A primeira reunião do secretariado de Pedro Nuno Santos durou várias horas, na segunda-feira ao final do dia, e não só serviu para analisar a mensagem política em que o partido se deve concentrar nesta fase, como também discutir os critérios para as listas a deputados que ficarão fechadas na próxima semana. A direção do PS está a afinar uma regra para potenciais candidatos que estejam envolvidos em casos judiciais e não vai impedir que autarcas em fim de mandato saltem para a Assembleia da República. Nas distritais, há ainda outras contas: antecipa-se que o PS possa ter um resultado mais curto do que em 2022, por isso há que contar com menos lugares elegíveis, o que complica ainda mais os equilíbrios na elaboração das listas.
No próximo fim de semana decorrerão a maioria das reuniões das comissões políticas distritais onde serão aprovadas as listas apresentadas pelas várias federações do PS. Mas este é apenas o início do processo, já que o secretário-geral terá ainda uma palavra a dizer, já que escolhe 30% dos nomes que vão ocupar os lugares elegíveis. As listas finais deverão ser aprovadas no início da próxima semana, numa reunião da Comissão Política Nacional do PS. É já na primeira fase do processo que está a ser levantado um problema.
Nas últimas legislativas, o PS teve uma rara maioria absoluta (a segunda da sua história), pelo que vários líderes distritais do partido alertam para a necessidade de, agora, se fazerem as contas ligeiramente abaixo da fasquia de 2022. Um dirigente nacional aconselha mesmo que “à cautela seja encontrado um resultado entre o de 2015 e o de 2022″, ou seja, entre uma realidade de 86 deputados do partido e a de 120 eleitos. Por exemplo, é muito diferente fazer uma lista com 19 possíveis eleitos pelo Porto, como aconteceu em 2022, e uma em que são 14 os lugares elegíveis, no resultado de 2015.
No Porto, aliás, considera-se como conta “aceitável” uma eleição entre “14 e 16 deputados”, sendo que um deles poderá vir a ser um regresso de peso, com Francisco Assis a ser apontado como o cabeça de lista que Pedro Nuno Santos vai escolher para aquele círculo. Segundo apurou o Observador, as estruturas locais do partidos estão “confortáveis” com essa escolha e acreditam que é um nome que traria “ganhos eleitorais”. A preocupação maior é antes com as várias contas a fazer.
Contas ao que o Chega pode roubar
Há várias distritais a trabalharem de uma previsão de resultados recuada, até porque há um novo factor a pesar na equação: o provável crescimento do Chega. Há círculos mais renhidos onde se antecipa que o avanço do partido de André Ventura possa significar a perda de mandatos para os dois maiores partidos. Apesar de, em alguns casos como Évora, existir a expectativa que isso possa prejudicar mais o PSD do que o PS, há outros, como Viseu, Santarém ou mesmo a Madeira, onde se prevê que o crescimento do Chega possa vir a roubar diretamente aos socialistas.
O contexto está a pesar nas contas dos dirigentes distritais , que já tinham outra preocupação: desta vez, o partido avança sem a certeza de conseguir uma vitória eleitoral, o que aperta a margem para distribuir lugares e isto porque não se pode contar que alguns dos nomes possam acabar por ir para o Governo, abrindo vagas no Parlamento. Nesta altura não há essa certeza, pelo que a luta por um lugar seguro na Assembleia da República está mais acesa.
Além disso, estas legislativas acontecem a ano e meio das próximas autárquicas e a antecipação de calendário vem dar uma oportunidade aos autarcas em fim de ciclo (estão a completar o terceiro e último mandato, pela lei de limitação de mandatos). No partido existem vários casos e alguns desses autarcas têm agora a hipótese de transitar já para a lista de candidatos a deputados, deixando as câmaras que lideram nas mãos de um número dois que pode ir já preparando o próximo ciclo.
Entre os autarcas limitados que estarão prontos para se candidatarem a deputados estarão o presidente da Câmara de Vendas Novas, Luís Dias, que deverá estar na lista pelo círculo de Évora, bem como Walter Chicharro, presidente da Câmara da Nazaré, que deverá ir para a lista de Leiria. José Manuel Ribeiro, autarca em Valongo, é outro desses casos e deverá ser candidato a deputado pelo Porto.
Critérios antigos e outros que estão a ser afinados
Os estatutos do PS definem algumas regras para a designação de nomes para cargos políticos e nas listas para a Assembleia da República está definido que o secretário-geral pode propor à Comissão Política Nacional candidatos “num número global nunca superior a 30% do número total de deputados eleitos na última eleição em cada círculo eleitoral.”
