Índice
Índice
O caminho de João Leão é de contenção. E isso mesmo deixa para o seu sucessor Fernando Medina. O Ministério das Finanças tem de entregar o Programa de Estabilidade até 15 de abril no Parlamento nacional e até ao final do quarto mês do ano na Comissão Europeia.
João Leão que deixa dia 30 de março de ser ministro das Finanças entregou esta segunda-feira no Parlamento o seu Programa de Estabilidade, com metas rígidas e de contenção para o sucessor. O documento não chegou, ainda, a Bruxelas. E em Portugal o Conselho das Finanças Públicas não o considera um verdadeiro programa de estabilidade e, por isso, espera receber do novo governo “um efetivo”.
“O Conselho das Finanças Públicas faz votos para que o XXIII Governo Constitucional, prestes a tomar posse, apresente um efetivo Programa de Estabilidade no início de ciclo governativo, que (…) se deverá assumir como um plano de legislatura do novo Governo e ser objeto de apreciação parlamentar (…), constituindo um verdadeiro quadro de programação macroeconómica e orçamental, traçando não apenas as diferentes medidas de política, mas também as linhas de evolução e limites máximos, no médio prazo, da despesa pública associada a essas mesmas medidas”.
Só assim ele será um verdadeiro programa, um programa com que se comprometa o Governo que agora vai iniciar as suas funções e, consequentemente, um instrumento de responsabilização política”, realça, em comunicado, a entidade de fiscalização.
Esse é, por isso, já um desafio para Fernando Medina. Entregar um “efetivo” Programa de Estabilidade. E, por isso, João Leão chegou-se à frente, mas o seu sucessor no Terreiro do Paço pode ter de fazer novo documento. Até porque no Programa de Estabilidade apresentado é apenas dado o cenário macroeconómico e não as políticas que o sustentam a partir de 2023.
Só para 2022 se levanta um pouco o véu, sabendo-se que muitas das medidas que estavam na proposta para o Orçamento do Estado (OE) chumbada no Parlamento — e que levou às eleições antecipadas — manter-se-ão na proposta que o Governo apresentará “muito rapidamente”, tal como prometido já por Fernando Medina.
Ao que o Observador apurou o Programa de Estabilidade foi apreciado no dia 23 março em reunião do conselho de ministros, com o Governo a garantir que, nas últimas semanas, “manteve um diálogo estreito com a Comissão Europeia, no sentido de garantir que se cumprem todos os requisitos do Semestre Europeu nesta fase de transição de Governo, mais longa do que inicialmente previsto”, tendo Bruxelas, diz o Ministério das Finanças ao Observador, solicitado que “se entregasse um documento nos prazos previstos ainda que no limite fosse em políticas invariantes, como é habitual a CE pedir em situações similares”. O Governo decidiu antecipar a entrega do programa de estabilidade com as medidas do OE para 2022, o PRR e as medidas de emergência por causa da pandemia e da guerra, “ainda que não considere o impacto das outras medidas previstas no programa do XXIII Governo Constitucional”. E, por isso, desvaloriza a tomada de posição do CFP que, recorda as Finanças, teve posição semelhante em 2020 quando o Governo entregou um programa de estabilidade ainda sem o impacto pandémico.
Crescimento económico aponta para estabilização
O Governo avançou pouco nas políticas que pretende realizar para a frente. Mas avança já com algumas para 2022. Aliás, o Conselho das Finanças Públicas realça isso mesmo, já que a própria solicitação que recebeu do Ministério das Finanças (a 15 de março para analisar o cenário subjacente do programa de estabilidade 2022-26) dizia que “as únicas medidas incluídas neste cenário são as do PRR e as subjacentes ao OE 2022”.
Neste ponto, João Leão deixa a indicação do impacto do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) nas contas públicas. Aliás, as próprias projeções de crescimento económico têm isso subjacente.
João Leão deixa uma projeção de 5% para o crescimento da economia este ano, valor que António Costa já tinha divulgado no conselho de Estado. Ainda assim é a projeção mais otimista feita já depois da guerra na Ucrânia ter começado. O Conselho das Finanças Públicas aponta para um crescimento, este ano, de 4,8%, e o Banco de Portugal dá-lhe mais uma décima, apontando para 4,9%. Já o Governo, atual, projeta 5%. O ministro das Finanças que acaba o seu mandato esta semana diz que não é uma projeção otimista, já que acaba por ser garantido pelo efeito arrastamento do crescimento conseguido em 2021, de 4,9%, acima do previsto.
Depois de um crescimento de 5%, João Leão aponta para 3,3% em 2023, para descer aos 2,6% em 2024 e 2025 e 2,5% em 2026. Há, no entanto, no programa de estabilidade um cenário adverso que aponta para um crescimento de 3,8% este ano, com o agravamento da situação na Ucrânia.
Há fatores adversos resultantes da guerra que podem ter impacto negativo na economia “superior ao antecipado, sobretudo através do impacto no comércio externo e no preço do petróleo”.
