A Primeira Academia de Verão do Chega tornou-se numa “terapia de grupo”. A necessidade de colocar os jovens do partido de André Ventura no divã foi levantada na abertura dos trabalhos pelo vice-presidente Gabriel Mithá Ribeiro, um nome recém-chegado, mas que teve já a responsabilidade de redesenhar o programa eleitoral. O cenário montado na Nazaré apela à calma e são raras as vezes em que alguém levanta a voz no púlpito. Da janela vê-se o mar e quando é feita uma pergunta retórica até é possível ouvir as ondas a bater nas rochas. Está tudo pronto para a primeira lição.
“A não-vitimização é um dogma”. Mithá Ribeiro atira o mote para pedir aos jovens do Chega que sejam fortes, não se queixem das críticas que ouvem e que “respondam na mesma moeda” quando são chamados de “fascistas, neonazis, racistas ou homofóbicos”. O vice-presidente do partido assume que há “um problema de identidade”, mas a causa é externa: “O que fazem connosco é terrorismo identitário e violação mental”. Pede que se olhe para o Chega “como uma minoria” e quer intransigência na luta radical contra a “homogeneidade racial e étnica”. O discurso termina com cinco características que qualquer membro do Chega deve ter: “Nós somos de direita, liberais, nacionalistas, reformadores e conservadores”. Ser estas coisas é uma vergonha?
A pergunta, como a “vitimização”, não pede resposta, mas há muitos que apesar de cumprirem todos os requisitos responderiam que sim. Nas primeiras subidas ao palco fala-se de coragem e de medo. Coragem dos que vieram e se assumem como apoiantes do Chega e medo dos que “votam em nós, mas não são capazes de vestir a camisola”.
A maioria dos jovens do Chega garantem que não tinham interesse em política até ouvirem as ideias deste partido e do seu líder. É o caso de João Neves, filho de um autarca, que nunca se aproximou do partido do pai até ouvir o candidato do PSD à Câmara Municipal de Loures nas últimas autárquicas. Não se filiou no partido de Passos Coelho, mas esperou pela fundação de um partido à imagem de Ventura para meter os papéis.
Neste momento é um dos que já terminaram a batalha para conseguir candidatos às juntas do concelho onde é líder regional, sem que arranjasse um cabeça de lista para as seis que tem em mãos. Diz que as pessoas têm medo de “represálias”, usando como exemplo empresários que “têm casas abertas e ficam com medo de perder clientes”.
Leonardo Gil, de 19 anos, foi o responsável pela escolha do lugar onde se realizou a primeira Academia de Verão, sobe ao palco de olhos postos nas janelas da sala para garantir que só um partido como o de André Ventura é capaz de “aproveitar o mar”. Termina a dizer que o objetivo da Jota é garantir que “nenhum jovem tenha vergonha de dizer que é do Chega”.
Com as eleições autárquicas à porta, o partido não conseguiu atingir o objetivo definido pelo líder de se candidatar a todas as autarquias e é na dificuldade de convencer quem vota a ser votado que tem residido o principal problema. O sítio escolhido para este encontro de jovens, a Nazaré, não tem candidato do Chega a concorrer à Junta de Freguesia. O líder da distrital de Leiria garante que tentou de tudo, mas ninguém se quis chegar à frente.
A ideia que passa é que ser do Chega ajuda a criar anti-corpos e assumir o apoio ao partido pode trazer consequências. Rita Matias, um dos principais rostos da juventude que se tem destacado com discursos muito aplaudidos nos congressos do partido, vai deixar de ter trabalho no final do ano: “Já me foi dito que o meu contrato não vai ser renovado por causa da minha exposição política”, conta ao Observador.
Quando pedimos para detalhar o que está em causa, explica que trabalha num centro de investigação “pago com os nossos impostos” e o processo de afastamento começou com bullying quando colegas de trabalho de lhe deixavam papéis na secretária a dizer que não podiam “partilhar o mesmo ar”. Mais tarde fala ainda na “criação de um código de ética” que tem um ponto onde se conclui que “as posições ideológicas do investigador influenciam a investigação”: “Não deixa de ser preocupante que este centro de investigação público não acredite nas metodologias objetivas da ciência”, diz.
