As eleições de 2022 foram uma verdadeira montanha russa de emoções. Depois de quase dois meses de campanha eleitoral, durante a qual os estudos de opinião e a comunicação social apontavam para uma disputa renhida, o PS acabou por ter uma maioria absoluta surpreendente. António Costa terá, agora, todas as condições para implementar o seu programa eleitoral e, eventualmente, conseguir fazer algumas reformas. A maioria absoluta é menos inclusiva do ponto de vista político, no entanto, tem uma vantagem muito evidente: findo este mandato, depois de governar quase 80% do tempo nas últimas três décadas, haverá clareza de responsabilidade. Os indicadores sociais e económicos de Portugal em 2026 serão da responsabilidade do Partido Socialista. Nessa altura, será o momento de fazer uma retrospectiva dos próximos quatro anos. Antes de uma avaliação partido a partido, existem um conjunto de considerações gerais a fazer sobre os resultados da noite eleitoral de Janeiro de 2022.
Em primeiro lugar, ao contrário da maioria dos países europeus nos quais assistimos a uma fragmentação dos sistemas partidários e do esvaziamento dos grandes partidos de centro-esquerda e centro-direita, em Portugal o centrão está bem e recomenda-se. PS e PSD conseguiram inverter a trajectória de erosão da sua base eleitoral. Em 2022, apesar da fragmentação e multiplicação de pequenos partidos, os dois maiores partidos continuam a dominar a política portuguesa: obtiveram 3.8 milhões de votos, correspondendo a 71% por votos expressos, uma subida de 7 pontos percentuais em relação às eleições de 2019. A tendência centrípeta do sistema partidário português parece estar de volta.
Em segundo lugar, a vitória inequívoca do PS esconde uma perda de votos absolutos da esquerda e uma subida acentuada da direita. De facto, em 2022, a esquerda teve um total de 2.8 milhões de votantes, enquanto a direita teve 2.3 milhões. Em 2019, a Esquerda teve 2.9 milhões de votantes, enquanto a direita teve 1.7 milhões. No seu todo, a esquerda perdeu cerca de 100 mil votos, enquanto a direita teve mais 549 mil votos. Estas movimentações parecem sugerir movimentações intra-bloco à esquerda e movimentações inter-bloco entre a esquerda e a direita, assim como a capacidade da direita em captar uma fatia dos mais de 300 mil eleitores adicionais que foram às urnas em 2022 e que não o haviam feito em 2019. A tabela 1 sumariza os resultados da esquerda e da direita em 2019 e em 2022.
Em terceiro lugar, as eleições de 2022 confirmam o fim parcial do sistema partidário inaugurado em 1975. Por um lado, existe continuidade com o domínio do PS e PSD. Por outro lado, o fim da representação parlamentar do CDS, a queda acentuada da CDU, dois partidos históricos em Portugal, juntamente com a forte subida do Chega e da IL sugerem mudanças nos padrões de competição. As próximas eleições mostrarão em que medida estas mudanças são perenes ou meramente transitórias.
Em quarto lugar, as eleições de 2022 mostram uma alteração na nacionalização dos partidos políticos. O mapa eleitoral mostra que apenas PS, PSD e Chega são partidos nacionais, isto é, têm uma representação eleitoral e de deputados em grande parte do território. Ao contrário da IL, por exemplo, cuja subida eleitoral é fortemente alicerçada nas zonas urbanas do litoral, o Chega tem uma votação expressiva em muitas zonas do país, mesmo que, em alguns casos, esta votação não acabe por se traduzir na eleição de deputados devido à magnitude dos círculos eleitorais.
PS. A vitória absoluta
O Partido Socialista teve uma vitória em toda a linha que surpreendeu o país. Depois de seis anos de governo, com uma pandemia inusitada pelo meio, António Costa apostou e ganhou. Em Novembro, o líder do PS esticou a corda com os parceiros de esquerda, levando ao chumbo do Orçamento do Estado e, arriscando o seu capital político numa maioria absoluta ou, eventualmente, numa maioria relativa da qual PCP e BE sairiam enfraquecidos, forçou eleições. Depois de uma campanha algo ziguezagueante, com mensagens políticas diversas acerca dos objectivos do PS, António Costa utilizou os últimos dias de campanha para passar uma mensagem clara e forte para mobilizar a esquerda: o medo da direita radical ou da sua potencial influência num governo liderado pelo PSD.
