Disse uma vez, ficou para a história (e nos livros que escreveria mais tarde sobre a sua liderança). Quando um dia perguntaram a Pinto da Costa quem era o seu número 2 na Direção, o presidente do FC Porto apoiou-se na habitual ironia. “O meu número 2? É o João Pinto, claro”, atirou, em alusão ao lateral direito que jogava com esse número e que foi durante muitos anos capitão dos azuis e brancos. No entanto, e olhando para toda a atual estrutura dos dragões, se procurarmos um nome mais próximo dessa figura de braço direito enquanto dirigente encontramos Adelino Caldeira, responsável pela parte jurídica e com estreita ligação também às modalidades. Não tem o peso mediático de Vítor Baía, para muitos apontado como um “delfim” do líder, não faz parte da equipa com mais valências financeiras e comerciais (Fernando Gomes, José Américo Amorim e Paulo Mendes), não tem tanta ligação às Casas como Alípio Jorge mas ganha na antiguidade, na confiança e no estatuto interno. Afinal, são mais de 30 anos de ligação ao clube. E tudo começou como “adversário”.
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Hoje olhamos para Adelino Caldeira como um fiel escudeiro de sempre de Pinto da Costa. Nem sempre foi assim. Chegou mesmo a concorrer contra o atual líder, ameaçou bater com a porta pelo menos uma vez, ficou sempre na estrutura com cada vez maior relevância. Agora, de acordo com o Ministério Público, é visto como uma espécie de “mentor” dos incidentes na Assembleia Geral Extraordinária do FC Porto de 13 de novembro, ideia que o advogado de 70 anos refutou por completo num comunicado no site do clube.
Filho de um antigo juiz de Direito da zona da Beira Alta que foi também dirigente do FC Porto, José Estêvão Saraiva Caldeira, Adelino Caldeira seguiu, literalmente, todos os passos do progenitor. Ainda assim, mesmo sendo alguém que seguia de forma atenta a vida do clube, começou a ser falado no universo azul e branco por ter concorrido na lista de Martins Soares às eleições de 1988. Mais: era uma das principais peças a dar gás a um movimento sem precedentes na história dos dragões desde 1982, quando Pinto da Costa foi pela primeira vez eleito. A derrota seria pesada e teria uma tentativa de “vingança” com nova derrota três anos depois mas com uma nuance que passava pela ausência do advogado nas listas opositoras. O líder azul e branco percebeu a mais valia que tinha à sua frente, foi-se encontrando com Adelino Caldeira, acabou por puxá-lo para a sua esfera no clube na altura em que era administrador da empresa que geria o jornal “O Jogo”.
Joaquim Oliveira era outro dos pontos em comum entre ambos. Adelino Caldeira começou o curso de Direito ainda em Portugal, onde gostava de andar nas lutas políticas com o MRPP, mas acabou por terminar essa parte do caminho académico no Brasil, na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, para onde tinha emigrado em 1975. Dois anos depois, em 1983, inscreveu-se na Ordem dos Advogados Portuguesa. “Desenvolve a sua atividade principalmente na área do direito comercial e societário, tendo frequentemente intervenção na estruturação de operações de investimento, em contratos comerciais internacionais e em aquisições e reestruturações transfronteiriças. É reconhecido pelo seu aconselhamento jurídico de visão global, onde põe ao serviço do cliente a sua experiência de várias décadas no mundo empresarial. É ainda responsável pela gestão interna da nossa sociedade”, explica a biografia do site do escritório do qual é sócio, o Caldeira, Cernadas, Sousa Magalhães e Associados (onde estagiou Paulo Gonçalves, que esteve no início da SAD do FC Porto, e trabalhou Mário Figueiredo, ex-líder da Liga. No entanto, foi com essa ligação ao então patrão da Olivedesportos que se foram abrindo portas. E “guerras”.
