A economia cresceu, essencialmente, dentro dos limites expectáveis por vários economistas e instituições em Portugal. Mas há quem olhe com preocupação para a composição do crescimento registado — entre os economistas há “surpresa” sobre a evolução do investimento, que em cadeia caiu face ao último trimestre do ano passado.
O destaque provisório do INE ainda é parco em detalhes (não especifica, por exemplo, como evoluiu o investimento público e privado), mas já adianta que o crescimento em cadeia — que foi de 0,7%, o mesmo que no trimestre anterior — refletiu uma diminuição do contributo positivo da procura interna, por via da queda do investimento e de um consumo privado a acelerar — ou a manter-se “dinâmico“, nas palavras da equipa de economistas do BPI.
“Este facto está em linha com o comportamento dos indicadores relativos ao consumo, que indicavam que este continuava resiliente“, indicam os economistas, numa nota de análise aos dados do INE. Por outro lado, dizem ter ficado surpreendidos com a contração do investimento em cadeia, que admitem justificar-se com os meses “marcados por taxas de juro mais elevadas” e um “ambiente de maior incerteza associada à realização de eleições antecipadas em março”.
A “incerteza política” fez “adiar investimentos”, afirma, também, Pedro Braz Teixeira, diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, ao Observador. “As empresas esperaram para ver os resultados”, mas no pós-eleições a configuração parlamentar continua a dar pouca segurança, com incertezas quanto à aprovação do próximo Orçamento do Estado ou à continuidade do Governo. “Os resultados não são muito tranquilizadores. E não só os resultados, é o que foi feito com eles”, atira, aludindo à falta de acordo da AD com partidos que permitam uma maioria parlamentar. “Para os investimentos que ficaram adiados por causa da incerteza política, a incerteza não ficou resolvida“, acrescenta.
Já João Borges de Assunção, que lidera o NECEP – Forecasting Lab, da Católica, antecipa: “Penso que neste ano quer o consumo privado quer o investimento poderão crescer um pouco mais do que o PIB. Sendo esse efeito mais marcado no caso do investimento“.
Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, refere, por sua vez, que as “elevadas taxas de juro começam gradualmente a replicar os seus efeitos desfavoráveis no rendimento disponível das famílias e na tesouraria das empresas, penalizando o consumo privado e o investimento“. Face ao período homólogo estes dois indicadores abrandaram, mas em cadeia o primeiro ganhou gás e o segundo contraiu. Para essa contração, Braz Teixeira também aponta os atrasos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a que não ajudou a entrada em gestão do anterior governo.
Na conta total, em cadeia, o crescimento foi de 0,7%, aquém do avanço de 1,5% que se registou, também em cadeia, no primeiro trimestre do ano passado. Pedro Braz Teixeira lembra o “efeito base”: “Há uma desaceleração, mas que era esperada e inevitável porque no primeiro trimestre do ano passado, o crescimento em cadeia foi excecional. Era impossível ser outra vez 1,5%”, defende.
Paulo Rosa concorda: “A base elevada do PIB no primeiro trimestre do ano passado (…) retirou algum brilho à riqueza criada no primeiro trimestre deste ano”, de 0,7% em cadeia e 1,4% na comparação homóloga. Para o economista, no primeiro trimestre deste ano, a economia “continuou a mostrar a relativa robustez observada no último trimestre do ano passado”. “No semestre de outubro de 2023 a março de 2024, cresceu 2,8% em termos anualizados”, aponta.
Exportações em dificuldades perante parceiros europeus a recuperar
Segundo o INE, em cadeia, o contributo da procura externa líquida para a variação do PIB passou a positivo, o que refletiu uma desaceleração das importações de bens e serviços mais acentuada do que a das exportações.
O INE ainda não detalha como evoluíram as várias rubricas isoladamente (importações/exportações de bens e importações/exportações de serviços) mas Pedro Braz Teixeira, pela informação que está disponível, admite que tenham sido as exportações de bens a sofrer. “As exportações de bens, sobretudo, estavam já a desacelerar há muitos meses. Começaram a recuperar no início do ano, mas de forma muito tímida”, explica.
Além disso, “os preços a que estamos a exportar estão a cair, o que afeta o valor das exportações” e as economias parceiras de Portugal também não estão a fervilhar. Embora estejam a recuperar face ao final do ano passado, e nalguns casos acima das expectativas, estão com “comportamentos fracos” e as perspetivas de crescimento homólogo também fracas são.
Os dados provisórios da zona euro, que ainda não incluem todos os países, revelam que o PIB subiu 0,4% em termos homólogos (0,5% no caso da UE) e 0,3% em cadeia (o mesmo na UE), o que significou que Portugal cresceu acima da média dos Estados-membros com dados conhecidos. Outra boa notícia para o cenário europeu, e que também tem implicações para as trocas comerciais de Portugal, é que a zona Euro afastou uma recessão técnica, depois de dois trimestres consecutivos de contração.
Economia cresceu 1,4% no primeiro trimestre em termos homólogos e 0,7% em cadeia
A Alemanha, por exemplo, voltou a cair na comparação homóloga (-0,2%) mas em cadeia cresceu 0,2% depois da contração de 0,5% no final do ano e que a tinha colocado em recessão técnica. França também teve um crescimento modesto em cadeia, de 0,2%, mas em termos homólogos cresceu 1,1%. Já Espanha teve o maior crescimento na comparação homóloga (2,4%) e ficou ao lado de Portugal na evolução em cadeia (0,7%).
