Joana Amaral Dias apresenta-se às eleições legislativas com uma causa clara: o “combate sem tréguas à corrupção”. A arena será a banca, fragilizada pelos “escândalos nacionais” que foram os casos BPN e BES. E, neste último, a psicóloga não tem dúvidas: o Governo “deveria ter nacionalizado o BES”.
Em entrevista ao Observador, aquela que é o principal rosto da coligação PTP/Agir disparou em todas as direções. Contra Oliveira e Costa e Ricardo Salgado, mas também contra Pedro Passos Coelho, que fez “uma manipulação rasteira do povo português”, e contra António Costa, que representa um PS em tudo igual à maioria mas com umas “almofadinhas”.
A ex-bloquista quer afirmar-se em outubro, não como de “esquerda ou de direita”, mas sim como a voz dos “abstencionistas” e dos “vilipendiados pela austeridade”. E falou ainda da crise grega para deixar o alerta: A Europa não deve “empurrar [a Grécia] para os braços” da Rússia.
Começava por lhe perguntar o que acontece ao Juntos Podemos e se o que aconteceu a desiludiu?
Não aconteceu nada de especial. Houve um partido político que tentou fazer um take over sobre um espaço que era absolutamente democrático e aberto. E isso não podemos consentir. Era a mesma coisa que o PS ou o PSD meter três autocarros para controlar uma votação. Portanto, depois disso, fomos ao combate. Houve uma cisão, algo que é normal na vida política quando há divergências. A vida política é isto. É aspera mas também é pulsante, feita de conflito. E isso é que é a democracia.
E porque é que escolheu o Partido Trabalhista Português para se colocar nas próximas legislativas?
O Agir é um movimento político que vai fazendo trabalho há muito tempo. Nós íamos trabalhando há mais de um ano, criando vários momentos políticos na sociedade portuguesa. Temos estado abertos e disponíveis para dialogar e negociar com várias forças políticas. O Partido Trabalhista Português abriu essa negociação connosco também. E, havendo um denominador comum entre o Agir e o PTP, nós firmámos um compromisso público. Esse compromisso político foi aberto à entrada de outras forças políticas. Aliás, teremos novidades nesse aspecto durante o mês de junho, porque continuámos entretanto a negociar com outros partidos, associações e movimentos, para que esta plataforma se constitua o mais alargada possível.
Passou pelo Podemos em Espanha. Acho que é um bom porto de partida para lhe perguntar: em Espanha o Podemos já não é líder nas sondagens, embora continue bastante forte de ponto de vista eleitoral. Na Grécia, o Syriza – partido irmão do ponto de vista ideológico – também não está a viver dias fáceis. O caminho já esteve mais fácil para a esquerda?
Eu não concordo com essa avaliação. A minha interpretação é outra. Aliás devo corrigir: não é o Syriza, é o Governo grego. É um Governo que foi democraticamente eleito pelo povo grego, sufragado nas urnas e, portanto, não é o nome dos partidos que devemos dar. Essa atitude parece-me já um enviesamento, porque quando falamos do Governo português não falamos do PSD ou não falamos do PS.
Mas quando falamos nas eleições inglesas, quando queremos comparar, falamos de partidos.
[Ainda assim] Acho que é importante fazer este sublinhado já que é o Governo grego que estamos a distinguir.
De resto não é só um Governo Syriza. É um Governo do Syriza com outro partido.
É exatamente essa a adenda que eu também ia fazer. A audácia dessa mesma aliança que o Syriza fez.
Audácia positiva?
Sim. Acho que, neste momento, o que é necessário fazer em toda a Europa é juntar todas as pessoas que têm sido duramente castigadas pela austeridade. Essas pessoas foram punidas por erros que não cometeram. E, por isso, aquilo que é importante não é unir partidos de esquerda, mas sim, unir todas as vítimas desta política austeritária, que cortou salários, pensões e empobreceu os países. E não tiveram os resultados que realmente se propunham. A dívida não pára de aumentar – antes da entrada da troika em Portugal tínhamos 100% de dívida, agora temos cerca de 130% de dívida; a redução do défice é absolutamente marginal, porque para reduzirmos em 9 mil milhões o défice em Portugal tivemos que retirar à economia 28.8 mil milhões. É óbvio que não compensa. O crime não compensa – e a austeridade tem sido um crime. Os governos europeus que adotaram essa política erraram. Cortaram os salários, as pensões, no serviço nacional de saúde e na escola pública. Portanto, a audácia do Syriza é uma audácia porque põe o dedo na ferida. É possível construir uma alternativa. Para haver uma democracia é preciso haver uma alternativa. O povo grego dá um suporte ao Governo grego que não dava outrora. Eles estão satisfeitos com o Governo grego. O caminho é difícil, mas isso já sabíamos.
