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Kurt Cobain morreu há 25 anos mas nunca desapareceu

Desde 1994 foram feitos livros, filmes e documentários sobre o líder dos Nirvana. Mas nunca nenhuma memória trágica ou polémica será maior que o legado que deixou em forma de canções insuperáveis.

As fotografias são macabras e foram tiradas pelas autoridades em 1994 no local onde se encontrava o cadáver de Kurt Cobain, uma estufa envidraçada por cima de uma garagem, na mansão que ele tinha junto ao Lago Washington, em Seattle, costa oeste dos EUA. 35 fotografias publicadas pela primeira vez em 2014 pela polícia de Seattle e até então desconhecidas. Nelas aparece um saco de papel com cartuchos de caçadeira, um dos quais terá sido disparado pelo próprio músico para pôr termo à vida. Um bilhete de despedida com uma caneta por cima. Uma caixa de madeira com seringas, colheres e outros objetos utilizados para consumir heroína. Uma carteira com documentos, incluindo a carta de condução.

As fotos foram reveladas em fevereiro de 2014 a pedido do inspetor Mike Ciesynski, perante persistentes boatos de que Kurt Cobain teria sido assassinado. Além das imagens, o inspetor fez novas inquirições e conclui que a única hipótese verosímil é a de suicídio, a mesma que sempre foi defendida pelas autoridades, noticiou a CBS. Nos arquivos da polícia também há fotografias do próprio cantor morto, mas essas não serão publicadas porque não há justificação moral ou legal para tanto, disse Mike Ciesynski, convicto de que quando se assinalasse nova data redonda sobre o desaparecimento do cantor outra vaga de teorias da conspiração surgiriam. Mas parece que o tempo não lhe deu razão.

25 anos depois, as circunstâncias da morte do vocalista e guitarrista dos Nirvana – banda fundamental da década de 90, com uma carreira meteórica de sete anos e influência duradoura sobre outros artistas – parecem menos relevantes do que a reavaliação do seu legado e do papel que desempenhou na história da música ligeira. Um novo livro, publicado nos EUA, defende que apesar da postura “négligé” que Kurt Cobain assumiu, tinha na verdade forte apetite pela fama e pelo reconhecimento, filho da rejeição punk, mas de olhos na lógica cintilante da indústria pop.

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O livro intitula-se “Serving the Servant: Remembering Kurt Cobain” e foi escrito por Danny Goldberg, “manager” dos Nirvana nos últimos três anos de existência da banda. Tanto tempo depois, Goldberg diz que Cobain tinha um “entendimento apurado e nítido” sobre o que fazer para alcançar o grande público, o que não correspondia a nenhuma estratégia, mas a um modo de estar porventura inato.

Se não aceitasse o estatuto de estrela, só lhe restaria enlouquecer, afirmou Cobain. “Sou demasiado determinado para achar que isso compromete a música que faço”, acrescentou. “Também não somos tão populares ou tão ricos como as pessoas pensam.”

A ideia de que lutou sempre contra o estrelato, como que empurrado pelas circunstâncias, contra a própria vontade, tem sido uma interpretação recorrente. No obituário que sobre ele escreveu o “New York Times” em 1994, o biógrafo Michael Azerrad declarava que Cobain “era uma pessoa muito sensível e doce, qualidades que não serão as melhores quando se é uma estrela rock”. Mas o próprio tinha dito em 1993 que não o incomodava assim tanto que a vida pessoal fosse escrutinada pelos média. Se não aceitasse o estatuto de estrela, só lhe restaria enlouquecer, afirmou Cobain. “Sou demasiado determinado para achar que isso compromete a música que faço”, acrescentou. “Também não somos tão populares ou tão ricos como as pessoas pensam.”

O músico foi encontrado morto a 8 de abril de 1994 por mero acaso, quando o eletricista Gary Smith, contratado para lá ir a casa nesse dia, se deparou acidentalmente com o cadáver. Terá sido a primeira pessoa a ler o bilhete de despedida de Kurt Cobain. Alguém da empresa do eletricista arranjou maneira de soprar a informação ao locutor Marty Riemer, da estação de rádio KXRX, e este tornou-se o primeiro a noticiar a morte do carismático músico.

As perícias médicas determinariam que Kurt Cobain estava morto desde 5 de abril, precisamente dois dias depois de ter deixado uma clínica de reabilitação de toxicodependentes. Mas os investigadores disseram também que momentos antes de disparar contra si mesmo Cobain teria ingerido uma dose mortal de heroína.