Alguns episódios mais recentes poderão estar na memória viva da maioria mas há mais de 30 anos, pouco tempo depois de chegar aos órgãos sociais, Adelino Caldeira viveu a primeira quezília mais “mediática” com Octávio Machado. Adjunto de Carlos Alberto Silva, o Palmelão deixou o cargo no final da época de 1991/92 depois de um encontro na última jornada em que o FC Porto já campeão defrontava fora o Gil Vicente de António Oliveira, irmão de Joaquim Oliveira, que precisava de ganhar para se manter na Primeira Liga. “Eu estou farto de caldeiradas e de azeitonas podres”, atirou depois da partida sem nunca esclarecer o porquê de uma “rajada” com destinatários percetíveis. Os problemas de Octávio Machado chegavam também ao seu irmão, José Caldeira, empresário que Pinto da Costa queria colocar como seu chefe de gabinete.
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Foi nesse contexto que Adelino Caldeira chegou ao FC Porto, foi no contexto FC Porto que foi perdendo a relação com aquele que para muitos era o “dono do futebol nacional” Joaquim Oliveira, pela preponderância que assumia para os clubes pela questão das transmissões televisivas e da publicidade estática nos estádios (então ainda fixas, às vezes com pessoas a agarrarem nas lonas por causa do vento). O episódio limite para esse afastamento terá sido a defesa numa reunião da SAD da saída de António Oliveira do comando dos azuis e brancos depois de ter criticado publicamente Paulinho Santos, um dos principais símbolos dessa equipa. Mais tarde, quando Pinto da Costa apostou em Octávio para “recuperar a disciplina no balneário”, ameaçou deixar as Antas mas não entregou a carta de demissão que tinha há muito preparada.
Octávio acabou por sair devido aos maus resultados, Adelino Caldeira, que entretanto se tinha aproximado de Alexandre Pinto da Costa, ficou. E ficou para ter um dos papéis mais preponderantes que desempenhou desde que assumiu funções nos azuis e brancos: a defesa do clube no caso do Apito Dourado. Foi ele que liderou a equipa que ganhou em todos os “campos” menos na Comissão Disciplinar da Liga, foi ele que veio a inverter a ideia criada inicialmente de que os azuis e brancos não estavam a ter melhor desempenho para evitar males maiores desportivos para o clube, foi ele que liderou a comitiva que foi à sede da UEFA, em Nyon, garantir que o FC Porto não ficava sem a presença na Liga dos Campeões. “A decisão foi anulada mas não considero que seja um sucesso porque há mais processos para ganhar”, comentou no final da reunião.
Com essa nuvem fora do radar do Dragão, Adelino Caldeira consolidou a sua posição e foi também valorizado pelos resultados que conseguira noutros processos como a rescisão com Del Neri ainda na pré-temporada de 2004/05, a saída com indemnização a pagar de Co Adriaanse durante a época de 2005/06, a permissão por parte da FIFA para que Leandro Bonfim (que nunca vingou nos dragões) pudesse ser utilizado na sequência de um litígio com o PSV pelo brasileiro e a rescisão sem justa causa do médio Paulo Assunção. No entanto, era visto como uma espécie de “braço armado” de Pinto da Costa que estava ligado a confusões em alguns encontros que o FC Porto ia fazendo, como se viu no ano de 2013 com dois casos mais mediáticos.
O primeiro foi numa final da Taça de Portugal de andebol em Tavira frente ao Sporting, que tinha há pouco tempo Bruno de Carvalho na liderança do clube leonino. Quando se cruzaram, o número 1 do conjunto de Alvalade estendeu a mão para cumprimentar Adelino Caldeira (que entretanto mudara e muito a fisionomia pelo qual era conhecido, estando bem mais magro) mas não teve resposta, atirando depois a frase “Não tenho de falar a presidentes bananas”. Os ânimos ficaram exaltados num despique que começara antes com todas as críticas feitas por Bruno de Carvalho a Pinto da Costa e levou mesmo ao corte de relações institucionais entre os dois clubes. Mais tarde, em setembro, Nuno Lobo, líder da Associação de Futebol de Lisboa, acusou Adelino Caldeira de agressão, ameaças e injúrias num encontro entre o Estoril e o FC Porto na Amoreira, com o dirigente dos dragões a ser condenado pelo Tribunal da Relação por ofensa à integridade física.