Já era sabido que numa Europa anti-democrática que qualquer força que chegasse ao governo e que propusesse uma política diferente da austeridade iria ter uma caminho pedregoso e difícil.
Europa anti-democrática porquê?
Porque a maior parte dos centros de decisão da Europa não são eleitos.
Mas, apesar de tudo, a comissão é liderada por uma pessoa que saiu do grupo mais votado do parlamento Europeu.
Esse processo está longe de ser democrático.
O Conselho Europeu é o órgão onde estão sentados os líderes europeus votados pelos respetivos países.
Há uma parte da Europa que é formalmente anti-democrática, como a Comissão, por exemplo. Mas depois há outra que é informalmente anti-democrática, quando falamos do sobrepoder que a Alemanha tem e da forma como ela organiza todas as decisões europeias. Eu não votei em Angela Merkel para tomar as decisões por mim.
A questão é esta: nós sabíamos de antemão – e a verdade é para ser dita, não é para ser escamoteada, nem maquilhada – que qualquer força política que desafiasse este poder instalado, um poder que é absolutamente despótico na Europa, ia ter a vida dificultada. O Governo grego tem essa vida dificultada. Qualquer partido como o Podemos ou Cidadãos em Espanha que venha a fazer a disputa desse poder, a mesma coisa. Da mesma maneira como o Agir em Portugal não espera propriamente flores no seu caminho. Espera dificuldades, a tal aspereza. Mas é assim, a democracia tem que se fazer assim, com luta.
A verdade é que as negociações na Grécia se têm prolongado com a Comissão Europeia, com o Eurogrupo, com o Conselho Europeu, e não tem havido soluções que tenham chegado a bom porto – para um lado e para o outro. Porque é que isso aconteceu?
Porque é de um braço de ferro que se trata. É a democracia contra os déspotas. E quando nós temos um braço de ferro entre a democracia, neste caso a democracia grega, e um poder anti-democrático, que é o poder anti-democrático europeu, é natural que essas negociações sejam longas, árduas e minuciosas e que obrigassem a um esforço muito grande de ambas as partes. Elas vão continuar. Vai ter que haver com certeza algumas cedências do Governo grego, mas isso faz parte de um processo democrático. E terá de existir algumas cedências também da parte da Europa, nomeadamente da parte da Alemanha.
Agora, uma coisa é certa: é que pela primeira vez em muito tempo há um povo europeu que sente que o Governo que elegeu o defende.
É isto que as pessoas querem e legitimamente esperam porque a política é de facto para servir os cidadãos. As pessoas querem eleger governos que as protejam, que as sirvam. Vamos ver como é que terminam as negociações. Mas esta postura do Governo grego é obviamente a postura correta. É a postura ética, republicana e democrática correta.
O discurso que faz faz-me pensar que o único modelo de democracia é aquele que elege um Governo como o de Syriza. Não lhe parece que a mesma legitimidade tem o Governo alemão, o Governo francês, o Governo irlandês, e que esses países tendo nas mãos dívida grega têm o direito de negociar?
Claro que sim. Claro que todos os governos que são democraticamente eleitos, sejam de esquerda, sejam de direita, sejam de centro, são legítimos. Não é essa a questão. Agora, o Governo grego é que é igualmente legítimo. Aquilo que tem sido dito – e no dia das eleições da Grécia foi difundido por todos os canais televisivos e por todos os jornais é que “ai que surpresa, mas foi democraticamente eleito”. As pessoas – os comentadores televisivos, os analistas e até os atores políticos – tiveram de engolir um sapo. Como se o Syriza não fosse tão legítimo como o Governo alemão ou o francês ou o espanhol.
Não, a questão é de financiamento. Acho que é importante colocar este ponto: o Governo grego não tem, neste momento, nenhuma capacidade de financiamento extracomunitário. Ou seja, sem a União Europeia, a capacidade de financiamento do Estado grego é praticamente nula. Acho que se pode dizer assim, é um facto neste momento.