A estratégia do PS funcionou em pleno. Os socialistas conseguiram uma maioria absoluta, subindo de 108 para 117 deputados. A explicação para esta subida é bastante simples. Ao contrário de 2005, quando a maioria absoluta do PS foi fortemente conquistada ao centro-direita, desta vez o PS esvaziou os partidos à sua esquerda, que tiveram quedas históricas. Para além disso, conseguiu uma distância confortável do PSD, o que ajudou à conquista da maioria absoluta.
Em números absolutos, o PS teve um aumento de 346 mil votos, passando de 1.900.036 em 2019 para 2.246.483 em 2022. Pelo contrário, as perdas do BE e da CDU cifraram-se nos 356 mil votos. Apesar da necessária cautela metodológica, pois não podemos fazer inferências individuais com base em dados agregados, a subida do PS parece um espelho das perdas da CDU e do BE, até porque, como veremos, o PSD conseguiu aguentar a sua votação em relação a 2019.
A Figura 1 mostra a correlação entre a subida do PS nos vários concelhos e a descida da CDU e do BE nos mesmos concelhos. Como podemos ver, apesar de a correlação não ser perfeita e de existirem algumas localidades que fogem completamente à tendência geral, como o Porto Santo, Porto Moniz e Santa Cruz da Graciosa, em muitos locais a subida do PS em pontos percentuais espelha a descida do Bloco e da CDU nesses mesmo concelhos, em relação a 2019.
O PS teve ainda uma noite histórica pelo domínio que conseguiu em todos os distritos, à excepção da Madeira. Nunca, desde as eleições para a Assembleia Constituinte em 1975, o PS tinha feito o pleno dos distritos no território do continente. De resto, o distrito de Leiria é bem exemplificativo das eleições em que todo o voto à esquerda convergiu para o PS. Nunca antes o PS havia ganho Leiria, nem mesmo na maioria absoluta de José Sócrates, em 2005.
PSD. Uma derrota amarga
O PSD teve uma das derrotas mais amargas da sua história, particularmente dadas as expectativas criadas pelos estudos de opinião ao longo das últimas duas semanas. Existe um abismo entre os estudos de opinião, que davam o PSD praticamente empatado com o PS (a uma distância, em média, de 4 pontos percentuais), e os 12 pontos percentuais de diferença entre os dois primeiros classificados. As eleições, afinal, foram bastante menos competitivas do que aquilo que a comunicação social e as sondagens indicavam.
Apesar de ter tido uma subida em número de votos absolutos, cerca de mais 150 mil votos, o partido de Rui Rio perdeu um total de três mandatos no parlamento devido às idiossincrasias do sistema eleitoral que abordaremos mais abaixo, baixando de 79 para 76 deputados eleitos. De resto, a recusa de Rio em fazer uma coligação pré-eleitoral com o CDS beneficiou (ainda mais) o PS nos distritos de Coimbra, Leiria, Portalegre, Vila Real e Porto. Nesses cinco distritos, os votos “desperdiçados” no CDS, juntamente com os votos remanescentes no PSD, teriam muito provavelmente determinado a eleição de mais um deputado da direita em vez do último deputado do PS. Tudo somado, era o suficiente para ter impedido a maioria absoluta do PS.
A Figura 2 mostra os concelhos onde o PSD mais subiu em relação a 2019. Na esmagadora maioria dos concelhos, o PSD conseguiu subir em relação à eleição anterior. No entanto, com raríssimas excepções, a subida foi muito pequena, não chegando para tornar o partido competitivo nas eleições.
Para além do erro político de não ter feito uma coligação pré-eleitoral, Rui Rio teve um final de liderança trágico. A conferência de imprensa que deu este domingo à noite foi errática e inenarrável, começando pela justificação sobre as contas do partido, passando pela utilização da língua alemã e terminando ainda em assobios aos jornalistas por parte de elementos do PSD. É preciso saber perder com dignidade. Rio, claramente, não o soube fazer.
