“Fiz o filme da minha vida agora aqui com você”, disse Lu Araújo no final desta entrevista. Talvez seja mesmo esta a melhor forma de contar a história do MIMO, afinal, ela cruza-se com a vida da criadora do festival, cheia de viagens, desafios e contratempos. Mas comecemos pelo princípio. Lu nasceu em São Paulo no meio de uma família nordestina, aos sete anos mudou-se para o Rio de Janeiro e cresceu na loja de discos e fotografia do pai. Foi mesmo em fotografia que se formou, chegando mesmo a ganhar uma bolsa para estudar em Itália. O pai não a deixou ir, mas em contrapartida ensinou-a a dançar. Com um sentido artístico apurado, Lu Araújo conheceu Nelson Valença, o seu primeiro marido, e com ele abriu a primeira loja de discos de música independente do Brasil, onde se cansou de atender Chico Buarque. Com o sucesso do negócio percebeu que os artistas emergentes não tinham um palco ou uma editora e, numa época sem internet ou telemóveis, aventurou-se na produção e nunca mais parou.
Quando passeava sozinha pelo carnaval do Recife, Lu viu um jovem a atirar uma garrafa de vidro contra a porta de uma igreja em Olinda. O episódio indignou-a tanto que decidiu criar um festival naquela cidade que juntasse a música, a educação e o património histórico. Foi assim que em 2004 nasceu o MIMO, evento gratuito inicialmente centrado na música instrumental e clássica, mas que atualmente se apodera de outros estilos e inclui também poesia, arte e cinema. Ao longo dos anos, o festival aconteceu em várias cidades coloniais do Brasil – Recife, João Pessoa, Ouro Preto, Tiradentes, Paraty e Rio de Janeiro — até que em 2016 chega a Amarante, numa primeira edição internacional. A vontade de instalar o conceito no Porto nunca lhe saiu da cabeça e até a faz emocionar. Diz fazer o festival mais português do Brasil, estabelece a ponte com artistas lusófonos e vive entre os dois lados do Atlântico.
Nos últimos tempos, a produtora descobriu um Brasil que não conhecia, “que demonizou a cultura e preferiu a homofobia”. Olha-o agora com tristeza, mas continua a acreditar no poder transformador da arte, “que brota do chão”, e a orgulhar-se do legado que deixou com o festival que criou. Lu Araújo tem a alegria carioca e uma gargalhada bem audível, embora também chore em reuniões de trabalho e admita que a insegurança tome conta dela muitas vezes. Fala com o entusiasmo típico de quem gosta do que faz e não se cansa de procurar música nova e conhecer artistas acabados de nascer. Fê-lo ao criar o prémio MIMO, uma das novidades desta edição que acontece de 26 a 28 de julho em Amarante e tem Criolo, Mayra Andrade e Salif Keita como cabeças de cartaz.
Pouca gente conhece a mulher por detrás do festival MIMO. Fale-me das suas raízes.
Nasci numa família simples e super musical. Os meus pais eram nordestinos, por isso é como se eu tivesse nascido no norte de Portugal. Geralmente são lugares que têm muita cultura e pessoas generosas, que gostam de receber e de aconchegar. Os meus pais eram assim, mas foram morar para São Paulo e foi lá que construíram a sua família. Tenho mais dois irmãos, sou a do meio.
Começou a gostar de música influenciada pelo seu pai. Que tipo de referência foi ele para si?
O meu pai era uma figuraça, um homem muito interessante. Passou a vida a trabalhar noutras coisas, era muito empreendedor, viajava bastante, mas sempre foi meio artista.
Ouvia-se muita música em sua casa?
Muita. O meu pai sempre ouviu vários estilos, nunca foi um homem fechado, e gostava de dançar. Desde pequena que ele me ensinava a dançar. Vivemos parte da nossa infância em São Paulo, mas há um dia em que o meu pai rompe com isso, liberta-se da pressão do trabalho e vamos todos morar para o Rio de Janeiro. Ele tinha um primo com uma loja de discos e fotografia e montou uma filial. Eu tinha 8 anos e aí mudo de cidade e mudo de vida também.
Em que sentido?