Preço do petróleo aponta para 92,6 dólares por barril
A revisão das projeções económicas começa logo por este preço do petróleo. Se no Orçamento do Estado para 2022 (chumbado) o preço médio em 2022 por barril estava nos 68 dólares, agora surge com uma escalada até aos 92,6 dólares. Já o Banco de Portugal aponta para 103,6 dólares e o CFP projeta 93,9 dólares. O Governo continua com uma estimativa mais baixa.
E se ficar 20% acima do projetado pelo Governo o impacto no crescimento da economia está estimado em 0,1 pontos percentuais nos dois primeiros anos. Com menos consumo privado (-0,2 pontos) e menos importações (-0,3 pontos). A balança comercial teria uma deterioração de 1,2 pontos do PIB. O que elevaria o rácio de dívida em um ponto percentual, pelo menor crescimento do PIB nominal.
Taxas de juro negativas até 2023
Nas novas projeções do Governo as taxas de juro de curto prazo continuam negativas durante 2022, considerando a Euribor a três meses. Este ano essas taxas têm ainda sinal negativo nos -0,43%, para subirem a valores positivos — 0,3% — em 2023 e continuam a subir. Para 2024, 2025 e 2026 as taxas apontadas atingem 0,70%. O CFP vê as taxas em 2023 a um nível superior, em 0,5%, e o Banco de Portugal nos 0,6%.
Caso as taxas subam mais de 1 ponto do que o projetado, os juros a pagar em 2022 seriam superiores em 70 milhões de euros em contas públicas e 186 milhões em contas nacionais, aumentando “gradualmente nos anos seguintes, até um máximo, em 2026, de 1.098 milhões de euros numa ótica de caixa e 1.269 milhões de euros numa base de acréscimo (aproximadamente 0,4% e 0,5% do PIB respetivamente)”. Num aumento de 2 pontos, o aumento seria de 174 milhões numa ótica de caixa e de 405 milhões em contas nacionais.
O Governo estima que os juros representem uma fatura de 2,3% do PIB em 2022, descendo em percentagem do PIB (porque este cresce) para 2,2% em 2023. Ainda que em termos de crescimento homólogo se preveja uma descida de 1,2% este ano, para no próximo ano subir 4,5%. A taxa de juro implícita da dívida pública é colocada nos 1,9%.
“Com a retirada de apoios do BCE e com a escalada de preços, prevê-se que os juros tenham um aumento significativo em 2023, o primeiro ano em que aumentam desde 2014. A queda acentuada em 2024 reflete amortizações de dívida antiga, em fevereiro desse ano, em que as taxas de juro são substancialmente superiores às atuais previsões”, explica-se no programa de estabilidade.
Dívida pública é para descer
João leão deixa escrito e Fernando Medina até já admitiu que essa era a prioridade. Portugal chega a 2022 com uma dívida pública de 127,4% do PIB. O Governo tem de “prestar atenção particular sobre o indicador da dívida, o único indicador com os quais temos diferença de posicionamento que importa não descurar”, assumiu Fernando Medina, nas primeiras declarações, na CNN Portugal, depois de se saber que iria assumir a pasta das Finanças.
O programa de estabilidade aponta para uma rota de descida da dívida pública de 127,4% em 2021 até aos 101,9% em 2026. “Esta trajetória é baseada na continuação da recuperação económica, alicerçada no elevado crescimento do investimento, em resultado do contributo do PRR, e numa evolução favorável das contas públicas”.
Este ano ficará nos 120,8%. “Para 2022, prevê-se que a dívida diminua 6,7 pontos do PIB, contribuindo para este resultado o saldo primário, que se prevê positivo (0,3% do PIB), e o crescimento do PIB nominal (em -8,8 p.p. do PIB)”. Em 2023, os 115,4% serão um valor abaixo do nível pré-pandemia. E 2024 será o ano em que “Portugal deverá deixar de pertencer ao conjunto dos três países mais endividados da União Europeia”.
Não se esconde que esta descida “assume especial relevância no contexto atual de elevada incerteza relativamente à evolução futura das taxas de juro”.
Rota de consolidação das contas públicas
Há vários indicadores que, por regra, são olhados para aferir se um orçamento é expansionista ou contracionista. Nos planos deixados por Leão, a conclusão seria que o caminho é de contração. Mas já em 2021 essa seria a leitura que o ministro das Finanças pediu para não se ler na melhoria do saldo estrutural uma contração. “É importante olhar de outra forma para a melhoria do saldo estrutural”, disse, em outubro de 2021, quando apresentou o orçamento de 2022 que viria a ser chumbado, explicando que as despesas para consumo ou investimento estavam a subir, sem as medidas extraordinárias.
Neste plano apresentado ao Parlamento, o saldo estrutural (que permite aferir as contas sem efeitos extraordinários) evolui todos os anos no sentido de reduzir o seu sinal de menos. Ou seja, caminha para um excedente estrutural, mas ainda não chega lá em 2026. Ainda assim passa de um défice de 1,4% para ficar nos 0,1% (negativos) em 2026, ano em que Leão projeta que o saldo orçamental seja excedentário em 0,1%. A rota de descida do défice orçamental é, aliás, outra característica deste plano deixado a Medina.