Chega. A nacionalização e a vitória do partido
Juntamente com o PS e a IL, o Chega foi um dos grandes vencedores da noite, obtendo 7,15% dos votos e 12 deputados à Assembleia da República. O partido de Ventura tem uma subida verdadeiramente espectacular depois de ter começado por apenas um deputado em 2019. O Chega ganhou claramente o título de terceira maior força política em Portugal, o que, para um partido que ainda não fez três anos, é notável.
Para além da afirmação enquanto terceira maior força política em Portugal, o Chega emerge como o único partido pequeno com implementação nacional. O Mapa 3 mostra a distribuição espacial do voto do Chega nas eleições legislativas de 2022. O partido de Ventura consegue eleger deputados não só em distritos de grande magnitude, como Lisboa e Porto, mas também em círculos como Leiria ou Santarém, cuja magnitude nos levaria a pensar que a entrada do partido seria difícil.
A Figura 3 mostra a distribuição geográfica dos votos do Chega, confirmando a nacionalização do partido. Importa ainda sublinhar a forte subida do partido no Ribatejo, no Alentejo e no Algarve. Pelo contrário, o Norte é a região do país onde o Chega tem resultados eleitorais mais fracos, especialmente nos distritos do Porto, Vila Real e Aveiro. Seguindo o padrão dos seus congéneres europeus, o Chega tem resultados substancialmente abaixo da média nacional no centro das cidades mais ricas, onde se encontra uma população mais afluente. Em Lisboa, o partido teve 5.59% e no Porto teve 3.27%.
Obviamente que, ao contrário de PS e PSD, cujo resultado eleitoral permite maximizar a transformação de votos em mandatos, o Chega teve imensos votos desperdiçados em vários círculos eleitorais. Por exemplo, nos distritos de Évora e Portalegre, onde teve votações expressivas, o partido não logrou eleger qualquer deputado, devido à baixa magnitude dos círculos. Em Viseu, ficou a pouco mais de mil votos de eleger um deputado, quebrando a hegemonia de PS e PSD.
Para além da nacionalização do resultado eleitoral, que, de resto, já vinha das autárquicas de Setembro, nas quais o Chega teve um resultado expressivo em muitas zonas do país, o partido conseguiu ainda tornar-se a terceira força política em muitas áreas que, durante anos, foram redutos do PCP. Em Mourão, Reguengos de Monsaraz e Estremoz, o Chega tornou-se na terceira força política, ultrapassando em todos estes casos não apenas a CDU mas também o BE. De facto, o Chega teve um crescimento verdadeiramente impressionante no Alentejo. No entanto, como os círculos eleitorais alentejanos (Beja, Évora e Portalegre) são relativamente pequenos, esses votos não se converteram em mandatos.
O significado de tudo isto, assim como as suas implicações, requerem mais dados e mais estudo. No entanto, há duas conclusões provisórias que podemos tirar já: o Chega está a chegar a todo o território nacional e a conseguir quebrar redutos que, durante décadas, pertenceram a outros partidos. Se estes bons resultados em eleições legislativas e autárquicas continuarem, o Chega poderá vir a conseguir ser um partido verdadeiramente implantado em todo o país, com uma organização no terreno e padrões regulares de voto.
A chegada à Assembleia da República de um grupo parlamentar do Chega trará desafios importantes os quais, de resto, estão bem descritos na literatura sobre a institucionalização da direita radical. O Chega terá um grupo relativamente grande de deputados, quase todos inexperientes do ponto de vista político e com posições que, em muitos casos, poderão ser heterodoxas. Na ausência de um programa eleitoral bem definido, na medida em que a direita radical se define melhor enquanto elemento político anti-sistema do que a favor de políticas, será difícil manter a coesão da mensagem e da marca do partido.
A fase inicial da vida de um novo partido tem sempre momentos mais atribulados, durante os quais a mensagem, o tipo de eleitores e o tipo de membros do partido pode oscilar até que atinja uma certa estabilização e regularização. Por outro lado, a vitória com maioria absoluta do PS é o melhor resultado que Ventura poderia almejar. Terá quatro anos durante os quais não terá de tomar decisões com consequências políticas de maior para fora do partido. Poderá, assim, aproveitar este tempo para formar quadros políticos e, eventualmente, preparar o partido para uma nova fase de crescimento.