A cultura carioca é totalmente diferente, é mais relaxada.
Identificou-se mais com ela?
Acho que passei a ser mais feliz, sim. Em São Paulo era tudo muito escuro, frio e cinzento. Foi nessa loja de subúrbio que eu cresci, que me aproximei deste universo. Vi os lançamentos de Chico Buarque, de Caetano Veloso e Milton Nascimento, tive acesso a tudo isso. Comecei a conhecer Vinicius de Moraes, Elza Soares e fui-me apaixonando pela música de uma forma que nunca saiu de mim.
O gosto pela fotografia surge como?
A loja do meu pai era de discos e de fotografia. Experimentei fotografia e tinha talento, fiz dois cursos e no primeiro, com 16 anos, ganhei uma bolsa para estudar em Itália, em Florença. O meu pai não me deixou ir. Sabe como é, família nordestina, tradicional, rígida onde as mulheres eram tratadas de uma forma pouco livre. Não fui estudar para fora, mas isso talvez tivesse mudado a minha vida. Depois do segundo curso de fotografia comecei a entrar no circuito da música, juntei-me com um grupo de pessoas mais velhas com cabeças criativas, muito interessantes, que me acrescentaram muito. Tinha 19 anos e isso foi uma descoberta enorme para mim.
Foi nessa que conheceu o seu primeiro marido?
Sim, aí conheci o Nelson Valença, pai da minha filha. Ele era muito empreendedor, adorava o lado da música mais independente, que naquela época estava pouco explorado. As grandes estrelas vinham das gravadoras, eram elas que tinham o monopólio total. Ele tinha a intenção de fazer algo com artistas que não tinham gravadora e lançavam os seus próprios discos. Envolvi-me nesse ambiente também e juntos montámos a primeira loja de discos independentes do Brasil, em pleno Leblon em 1987.
Como era essa loja?
Tínhamos seis mil títulos e ninguém sabia que existia isso. Cansei de atender Chico Buarque que ia lá ver coisas novas.
Quando é que descobre a produção?
Comecei a ajudar alguns amigos, mas nunca pensei que este fosse o meu caminho profissional. Quando a loja começou a dar certo, pensamos: porque é que estes artistas não estão na rua? Não dão concertos? Não têm um palco? Quem o fazia era quem tinha poder nos media, então decidimos criar uma produtora para fazer circular esses artistas. A minha relação com o pai da Júlia [a sua filha] acabou, ele ficou com a loja e eu fiquei com a produtora.
O que mais a fascina nesse trabalho?
Produzir é uma coisa complexa e bastante versátil. Fui aprendendo fazendo, errando, vendo os detalhes, percebendo de media e de música. Naquela época não havia escolas de produção, lembro-me que em 2005 fiz o primeiro curso de marketing cultural do Brasil. Não havia computadores, o fax foi uma revolução com aquelas folhas imensas. Hoje penso como se faziam todas aquelas coisas. Posso dizer que venho de uma época pré-histórica da produção. Comecei a gostar muito do que fazia e nunca fiz outra coisa na vida. Em 1992 montei a minha primeira empresa e 27 anos continua ativa.
O MIMO nasce na cidade de Olinda. Como é Olinda?
É uma cidade muito bonita, construida em cima de sete colinas, tal como Lisboa. Tem uma vista incrível sobre o mar e um conjunto arquitetónico lindo com 22 igrejas. Respira arte, tem uma cultura forte, com vários ateliês de artes plásticas, um carnaval de rua feito pelas pessoas e bares bastante diferentes. Visitei Olinda pela primeira com 15 anos, o meu pai estava na Paraíba, que é um estado muito próximo, e eu fugi com as minhas primas para passar o carnaval lá, mentimos ao dizer que estávamos no interior e fomos de boleia.
Foi precisamente num carnaval que decide criar o festival.
