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JOÃO PEDRO MORAIS/OBSERVADOR

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Mais de um ano depois, o Musicbox voltou a abrir as portas: “Não é bem uma retoma, mas é um começo. É a nossa razão de ser"

Há mais de 400 dias que a sala de concertos e DJ sets Musicbox não abria ao público. Aconteceu esta quarta-feira — e não é a única em Lisboa a voltar a ter programação. Que desconfinamento é este?

Há mais de 400 dias que o número 24 da Rua Nova do Carvalho estava fechado, sem filas e sem pessoas a entrar. Desde que a pandemia da Covid-19 chegou a Portugal que o Musicbox, clube noturno de concertos que tem a sua morada na chamada “rua cor-de-rosa” do Cais do Sodré, em Lisboa, não acolhia um concerto presencial. Aconteceu esta quarta-feira, 5 de maio.  “Isto não é bem uma retoma, mas é um começo”, explicava ao Observador, sentado numa esplanada, o diretor da empresa proprietária do espaço — a CTL —, Gonçalo Riscado.

O Musicbox não foi o único clube lisboeta a reabrir passado mais de um ano, a única sala independente de concertos ou DJ sets da capital a retomar agora programação. Por sala independente, leia-se: espaços de programação noturna que não são públicos (como os cine-teatros) e que, tendo programação musical regular, dependem também da receita e consumo de bar para financiar os seus concertos.

Dois dias antes, na segunda-feira, tinha sido o clube B.Leza a voltar a receber um concerto mais de um ano após fechar portas. No mesmo dia, esta quarta-feira, também o Hot Clube de Portugal voltou a receber concertos de jazz com público — depois de mais um ano de portas fechadas e apenas a promover livestreams pelas redes sociais. Na sexta-feira, 7 de maio, é a Casa Independente que volta a ter concertos presenciais. E no sábado, dia 8, o mesmo acontece com o RCA Club. Seguem-se Titanik, também no Cais do Sodré, (dia 17), Village Underground Lisboa, em Alcântara (dia 29) e Damas, na Graça (3 de junho).

A estes ainda acrescem o Lounge, a associação Valsa e o Lux Frágil, que chegaram a reabrir momentaneamente na fase de desconfinamento do verão passado mas que voltaram agora (caso do Lounge) ou estão prestar a voltar (casos da Valsa e Lux Frágil) a abrir portas ao público para concertos e DJ sets. E dia 19 de maio reabre a Casa do Capitão, um novo hub de concertos que abriu pela primeira vez no verão passado. A programação prevista por todos estes espaços pode ser consultada aqui.

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Voltemos ao desconfinamento da rua cor-de-rosa. Às 16h, quem chegasse à porta do 24 da Rua Nova do Carvalho via dois cartazes: do lado direito, uma referência à iniciativa #aovivooumorto, a manifestação que ocorreu a 17 de outubro promovida pelos clubes independentes de concertos e DJ sets que — por não terem habitualmente lugares sentados nem folga orçamental para reduzirem drasticamente a lotação dos seus espaços — se queixavam de falta de apoios e diziam estar com a corda na garganta. À esquerda, inscrito num cartaz, liam-se as palavras: “Desembargo: maio e junho”.

No interior do Musicbox estava já, três horas antes da porta abrir, João Nogueira, o gerente do espaço. E via-se o que nunca antes se vira no Musicbox: no lugar da habitualmente apinhada pista de dança estava já uma série de mesas distanciadas com duas cadeiras cada uma. Em vez de 280 corpos, com os novos lugares sentados o Musicbox passa a poder receber apenas 22 pessoas devidamente distanciadas.

No canto direito, ao início da pista, uma esfregona denunciava as limpezas recentes. Também no chão, uma fita métrica ainda esticada mostrava o cálculo de dois metros de distância usado para separar as mesas de pares, com duas cadeiras cada uma. O gerente João Nogueira, que trabalha no Musicbox há cinco anos, explicava os preparativos: “Tenho vindo aqui. Foi preciso manutenção mesmo durante este tempo que estivemos fechados, para controlo de pragas e para algumas limpezas. Mas a limpeza do espaço a fundo foi agora. Foi preciso fazer a arrumação, preparar o equipamento e a parte técnica. Tivemos de arranjar estas mesinhas para as pessoas estarem todas sentadas”.

JOÃO PEDRO MORAIS/OBSERVADOR

Àquela hora, grande parte do trabalho estava feito. Faltava uma coisa, “limpar estas cadeiras, que estavam armazenadas”, dizia João Nogueira, gracejando logo de seguida: “Cadeiras no Musicbox…” Os lugares sentados eram uma das novidades (indesejadas). Depois foi preciso “ajustar preços, porque não vamos estar a fazer preços de discoteca”. Outra ideia foi trazer “uns salgadinhos feitos no Povo, aqui ao lado”, a saber: rissóis de polvo, empadas de javali, pastéis de massa tenra de camarão picante e croquetes de carne de alguidar. Tudo a dois euros a unidade.