Acha? Não concordo com a sua interpretação.
Então, de que maneira a Grécia se pode financiar?
Bom, eu espero bem que a Europa tenha a capacidade de reconhecer que a Grécia tem sido duramente castigada por algo que não fez. E espero bem que a Europa não empurre a Grécia para os braços de outro financiador. Espero bem que a Europa tenha capacidade de reconhecer que a Grécia está a atravessar uma crise humanitária, pagando por erros que não fez.
Porque como sabe a geoestratégia e os movimentos políticos internacionais não se resumem ao espaço europeu. E, portanto, a Grécia terá outros parceiros negociais, alguns deles até geostrategicamente mais naturais que a Europa. Estou a falar da Rússia, nomeadamente.
Cabe à Europa perceber a importância de manter os seus filhos dentro de casa. Cabe à Europa a importância da sua coesão. Cabe à Europa negociar. Porque se empurrar para os braços de outrem, também terá a sua responsabilidade.
Nós temos assistido a um movimento absolutamente irracional da Europa, nomeadamente com aquilo que aconteceu na Ucrânia. Portanto, não me admiraria se a Europa cometesse o mesmo erro com a Grécia.
Em relação à dívida, um dos centros nevrálgicos da nossa discussão na Europa neste momento é que, desde que a política da austeridade foi implementada, não foi [conseguido] o controle da dívida. Foi [conseguido] um controle absolutamente marginal do défice. Na prática, [houve] um aumento disparado do desemprego e do empobrecimento dos países e uma outra coisa: a transferência massiva de dívida do privado para dívida pública. Parece que afinal era para isto que servia a austeridade. Podem fazer as flores e o rococó que lhes aprouver, mas eu gosto de falar de resultados.
Tendo em conta o ponto em que está a dívida pública grega, era preciso haver referendos ou outros atos democráticos que balizassem o modo em que se deve perdoar ou reestruturar a dívida grega?
Com certeza. Uma das questões que nós achamos essencial é que comecem a ser construídas na Europa formas de democracia representativa combinadas com formas de democracia participativa. Achamos que uma sociedade europeia do século XXI, com o nível de educação formal que nós atingimos e com os níveis tecnológicos, são sociedades perfeitamente capazes de instaurar este misto. Não precisamos de inventar a pedra nem de descobrir a pólvora, muitas delas já foram ensaiadas em vários países europeus e em vários estados dos Estados Unidos. Os referendos são instrumentos essenciais para aumentar a participação dos cidadãos na vida política e para lhes devolver a voz e a palavra.
A classe política dominante não pode fazer um discurso bicéfalo: que é que uma mão queixa-se de que as pessoas não participam e não votam e a abstenção é um drama, e com a outra mão sistematicamente impede a participação das pessoas.
Veja o que sucede em Portugal com o movimento “Não TAP os olhos”, que, para fazer um referendo sobre a privatização da TAP, necessita de recolher 75 mil assinaturas para propor um referendo à Assembleia da República e a AR pode rejeitá-la em 30 segundos liminarmente, sem apelo nem agravo. [E isto numa altura] em que as sondagens dão até que a esmagadora maioria dos portugueses não querem que seja privatizada. Esta é a democracia que nós temos.
Acha que as populações dos vários países da União Europeia, num referendo desses, aceitariam fazer um novo perdão dívida à Grécia ou uma reestruturação da dívida grega?
Acho que se nós tivermos informação clara sobre aquilo que se está a passar na dívida, se tivermos debates francos e abertos, se a comunicação social colaborar nessa questão democrática, penso que é possível. Mas isso também não importa: aquilo que é essencial é abrir efetivamente estas formas de participação. Se existisse um referendo sobre a privatização da TAP, se a AR respeitasse a vontade dos cidadãos e se esse resultado do referendo fosse a favor da privatização, claro que eu aceitaria. Agora, a questão é que nós precisamos de devolver a voz aos eleitores.
Repare o que aconteceu com este Governo. Este Governo fez-se eleger com um programa que não foi diferente daquele que executou. Em muitos caso, fez exatamente o contrário [daquilo que prometeu]. Isto é admissível?