Exatamente. Em 2003 trabalhava como produtora e empresária da Elza Soares e do Zeca Baleiro, o Zeca foi fazer um show no carnaval do Recife e num day off, como não conseguia dormir, fui dar uma volta sozinha bem no coração da cidade. Vi um grupo super animado de pessoas locais a beber e a conversar, até que um rapaz atira uma garrafa de vidro contra a porta da igreja da Sé com uma intensidade tão grande que toda a gente ficou parada a olhar. Eu fiquei chocada com aquilo. Porquê essa agressividade contra o património? Para mim o mais bonito de Olinda era aquilo, estamos a falar de uma cidade que é património da humanidade. Fiquei indignada, comecei a questionar naquele momento algumas coisas. Voltei para casa de uma amiga e disse-lhe que assisti a uma cena tão forte que decidi fazer um festival ali. Ela riu-se, não acreditou e mim. Eu queria fazer alguma coisa, mas eu só sabia fazer música. Nunca tinha feito um festival, mas fiquei com essa ideia.
De que forma desenvolveu essa ideia?
No projeto que apresentei à perfeita de Olinda dizia que queria fazer 50 shows, nunca consegui fazer isso numa cidade em 15 anos, e defendia muito a questão da ocupação do património histórico. Sempre pensei no MIMO como um festival gratuito, inclusivo, com um estilo vinculado na música clássica e instrumental, entre o popular o erudito, mas que depois se foi transformando. Desenvolvi muito esse conceito de memória, de pertença, de casa. Se aquele rapaz atirou aquela garrafa é porque não tem amor à sua casa, à sua história. Eu acho que o brasileiro tem um pouco esse problema.
Como foi recebida a primeira edição?
O Caetano Veloso diz: “a força que as coisas têm quando elas estão para acontecer”. E é bem verdade. Tive um ano a trabalhar no projeto, conversei com a Fundação Nacional de Artes e com o senado, foi difícil conseguir dinheiro, mas tinha que começar por algum lado. Então em vez de 50 shows fiz cinco, chamei o maior pianista brasileiro, Nelson Freire, que morava em França, convidei-o a tocar com a orquestra sinfónica do Recife. Comecei a juntar as pontas, ou seja, o que tinha aqui e quem poderia trazer de fora. No primeiro dia houve pessoas que ficaram do lado de fora, eu fechei a porta da igreja num concerto e as pessoas começaram a bater na porta, então aprendi a nunca mais fechar a porta de sala nenhuma. No dia seguinte a câmara me chamou para colocar telas cá fora, a expectativa era muito alta, foi um sucesso absoluto. Continuei a correr atrás de patrocinadores e no segundo ano já tínhamos 14 concertos, muitos deles lotados, estamos a falar de igrejas com 800 lugares.
Em 2009 faz uma revolução no festival?
Sim. Eu gostava de assistir aos concertos cá fora, então um dia olhei à minha volta e reparei que o público tinha mudado. Eram jovens, bebendo, convivendo, e era esse público que eu queria para o MIMO, era ali que estava aquele rapaz que eu vi a atirar a garrafa. Queria que aquele público crescesse e o fizesse com o festival. Até aí só fazia concertos em igrejas, em 2009 vou para a rua, faço uma programação não segmentada, com jazz, blues e world music, e crio um festival de cinema. A única coisa que me importava era a qualidade. Quando você faz um festival gratuito tem desafios muito grandes, pois nunca sabe se vão aparecer cinco ou 15 mil pessoas. Tenho que me preparar para as 15, a minha previsão é sempre maior para não dar erro. Sei que temos uma proposta muito boa e sofisticada, se tivesse que pagar um bilhete para um festival como este talvez fosse muito caro. Não é porque a cultura é gratuita que tem que ter menos qualidade.
Sente que de certa forma a cidade de Olinda mudou?
Tenho a certeza que deixei um legado. A cidade cresceu muito, as pessoas reconhecem isso. O MIMO é delas, não é mais meu. Em 2012 começo a crescer no Brasil, faço uma etapa no Recife e em João Pessoa, vou para Outro Preto e Paraty. Só trabalho com o MIMO em cidades coloniais, trabalho com essa herança que vocês portugueses deixaram. Foi uma opção minha, mas também não sabia que o festival iria ganhar tanta dimensão. Sinto-me orgulhosa de ter trazido um projeto cultural que nasceu no Brasil, por começado algo no nordeste, por ter insistido, por ter deixado um legado a Olinda e de a ter projetado a nível nacional e internacional. A cidade já tinha uma história, mas acho que no campo da música eu acrescentei.