1994 foi o ano em que Lisboa se tornou Capital Europeia da Cultura, em que morreu o filósofo Agostinho da Silva, em que dezenas de camionistas bloquearam a ponte 25 de Abril em protesto contra o governo de Cavaco Silva. O ano em que Nelson Mandela se tornou o primeiro presidente negro da África do Sul, ano de massacres em Sarajevo e do fim da guerra civil no Ruanda. A morte de Kurt Cobain não foi um rodapé.

A voz rouca e gritada, o cabelo comprido desgrenhado sobre a cara, a roupa larga e descuidada, com t-shirts sobre camisolas de mangas compridas, camisas de flanela, calças de ganga rotas ou desfiadas, à maneira de adolescentes insolentes, tudo isso influenciou os que em abril choravam a morte do ídolo à porta das escolas secundárias ou fechados no quarto a olhar posters do cantor e a ouvir cassetes da banda.

Tinha apenas 27 anos, era figura de escala planetária, ou pelo menos nas Américas e na Europa, ícone de uma era dominada por pestes – a epidemia da sida e o consumo de heroína –, herói decadente de uma geração que sem saber enterrava valores e modos de vida de um século XX em ocaso.

A voz rouca e gritada, o cabelo comprido desgrenhado sobre a cara, a roupa larga e descuidada, com t-shirts sobre camisolas de mangas compridas, camisas de flanela, calças de ganga rotas ou desfiadas, à maneira de adolescentes insolentes, tudo isso influenciou os que em abril choravam a morte do ídolo à porta das escolas secundárias ou fechados no quarto a olhar posters do cantor e a ouvir cassetes da banda.

Eram os tempos do grunge, género musical e subcultural americano mas exportado para o mundo, com epicentro em Seattle, de que Nirvana, Pearl Jam e Alice in Chains, por exemplo, foram porta-vozes, uma herança do punk rock, com guitarras distorcidas e letras introspectivas de angústia existencial, capaz de influenciar outras formas de arte. O grunge dominava numa época em que falar de “música alternativa” representava uma atitude séria perante a vida. E agora tinha um mártir à altura.

Dois meses antes do óbito, no relato (re)publicado esta semana pela revista “Blitz”, os Nirvana tinham iniciado em Portugal uma digressão europeia, entretanto interrompida a 1 de março em Munique, quando o cantor perdeu a voz. O concerto português aconteceu a 6 de fevereiro no Dramático de Cascais – mítico pavilhão que nas décadas de 70 e 80 recebeu nomes mundiais do jazz, da pop e do rock – e arrancou com “Radio Friendly Unit Shifter”, uma das canções de “In Utero”, terceiro e último álbum de estúdio, lançado em 1993. Entrevistado pelo então jornal “Blitz”, o baterista dos Nirvana, Dave Grohl (que depois fundou os Foo Fighters), declarava: “Toda a gente sabe que o Kurt experimentou heroína, depois parou e as pessoas gostam de ampliar essas notícias, de fazer perguntas acerca do estado atual do Kurt e da Courtney, quando eles só querem ter uma vida normal”.

https://observador.pt/especiais/camisas-de-flanela-moches-e-um-cobain-ausente-como-eles-viram-os-nirvana-em-cascais-ha-25-anos/

Courtney Love, que se casara com Kurt Cobain em 1992 e era, ela própria, elemento de uma banda conhecida, as Hole, viria depois a ser várias vezes acusada de ter contribuído para a morte do artista, o que tem sido visto como mais uma teoria conspirativa.

Cobain já tinha estado entre a vida e a morte nas semanas anteriores ao suicídio – em Roma, onde tomou dezenas de comprimidos e entrou em coma. Depois, já em Seattle, a 18 de março, tinha-se trancado num quarto com uma arma, o que levou a polícia local a intervir.

Parecia uma alma atormentada, de comportamento excêntrico e caótico. “Por vezes, conseguíamos ter uma relação fraterna e íntima, mas noutras ocasiões trazia um olhar opaco que não me permitia chegar a ele”, relatou agora o antigo “manager”.

À “Rolling Stone”, Danny Goldberg disse que a morte de Cobain ameaçou, a certa altura, tornar-se maior do que a própria obra do músico e que o livro agora publicado pretende evitar isso mesmo, recolocando ao centro a criatividade e as qualidades pessoais de Cobain.

