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O Jardim da Estrela esta quinta-feira, pelas 16h00, estava mais cheio do que o habitual (FILIPE AMORIM/OBSERVADOR)
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O Jardim da Estrela esta quinta-feira, pelas 16h00, estava mais cheio do que o habitual (FILIPE AMORIM/OBSERVADOR)

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

O Jardim da Estrela esta quinta-feira, pelas 16h00, estava mais cheio do que o habitual (FILIPE AMORIM/OBSERVADOR)

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Jardins cheios, mais trânsito e deslocações maiores: os portugueses estão mesmo a sair mais à rua. Perderam o medo ou estão saturados?

Os registos de localização dos telemóveis dos portugueses não mentem: há mais movimentos. Esta quinta-feira, a polícia teve de tirar pessoas do Jardim da Estrela. As fotos e os gráficos.

Garantem que aquela foi a primeira vez que saíram à rua para passear. Explicam que já não aguentavam mais estar fechados. Que estão “saturados”. Que hoje precisavam mesmo, mesmo de sair. De “apanhar um bocadinho de ar”. De “ver verde”. Cada um tem a sua justificação para ali estar, mas a verdade é que esta quinta-feira, pelas 16h00 da tarde, o Jardim da Estrela, em Lisboa, estava cheio de portugueses e estrangeiros — não tão cheio como nos dias de verão antes da pandemia, mas mais cheio do que era suposto quando o país e o mundo enfrentam um surto da gravidade da Covid-19. E quando o país está em estado de emergência, com saídas, deslocações e viagens limitadas ao essencial, com a recomendação maior a ser #fiqueemcasa.

Deitadas na relva a apanhar sol ou a beber umas cervejas. Sentadas nos bancos a ler — nem as fitas ali colocadas as afugentam. Ou simplesmente a passear. As pessoas que por ali andam já não se resumem às que vão apenas fazer exercício ou passear o cão. Essas também lá estão, mas agora a sua tarefa é dificultada pelas crianças que correm de um lado para o outro e pelos idosos que passeiam aos pares e em grupos de três ou quatro — e que acabam por lhes roubar o espaço necessário para manter a devida e aconselhada distância social.

Um dos dois agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP) que entretanto apareceram para tentar dispersar as pessoas arrisca-se mesmo a dizer que estava “mais gente esta quinta-feira do que estaria numa quinta-feira em que não estivéssemos nesta situação de pandemia”. E, em declarações ao Observador, explica: “Noutras alturas, a esta hora, as crianças estavam na escola e os pais estavam a trabalhar“.

Dois agentes da PSP abordam uma família por não estarem a cumprir as regras do estado de emergência, no Jardim da Estrela (FILIPE AMORIM)

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Não há nada que possa ligar esta alteração ao facto de o Governo já ter adiantado que a partir de 2 de maio vai aliviar algumas medidas de restrição. E que a partir daí, se os atuais dados da pandemia se mantiverem, o país irá gradualmente voltar, em segurança, à normalidade, reabrindo vários setores a cada 15 dias. Tudo será decidido no fim da próxima semana, de acordo com os conselhos das autoridades de saúde. Mas é um facto e os registos de localização dos telemóveis dos portugueses não mentem: nos últimos sete dias tem havido uma diminuição gradual do confinamento: uma queda de 13%.

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As conclusões são da consultora PSE, que alerta, no entanto, que é preciso “prudência na análise dos dados” nos próximos dias para se poder dizer se há ou não um relaxamento da população. “Os portugueses foram extraordinariamente responsáveis na forma voluntária como acataram o confinamento e também o estão a ser no desconfinamento”, diz o responsável pelo projeto.

Ainda assim, esta tendência é também reforçada pelos registos de mobilidade da Apple, que mostram um aumento nos movimentos dos portugueses a pé e de carro entre os dias 19 e 21 de abril. A verdade é que basta uma ida ao Jardim da Estrela, que fica mesmo ao pé da residência oficial do primeiro-ministro, para perceber como estes dados se refletem na realidade: encheu-se de gente numa tarde em que os termómetros ultrapassavam os 20º. Também no aumento, ainda que ligeiro, no trânsito essa realidade é percetível: a análise da PSE mostra que os portugueses estão a fazer mais deslocações e mais longas.

