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Christine Lagarde sucedeu a Mario Draghi na liderança do BCE.
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Christine Lagarde sucedeu a Mario Draghi na liderança do BCE.

Christine Lagarde sucedeu a Mario Draghi na liderança do BCE.

Lagarde atira às empresas: têm de sacrificar margens de lucro para inflação baixar. Os "recados" que a líder do BCE quis dar em Sintra

Presidente do BCE diz que vivemos uma "segunda fase" do surto inflacionista e sublinha que as empresas têm de sacrificar as suas margens para acomodar as inevitáveis subidas salariais.

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A crise inflacionista só vai ter solução se as empresas estiverem dispostas a sacrificar as suas margens de lucro, avisou Christine Lagarde, presidente do BCE, esta quinta-feira em Sintra. Estará sobretudo nas mãos delas – das empresas, de um modo geral – evitar que a autoridade monetária tenha de subir ainda mais as taxas de juro e tenha de as manter em níveis “restritivos” durante mais tempo do que seria desejável. Embora o ritmo de subida dos preços pareça estar a moderar-se nos últimos meses, a inflação continua no triplo daquilo que é o objetivo do BCE (2%) – é demasiado cedo, por isso, para cantar vitória, avisou Lagarde.

A francesa não quis aproveitar o discurso no Fórum BCE de Sintra para dar grandes “pistas” sobre os próximos passos concretos na política monetária (como já aconteceu no passado). Lagarde reiterou apenas que em finais de julho deverá haver um novo aumento da taxa de juro – mais 25 pontos que irão elevar a taxa de juro dos depósitos (a mais importante neste momento) para 3,75%, o nível mais elevado desde outubro de 2000.

E o que acontece depois do verão? Muito vai depender da forma como as empresas vão – ou não – repercutir nos preços a recente descida das matérias-primas com a mesma velocidade com que repercutiram as subidas, atirou a presidente do BCE, num dos vários avisos e recados que deixou em Sintra.

Juros têm de subir para empresas não subirem preços a seu bel-prazer

Na primeira fase do surto inflacionista na zona euro, no final de 2021 e ao longo de 2022, as empresas conseguiram fazer algo que “virou de pernas para o ar” aquilo que dizia a teoria económica: perante um aumento súbito e significativo dos custos das matérias-primas, as empresas conseguiram passar esse aumento, quase integralmente, para o consumidor.

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O normal seria que esse aumento de preços no consumidor levasse a uma redução das vendas, obrigando as empresas a sacrificarem as suas margens para reter quotas de mercado e escoar os produtos. Mas isso não aconteceu. A procura por parte dos consumidores, de bens e serviços, não fraquejou e, assim, as empresas “reagiram aos fortes aumentos dos seus custos defendendo as suas margens e passando esses aumentos para os consumidores”.

A impressionante dimensão do aumento dos custos (…) tornou difícil para os consumidores perceberem se os aumentos dos preços eram uma consequência do aumento do custos ou do aumento dos lucros das empresas, o que alimentou uma repercussão mais rápida e mais forte” dos preços inflacionados para o consumidor, afirmou Christine Lagarde.

“Por outro lado”, acrescentou a presidente do BCE, essa dinâmica coincidiu com o efeito da procura reprimida em setores que estavam a ter uma reabertura [após a pandemia, como as viagens, por exemplo], havia poupanças acumuladas acima do normal, as políticas públicas eram expansionistas [apoios públicos e taxas de juro ainda baixas] e havia dificuldades nas cadeias de abastecimento – tudo isto permitiu que as empresas testassem a procura dos consumidores em níveis de preços mais elevados”.

“Fica a ideia de que o BCE não vai desarmar tão cedo”

O resultado prático é que, nas contas dos economistas do banco central, os aumentos de preços por parte das empresas (que, assim, evitaram sacrificar as margens) provocaram dois terços da pressão inflacionista na tal primeira fase do surto. Historicamente, essa contribuição das margens de lucros tende a não ser superior a um terço.

Nesta segunda fase do surto inflacionista, a política monetária tem de promover que aconteça o contrário, defendeu a presidente do BCE. À medida que os salários sobem, recuperando algum do “terreno” perdido nos últimos anos devido à inflação, “precisamos de garantir que as empresas absorvem esses aumentos dos custos laborais nas suas margens“.

E como é que o BCE pode contribuir para que isso aconteça? “Se a política monetária for suficientemente restritiva“, ou seja, se as taxas de juro forem suficientemente elevadas, “a economia irá entrar num processo de desinflação mesmo numa situação global em que os salários reais recuperam algumas das perdas que sofreram”.

Para isso, porém, “a política monetária tem de deprimir a procura [por parte dos consumidores] ao longo de algum tempo, para que as empresas não consigam continuar a ter o mesmo comportamento na definição dos seus preços“.

Outro aviso: Salários estão a subir acima da produtividade em alguns setores

O alerta de Lagarde para as empresas já parte de um pressuposto que é estarmos numa “segunda fase” do surto inflacionista, diferente da primeira fase. Se num primeiro momento foi sobretudo a definição de preços pelas empresas que impulsionou a inflação, agora é expectável que exista pressão altista sobre os preços pelo facto de os trabalhadores exigirem salários mais elevados (para recuperar pelo menos parte dos rendimentos perdidos devido à inflação passada).

Os trabalhadores – que também são consumidores, como apontou Lagarde, fugindo ligeiramente ao discurso pré-preparado – têm sido os que mais sofreram até agora, com este choque inflacionista. Houve “grandes perdas salariais reais” (isto é, após descontada a inflação) e agora está a ver-se “um processo de ‘recuperar o terreno perdido'”, uma pressão para se subirem salários nas negociações coletivas e também individuais.