O público é semelhante em todas as cidades?
As cidades são todas diferentes, mas o MIMO tem um público muito similar. Vejo em Portugal muito público do Brasil. Em 2010 fui descoberta pelos produtores internacionais e virei um ET. Perguntavam quem era esta garota que faz um festival cheio de público com uma programação diferente e que não está no circuito dos eventos internacionais? Comecei a pensar em internacionalizar o conceito, então um dia sentei-me e fiz uma lista com 30 cidades onde eu poderia implementar o MIMO.
Qual era o top 3?
Não me lembro bem, mas tinha Lisboa e Cartagena.
Sentiu necessidade de trazer o festival para Portugal?
Não foi uma necessidade. Nesse processo de revolução do festival em 2009 eu continuava a crescer, mas tinha os mesmos problemas, a falta de dinheiro. Nenhuma operadora de comunicação me queria patrocinar, ninguém queria investir em Olinda. Não é muito diferente daqui, onde a verba está concentrada em Lisboa, no Brasil está no Rio e em São Paulo. Vim a primeira vez a Portugal em 2006 para um concerto da pianista Maria João Pires e Belgais, Castelo Branco, foi a minha primeira viagem profissional internacional.
Quando é que conhece Amarante?
Em 2014 venho a Santiago de Compostela e fico uns dias no Porto. Percebi que em Portugal existiam festivais muito jovens, mas não existia um festival que pudesse juntar o público jovem e adulto ou que pensasse a questão do património, então comecei a achar que tinha alguma chance. Voltei ao Porto e tive várias reuniões com o Paulo Cunha e Silva, antigo vereador da cultura da Câmara Municipal do Porto, ou o D. António Francisco dos Santos, antigo bispo do Porto. Só em 2015 vim 16 vezes a Portugal, até que um amigo me lembrou que o MIMO era conhecido por acontecer em cidades pequenas e que eu tinha de conhecer Amarante. Eu fiquei curiosa, ainda bem que sou curiosa, e fomos. Lembro-me da primeira imagem que tive da cidade, vi logo o rio Tâmega, a ponte e S. Gonçalo. Costumam dizer que Amarante escolhe as pessoas e, de facto, eu senti-me meia abraçada ali. Chegou uma altura em que tive que decidir: Porto ou Amarante? As duas não ia dar, não tinha dinheiro, era muito arriscado, chegava a ser arrogante e pretensioso da minha parte. Decidi por Amarante e disse que ia fazer um festival foda. Mergulhei no trabalho, vim para cá, fiquei meses a trabalhar 12 horas por dia.
Foi mais fácil fazer um festival aqui ou no Brasil?
Quando cheguei a Portugal já tinha muita experiência, um discurso formado, sabia lidar com o poder público, tinha segurança relativamente ao que estava a fazer. Já podia dizer que, apesar de ser mulher, brasileira e com o cabelo vermelho, podiam confiar em mim.
Já tem o cabelo vermelho há muito tempo?
Há 20 anos, comecei a pintar com 32 anos.
Ser mulher neste meio ajuda ou atrapalha?
Eu acho que ser mulher assusta porque ninguém está habituado a fazer negócio com mulheres. Eu tenho opinião e firmeza, mas ao mesmo tempo sou sensível e choro. Tento preservar esses dois lados.
Chora a fazer negócios?
Tem uma hora que eu choro, sim. Nunca se vê um homem chorar a negociar. Eu sou daquelas que se alguém falar alguma coisa que me emociona eu choro, alguma coisa que me deixa magoada eu choro, mesmo que esteja numa mesa de reunião. Claro que não choro a toda a hora, mas há momentos em que me sinto tão pressionada. Ser mulher é isso mesmo, não escondo. Eu só lido com homem, quantas mulheres dirigem festivais aqui em Portugal?
Assim de repente, só me lembro da Roberta Medina do Rock in Rio.
Que é outra brasileira e ao mesmo tempo tem uma estrutura familiar por trás gigante. Não existem muitas mulheres e é difícil fazer um negócio destes, principalmente quando eu comecei há 16 anos.