É exatamente sobre isso — sobre o facto de o Jardim da Estrela estar cheio — que duas amigas conversam. Estão sentadas num dos bancos interditados por uma fita que, naquele caso, já saltou. Diana Lima, de 30 anos, e Beatriz Nieves, de 26, contam ao Observador que nem são da zona da Estrela e que apenas lá foram esta quinta-feira para ver um apartamento que estão interessadas em arrendar. Já que estavam ali, decidiram “apanhar um bocadinho de ar e ver verde” — mas garantem que não o teriam feito no primeiro período do estado de emergência.Eu estou fechada há dois meses dentro de casa“, apressa-se a justificar Beatriz.

No Jardim da Estrela, os bancos estão vedados mas ainda assim são muitas as pessoas que se sentam (FILIPE AMORIM/OBSERVADOR)

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À jovem de 26 anos faz-lhe “confusão” a quantidade de crianças que ali estava a brincar e o facto de as pessoas não criarem “o seu distanciamento”. Mas também é compreensiva: “Percebo que para quem está fechado na cidade, dentro de quatro paredes e com crianças, não seja fácil”. Afinal, a necessidade de sair de casa está a sobrepor-se à preocupação?

Distrito a distrito, veja aqui onde é que os portugueses mais deixaram de ir durante a pandemia

Último fim de semana foi aquele em que os portugueses mais saíram de casa durante o estado de emergência

Os dados mostram-nos que a perceção das duas amigas, sentadas naquele banco, corresponde à realidade. “Há uma queda — embora não acentuada — do nível de confinamento, visível na última quinta, sexta, sábado, domingo, segunda, terça e quarta. Comparando os valores dos dias homólogos anteriores, concluímos que tem tido uma queda média de 13%”, conclui o estudo da PSE.

Gráfico da PSE que mostra a evolução da percentagem de portugueses em confinamento: que está a descer

PSE

Esta quarta-feira registou um dos valores “mais baixos” de confinamento: 57% — uma percentagem igual à registada no primeiro dia de estado de emergência, 19 de março. Estes valores são, mesmo assim, muito inferiores aos registados antes da pandemia. Nessa altura, apenas 25% dos cidadãos ficava em casa. “São portugueses que normalmente têm menores necessidades de mobilidade ou mobilidade regular”, explica Nuno Santos, um dos responsáveis pelo estudo, ao Observador.

É, aliás, no fim de semana que a polícia nota que há mais gente do que o habitual no Jardim da Estrela. “Se fosse no fim de semana, estaria muito pior”, diz um dos agentes da PSP. Nesses, como em quaisquer dias, o que as autoridades fazem é alertar e tentar dispersar “as pessoas que não estão a cumprir as normas estabelecidas”.

Ainda assim, numa análise global, os fins de semana registam maiores níveis de confinamento do que nos restantes: isto porque as pessoas que não estão em teletrabalho não precisam de se deslocar aos empregos nos sábados e domingos, tal como acontece durante a semana — o que puxa para cima os níveis de confinamento. Ainda assim, também aqui se nota uma tendência de relaxamento: o último fim-de-semana foi aquele em que os portugueses saíram mais de casa desde que foi decretado o estado de emergência. O passado domingo, por exemplo, registou uma percentagem de 66% de pessoas confinadas — nos restantes domingos esse valor andou entre os 70% e os 79%.

Gráfico da PSE que mostra a evolução da mobilidade dos portugueses e, a azul, a curva da tendência: que é de subida

PSE

O estudo da consultora conclui também que “há uma ligeira mas clara tendência para os portugueses aumentarem a sua mobilidade”. O índice de mobilidade mostra como os portugueses estão a fazer mais deslocações. Ainda assim os valores, que se situaram nos 53% esta quarta-feira, estão “muito distantes da normalidade”. “Estamos com uma mobilidade que é agora metade do normal“, lê-se no estudo.