“Em termos de composição do crescimento, os dados não parecem tão bons. Em cadeia, vamos precisar de conhecer os detalhes, mas tivemos uma desaceleração das exportações que não teve um efeito mas negativo no PIB porque as importações ainda desaceleraram mais”, sintetiza Pedro Braz Teixeira.
Em termos homólogos, o contributo da procura externa líquida para a variação do PIB foi nulo, depois de ter sido positivo no trimestre anterior. As exportações de bens e serviços em volume desaceleraram e as importações aceleraram “ligeiramente”, de acordo com o INE. Paulo Rosa, do Banco Carregosa, acrescenta que “a tendência desfavorável das contas externas intensificou-se”.
Inflação abranda. Vai impulsionar o consumo?
O instituto revela que, em cadeia, o contributo positivo da procura interna diminuiu, com uma redução do investimento e uma aceleração do consumo privado. Pedro Braz Teixeira diz que esta aceleração face a um trimestre do Natal, tendencialmente de maior consumo, “não é muito surpreendente porque vem em linha do trimestre anterior”. “A explicação mais razoável é que houve uma mudança do discurso do Banco Central Europeu (BCE) em que agora há, claramente, a perspetiva das descidas das taxas de juro“, começa por dizer. E isso “vai criar alguma folga no orçamento das famílias”.
Daí a dizer que a inflação vai impulsionar o consumo vai um salto que Pedro Braz Teixeira prefere não dar. Mas admite que o consumo privado vai continuar forte. “Há condições para se manter relativamente significativo sobretudo a partir do segundo semestre. Além deste efeito, há o prometido efeito das novas retenções na fonte. É capaz de não ser significativo, mas pode ter influência”, admite. Se isto significa que o consumo pode acelerar? Nem por isso. “Precisava de ver melhor os valores [que serão divulgados pelo INE no final de maio]. O consumo pode manter-se com um crescimento significativo, se os valores já estão muito fortes, acho difícil acelerar”.
Paulo Rosa, do Banco Carregosa, também entende que o desempenho “favorável” do consumo privado “suportou parte do crescimento no último trimestre do ano passado, a par do turismo, tendo essa tendência positiva continuado no primeiro trimestre de 2024“. E lembra que se o último trimestre do ano passado foi marcado pelo Natal, a Páscoa calhou no primeiro trimestre deste ano. As duas datas “tendencialmente impulsionam os gastos das famílias”. “Nem sempre a Páscoa coincide com o primeiro trimestre, sendo por vezes em abril. O atual calendário poderá explicar o acréscimo do consumo privado no primeiro trimestre, a par também da desaceleração da inflação e dos saldos no início de janeiro”, indica o economista.
Paulo Rosa lembra que a inflação mensal foi negativa em janeiro e nula em fevereiro, o que pode explicar, em parte, “o aumento dos gastos dos consumidores, estimulados pelos preços mais baixos”. “No entanto, e apesar do abrandamento da inflação estimular o consumo, uma significativa desaceleração dos preços poderá sinalizar recessão, aumento do desemprego e consequente diminuição do rendimento disponível e queda do consumo privado”, avisa.
Para já, admite como “provável” que as taxas de juro elevadas “continuem gradualmente a penalizar o rendimento disponível das famílias, favorecendo, eventualmente, a crescente redução do consumo privado nos próximos trimestres, penalizando assim o contributo do consumo privado para o crescimento económico português, reduzindo a sua prestação na formação do PIB nacional”.
João Borges de Assunção, que lidera o NECEP – Forecasting Lab, da Universidade Católica, frisa, por sua vez, que a inflação “continua elevada e é difícil antecipar a evolução das taxas de juro de curto prazo”.
A estimativa provisória do INE aponta para uma inflação em abril de 2,2%, uma desaceleração face a março. A equipa de economistas do BPI diz que a inflação, apesar de se situar abaixo do que antecipavam, está enquadrada com a “normalização muito gradual” esperada até ao objetivo de 2% do BCE. A redução da taxa foi “muito ligeira” em abril e foi “dificultada pelo efeito de base nos produtos energéticos“, uma vez que houve uma redução significativa de preços, de 3,2%, em abril de 2023.
A “notícia mais favorável” da inflação em abril está na inflação subjacente, que exclui os produtos alimentares não transformados e a energia, cuja dinâmica mensal “ainda foi mais forte do que a média dos últimos anos anteriores à pandemia, sinalizando o arrastamento do processo e possivelmente confirmando que a inflação dos serviços ainda se mantém forte”.
Nos próximos meses, porém, o BPI não descarta novas subidas da inflação. Aliás, “é previsível que em maio também se façam sentir efeitos de base no índice de produtos alimentares não transformados e da energia” (em maio do ano passado recuaram 2,35% e 1,77%, respetivamente).
Para a equipa de economistas do BPI, os dados conhecidos esta terça-feira “confirmam os riscos” antecipados pela instituição. A economia continuará “apoiada na resiliência do mercado de trabalho”, acreditam, na “expectativa de recuperação do investimento, reflexo dos fundos europeus recebidos no final de 2023 (e daqueles que provavelmente serão recebidos em 2024) e canalisados para os beneficiários finais ao longo do ano”. Lembram a “retirada de algum grau de restritividade no âmbito da política monetária, com impacto positivo no comportamento dos custos de financiamento”, mas também veem riscos, que poderão limitar o crescimento, como as tensões geopolíticas, que podem afetar os preços das commodities e o comércio internacional.