Uma das coisas que o Agir acha que deve estar em cima da mesa é a possibilidade de impeachment. Ou seja, para os eleitos que não cumpram os seus cargos públicos, que não cumpram aquilo que prometeram, deve existir a possibilidade de serem destituídos do seu cargo. Não podemos permitir que alguém se faça eleger com um determinado programa e que o desrespeite em absoluto.
Mas, há quatro anos, lia nas declarações de Pedro Passos Coelho que iam ser quatro anos bestiais? O discurso dele pressupunha que iam ser quatro anos simples de ultrapassar?
Acho que o que Pedro Passos Coelho fez foi uma manipulação rasteira do povo português através de duas emoções básicas: uma delas, o medo. E outra, a culpa. O que Pedro Passo Coelho fez, uma vez eleito, foi culpabilizar os portugueses sistematicamente pela situação em que se encontram, dizendo que nós vivíamos acima das nossas possibilidades, instituindo o medo, dizendo que nós não tínhamos dinheiro para pagar salários, que vinham aí as sete pragas do Egipto e o mal e caramunha. Fez uma manipulação sistemática que, enfim, produziu os seus resultados – não há nada que venda mais iogurtes do que as emoções.
Ora, antes das eleições, Pedro Passos Coelho tinha feito um discurso da meritocracia, que agora tentou retomar na sua geografia. Que ia fazer uma reforma do Estado, que ia limpar as gorduras supérfluas, todo um discurso do self-made man, do homem que humilde vinha de Massamá. Bom, Pedro Passos Coelho é filho de um médico, não é propriamente um membro da classe operária, o que, mesmo não tendo importância nenhuma, mas é um privilegiado, não pode fazer um discurso contrário. Foi este discurso da meritocracia que o fez eleger, porque os portugueses querem que exista meritocracia na sociedade portuguesa. Sabe porquê? Porque a sociedade portuguesa é uma sociedade profundamente corrupta, onde quem tem dinheiro no bolso sobe muito mais rápido do que quem tem mais educação, mais esforço, mais empenho e mais mérito.
Porque é que acha que, chegados a este ponto, depois quatro anos com um Governo que teve de conduzir o país com a troika, com um partido socialista em dificuldades – com uma mudança de liderança pelo caminho -, ainda temos 70% de indicações de voto no PS e na coligação de direita?
O PS tem tido um posicionamento político onde assume ser uma espécie de mal menor. O PSD diz 30 minutos, o PS diz meia hora; o PSD diz meia-dúzia, o PS diz seis; o PSD diz austeridade, o PS diz austeridade inteligente. Bom, e as pessoas dizem assim “mal por mal, prefiro votar no original”. Se o PS não é capaz de fazer uma política própria, não é capaz de ter um programa seu, uma alternativa e é tudo mais ou menos aquilo que o PSD e CDS dizem mas com umas almofadinhas, as pessoas dizem naturalmente ‘para quê votar António Costa? Para quê votar Partido Socialista?’. É isso que se passa. Foi precisamente a calamidade, a tragédia, que trouxe os Partidos Socialistas a este ponto.
Mas, neste momento, todas as sondagens apontam para os 70%.
Uma das sondagens desta semana dizia que 66% dos portugueses estão disponíveis para votar em novas forças políticas. Agora, parece que a grande novidade é que há um empate técnico entre o PS e o PSD. Isso sempre foi assim. E isso tem um objetivo muito claro que é a pressão para o voto útil. As sondagens têm que estar abertas às novas forças políticas. Porque é que não estão? É uma pergunta pertinente. Porque é que as sondagens vão só avaliar aqueles competidores que já se apresentaram anteriormente às eleições?
É difícil em sondagens fazer uma pergunta ‘Em quem vai votar?’ e dizer uma lista de 20 e tal partidos, que é o que nós vamos ter nas próximas legislativas.
É normal. Em democracia é assim. Floresçam mil flores no jardim em democracia. Sei de algumas dificuldades que existem em fazer esse tipo de instrumentos de avaliação quantitativa. Mas sei que elas são possíveis. Existem várias formas de contornar [o problema]. Acho que todos os pequenos partidos vão querer uma resposta clara sobre porque é que as sondagens incidem sobre os mesmos do costume. Sobretudo depois de nós sabermos que existe uma ampla maioria de portugueses, 66%, que está disposto a votar noutras forças partidárias.
