga Fantástica do desportivo Marca, enviando religiosamente por carta o 11 da sua eleição numa carta para a redação daquele jornal. No alinhamento escolhido, era frequente ver nomes como Koeman, Stoichkov, Guardiola ou Ronaldo. Neste caso, o que parece é: além de ser fanática por futebol, Inés Arrimadas era uma adepta ferrenha do FC Barcelona.

Uma das provas de devoção à equipa blaugrana foi dada ainda no colégio católico Nuestra Señora del Pilar de Jerez, onde estudou até terminar o secundário. Num dos anos que lá passou, quando chegou o Carnaval, mascarou-se de Ronaldo. Para o efeito, vestiu-se à Barça, comprou uma “cabeleira” que fazia dela careca e uns dentes postiços que a aproximavam da figura do craque brasileiro. Porém, o seu jogador preferido não era Ronaldo, mas sim Guardiola. Recentemente, recordou que forrava o dossier da escola com fotografias do jogador que hoje é um dos catalães que mais defende a independência da região. “Via todas as conferências de imprensa dele e adorava quando ele dizia qualquer coisa em catalão”, contou numa entrevista.

Em criança e jovem, Inés Arrimadas era fanática do Barça e o seu jogador preferido era Guardiola — que hoje é uma das pessoas mais independentistas no mundo do desporto (PAU BARRENA/AFP/Getty Images)

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Em jovem, Inés Arrimadas sonhava ser arqueóloga, mas aquilo que classifica como o seu “lado racional” puxou-a para o curso de Direito, seguindo assim as pisadas do pai e de três dos seus quatro irmãos. Aos 18 anos, foi para a Universidade Pablo de Olavide, pública e em Sevilha, onde se licenciou em Direito. Logo a seguir, na mesma universidade, entrou para o mestrado de Administração e Direção de Empresas. Num dos semestres do mestrado, foi estudante de Erasmus em Nice, França. Além de falar castelhano, Inés Arrimadas dominava à altura o inglês e o francês.

Não tardaria a juntar outro idioma a este leque. Depois de ter terminado os estudos aos 24 anos, Inés Arrimadas foi trabalhar para os escritórios da consultora catalã Daleph em Jerez de la Frontera. Por motivos profissionais, passou a viajar com regularidade a Barcelona e, poucos anos depois, surgiu a oportunidade de ser transferida para o escritório principal, na capital da Catalunha. Nessa altura, a empresa pagou-lhe aulas de catalão, idioma que a interessava mas que ainda estava longe de dominar. Em 2008, mudou-se de vez para Barcelona.

Numa fase inicial, a política foi entrando devagarinho na vida de Inés Arrimadas. Ainda antes de a sua filha mais nova ter nascido, Rufino Arrimadas foi vereador em Jerez de la Frontera pela União do Centro Democrático (UCD), partido histórico e basilar da Transição espanhola da ditadura para a democracia, fundado por Adolfo Suárez, o primeiro Presidente de Governo do pós-Franco. Rufino Arrimadas ficou responsável pela pasta do trânsito naquela cidade andaluz, tarefa que cumpriu entre 1979 e 1983.

Em casa dos Arrimadas discutia-se política e já nessa altura a jovem Inés se destacava. “Não a calávamos nem debaixo de água”, recordaram os pais numa entrevista ao El Mundo. Porém, a sua persistência no debate, característica que ainda hoje conserva, vencendo os adversários pelo cansaço, não significa que era extrema nas suas opiniões. O seu equilíbrio foi sempre no centro. “Nunca foi de extremismos de esquerda ou de direita. Sempre gostou de discutir aquilo que era justo”, contaram os pais que, pelo menos até 2015, votaram sempre ao centro — até ao fim da UCD, em 1983 — e à direita. “Nós votamos no PP. E não somos de mudar”, disse a mãe ao El Mundo, numa entrevista que antecedeu as eleições autonómicas catalãs de setembro 2015 e as legislativas de dezembro do mesmo ano, as primeiras em que o Ciudadanos deu o salto da Catalunha para Espanha.

“Não a calávamos nem debaixo de água”, recordam os pais de Inés Arrimadas, que desde jovem discutia política em família. Apesar de se empolgar, nunca ia para os extremos nas suas opiniões — o ponto de equilíbrio foi sempre no centro. “Nunca foi de extremismos de esquerda ou de direita", dizem também os pais.