Já o preço das bebidas atualizado variava consoante o que levava o copo: as cervejas de uma marca holandesa estavam a 1,70€ a mini e 2,80€ a média, o vinho a copo (branco ou tinto) estava a três euros, as garrafas ficavam a 13€ e as bebidas brancas — uísque, vodka e gin — estavam a 6 euros.

No palco, com máscaras, os técnicos desdobravam-se na atividade de põe-cabo-tira-cabo, ligavam amplificadores e faziam as ligações com os instrumentos e maquinaria eletrónica da banda de Evaya, a cantora e compositora portuguesa que ficou encarregue do primeiro concerto presencial pós-pandemia no Musicbox.

O ritmo parecia o normal e o gerente explicava que esta era já uma “máquina bem oleada”, a que faltará “um bocadinho de ritmo nas pernas” mas em que “toda a gente sabe o que tem a fazer” para preparar um concerto. Testavam-se as luzes, havia holofotes a girar no palco, e ensaiava-se com o habitual “som, som”, com o “1, 2, 1, 2, som” da praxe, antes de se testar o canto e adaptar os índices de volume e adequação do som ao tom procurado por Evaya.

Na parede era afixado — com fita-cola — um papel que sinalizava que desta vez não era permitido fumar no Musicbox. A artista da noite ia percorrendo a solo, procurando perceber como soava o som em cada lugar, o que também seria feito por Sebastião Pinto, que é de há dois anos para cá o diretor técnico do Musicbox e o light designer (designer de luz) da casa.

No exterior, já com as portas a abrir, Sebastião Pinto diria ao Observador que é “uma sensação incrível, estranha mas boa”, abrir as portas do Musicbox a espectadores mais de um ano depois. “Agora vamos ver como é um espectáculo para pessoas sentadas no Musicbox”, atiraria ainda, antes de confessar que tem “sorte em ter um contrato aqui com a casa” porque “a maior parte dos meus colegas viveu este último ano com altos e baixos, com uma grande sensação de insegurança, muitos deles deprimidos numa primeira fase”.

Marcava o relógio as 19h02 quando o clube de concertos e DJ sets abriu as portas para receber os primeiros clientes no pós-Covid-19. Os primeiros a chegar, ainda as portas estavam fechadas, foram António e Madalena, que já conheciam a Evaya e que já vinham ao Musicbox “de vez em quando” antes da pandemia e o veem como “um dos melhores sítios para ver concertos de artistas independentes”.

António e Madalena eram recebidos à porta por Isa Pólvora, que tanto trabalha à entrada como no bar do Musicbox. A trabalhar no Musicbox há seis anos, dizia que ainda estranhava estar a abrir as portas com o sol a brilhar, em pleno dia. “E não há aquelas filas habituais [volumosas], está toda a gente sentada, é muito diferente e um pouco estranho mas vamos ver se as coisas começam a voltar lentamente à normalidade”.

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O procedimento para com quem chegava para o concerto repetia-se de par em par: primeiro com António e Madalena, depois com os restantes espectadores, Isa Pólvora pedia que fosse mostrado o bilhete no telemóvel e avisava que agora “não é permitido fumar na sala”, que “só podem tirar a máscara para o consumo e têm de aguardar até ao fim do espectáculo” para sair.

Uns minutos depois seria Carolina a chegar à entrada do Musicbox. Amiga de Evaya “e das outras pessoas da banda”, contava ao Observador que já tinha o hábito de ir à sala e clube noturno “há algum tempo” mas “sempre mais para ver concertos, é raro vir a DJ sets e vir para dançar” durante a madrugada. “Mas é uma grande sala para os músicos virem e darem-se a conhecer”, defendia ainda, dizendo que este novo modelo de atuações para público sentado vai ser “meio estranha por não nos mexermos, não podermos dançar”, mas que é também “uma oportunidade para vermos a música de outra maneira”.

Já com toda a gente sentada, a cantora e compositora Evaya — que atuou acompanhada pelos restantes dois membros da sua banda — brincaria com o ambiente íntimo que se notava até à entrada, pela maneira como diferentes espectadores se cumprimentavam uns aos outros: “Que bom ter aqui os meus amigos todos… ou quase todos”. Pediria desculpa pelos nervos mas prometia uma viagem, que se confirmou, pelas sonoridades eletrónicas do seu mini-álbum (EP) Intenção. Deixou, aliás, água na boca para um concerto com mais do que as 22 pessoas que puderam estar presente.

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O que possibilitou este regresso? Um programa chamado “Lisboa Protege”

Umas horas antes de Evaya mostrar as suas explorações eletrónicas vocais e instrumentais, o diretor da empresa (a CTL) proprietária do Musicbox, Gonçalo Riscado, deixava a ressalva: “Não estamos bem, bem a abrir. Não é bem uma retoma, embora seja um começo. A questão é que o Musicbox para poder funcionar e fazer a sua programação de concertos, sendo um clube com estas características, tem de ter a sua vertente de espaço de dança operacional”.