“Tendo em conta que a negociação salarial em muitos países europeus é um processo plurianual e caracterizado por alguma inércia, trata-se de uma dinâmica que irá desenvolver-se ao longo de vários anos”, notou a presidente do BCE. A expectativa dos economistas é que os salários cresçam mais 14%, em média, até ao final de 2025 – altura em que se irá recuperar os valores pré-pandémicos em termos reais.

Mário Centeno e o presidente da Reserva Federal dos EUA, Jay Powell, estavam na audiência -- bem como Vítor Constâncio, mais ao fundo. FOTO: Banco Central Europeu

Esta subida dos salários não era difícil de prever, sobretudo num contexto em que o desemprego continua em níveis baixos. Porém, Christine Lagarde salientou que “o efeito dos aumentos salariais na inflação tem sido amplificado, nos últimos tempos, por um crescimento mais baixo da produtividade do que tínhamos projetado“.

Os aumentos acima da produtividade estão a acontecer porque existe uma grande concorrência entre as empresas para reter e contratar trabalhadores, num cenário de escassez associado à taxa de desemprego reduzida. “Com o desemprego a baixar ligeiramente, ao longo do nosso horizonte de projeção [até 2025], o incentivo para as empresas de açambarcar trabalhadores poderá não desaparecer tão cedo“, atirou a presidente do BCE.

Por outro lado, há outra explicação para o crescimento menor do que o previsto no indicador da produtividade: é a composição do crescimento do emprego, isto é, esse crescimento tem-se concentrado em setores que se caracterizam por um baixo potencial de aumento da produtividade.

“Desde a pandemia, o emprego cresceu de forma mais acentuada no setor da construção e no setor público, dois setores que têm registado uma redução da produtividade, e no setor dos serviços, que tem tido um aumento da produtividade apenas ligeiramente”, afirmou Lagarde.

“Isto significa que temos pela frente vários anos marcados por um aumento de aumentos dos salários, em termos nominais, com o indicador dos ‘custos unitários do trabalho’ sob pressão [para se agravar] devido ao baixo crescimento da produtividade”, acrescenta a presidente do BCE, advogando que cabe à política monetária contribuir para que se gere na sociedade uma perceção de que a inflação não está fora de controlo – aquilo que os banqueiros centrais chamam de manter as expectativas de inflação “ancoradas”.

A presidente da autoridade monetária da zona euro diz que “temos de garantir que as expectativas de inflação se mantêm ancoradas, à medida que o processo de ajustamento dos salários corre o seu curso”. “Embora não estejamos a ver que exista atualmente uma espiral entre salários e preços nem uma desancoragem das expectativas, quanto mais tempo a inflação se mantiver acima do objetivo, maiores se tornam esses riscos“, acrescentou.

“Improvável” que se possa declarar vitória contra a inflação no futuro próximo

O terceiro “recado” deixado por Christine Lagarde foi para aqueles que dizem, incluindo dentro do Conselho do BCE, que o pico da inflação já passou e, portanto, a autoridade monetária já devia estar a pensar em parar as subidas de juros e, até, a pensar em eventuais descidas.

A francesa não referiu esse exemplo, mas basta olhar para o Reino Unido para ver como a inflação pode voltar a dar um salto, numa altura em que parecia já estar a normalizar. “É improvável que no futuro próximo o banco central possa estar em condições de dizer, com total confiança, que o pico das taxas já foi observado”, afirmou Christine Lagarde.

Christine Lagarde tem painel com Jerome Powell esta quarta-feira, pelas 14h30. FOTO: Banco Central Europeu

Sergio Garcia for ECB

Os mais otimistas poderão encontrar conforto no facto de Christine Lagarde ter usado, para transmitir esta mensagem pessimista, a mesma formulação que usou para dizer em novembro de 2021, com uma grande dose de otimismo, que seria “muito improvável” que ao longo de todo o ano de 2022 se reunissem as condições para que houvesse quaisquer aumentos das taxas de juro.

A realidade acabou por ser totalmente diferente da que Lagarde previu nessa altura – e a guerra na Ucrânia está longe de ser a única ou, sequer, a principal explicação. O BCE começou em julho (de 2022) a subir as taxas de juro de forma agressiva, embarcando num aumento de 400 pontos base em menos de 12 meses – de -0,5% para 3,5%.

Admitindo que o oposto pode voltar a acontecer – confirmar-se aquilo que Lagarde hoje considera “improvável” – então o BCE poderá acabar por reconhecer em breve que a inflação está mesmo a corrigir de forma rápida. O último cálculo que foi feito pelo Eurostat estimou o ritmo (homólogo) de subida dos preços em 6,1%, abaixo dos 7% do mês anterior e também menos do que os 6,3% que a generalidade dos economistas previa.

Porém, a chamada inflação core (subjacente), que exclui os preços da energia e dos alimentos não-processados, baixou a um ritmo menos veloz: de 5,6% para 5,3% – e este é o indicador a que o BCE está mais atento porque retrata melhor a forma como as pressões inflacionistas estão a alastrar-se na economia.

Esta quinta-feira, em Sintra, Lagarde diz que “ainda não vimos a totalidade do impacto cumulativo das subidas de juros anunciadas desde julho [de 2022]”, mas é claro aos olhos da cúpula do BCE que “o nosso trabalho ainda não terminou“.

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