O salto de Inés Arrimadas deu-se em 2011, quando uma amiga a convidou a fazer-lhe companhia num comício do Ciudadanos, no Teatro Romea, em Barcelona. Nessa altura, os “naranjas” eram ainda um partido incipiente. Formado em 2006 de propósito para concorrer às eleições autonómicas catalãs de novembro desse ano, o Ciudadanos conseguiu eleger três deputados — entre eles, estava Albert Rivera, fundador e presidente do partido, que para dar a conhecer a nova formação política chegou a posar nu nos cartazes de campanha.

Inés Arrimadas já conhecia o Ciudadanos, partido pelo qual tinha interesse — apesar de em entrevistas ter admitido que antes já tinha votado em “partidos independentes”, além das “várias vezes” que votou em branco e também em “velhos partidos em mais do que uma ocasião”. “Gostava do partido e gostava da maneira como falava o Albert Rivera, identificava-me com ele”, contou numa entrevista ao El Español.

Antes de entrar na política, o pai ainda tentou demovê-la. “Não te metas na política! Não te metas”, rogou à filha, que não só se meteu como subiu de forma meteórica. Não muito tempo depois, a mulher já comentava com ele: “Esta miúda é imparável”.

Em 2015, quando Albert Rivera deu o salto para a política nacional, Inés Arrimadas substituiu-o na Catalunha — e desde essa altura que é acusada de ser uma extensão dele (PAU BARRENA/AFP/Getty Images)

PAU BARRENA/AFP/Getty Images

Depois daquele comício, foi tudo muito rápido. Logo em 2011, fez-se militante do Ciudadanos. Ainda nesse ano, foi nomeada para a comissão executiva do partido e passou a ser porta-voz das juventudes “naranjas”. Em 2012, ano de eleições autonómicas catalãs, foi a quarta das listas do Ciudadanos, que acabou por eleger nove deputados. Deixou o emprego na consultora e passou a ser uma entre os 135 deputados da Catalunha — e, entre estes, uma das poucas que discursava preferencialmente em castelhano, recorrendo ao catalão apenas para breves apontamentos retóricos.

Em 2015, o Ciudadanos passou de ser um partido regionalista para ser uma potência nacional. Desta aposta, resultou a confirmação do Ciudadanos como quarto maior partido de Espanha — com 13,9% em dezembro de 2015 e 13% em junho de 2016 —, o que valeu ao partido o papel de fiel da balança de qualquer base de apoio governamental, tanto à esquerda como à direita. Tudo isto coube a Albert Rivera que, para se concentrar em Madrid, saiu da Catalunha. Na altura de passar o testemunho de líder e porta-voz do Ciudadanos no parlamento regional, poucos ficaram surpreendidos que este tenha sido dado a Inés Arrimadas.

A passagem do testemunho deu-se em junho de 2015, a três meses das eleições autonómicas da Catalunha. Os resultados foram ambíguos: embora os independentistas tenham conquistado menos percentagem de votos do que os unionistas (47,8% contra 48,05%), a aritmética parlamentar garantiu-lhes uma maioria de 72 deputados contra 63 unionistas. Entre estes últimos, pela primeira vez na história do Ciudadanos, a maior fatia era dos “naranjas”. Ao todo, conquistaram 25 assentos parlamentares — com Inés Arrimadas à cabeça.

Durante a sua ascensão política, Inés Arrimadas procurou resguardar a sua vida pessoal e íntima da mira dos jornalistas. Raramente os jornalistas tiveram acesso à sua família e as suas declarações aos media que queriam saber mais da sua vida andavam, sem exceção, em torno da sua infância de maria-rapaz, do seu amor pelo FC Barcelona e da sua recusa do nacionalismo catalão. Porém, um detalhe começou a emergir: a sua relação com Xavier Cima, deputado do Convergência e União (CiU, na sigla catalã), um partido independentista.

Apesar de ao início recusar comentar a relação que tinha com Xavier Cima, a andaluza começou a falar mais abertamente sobre o tema a partir de agosto de 2015 — altura em que Xavier Cima renunciou ao seu cargo de deputado e decidiu criar um think-tank catalão direcionado a jovens empresários. No verão de 2016, Inés Arrimadas e Xavier Cima casaram-se, protagonizando uma cerimónia que não escapou à maioria da imprensa catalã de tão improvável que era.

https://www.instagram.com/p/BIf6WulAgkk/

Afinal de contas, tratou-se de uma cerimónia em Jerez de La Frontera onde um independentista que deixou a política por amor jurou amor eterno a uma das principais caras do unionismo catalão. Entre os convidados estavam deputados de cada um dos lados do parlamento regional: da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) ao Partido Popular da Catalunha (PPC), passando pela antiga Convergência Democrática da Catalunha (atual PDeCAT) e pelo Partido Socialista da Catalunha (PSC). Segundo relatos na imprensa espanhola, consta que, naquele dia, a política foi tema tabu — regra que todos cumpriram.