Vamos aos vários partidos, sobretudo à esquerda. O que é que distingue o Tempo de Avançar do Bloco, estes do Agir e todos eles do PS? Não lhe parecem muitos partidos na mesma zona política?
Nós não nos revemos nessa situação. O Agir não vem para unir a esquerda. Esse velho sonho já de mais de 100 anos de unir a esquerda, que tem sido sistematicamente tolerado, não é de facto a utopia do Agir. A utopia do Agir é poder unir todas as pessoas que foram duramente castigadas pela austeridade. Pessoas que foram vilipendiadas pela austeridade, tanto há eleitores do CDS, como eleitores do PCP, como – e sobretudo – abstencionistas. Nós não somos nem de esquerda nem de direita. Não somos de esquerda nem de direita, mas dos 99% que estão em baixo [e não] do 1% que está em cima. Nós vimos para disputar a democracia e para resgatar os valores democratas e republicanos. Esquerda e direita é um assunto que não nos interessa. Nós achamos que, no momento de emergência nacional que nós atravessámos, deve existir uma outra linguagem, um outro pensamento, uma outra ação e outro agir político. É a isso que nos propomos.
E depois uma outra coisa muito importante: é que nós não chegamos à arena política portuguesa para ser um partido de indignados ou de protesto. Sim, entre nós há muitos que estão zangados e revoltados, pois claro. Esta situação gera ódio e gera revolta. Mas nós queremos ser poder. Nós vimos para disputar o poder. Nós não queremos ser um partido de protesto, não vamos ser apenas um partido de protesto. Dir-me-à: “Ah, ainda agora nasceram, isso não é um bocadinho estar em bicos de pé?” Não, temos tempo.
Estamos a lançar sementes, vamos construindo as coisas. Começamos agora, a estrada não termina amanhã. É isso que nos distingue de muitas outras forças político-partidárias.
E ir para o Governo, não? No sentido de apoiar uma solução de Governo? Nomeadamente, com o PS?
Nós queremos ser Governo e nós acabaríamos por ser Governo. E estaremos dispostos a fazer alianças e convergências para uma solução governativa. Mas nunca com os atores políticos que nos trouxeram até aqui. Com aqueles que cavaram a nossa sepultura. Os coveiros dos portugueses, o PS, o PSD e o CDS, não são parceiros fiáveis. E a desconfiança é um bom princípio na vida política. Portanto, com esses nós não estamos dispostos. Com os outros, com certeza estaremos abertos a negociar.
Do ponto de vista da dívida pública, o que é que propõe o Agir?
O nosso ponto estrutural é em primeiro lugar, o combate sem tréguas à corrupção. Porque nós entendemos que a sociedade portuguesa é uma sociedade profundamente injusta e desigual. Onde aquele que nasce pobre, mais provável é continuar pobre e aquele nasce rico, mais provável é continuar rico. Nós podemos ir criando várias medidas para estancar sangrias, para resolver problemas momentâneos, podemos ser bombeiros e acudir a vários fogos, mas não podemos perder a linha de horizonte que é a construção de uma sociedade mais justa e mais igual.
Dentro do combate à corrupção, existem várias medidas que o Agir defende, mas uma delas é essencial: uma auditoria cidadã à dívida. Porque nós entendemos que a dívida que nós estamos a pagar não é legítima. Porque carga de água é que, numa altura em que os meus impostos e a minha carga fiscal é absolutamente asfixiante, hei-de estar a pagar o BPN, que foram 7 mil milhões, praticamente o mesmo que conseguimos reduzir no défice nestes anos todos de austeridade? Porque carga de água é que eu hei-de estar a pagar os prejuízos de várias empresas privadas?
O Estado deveria ter deixado cair o BPN? E o BES e o BPP?
O Estado deveria ter deixado cair seguramente o BPN. E isso é da responsabilidade do Governo PS e PSD. Está a ver porque é que não se pode confiar nesses parceiros? Até aproveito para dizer mais: foram seis bancos que nós resgatámos em seis anos, mas depois não há dinheiro para o Serviço Nacional de Saúde, para a Escola Pública e para a Segurança Social.
Sim, mas o BES cai e um dos pontos mais acesos da discussão é o dinheiro que os portugueses perderam com o BES, certo?
É extraordinário que esteja a dizer isso. As pessoas estão à espera de serem ressarcidas do papel comercial do BES, e não foram.