“Os idosos são os que menos respeitam as ordens”, diz a polícia

São os aglomerados de pessoas no Jardim da Estrela que mais preocupam a polícia. Mas não só. “Normalmente, as pessoas mais velhas não compreendem tão bem. São mais os idosos que menos respeitam as ordens”, diz um dos polícias ao Observador.

Maria Cândida e Maria de Lurdes, duas irmãs de 80 e 77 anos, respetivamente, são exemplo disso mesmo. Esta quinta-feira foram dar um passeio. Também elas juram que foi a primeira vez que saíram de casa para “apanhar ar”. “Temos estado sempre em casa, mas hoje estávamos tão saturadas que tivemos de vir”, conta a irmã mais nova. Maria Cândida explica que não decidiu sair de casa porque já se fala em levantar algumas restrições. “Essas coisas do Governo são muito complicadas para a nossa cabeça”, diz, explicando que a única razão para passear foi a necessidade de “apanhar um bocadinho de ar”.

A PSP lamenta que os idosos, população de risco, muitas vezes não cumpra as ordens (FILIPE AMORIM/OBSERVADOR)

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Medo? Medo têm, mas Maria de Cândida já teve um cancro no estômago — o que considera ser pior do que qualquer coronavírus. “E curei-o”, diz. Maria de Lurdes, que fala pela mais velha, conta: “Foi muito grave e ela está curada. Seja o que Deus quiser. Já chegou aos 80 e venceu o cancro, já venceu muita coisa”.

Há mais trânsito e mais portugueses a fazer deslocações de longo curso

Na A5, na ponte 25 de Abril, no IC19 ou até mesmo no centro da cidade de Lisboa é evidente um aumento no trânsito. É certo que à hora de ponta desta quinta-feira não havia as habituais filas intermináveis de carros. Ainda assim os registos de mobilidade da Apple mostram um aumento nos movimentos dos portugueses a pé e de carro entre os dias 19 e 21 de abril. Também que a percentagem de passeios de carro é agora superior aos feitos a pé — ao contrário do que acontecia antes da pandemia.

Mais do que isso: os portugueses estão a fazer deslocações maiores. “Se tínhamos 15% da população a fazer deslocações de médio ou longo curso, nos últimos sete dias essa proporção passou para 23% da população”, alerta Nuno Santos ao Observador.

Analisando o gráfico da consultora é possível perceber que a percentagem de portugueses que percorreram mais de 20 quilómetros por dia aumentou de 9% para 14%, quando comparados os últimos sete dias com a semana anterior. Também a média mobilidade, isto é, de 10 a 20 quilómetros, teve uma subida de 6% para 9%. A baixa mobilidade, de menos de 10 quilómetros por dia, apenas sofreu um aumento de um ponto percentual. Ainda assim, foram as deslocações de elevada mobilidade que sofreram o maior aumento. Em contrapartida, os movimentos detetados em casa desceram 58% nos últimos sete dias, quando comparados com os sete dias anteriores.

Ponte 25 de Abril em ambos os sentidos, na madrugada do dia 28 de janeiro

À hora de ponta desta quinta-feira, o trânsito não era o habitual antes da pandemia, mas já era significativo(FILIPE AMORIM/OBSERVADOR)

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E como é que a consultora sabe isto? A partir de uma aplicação instalada nos smartphones de 3.670 pessoas que deram autorização para que os seus dados de localização e deslocação fossem recolhidos de forma contínua. Estas pessoas têm mais de 15 anos e residem nas regiões do Grande Porto, Grande Lisboa, Litoral Norte, Litoral Centro e distrito de Faro — uma amostra representativa do universo em estudo, garante a PSE.

Na verdade, este estudo começou a ser realizado em 2019, ainda antes de haver qualquer suspeita do novo coronavírus — o objetivo era apenas  “auxiliar as câmaras municipais no ordenamento do território e na gestão de mobilidade e transportes” e “outras empresas e entidades em estudos comportamentais”. Mas agora permite analisar os movimentos dos portugueses em tempos de pandemia.

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