Ainda acha que o MIMO poderia fazer sentido no Porto?
Eu queria muito fazer no Porto, chego até ficar emocionada quando falo isso. Sei que é muito perto da Amarante, mas eu gostava muito. Tenho a certeza que ia dar certo. Já tive propostas para fazer em Lisboa, pode acontecer, não fechei essa porta. Tenho várias intenções e namoros. No Brasil a coisa é muito mais descarada, aqui em Portugal as pessoas são mais polidas, falam, namoram, convidam para ver a cidade. Quero confirmar Amarante, há uma responsabilidade nisso pois o MIMO foi muito importante para a cidade. Falo de Amarante com amor, porque tem de haver amor nas coisas, ele é o ingrediente fundamental.
O festival acaba também por funcionar como uma ponte entre artistas brasileiros e portugueses.
É verdade, desde que comecei que tenho levado para Portugal artistas brasileiros incríveis, mas agora quero mostrar ao Brasil uma outra parte da música portuguesa, que não é só fado. Portugal tem música jovem muito boa. Já levei Manel Cruz, Dead Combo, Miguel Araújo. Quero levar muitos outros.
Com o prémio MIMO, uma das novidades desta edição, há uma vontade de renovação?
Acho que um festival tem a responsabilidade de lançar nomes novos e no MIMO vou salvaguardar sempre um espaço para a música nova. Não falo de música com um álbum que eu possa comprar, mas de música que precisa de palco e de visibilidade. Criei este prémio há seis anos do Brasil só para música experimental e desde o primeiro ano que é um sucesso. Cá em Portugal recebemos 150 inscrições e fiz questão de ouvir todos os artistas, um por um. Precisei de três dias fechada em casa para isso.
Como é viver entre Portugal e o Brasil?
É exigente, tenho duas moradas, mas se não fosse o meu trabalho e a minha família talvez eu vivesse apenas em Portugal.
Como olha hoje para o Brasil?
Neste momento com muita tristeza, não podia estar mais triste. Portugal está a ser muito importante para mim, porque me dá estabilidade. Estou a ver um país a ser desmontado à minha frente, uma demonização da cultura. Está a ser bastante difícil manter o MIMO lá, o que dá um desespero também.
Acha que é uma situação irreversível?
Não. Eles podem acabar com os produtores e com os projetos, mas jamais vão poder acabar com a cultura brasileira. Isso é superior a qualquer um de nós. A cultura no Brasil brota do chão, nasce em todo o lado. Mesmo um festival como o MIMO não consegue abraçar o que há lá, é muito rica. Se eles fossem inteligentes investiam na cultura como investem na soja. Ela vai sobreviver sempre porque ela acontece independentemente de investimento ou da vontade. Você pode não ganhar o palco, mas a cultura vai continuar a acontecer no quintal ou na rua. É triste ver como o Brasil se transformou, a forma como as pessoas estão mostrando a sua cara. Tudo o que eu achava que o Brasil não era, homofóbico, corrupto, contra as questões de género, ele se tornou. Estou a falar de valores essenciais, não de dinheiro, de poder ou de economia. Isto são coisas básicas e esse ser abominável que elegeram está jogando o país para o lixo.
Portugal tem recebido vários brasileiros e isso é visível na música, nas escolas e até no comércio. Como vê este fenómeno?
Por um lado, os brasileiros estão a fugir de uma série de coisas, pois está difícil conviver com aquela realidade, por outro, Portugal nos últimos anos evoluiu muito, passou a ser o país de desejo. Antes era um país pequeno, pobre, fechado, escuro, agora olhamos para ele e vemos modernidade, multiculturalidade, há qualquer coisa feliz aqui. Acho sensacional a gente se reencontrar com isso. Reencontrar Portugal é encontrar a nossa historia, é poder ler a nossa história com mais suavidade. Se pensarmos bem, o MIMO é o festival mais português do Brasil, porque eu só lido com a herança que vocês deixaram lá. Através dele faço com que as pessoas tenham amor à história, por isso consigo ver esse fenómeno de imigração como um encontro feliz, muito feliz.