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João Paulo tem 22 anos e vive e trabalha na freguesia da Boa Vista, Leiria, que foi atingida esta terça-feira pelas chamas (PAULO CUNHA/LUSA)
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João Paulo tem 22 anos e vive e trabalha na freguesia da Boa Vista, Leiria, que foi atingida esta terça-feira pelas chamas (PAULO CUNHA/LUSA)

EPA

João Paulo tem 22 anos e vive e trabalha na freguesia da Boa Vista, Leiria, que foi atingida esta terça-feira pelas chamas (PAULO CUNHA/LUSA)

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João foi capa de jornal por salvar pessoas e animais. "Essa foto não é uma coisa que me traga boas recordações"

Retirou vizinhos das casas e salvou quase 60 animais. Mas João Paulo rejeita o título de herói, só quer "ajudar os bombeiros". A história da foto do jovem com uma ovelha às costas, no meio do fogo.

Com uma ovelha às costas, em tronco nu e com um ar estafado. A imagem de João Paulo a fugir das nuvens de fumo atrás de si tornou-se indissociável de um dos incêndios que devasta o concelho de Leiria. Mas o jovem de 22 anos não quer saber da fotografia: “Não é uma coisa que me traga boas recordações. São coisas trágicas. A fotografia pode ser divulgada em qualquer país, mas não me interessa”. Não ignora, porém, as “críticas e palavras feitas” que já leu sobre si apenas com base nesse registo. “E isso não apoia uma pessoa que tentou ajudar os bombeiros“, lamenta em conversa com o Observador, esta quarta-feira, no dia a seguir à tragédia.

A fotografia que acabou por ser amplamente partilhada nas redes sociais tem-lhe até “trazido alguns problemas”, em particular os “comentários ofensivos ao facto de estar sem camisola”. “Depois, chego a casa e tenho a minha namorada preocupada. Não quero saber de fotos, quero é salvar o que está aqui”, atira.

João Paulo mostra-se indiferente à imagem. “O que me importa é salvar os meus, salvar os meus bens. Os bombeiros não chegam a todo o lado, ajudei a resgatar pessoas e animais e hoje talvez seja preciso novamente. A foto pode circular em todo o lado, não me importa”. Mas não deixa de lamentar que a fotografia tenha atraído atenções, não pela história que está por detrás dela: a de um jovem de 22 anos que salvou, junto com amigos, cerca de 10 pessoas e mais de meia centena de animais das chamas que não dão tréguas.

João Paulo disse que salvou mais de 60 animais de vizinhos e da família (PAULO CUNHA/LUSA)

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A história do incêndio que atingiu a aldeia onde João Paulo vive desde sempre começou pouco depois do meio-dia desta terça-feira, na freguesia da Caranguejeira, no concelho de Leiria. O jovem estava a trabalhar na empresa de construção civil da família, localizada na mesma freguesia onde vive, quando viu as chamas a aproximarem-se. Pelas 13h00, já o jovem estava a combater as chamas. “Foi uma situação um bocado difícil para mim porque estava sozinho. Vieram-me chamar de repente e não tinha ninguém ao pé de mim: não havia bombeiros suficientes para fazer isso. E fui tentar tirar as pessoas de casa”, recorda.

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“Não quero saber de fotos, quero ajudar quem precisa”

As chamas chegaram a estar a cerca de 100 metros da sua casa, mas foram as habitações que estavam “mais perto dos pinhais”, os vizinhos e dezenas de animais que o jovem tentou salvar. “Tirei cerca de 10 pessoas de casa, para além dos animais todos, a minha namorada, o meu pai e vizinhos de outras empresas [além empresa de construção civil em que trabalha], disse, acrescentando: “Passei um dia muito difícil, com muita correria, a salvar pessoas aqui da terra, a salvar animais, a tentar ajudar o máximo possível que conseguisse da minha parte”.

"Tirei cerca de 10 pessoas de casa, para além dos animais todos, a minha namorada, o meu pai e vizinhos de outras empresas. Passei um dia muito difícil, com muita correria, a salvar pessoas aqui da terra, a salvar animais, a tentar ajudar o máximo possível que conseguisse da minha parte".
João Paulo

João Paulo rejeita o título de herói e evoca por diversas vezes as pessoas que o acompanharam na luta contra as chamas. “Não fui sozinho. Tinha imensos colegas de trabalho, amigos aqui da zona a ajudar a salvar outras. Corremos tudo o que conseguimos para tirar as pessoas”, afirmou.