Em rigor, anos de livros, filmes e reportagens têm oferecido retratos díspares do autor de “Heart-Shaped Box”. De “Last Days – Últimos Dias”, de Gus Van Sant (2005), a “Heavier Than Heaven”, de Charles Cross, passando por “Come as You Are”, de Michael Azerrad (1993).

Mas se as teorias da conspiração sobre o momento da morte parecem cada vez mais vazias, é provável que a aura de mistério que sempre rodeou Kurt Cobain se adense com o passar dos anos. O percurso anterior à morte, reconstituído, por exemplo, no documentário de 2015 “Kurt Cobain: Montage of Heck”, de Brett Morgen (produzido para a HBO pela filha do músico, Frances Bean Cobain), terá sido o de uma criança angelical e hiperactiva.

Nasceu a 20 de fevereiro de 1967 em Aberdeen, cidade de 16 mil habitantes no estado de Washington. Tinha uma irmã, Kim, mas cedo foi viver sozinho com o pai, Don, que se divorciara da mãe, Wendy. Juntou-se a esta na adolescência, fase em que descobriu a música punk e sonhou ser músico. Fugia de casa para evitar a mãe, bebia, experimentava drogas. Por volta de 1985, fundou a primeira banda, Fecal Matter, e em 1987 iniciou-se nos Nirvana, ao lado de Krist Novoselic e Aaron Burckhard (Dave Grohl seria o terceiro elemento, anos depois).

Primeiro álbum em 1989, “Bleach”, pela editora independente Sub Pop, a que se seguiu em 1991 o estrondoso “Nevermind”, da editora David Geffen, que levou ao grande público um som áspero e agressivo, por vezes assustador, até então novo nas rádios generalistas e nos programas de música da televisão. O disco, cuja capa mostrava um bebé dentro de água a olhar para uma nota de dólar presa por um anzol, deu ao mundo temas célebres e influentes como “Smells Like Teen Spirit” e “Come as You Are”, hinos que destronaram Michael Jackson dos lugares cimeiros das tabelas de vendas de discos e “singles”.

Para Danny Goldberg, Cobain quis transformar lugares-comuns sobre o vocalista rock machista, tendo procurado aparecer como intérprete agressivo mas sensível, o que pode ter estado na origem de frequentes boatos sobre a sua alegada homossexualidade. Segundo o ex-“manager”, ele tinha um “aguçado sentido de equilíbrio que lhe permitia entreter os outros sem ser superficial”, ao mesmo tempo que “passava praticamente os dias inteiros a tentar reinventar-se como personagem”, um Kurt Cobain que em público terá sido apenas uma fina representação do próprio homem que a encarnava.

Canções frágeis ou simplistas, mascaradas por agressividade, por uma densidade obscura e que servia tanto de escudo como de rampa de lançamento para quem as escutava. Lançamento para uma outra realidade, uma dimensão paralela que durava pouco mais de três minutos de cada vez, mas que não mais era esquecida por quem a escutava.

A música que deixou é o melhor espelho desta verdade. Na essência, os Nirvana faziam canções pop, construídas por norma em volta de dois, três, quatro acordes no máximo. Melodias em ponto caramelo, pronta a serem trauteadas à segunda audição; letras que podiam ser retratos intimistas mas podiam também ser apenas momentos nonsense, feitos à medida das exigências da canção e nada mais. A tudo isto, Kurt Cobain juntava a atitude do punk rock, ele não precisava de mais nada a não ser dele próprio e de uma guitarra bem distorcida.

Canções frágeis ou simplistas, mascaradas por agressividade, por uma densidade obscura e que servia tanto de escudo como de rampa de lançamento para quem as escutava. Lançamento para uma outra realidade, uma dimensão paralela que durava pouco mais de três minutos de cada vez, mas que não mais era esquecida por quem a escutava. Nunca mais foi esquecida. Nem a música nem a existência fugaz mas intensa do homem que a escreveu e lhe deu voz como mais nenhum outro poderia ter feito.

O mundo deu-lhe ouvidos contra todas as expectativas comerciais, a indústria rendeu-se às evidências de uma mudança urgentemente necessária e nada ficou como era. Muitos menos os miúdos que ainda hoje aprendem a tocar guitarra ao som de “About a Girl” ou “Come as You Are”.

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