O saldo estrutural é um dos fatores que se analisa para verificar se um orçamento é expansionista ou contracionista. Neste critério passa a contracionista.
Por outro lado, o saldo primário é apontado como ficando em terreno positivo de 0,3% do PIB. O saldo primário (diferença entre receitas e despesas não contando com os juros) continua positivo, acima de 1% entre 2023 e 2025, para chegar a 2026 nos 2%. Outro sinal de menor expansão.
No consumo público, este também pesará menos no PIB. Passa de um crescimento de 1,4% para um aumento abaixo de 1% nos anos seguintes do plano. Mas a despesa total deverá crescer 4,1% face a 2021, dizendo-se no programa que é um crescimento que reflete a implementação do PRR. As despesas com pessoal mais o consumo intermédio do Estado passará de 17,6% em 2021 para 17% este ano e acaba nos 15,6% em 2026.
“O consumo intermédio apresenta um crescimento de 3,7% em 2022, resultado da recuperação dos serviços de saúde, da manutenção de medidas de emergência de controlo da pandemia de Covid-19 e também da implementação do PRR nos serviços da Administração Pública. Ao longo do horizonte de projeção o crescimento do consumo intermédio deverá desacelerar, em linha com o grau de implementação do PRR”, explica-se no programa.
É também do PRR que vem a explicação para a despesa de capital apresentar uma diminuição em 2026 de 10,5%, enquanto em todos os outros anos, a despesa aumenta. “A despesa de capital cai 10,5% em 2026 por causa de atingir a fase final de execução do PRR. A despesa, sem PRR, continua a crescer”, explica ao Observador fonte oficial do Ministério das Finanças.
O PRR permitirá, por outro lado, aumentar o investimento público que deve atingir 3,6% do PIB em 2022, sendo 0,5% por via das subvenções do PRR e 0,1% pelos empréstimos.
Medidas extraordinárias só em 2022. Mais de 800 milhões com crise energética e Covid-19
O programa de estabilidade entregue no Parlamento só avança com as medidas para 2022. Deixa em aberto as medidas para os próximos anos.
As medidas extraordinárias com a pandemia e a crise energética e Ucrânia custarão 2.752 milhões de euros, sendo 809 milhões com apoios para fazer face à crise energética e à guerra na Ucrânia. O resto ainda é apoio por causa da pandemia. De acordo com as medidas indicadas no programa, os apoios com combustíveis custarão 443 milhões e com o gás e eletricidade serão de 250 milhões. Os apoios para famílias carenciadas custarão 46 milhões e com o apoio aos refugiados 50 milhões. A TAP ainda pesa 600 milhões de euros.
No conjunto das duas crises, os gastos serão de 2.752 milhões de euros, 1,2% do PIB. Deste total 2.237 milhões terão impacto orçamental. O impacto orçamental da crise energética previsto por Leão é de apenas 524 milhões. A diferença é explicada pelas Finanças pelo facto de o “impacto orçamental ser líquido de fundos comunitários e das medidas relativas à devolução de receitas devido ao aumento dos preços dos combustíveis”. João Leão tinha referido que o impacto da guerra no saldo orçamental ia já nos mil milhões, o que “inclui para além do efeito de medida de políticas o efeito indireto via menor crescimento do PIB”.
O aumento extraordinário das pensões custará 197 milhões este ano e o pacote IRS (alteração dos escalões) terá um custo de 230 milhões. De acordo com os mapas agora apresentado, o Governo reviu as despesas anteriores garantindo um ganho de 237 milhões. O Ministério das Finanças explica que estas verbas “estão essencialmente associadas e ganhos de eficiência na gestão e aquisição de bens e serviços públicos, na otimização do património e imobiliário público, entre outras”.
Segundo o programa de estabilidade, as medidas one off e temporárias tiveram um contributo positivo de 0,4% do PIB em 2021, cerca de 800 milhões, mas para este ano espera-se um contributo negativo de 0,2%. Ao Observador, o Ministério das Finanças explica que “a mudança de sinal deve-se a 2021 ter beneficiado de uma receita extraordinária da prepaid margin“, já “as medidas temporárias de 2022 dizem respeito a ativos por impostos diferidos e a uma indemnização judicial no âmbito das PPP”.
Inflação cresce menos nas contas do Governo
Ainda nas projeções estabelecidas no programa de estabilidade a inflação é um fator dissonante das estimadas por outros organismos. Estima-se que a inflação passe de 1,3% em 2021 para 2,9% em 2022, e só num cenário adverso chegaria aos 4,2%. “O IPC previsto para 2022 (2,9%) tem subjacente uma inflação superior a 4% no primeiro semestre deste ano, desacelerando para uma taxa abaixo de 2% no segundo semestre de 2022”.
Ora, o Banco de Portugal antecipa uma inflação (fazendo referência ao índice harmonizado de preços no consumidor) de 4% para este ano, mas num cenário adverso este indicador é atirado, pelo banco central, para os 5,9%.
O CFP aponta para uma inflação este ano de 3,9%. Para o IHPC o Governo estima um valor de 3,3% para este ano.
(notícia atualizada às 23horas com respostas do Ministério das Finanças)