Vacinação: esperar por mais dados ou pelo Papa
Se fossem levados a exame, a maioria dos alunos da Academia de Verão do Chega reprovariam no segundo módulo, o da vacinação. Jerónimo Fernandes, médico, líder da concelhia do Porto e militante muito ativo nos eventos do partido (esteve com Ventura em praticamente todas as ações de campanha nas presidenciais e marcou presença em todos os congressos), foi chamado a garantir que “a vacinação contra a Covid-19 é a melhor alternativa”. Quando questionado por um dos jovens sobre as motivações “ocultas” de governos e farmacêuticas a nível mundial, garante que não acredita numa “congeminação porque há vários países, de várias orientações, a tomarem medidas iguais no combate à pandemia”.
No intervalo, com o ar do mar, as reticências com que chegaram não se dissiparam e a maioria prefere seguir as cautelas de André Ventura. É o caso de Rita Matias, um dos rostos mais conhecidos dentro do partido – é vogal na direção e assume-se como o braço de Ventura na Jota. “Não estou vacinada”. Teve Covid-19 há menos de três meses e esse é o motivo principal para ainda não ter sido imunizada, mas, se não fosse assim, também ainda não tinha avançado para um centro de vacinação.
“Quero esperar para conhecer os efeitos da vacina, estou num processo de reflexão como o presidente do meu partido”. A filha de Manuel Matias, presidente do movimento Pró-Vida – que foi absorvido pelo Chega na segunda convenção – e atual candidato à Câmara Municipal de Almada, recusa o rótulo de negacionista, assumindo-se como uma “mulher da ciência” que conhece os tempos necessários para produzir uma vacina e diz que “apressá-los pode levar-nos a tomar uma decisão errada”.
O irmão de Rita Matias, José Maria Matias, está no partido há menos tempo do que o pai e a irmã, mas conseguiu fazer uma das intervenções mais aplaudidas do primeiro dia deste encontro que juntou cerca de 40 jovens do Chega, junto à praia da Nazaré. Recebeu da plateia a confiança para ser “um dos próximos deputados da nação”, mas diz que mantém o foco na carreira de professor de música que quer construir nos próximos tempos. É também nos próximos tempos que assume que se vai vacinar. Aos 24 anos, ainda não tomou a vacina contra a Covid-19 e assume “algumas dúvidas”, mas diz que a decisão está tomada: “A partir do momento em que o Santo Padre tomou a vacina, a questão ficou mais simples para mim”.
Aos 32 anos, João Neves foi um dos membros mais ativos deste evento. Tinha perguntas para todos os oradores, às vezes mais do que uma. No final da apresentação de Jerónimo Fernandes sugeriu mesmo um diálogo com o orador que se transformou num debate, mesmo depois de ser anunciado o intervalo da sessão. A vacinação não lhe parece a melhor alternativa e assume que não está vacinado “por opção”. Ao Observador diz que trabalha com análises de risco no setor empresarial e que o hábito dos prós e contras fê-lo perceber que ainda não há dados suficientes que lhe garantam que a vacina não vai “trazer problemas daqui a uns anos”, apesar das instituições internacionais com essa competência terem assegurado a sua segurança e eficácia.
Refugiados: os responsáveis pela revolta dos portugueses
Bruno Martins, de 25 anos, é um dos jovens do Chega que vai concorrer às eleições autárquicas, é candidato à Junta de Freguesia de Vila Franca de Xira. A tradição tauromáquica é uma das suas bandeiras porque acredita que se há menos gente nas praças de touros “é por causa das taxas”. Fala na festa brava como “parte da identidade portuguesa” que é preciso “fazer com que os outros aceitem, mesmo que não gostem”.