Além disso, os estatutos do partido determinam ainda que o partido deve garantir “uma representação não inferior a 40% de militantes de qualquer dos sexos, sendo que a cada sequência de três elementos deve constar pelo menos um de sexo diferente” e “o primeiro e o segundo lugar são obrigatoriamente ocupados por militantes de sexo diferente”.
Nas últimas legislativas, António Costa entendeu ainda chamar a si a escolha de todos os cabeças de lista do continente (Açores e Madeira têm autonomia) e ainda acrescentou às regras um “compromisso de ética”, com os candidatos a comprometerem-se, por exemplo, a revelar rendimentos, património e actividade profissional nos três anos anteriores, bem como as atividades profissionais e participações sociais do cônjuge.
Desta vez a sensibilidade socialista está mais virada para as questões judiciais, agravada pelo que aconteceu o âmbito da operação Influencer, pelo que a direção de Pedro Nuno Santos está a procurar uma solução para evitar novos sobressaltos nesta matéria, não sendo ainda certo qual será o critério concreto de impedimento. A solução final está a ser afinada por Pedro Delgado Alves, membro do secretariado que ficou com a tarefa de redigir a regra a aplicar nas escolhas para as listas, segundo apurou o Observador.
Queixas locais de retaliação com carneiristas
Outro factor que Pedro Nuno Santos está a ser pressionado para considerar é a inclusão nas listas de deputados de apoiantes de José Luís Carneiro nas últimas diretas. Ainda que a nível nacional, na negociação de lugares nos órgãos de direção do partido, as conversas tenham dado frutos e pacificado os dois grupos, nas distritais esse apaziguamento está mais difícil.
Segundo apurou o Observador junto da ala carneirista, o novo líder e José Luís Carneiro têm uma nova conversa prevista para esta semana, agora tendo em vista as listas para deputados, mas em algumas concelhias já há listas votadas e esse critério tem sido ignorado. A questão da inclusão não é uma preocupação prioritária no aparelho que já tem as contas complicadas por uma longa lista de factores e resiste em acrescentar mais um.
Entre os apoiantes de Carneiro há quem diga que “era mais pacífico que o consenso fosse conseguido ao nível das federações”, nas listas que as comissões políticas distritais vão aprovar, “mas não sendo possível, tem de ser o secretário-geral a fazer essa correção“. Ou seja, os carneiristas esperam que Pedro Nuno acabe por garantir esse equilíbrio no quadro final.
Pedro Nuno inclui costismo em núcleo duro “de combate” e define estratégia “humilde” até às eleições
Entretanto, já há distritais com queixas nesta matéria. Por exemplo, em Braga, se José Luís Carneiro é o nome que está em cima da mesa para cabeça de lista, há outros nomes que o apoiaram nas diretas que estão a enfrentar dificuldades. Palmira Maciel, que fazia parte da sua comissão de honra, é um dos casos, estando disponível para voltar a fazer parte da lista pelo círculo, não é a preferida pelo aparelho que está a levantar reservas. O mesmo está a acontecer com Luís Soares, deputado que também apoiou Carneiro nas diretas e que foi chumbado pela concelhia como recandidato ao lugar no Parlamento. Viseu é outro dos círculos onde existem queixas: João Azevedo foi cabeça de lista nas últimas legislativas e apoiou Carneiro nas diretas, mas a estrutura distrital não contará com ele nesse mesmo lugar.
Há também nomes de notáveis que esta frente entende que Pedro Nuno não deve deixar de fora do futuro grupo parlamentar, tal como o do ainda ministro das Finanças, Fernando Medina, ou Eurico Brilhante Dias. Isto para além de Augusto Santos Silva, que foi presidente da Assembleia da República e já disse, mais do que uma vez, que continua disponível para o cargo — para isso teria de ser incluído nas listas que vão a votos a 10 de março. Nas últimas legislativas Santos Silva foi o cabeça de lista escolhido por Costa para o círculo Fora da Europa e o PS conseguiu eleger, pela primeira vez em 20 anos, os dois deputados por aí.
Na reunião da Comissão Nacional do PS, no sábado passado, José Luís Carneiro fez uma intervenção a apelar à manutenção do espírito de unidade também na escolhas para deputados. “De seguida, teremos a elaboração das listas de candidatura à Assembleia da República. Importa manter este caminho de unidade na pluralidade e ter em conta que a legislatura foi interrompida. Pelo que, no essencial, o princípio da continuidade, dada a experiência alcançada, deve ser tido em consideração. Claro está, sem colocar em causa a renovação e a abertura”, avisou. Será mais uma peça no quebra-cabeças que Pedro Nuno Santos tem de resolver nos próximos dias.