Iniciativa Liberal. Uma subida constante e sustentada
A Iniciativa Liberal tem nestas eleições uma grande vitória. Consegue passar de uma representação de um só deputado na Assembleia da República para um grupo parlamentar de oito deputados, provenientes de vários distritos nacionais. A Figura 4 mostra a distribuição geográfica do voto da IL. A análise do mapa com a prestação eleitoral da IL revela um voto altamente concentrado nas zonas mais ricas e mais urbanas do país, em particular os concelhos de Lisboa, Oeiras, Cascais (os seus três concelhos mais fortes) e também Porto, Mafra, Montijo e Alcochete. Aveiro, Leiria e Ponta Delgada são capitais de distrito onde a Iniciativa Liberal é particularmente bem sucedida.
Para além dos distritos onde elegeu deputados nestas legislativas (Braga, Setúbal, Lisboa e Porto), prevê-se que, no futuro, a IL possa vir não só a aumentar a sua representação nestes distritos, mas também a eleger deputados no círculo de Aveiro (que tem uma magnitude relativamente grande e onde a IL ficou a 2 mil votos de eleger um deputado) e, se o futuro for particularmente sorridente, quiçá Leiria (onde faltaram este domingo mais 5 mil votos).
A Iniciativa Liberal tem, assim, um crescimento menor que o Chega, mas talvez mais sustentado, na medida em que terá tempo para ir preparando quadros que possam integrar o seu grupo parlamentar no futuro. O cenário de oposição em que estará nos próximos anos, tal como o Chega, também será mais favorável a um futuro crescimento eleitoral do que o cenário alternativo em que poderia sofrer com os custos associados ao apoio à governação de um grande partido.
Bloco de Esquerda. A noite mais difícil do partido
À excepção de 2011 que, desde o seu nascimento em 1999, o Bloco de Esquerda tem subido de forma sustentada nas legislativas. A noite eleitoral de 2022 foi a mais trágica da história do partido. Perdendo cerca de 250 mil votos, o seu grupo parlamentar foi dizimado, passando de 19 para cinco deputados. O BE foi penalizado pelo método d’Hondt na transformação de votos em mandatos, pois perdeu apenas metade dos votos, mas mais de 70% dos deputados. Sofreu ainda outra penalização: como o seu voto é geograficamente menos concentrado do que o do PCP, apesar de ter tido mais 4 mil votos do que os últimos, teve menos um deputado do que o partido liderado por Jerónimo de Sousa.
Note-se, no entanto, que até nos grandes círculos urbanos, onde a pressão para o voto estratégico é menor e onde o Bloco costumava ser bem sucedido, o partido teve resultados verdadeiramente trágicos. A Figura 5 mostra os resultados do Bloco de Esquerda. No distrito de Lisboa, desceu de 9.71% dos votos para 4.72%, no Porto de 10.12% para 4.78% dos votos, em Setúbal de 12.11% para 5.75%, e em Braga de 8.88% para 3.75% dos votos.
O resultado do BE é facilmente explicável. O partido viu grande parte do seu eleitorado votar estrategicamente no PS, para evitar a vitória de Rio e a possibilidade de Ventura ter influência na governação. Nos próximos anos, veremos se o Bloco se consegue reinventar e regressar às prestações eleitorais de antigamente, ou se nunca mais volta às glórias do passado, depois da fatal decisão de fazer parte da Geringonça, de um aumento brutal de nova oferta eleitoral (com o Livre, a IL e o Chega) e de uma competição entre partidos muito mais aguerrida pelo voto dos portugueses.
CDU. Um resultado difícil e uma mudança
O outro parceiro de Geringonça de António Costa também foi vítima do voto estratégico. Foi uma noite assumidamente difícil para o PCP. Existem vários aspectos a ter em conta. Em primeiro lugar, a não eleição de qualquer membro do PEV, que terá consequências importantes no funcionamento da Assembleia da República. Desde os anos 80 que o PCP utilizava o PEV como expediente para duplicar as suas intervenções nos debates e o acesso a posições com capacidade de decisão. Nos últimos anos, o PEV também votou de forma diferente (e mais favorável ao PS) do que o PCP em alguns assuntos determinantes para a manutenção da Gerigonça no poder. A perda do eterno parceiro terá mais peso do que se antecipa.