Trocado por miúdos: sem a possibilidade de receber até 280 pessoas em simultâneo no interior da sala de concertos e DJ sets, que numa longa noite se podem multiplicar por mais algumas centenas (até 800 numa noite em cheio) dada a rotatividade entre quem sai e quem entra, e 280 a dançar e a consumir no bar, o Musicbox não é sustentável. “A receita de bar é fundamental”, prossegue Gonçalo Riscado. “Há clubes que têm uma componente de cafeteira e restauração: o Maus Hábitos tem uma pizzaria associada, o Village Underground tem também a sua cafeteira. No Musicbox temos apenas a programação de clubbing [como sustentáculo financeiro], temos de trabalhar até às 6h e temos de rodar público ao longo da noite — há quem chegue para concertos, quem se vá embora a seguir e quem venha depois só para o clubbing e a dança”.

A lógica de “recinto em pé”, de pessoas a assistir a concertos e DJ sets em pé, é vital à sobrevivência do Musicbox. Trabalhar de domingo a domingo — só fecham um dia por ano — também é importante. Então o que explica agora esta reabertura? Um programa de apoios chamado Lisboa Protege, criado pela Câmara Municipal de Lisboa para ajudar salas e clubes com programação musical (concertos ou clubbing) regulares e com uma oferta de fruição artística constante.

O programa Lisboa Protege criou um projeto chamado “Circuito” em Lisboa, que tinha duas componentes, explica Gonçalo Riscado: “Uma delas passa por apoiar, chamemos-lhe assim, o investimento de produção. A outra passa por apoiar o investimento de programação”. O primeiro é o apoio economicamente mais robusto: cada sala envolvida discriminou as despesas que continuavam a ter todos os meses, mesmo estando fechados, com as suas equipas e com as suas infra-estruturas. Trata-se de despesas que “não tinham cobertura” nos apoios existentes, despesas fixas “que continuam a ter de ser pagas”.

Os valores das despesas fixas variaram consoante as estruturas de cada espaço: por exemplo a Valsa, que é uma associação cultural sem fins lucrativas, tem despesas fixas muito inferiores às que tem uma discoteca como o Lux Frágil. No caso do Musicbox, as despesas fixas cobertas pela Câmara Municipal de Lisboa durante quatro meses rondavam os 13 mil euros por mês.

A outra dimensão do apoio passava pela programação, para fazer regressar os concertos a estas salas de concertos e DJ sets que — ao contrário dos teatros municipais com lugares sentados — não tiveram margem para se adaptar às restrições de lotação e distanciamento físico impostas pela pandemia.

No apoio à programação, a autarquia criou “um modelo igual para todos”, dando “uma verba que permite que cada sala programe dez atividades”, explica Gonçalo Riscado. Para cada uma dessas atividades podem ser contratados quatro profissionais em média, entre artistas que tocam e técnicos de som ou iluminação. Ou seja, numa das atividades podem ser contratados sete profissionais se em outra só for contratado um — no total das dez atividades é que têm de ser contratados no máximo 40. Havendo 12 salas, este apoio pode abranger 480 profissionais da cultura. Os valores para cada profissional envolvido estão tabelados: 150 euros por pessoa. “Depois cada casa pode dar mais a estes técnicos, cobrindo o remanescendo. Com as receitas dos 22 bilhetes de cada atuação, pagamos depois à SPA e às pessoas que saem do lay-off para vir para aqui trabalhar”.

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O que tudo isto significa é que o regresso destas salas à programação de concertos e DJ sets — do Musicbox à Casa Independente, B.Leza, Lux Frágil, Hot Clube de Portugal e outras — só acontece porque é subsidiado e apoiado. De outro modo, todos estes concertos e DJ sets (para tão pouco público) seriam insustentáveis para quem os programa e proporciona. Mas e depois das “dez atividades” culturais financiadas pela autarquia? “Se não for renovado, este apoio encerra. Estamos a ver se este programa é renovado, é uma possibilidade mas não é uma certeza. Mas seria importante”, defende Gonçalo Riscado.

Outra coisa importante seria, diz o diretor da CTL, que as autarquias de outras cidades e zonas do país aplicassem este modelo às salas independentes e clubes noturnos de música dos seus municípios: “Há salas em cidades pequenas cuja importância cultural é crucial, que têm uma estrutura que não é pesada e que só exigiriam um pequeno investimento da câmara. São salas fora das grandes cidades e que são mesmo fundamentais”.

Apesar de tudo isto, o Musicbox estava fechado há quase um ano e dois meses. A última vez que tinha estado de portas abertas para o pública foi “a 11 ou 12 de março”, diz Gonçalo Riscado. Portanto “é muito bom, é uma alegria muito grande poder abrir aquela porta outra vez para os artistas e para o público”. Ter concertos e DJ sets presenciais é “a nossa razão de ser”, defende o diretor da empresa proprietária do Musicbox, que alerta que “sem estas salas independentes perde-se muito da cidade, perde-se até na diversidade de género dos artistas, de estrutura e dimensões de carreira”. Seria importante, diz ainda, pensar “que há espaços que marcam positivamente quando olhamos para uma cidade e quando procuramos a atividade ligada à economia da noite”.

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