O “fantoche” andaluz de Rivera que é persona non grata

Inés Arrimadas está longe de ser uma personagem consensual na Catalunha. Entre algumas esferas independentistas, é frequentemente o alvo preferido de programas de sátira e também de insultos, que muitas vezes resvalam para o machismo e também para a xenofobia.

No Polònia, programa de sátira e imitações políticas da TV3, a televisão pública da Catalunha, há uma piada recorrente: Inés Arrimadas é, na verdade, Albert Rivera. Ou, por outra, não funciona se ele não estiver a mexer os cordelinhos.

Numa rábula feita após as eleições catalãs de 2015, o Polònia retratou Inés Arrimadas atrás de um palanque do Ciudadanos, mantendo-se muda e queda, com um sorriso vazio, enquanto um punhado de jornalistas lhe lançava uma catadupa de perguntas. Por fim, chega Albert Rivera que, colocando as mãos nas costas da andaluza, controla os seus movimentos e tudo o que ela diz. “Desculpe, quem acha que ganhou [as eleições]?”, pergunta-lhe um jornalista. “Rivera!”, devolve-lhe. “E você como ajudou?”, pergunta outro. “A fazer fotos”, responde o “fantoche” de Inés Arrimadas, que está sentado ao colo de Albert Rivera.

Ora, mesmo passados dois anos, os guionistas do Polònia mantêm mais ou menos a mesma ideia. Embora já se lhe oiça a voz, a personagem de Inés Arrimadas não passa muito de soundbites, ditos invariavelmente num tom tonto e vaidoso. Porém, a desilusão não demora a chegar. No programa de 30 de novembro, uma pessoa da equipa de Inés Arrimadas mostra-lhe o cartaz de campanha do Ciudadanos onde aparece o coração tripartido da campanha — com a bandeira catalã, espanhola e da União Europeia unidas. Ao lado dele, em vez de Inés Arrimadas, aparece Albert Rivera. “E eu, que sou a candidata?”, pergunta indignada. “Tu? Por Deus, a Inés Arrimadas é ele!”.

Embora já tenha dito que é “super fã” do Polònia, Inés Arrimadas também criticou as escolhas dos guionistas daquele programa. “Somos poucas mulheres à frente de projetos importantes na política, sou a única mulher que foi cabeça de lista na Catalunha, sou a única mulher que foi chefe da oposição na história da democracia na Catalunha”, disse. “Se por cima disso se pensa que as mulheres que estão à cabeça na política na realidade têm um homem por trás que pensa, que decide o que nós dizemos, então estamos muito mal.”

Além da sátira política, também na imprensa espanhola o tratamento que lhe é dedicado não coincide na totalidade com aquele que merecem os seus homólogos masculinos. No El Mundo, um perfil de Inés Arrimadas foi ilustrado com uma fotografia onde aparecia o seu corpo, sem que a sua cabeça aparecesse — mas lá atrás, desfocada, aparecia a cara de Albert Rivera. No El Periódico, após um debate no parlamento da Catalunha, as fotografias dos líderes de bancada masculinos foram legendadas com observações políticas e as das duas mulheres — além de Inés Arrimadas, Anna Gabriel, porta-voz da CUP — diziam respeito à roupa que vestiam.

Fora das páginas dos jornais, e passando para as ruas e para as redes sociais, o tom é consideravelmente mais agressivo. Em setembro deste ano, uma cidadã escreveu no Facebook a desejar que Inés Arrimadas fosse violada “em grupo”, acrescentando: “Essa cadela nojenta não merece outra coisa”. Dias depois, após Inés Arrimadas ter partilhado uma captura de ecrã desse post, a autora foi despedida do seu trabalho.

Mais recentemente, já durante a campanha para as eleições de 21 de dezembro, o ator Toni Albà publicou um poema no Twitter onde se lia: “Ela [Inés Arrimadas] esconde-se dentro da gruta / Em democrata se transmuta / Sonha que conta votos / E grita “meus!”, a puta”.

Menos frequente do que o machismo, mas ainda assim recorrente, é a xenofobia de alguns catalanistas perante a candidata que nasceu na Andaluzia. Em novembro, o El Nacional publicou uma notícia cujo título era uma citação de Inés Arrimadas, onde esta dizia: “Na Catalunha, não podemos permitir mais quatro anos de processo [independentista]”. A ex-conselheira da Justiça e antiga presidente do parlamento regional comentou: “Então porque não voltas para Cádiz?”. Mais tarde, a política catalã lamentou a tirada. “Às vezes é preciso contar até dez”, disse.