Então, o Estado deveria assumir a perda ou o Estado não assume perda nenhuma, e as pessoas perdem? Porque há sempre um perdedor no meio disto.
Eu não vou aceitar esse discurso que está a fazer. Porque esse discurso é uma interpretação da realidade. O que está a dizer é que as pessoas foram ressarcidas daquilo que lhes aconteceu. Não é verdade. Eu conheço vários empresários e vários pessoas singulares que perderam muito dinheiro do BPP de João Rendeiro, aquele que nós soubemos na semana passada que tem 6 milhões em offshores. Essas pessoas não foram ressarcidas do dinheiro que perderam. Muitas das pessoas que perderam ali dinheiro no BPP, foram pessoas que pouparam a vida toda, muitos eram operários.
Mas a questão que eu lhe colocava era outra: quantas mais perderiam se todos esses banco tivessem caído?
Não pode impor-me a sua visão da realidade. Nós não podemos dizer que foi bom ter resgatado seis bancos em seis anos enquanto os nossos velhos não têm pensões e reformas. São opções políticas de que estamos a falar. Houve dinheiro para o BPP, para o BPN, para o BES, para o BCP, mas não houve para os nossos velhos, muitos deles sem possibilidade de comprarem medicamentos, de se alimentarem como deve ser. Nós temos de pensar e repensar a banca privada. Se a banca privada [não pode] continuar a ser este sugador do dinheiro público, da nossa riqueza, dos nossos recursos, daquilo que nós construímos durante gerações e gerações.
Defende, se percebi bem, que deveriam ser nacionalizados alguns bancos?
Eu não aceito que nós tenhamos nacionalizado o BPN por 7 mil milhões e que o tenhamos vendido depois ao BIC por 40 milhões. Nós enterrámos lá 7 mil milhões e depois vendemos por 40 milhões? Isto é um insulto à inteligência e à dignidade de qualquer português. Ao português que trabalha 10 horas por dia por menos de 600 euros por mês e que não consegue pagar a sua fatura de eletricidade. Isto é um insulto.
Qual é que era o risco de contágio sistémico que representava o BPN, que é sem dúvida o maior escândalo financeiro do nosso regime democrático? Nenhum. Não havia risco de contágio. Teixeira dos Santos veio afirmar na véspera que havia esse risco de contágio. Nunca foi explicado.
Quem é que está preso pelo BPN? Quem é que está a ser responsabilizado pelos 7 mil milhões que os portugueses estão a pagar? Isto não é uma sociedade justa.
O caso BES é outro escândalo nacional. A nossa classe governativa dominante sabia muito bem o que se passava no BES. Das duas uma: ou a troika e o nosso Governo são completamente incompetentes e não faziam a menor ideia do que se passava no BES, ou sabiam desde o momento em que aterraram na Portela o cancro que era o BES e ocultaram-nos as contas.
Ainda não me respondeu: o que o Governo deveria ter feito ao BES?
Deveria nacionalizar o BES, obviamente. Porque é que deveria estar a cobrir os prejuízos de outros?
Estávamos na dívida pública. Nós precisámos de um perdão/reestruturação?
Nós temos de saber exatamente qual é a percentagem da dívida que eu devo pagar e que deve ser imputado ao cidadão comum e qual é a percentagem da dívida que corresponde ao Oliveira e Costa, ao João Rendeiro, ao Ricardo Salgado e que nós não temos de a pagar, porque não é justo pagar.
Alguns auditores dizem que essa fatia é 40%, outros dizem que é 60%. Eu não sei exatamente, mas vamos dizer que é 45% da dívida ilegítima. Os restantes 55% da dívida nós veremos se temos capacidade de pagá-la, mantendo a dignidade e a honra dos portugueses. Mas antes de pagar a dívida estão os compromissos com os portugueses.
Essa é outra coisa que o Agir não aceita: que a priorização dos compromissos seja primeiro com os credores e depois com os velhinhos, com as crianças, etc. Não aceito isso. Porque nós temos tanto um compromisso com as crianças que chegam à escola sem pequeno-almoço ou com os velhos que se amontam nos corredores dos hospitais públicos e que acabam por morrer nas urgências ao fim de seis horas, como temos compromissos com os credores. Portanto, essa priorização de que é mais importante pagar aos credores do que acudir ao nosso povo, nós não aceitamos.