Em segundo lugar, o resultado eleitoral, apesar de pesado, é menos difícil do que aquele do BE. Por um lado, o PCP partia já de um grupo parlamentar mais curto, de apenas 12 deputados em 2019. O partido perdeu menos de 90 mil votos e conseguiu aguentar seis mandatos na Assembleia da República, o resultado mais curto desde a transição democrática. No fundo, ao contrário do BE, que teve uma queda abrupta e total ontem, a queda do PCP no pós-Geringonça deu-se a dois tempos: em 2019 tinha já sofrido uma derrota eleitoral pesada, numa trajectória confirmada ontem.
Em terceiro lugar, a distribuição geográfica do voto no PCP mostra um partido em clara perda de influência. A bancada comunista perdeu a representação em dois bastiões: Évora e Santarém. Neste momento, o partido mantém a representação nas grandes zonas urbanas de Lisboa, Setúbal e Porto. Para além disso, mantém ainda um deputado em Beja.
Fazendo uma analogia com 2004, quando Jerónimo de Sousa conseguiu dar um novo folêgo ao partido depois de uma década difícil, é possível que uma substituição na liderança comunista consiga, de novo, renovar o partido e inverter a sua queda eleitoral. Caso contrário, o PCP poderá estar condenado a um desaparecer em câmara lenta.
CDS. O fim
Desde o irrevogável de Paulo Portas que o CDS-PP estava moribundo, simplesmente o partido não o havia percebido. Em 2015, a posição relativa do partido foi impossível de aferir porquanto ia coligado com o PSD. Em 2019, Assunção Cristas deixou o partido em clara perda com apenas cinco deputados à Assembleia da República. Apesar do que dizem os seus críticos, quando Francisco Rodrigues dos Santos tomou conta do partido muito pouco havia a fazer. Com mais de 85 mil votos a nível nacional, em 2022, o CDS não conseguiu eleger nenhum deputado, fechando-se, assim, um ciclo histórico na democracia portuguesa. Apesar de ter tido mais votos do que o Livre ou o PAN, o CDS não conseguiu atingir o limiar de eleição no distrito de Lisboa. A grande causa desta divergência com os outros dois partidos pequenos é a distribuição geográfica do voto do CDS. Enquanto o Livre e o PAN têm o seu voto concentrado na Área Metropolitana de Lisboa, o CDS tem uma presença relativamente grande em terras mais pequenas e menos urbanas. As localidades onde o voto no CDS é, em termos relativos, o mais elevado do país são Ponte de Lima, Oliveira do Bairro, Albergaria-a-Velha, Vale de Cambra, Vagos, Nelas e Sever do Vouga.
PAN. Um perdedor da noite eleitoral
Depois de eleger quatro deputados em 2019, as cisões internas dentro do partido durante a última legislatura não auguravam nada de bom. O PAN perdeu um pouco mais de metade da sua votação – passou de 166 mil votos para pouco mais de 80 mil –, deixando de ter um grupo parlamentar. Inês Sousa Real sentar-se-á sozinha na Assembleia da República, fazendo o partido regredir a 2015, quando André Silva garantiu a eleição do partido pela primeira vez. A distribuição geográfica dos votos do PAN confirma um padrão paradoxal que muitos comentadores já vinham sublinhado: apesar de ser maioritariamente centrado na natureza, o partido tem a sua grande base de apoio nos distritos mais urbanos e ricos. Mais de 95% dos votos no partidos estão concentrados em Lisboa, Porto, Setúbal, Braga e Aveiro.
Livre. Voto concentrado em Lisboa
Depois de uma entrada em falso na Assembleia da República em 2019, o Livre conseguiu eleger Rui Tavares. Com uma votação limitada a nível nacional, com apenas 68 mil votos, o partido beneficiou da forte concentração geográfica do seu voto em Lisboa. Com 42% do seu voto em Lisboa, catapultado pelo desempenho superior de Rui Tavares nos debates, o Livre conseguiu eleger um deputado. Curiosamente, o partido pareceu imune à pressão do voto estratégico que erodiu o apoio no BE e na CDU.