A identidade é uma das principais preocupações dos jovens do Chega e os estrangeiros são olhados como a principal ameaça. O aspirante a autarca pede que se façam perguntas: “Quem se sente posto de parte deve perguntar porque é que é posto de parte” e recusando responder à questão que deixa no ar, olha para a aglomeração de pessoas com as mesmas origens em bairros ou regiões próximas como um dos principais problemas, explicando que “se há determinado tipo de práticas onde vivem determinado tipo de pessoas, é normal que haja estigma”.
A permissão de entrada de estrangeiros em Portugal não é recusada, mas “têm de ser precisos para fazer alguma coisa”. O exemplo mais usado é o do trabalho e aplica-se aos imigrantes: “Portugal só deve aceitar pessoas com visto de trabalho, se isso não acontecer vamos fazer aumentar a taxa de desemprego”, explica João Neves. No que diz respeito aos refugiados, é mais difícil encontrar uma resposta clara. À pergunta ‘Refugiados em Portugal: sim ou não?’, Rita Matias responde ‘nim’.
O primeiro argumento é o da discriminação positiva que ajuda a perpetuar o “discurso do nós e do eles”. Os jovens do Chega têm dificuldade em perceber porque é que quando estas pessoas chegam têm direito a uma “série de regalias que são recusadas aos portugueses, como é o caso dos médicos de família”. Em segundo plano surge “o problema da islamização”. A vogal de André Ventura diz que quando vai a uma país árabe é “convidada a usar uma burca”, por isso diz que é evidente que “eles têm que cumprir as regras do nosso país”: “Precisamos de preservar a cultura da Europa e temos que olhar mais para Espanha e França”.
Juventude Chega: liberdade com Ventura sempre atento
Rita Matias tem ganho relevância no partido e aos 24 anos já conseguiu ser uma das mulheres de confiança de André Ventura, com um lugar na mesa dos vogais da direção. A Juventude Chega está em fase de implementação, há uma comissão instaladora da qual a filha de Manuel Matias não faz parte, mas claramente é a líder de facto desta estrutura. Ao longo de todo o fim de semana foi a responsável por fazer a ponte com a imprensa, apresentou várias sessões no palco e num dos momentos até assumiu que não devia ser ela a estar com o microfone na mão, mas sempre esteve.
Recusa a ideia de polícia a mando do líder, garantindo que “a Academia de Verão, os temas e oradores escolhidos são da responsabilidade da comissão instaladora”, e assegura que só está muito presente porque quer garantir que todas as condições de que os jovens precisam estão asseguradas. Mas André Ventura falhou na primeira tentativa de criar uma ‘jota’ do Chega e agora quer garantir que não há mais extremistas nestas fileiras.
“Nem tudo correu bem no início”, assume, para logo a seguir justificar que isso é normal nos partidos recém-chegados à política nacional. E o que não correu bem foi a entrada de membros radicais na Juventude Chega, que André Ventura acreditava que lhe podiam colocar pedras no caminho. Para evitar tropeções, apagou o que já estava escrito, voltou ao início e mandou que o caminho se fizesse mais devagar. O líder do partido aconselha o seu braço junto dos jovens a “estar próximo das pessoas”, revela Rita Matias ao Observador, explicando que está a ser feito um trabalho “porta-a-porta, pessoa a pessoa” para garantir que só as pessoas de bem entram na Juventude Chega”.
De acordo com o rosto da juventude, a estrutura tem 500 membros, mas ainda vai precisar de muito tempo para voar sozinha. No Conselho Nacional de julho ficou definido que o presidente seria eleito daqui a dois anos, com a possibilidade de este período se prolongar por mais dois. Ainda falta muito tempo, mas Rita Matias não vê a autonomia a chegar antes das próximas eleições para a direção, daqui a quatro anos. “Percebemos que há uma grande dificuldade logística, precisamos de tempo”.
Declarações de Gabriel Mitha Ribeiro corrigidas às 5:00 com referência à luta radical contra a “homogeneidade racial e étnica”