Seguia-se mais uma “guerra” interna onde levou a melhor, neste caso contra Antero Henrique, outra figura muito próxima de Pinto da Costa. Adelino Caldeira foi um dos promotores da reaproximação do presidente portista com o filho, Alexandre Pinto da Costa, algo que o antigo “patrão” do futebol não viu com bons olhos esse movimento e os negócios que iam sendo feitos não só por ele mas também por José Caldeira, irmão de Adelino e agente. Essa fase coincidiria também com o pior momento desportivo do FC Porto desde 1982, com quatro anos sem ganhar qualquer título (até chegar Sérgio Conceição). Mais uma vez, Adelino Caldeira foi visto como um dos principais “culpados” e tornou-se alvo da contestação… dos Super Dragões.
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No início de 2017, o escritório de advogados do dirigente, assim como o restaurante da mulher de Alexandre Pinto da Costa e a casa do próprio Fernando Madureira, foram vandalizados por elementos contestatários alegadamente pertencentes à claque. Mais tarde nesse mesmo ano, também os portões da casa de Adelino Caldeira tiveram pinturas com frases como “Abutres e comissionistas associados”. Nesse primeiro caso, o FC Porto, através dos seus meios oficiais, publicou imagens do sistema de videovigilância que mostravam uma pessoa “tapada” a fazer pinturas nas paredes. “Afinal, a alegada divisão entre adeptos resume-se a uma pessoa, não se sabe a mando de quem. Seja quem for, a mando de quem for, este coração não bate pelo FC Porto“, escreveu o clube na sua página oficial do Facebook, numa publicação que acabou por gerar vários comentários contra o próprio clube perante a realidade desportiva que os dragões atravessavam.
O regresso dos triunfos com a chegada de Sérgio Conceição acabou por recolocar Adelino Caldeira como a figura mais de bastidores sem tanta exposição, sendo que na retina ficou também a passagem “fria” do técnico pelo administrador da SAD após a conquista da Taça de Portugal no Jamor frente ao Sp. Braga.
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Agora, o dirigente volta à ribalta pelas piores razões no âmbito da “Operação Pretoriana”. Apesar de não ter sido um dos 12 detidos e de não ter sido alvo de buscas, o Ministério Público considera que o dirigente, em ligação com Fernando Saúl, Oficial de Ligação aos Adeptos, terá sido alegadamente um dos mentores para o clima de intimidação que se viveu na Assembleia Geral Extraordinária de 13 de novembro, que acabou por ser suspensa depois de vários episódios de ameaças, agressões e coação a associados. A par disso, o MP alega que a intenção seria não só silenciar todos os críticos de Pinto da Costa mas também garantir que as alterações estatutárias a sufrágio eram aprovadas, nomeadamente o artigo 45.º sobre Incompatibilidades e Impedimentos sobre os conflitos de interesses que envolvessem membros de órgãos sociais e clube.
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“Tendo tomado conhecimento pela comunicação social de que o meu nome é envolvido nas suspeitas que fundaram as diligências judiciais hoje [quarta-feira] realizadas contra membros dos Super Dragões e outros indivíduos, repudio veementemente qualquer associação que se pretenda fazer entre a minha pessoa e os factos ocorridos na Assembleia Geral do FC Porto do passado dia 13 de novembro de 2023″, defendeu Adelino Caldeira, vice-presidente e administrador da SAD, num comunicado colocado no site do clube.
“É falso que tenha instruído seja quem for a fazer fosse o que fosse na dita Assembleia Geral. Porque nunca tive com as pessoas hoje detidas quaisquer conversas acerca dessa Assembleia Geral – seja antes ou depois, de forma direta ou indireta – ou sequer de outros assuntos relacionados com a vida institucional do FC Porto, só por maldosa especulação e efabulação se terá envolvido o meu nome nos reprováveis acontecimentos da Assembleia Geral”, prosseguiu o dirigente, em resposta às notícias que foram saindo.
“Lamento que a Justiça dê crédito e palco a quem, sem qualquer suporte, tenha no processo levantado suspeições absolutamente infundadas contra mim e sem contraditório algum. A seu tempo por certo tomarei conhecimento de quem enlameou o meu nome nesta vergonhosa fabricação e agirei de forma a que o falso testemunho prestado seja exemplarmente punido”, concluiu Adelino Caldeira que, tal como o núcleo duro dos atuais dirigentes dos azuis e brancos, considera que essas ligações feitas à sua pessoa mais não passam do que uma tentativa de condicionar a recandidatura de Pinto da Costa à presidência do clube.