E em setembro, ainda antes do referendo à independência da Catalunha de 1 de outubro — votação à qual se opôs o Ciudadanos, além do Governo de Mariano Rajoy e o Tribunal Constitucional —, a assembleia municipal de Sant Andreu de Llavaneres, onde governam os independentistas da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), declarou Inés Arrimadas persona non grata.

São raras as vezes que Inés Arrimadas não reage a insultos ou decisões como a que foi tomada por aquele órgão municipal. Na verdade, a líder dos Ciudadanos na Catalunha acaba por utilizá-los a seu favor, como se transformasse a enxurrada de críticas em água para o seu moinho. E fá-lo repetidamente, expondo as agressões que lhe são dirigidas, ao jeito de um soundbite emotivo — mas não é emoção que parece motivá-la, é antes, como o El País escreveu, a “obstinação de um padre mormon”.

No programa de entrevistas Salvados, do canal La Sexta, fez questão de atirar o seu estatuto de persona non grata em Sant Andreu de Llavaneres à cara da sua adversária, Marta Rovira, da ERC: “Achas que declarar-me persona non grata em Llavaners é resolver as questões políticas através da política? Ou assinalar-me, não só a mim, mas aos 740 mil catalães que votaram em mim, que não podem ir ao município de Llavaneres?”.

Por “740 mil catalães que votaram em mim” entenda-se o número de pessoas que votaram no Ciudadanos em 2015 — mais propriamente 736.364, correspondente a 17,9% do eleitorado. No dia 21 de dezembro, essa percentagem deverá subir significativamente. Ao ponto de Inés Arrimadas se tornar a líder de uma “geringonça” à catalã.

Uma geringonça com os “ciudadanos” no “centro da política”

Apesar da proximidade geográfica entre Portugal e a Catalunha, a expressão que tem servido para designar uma hipotética coligação de governo na Generalitat com o Ciudadanos à cabeça não é a proverbial “geringonça”, mas sim “coligação à Borgen”, o que remete para a série de televisão dinamarquesa que tem o nome do parlamento da Dinamarca, e na qual uma mulher de um pequeno partido chega a primeira-ministra fruto de uma coligação complexa. Porque o Ciudadanos pode perder as eleições mas, ainda assim, formar um governo assente numa coligação, ou base de apoio, com vários partidos.

De acordo com o La Vanguardia, que calculou a média entre as sondagens mais relevantes para as eleições de 21 de dezembro, o maior partido deverá ser a ERC, com 32 deputados. A acrescentar ao bloco independentista, está ainda o Juntos Pela Catalunha (JPC, 28 deputados) e Candidata de União Popular (CUP, 7 deputados). Todos juntos, poderiam somar 67 assentos parlamentares — apenas um à beira da maioria absoluta, que começa nos 68 deputados.

Assim, do outro lado sobram 69 deputados que, de maneiras diferentes, não querem a independência da Catalunha. À cabeça, deverá estar o Ciudadanos, com uma projeção de 31 deputados. Segue-se o PSC com 21, o Catalunha em Comum-Podemos (CeC-P) com 9 e finalmente o PPC com 7.

Mas aqui as contas não são tão simples como somar uns aos outros. Isto porque o CeC-P, apesar de não ser independentista, abre o seu programa eleitoral com a promessa de um “referendo pactado” para que a independência da Catalunha vá às urnas com o acordo de Madrid — algo que o Ciudadanos rejeita. E, além disso, mesmo que as sondagens apontem o PSC como quarta força política da Catalunha, o seu líder, Miquel Iceta, tem dito que quer liderar uma “coligação à Borgen”.

“Estamos a falar de uma situação excecional, em que todos vamos a jogo”, disse Arrimadas numa entrevista ao Huffington Post de Espanha. “Nós somos o partido dos pactos e dos acordos. Sempre que podemos chegar a acordo, é sempre positivo”, respondeu, de forma vaga. E mais à frente acrescentou: “Se o resultado for muito claro a favor do Ciudadanos e pudermos somar o resto das forças, vou tentar e vou estender a mão ao PSC, obviamente, e ao PP e ao Podemos, mesmo que seja para se abster e começar uma nova fase em que os ciudadanos [cidadãos, em castelhano], e não as fronteiras, são o centro da política”. Uma escolha de palavras ambígua, mas que poderá ser certeira.

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