Reportagem. Como foi a madrugada dos fogos: “O que não ardeu hoje arde amanhã”

João Paulo diz que fogo chegou às casas em dois segundos e critica demora a retirar pessoas

O “máximo possível” foram cerca de 20 ovelhas de vizinhos e ainda mais de 40 cabras do seu avô, que foram salvas e retiradas de um barracão que acabou por arder: “Está praticamente queimado”. João Paulo descreve este momento como o “mais preocupante” do dia: “Foi logo ao início da tarde, quando tivemos o fogo a cercar-nos“. Por diversas vezes ao longo da tarde, o jovem de 22 anos percorreu os 250 metros que separavam o barracão onde estavam os animais da sua casa, onde os colocou, afastados do perigo das chamas. O esforço foi gratificante, porque nenhum ficou para trás: “Conseguimos salvar todos os animais nessa situação”.

O fogo já chegou a ser combatido por mais de 400 operacionais, mais de 120 veículos e sete meios aéreos (PAULO CUNHA/LUSA)

LUSA

O fogo que começou na freguesia da Caranguejeira já chegou a ser combatido por mais de 400 operacionais, mais de 120 veículos e sete meios aéreos, de acordo com dados da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC). E já esteve até por duas vezes em fase de resolução: a primeira, três horas depois de deflagrar e a segunda às 18h44 da tarde de terça-feira. Mas poucos minutos depois voltou a reativar e, quando na tarde desta quarta-feira João Paulo falou com o Observador, ainda não dava tréguas.

Chamas que atingiram várias freguesias de Leiria foram controladas

Em apenas um dia, o incêndio da Caranguejeira estendeu-se ao longo de outras seis freguesias do concelho de Leiria — onde já mais de três mil hectares foram consumidos pelas chamas. Apesar de não estarem totalmente extintos, o presidente da Câmara de Leiria, Gonçalo Lopes, garantiu que todos os incêndios “estão controlados” e que está em curso a operação de rescaldo e combate a alguns reacendimentos.

"Na estrada principal, tínhamos fogo a 100 metros das casas e fui falar com um polícia: disse-me que não era necessário tirar as pessoas das casas, que o fogo não ia avançar. O fogo chegou ao pé das casas em dois segundos"
João Paulo

O jovem de 22 anos acredita que a situação chegou a este extremo devido à demora na tomada de decisão para retirar as pessoas das suas casas. “Na estrada principal, tínhamos fogo a 100 metros das casas e fui falar com um polícia: disse-me que não era necessário tirar as pessoas das casas, que o fogo não ia avançar”, começou por relatar, continuando: “O fogo chegou ao pé das casas em dois segundos. O senhor da GNR não me quis ouvir. Apesar de não perceber nada disto, vim aqui ajudar os bombeiros porque é um local onde vivo há 22 anos”.

Quatro incêndios continuam a não dar tréguas, três deles no distrito de Vila Real

“Estou cheio de cãibras por andar a correr para baixo e para cima a tentar apagar fogos”. Fogo chegou à terra da namorada e João Paulo foi para lá ajudar

O dia-a-dia de João Paulo é feito na freguesia de Boa Vista, onde mora com os pais e trabalha na empresa familiar. A sua rotina foi, porém, alterada nos últimos dias, pelos piores motivos. Depois de sair do trabalho, esteve toda a tarde a resgatar os animais e a retirar os vizinhos. “Esta noite foi uma noite sem dormir. Não consegui dormir: às 3h00 da manhã fui dar uma volta e acabei por ir ajudar ali outras pessoas que tinham fogo perto de casa”, contou ao Observador.

Em apenas um dia, o incêndio da Caranguejeira estendeu-se ao longo de outras seis freguesias do concelho de Leiria (PAULO CUNHA/LUSA)

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João Paulo só voltou ao trabalho na empresa de construção civil várias horas depois, já esta quarta-feira. Mas só lá esteve duas horas, pela manhã. Pela tarde, a notícia de que o fogo estava a chegar à zona onde vive a namorada, fizeram-no sair para “ajudar” novamente no combate às chamas, à semelhança do que fez no dia anterior. “Continuamos atrapalhados”, disse ao Observador.

O jovem de 22 anos não precisa de olhar para a fotografia para lhe vir à memória o “dia difícil” e a “correria”. Sente no corpo a luta do dia anterior: “Estou cheio de cãibras por andar a correr para baixo e para cima a tentar salvar pessoas, animais, ajudar a apagar fogos. “Vai ser um dia muito difícil”.

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