O contributo do sistema eleitoral na formação da maioria absoluta
A proporcionalidade dos sistemas eleitorais tem um papel decisivo na capacidade de forjar maiorias absolutas de mandatos, mesmo quando não existem maiorias absolutas de votos. O exemplo mais extremo é, naturalmente, o sistema de círculos uninominais existente no Reino Unido ou em França. Pela primeira vez desde 1976, os resultados eleitorais das eleições legislativas não cumpriram os mínimos da proporcionalidade, que estão, de resto, consagrados na Constituição. Em 2022, não existe uma correspondência entre o ordenamento dos partidos na distribuição de votos e na distribuição de mandatos. A CDU tem menos votos do que o BE, mas, apesar disso, tem mais deputados. Da mesma forma, o CDS tem mais votos que o PAN e o Livre, mas não elegeu nenhum deputado, ao contrário destes últimos partidos.
A somar a isto, a vantagem puramente mecânica dada pelo sistema eleitoral aos dois grandes partidos continua a ser enorme. Os dois partidos do Bloco Central somaram cerca de 86% dos deputados à Assembleia da República, representando apenas 71% dos votos, o que, num sistema proporcional, causa um enviesamento mais forte do que o desejável.
O Partido Socialista terá menos de 42% dos votos, mas conseguirá cerca de 52% dos deputados. Esta é, na verdade, a maioria absoluta com menos votos absolutos e menos percentagem de votos da história democrática portuguesa. Em 2005, José Sócrates obteve mais de 2.5 milhões de votos e 45.03% dos votos. Cavaco Silva, por sua vez, obteve nas suas maiorias absolutas 50.22% (mais de 2.85 milhões de votos) e 50.60% (2.9 milhões de votos) em 1987 e 1991, respectivamente. Ontem, António Costa, com apenas 2.246.483 votos e 41.68% garantiu a sua maioria absoluta. Curiosamente, é um resultado pior que o obtido por António Guterres em ambas as suas duas vitórias com maioria relativa, quer em percentagem quer em número de votos (Guterres somou 43.76% e 44.06% em 1995 e 1999, respectivamente). Esta maioria absoluta conseguida com relativamente poucos votos deve-se essencialmente a dois factores: a distância grande para o segundo classificado e a dispersão de votos em pequenos partidos, todos com percentagens bem abaixo dos 10% e, na sua maioria, até abaixo dos 5%.
A acrescentar a estes factores específicos desta eleição, temos ainda a desproporcionalidade estrutural do sistema eleitoral português. Esta é resultado de várias regras, que poderiam ser corrigidas, caso houvesse vontade política para tal. Por um lado, há muitos círculos eleitorais com magnitudes muito baixas: 7 círculos eleitorais que elegem 3 deputados ou menos e 12 círculos que elegem 6 deputados ou menos. Nestes círculos, os resultados acabam por ser altamente desproporcionais, beneficiando os grandes partidos (porque os pequenos partidos não conseguem eleger) e especialmente o partido com mais votos, mesmo que a diferença de votos para o segundo partido seja pequena. Por exemplo, quer em Bragança, quer em Vila Real, o PS e o PSD ficaram virtualmente empatados em percentagem de votos (com cerca de 40% cada), no entanto o PS conseguiu mais um deputado que o PSD em ambos os distritos. Na verdade, vários cientistas políticos, como Giovanni Sartori, há muito que indicam que a lógica eleitoral dos distritos de magnitude muito baixa é, na verdade, mais semelhante ao que acontece em sistemas maioritários do que aquilo a que estamos habituados em sistemas verdadeiramente proporcionais.
Como poderia ser corrigida esta desproporcionalidade? Existem várias maneiras de o fazer, algumas que exigem alterações constitucionais, mas outras que apenas requerem uma revisão da Lei Eleitoral. Entre as possíveis soluções estão a criação de um círculo de compensação nacional, a fusão de círculos mais pequenos, ou a substituição da fórmula de conversão de votos em mandatos do método d’Hondt para um método mais proporcional, como o método de Sainte Laguë ou Hare. Apenas uma ou duas destas possíveis alterações poderiam corrigir quase todas as grandes distorções que observámos ontem à noite.
Nota: Todos os resultados incluídos nesta análise resultam de dados provisórios disponibilizados pelo Ministério da Administração Interna e não incluem ainda o apuramento dos círculos da emigração.