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Grande reportagem sobre as FP-25. Forças Populares 25 de Abril foram uma organização terrorista de extrema-esquerda que operou em Portugal entre 1980 e 1987. Parte significativa dos seus militantes procediam das antigas Brigadas Revolucionárias, organização portuguesa de extrema-esquerda criada no início dos anos 70 por dissidentes do PCP. Fotografias do processo das FP-25 que se encontra no arquivo do Tribunal de Lisboa. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

"Mande o requerimento por e-mail porque não temos papel desde sexta-feira." DIAP de Lisboa de mãos atadas por falta de papel

Observador testemunhou como falta de papel afetou o serviço numa secção do DIAP de Lisboa. Funcionários tiveram de ir à rua comprar. Ministério primeiro disse não faltar papel, depois mudou resposta.

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— Bom dia! Gostaria de fazer um requerimento para consultar um processo.
— Vai ter que enviar por e-mail porque desde sexta-feira que não temos papel…

O diálogo aconteceu entre uma advogada e uma funcionária judicial de uma secção do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP), em Lisboa, dias depois de a ministra da Justiça vir garantir que nunca faltou papel nos tribunais. O argumento da falta de papel foi-se repetindo ao longo da manhã com todos os advogados que ali chegavam. Atrás do balcão, as horas iam passando e os funcionários de mãos atadas sem saber como despachar os processos e fazer notificações. “Tenho os processos todos atrasados”, desabafou uma delas.

“Vou usar as folhas amarelas, senão não consigo fazer nada”, acabou por solucionar um funcionário, mesmo perante uma colega que o lembrou de que o papel colorido tinha um fim diferente. As folhas coloridas são normalmente usadas para as capas dos processos e para distinguir aqueles que são urgentes ou que têm arguidos presos. Podem também ser utilizados para distinguir os magistrados que produzem os despachos.

Foi, porém, a única solução encontrada, enquanto decorriam diligências nas salas dos magistrados com testemunhas a serem ouvidas e papel a precisar de ser impresso. Todas as testemunhas têm que assinar o depoimento escrito que acabaram de prestar, por exemplo. O papel amarelo foi sendo usado até alguém se levantar e ir comprar duas resmas a um supermercado situado no Campus da Justiça, em Lisboa. “Não quero ouvir falar mais na falta de papel, está aqui uma jornalista a consultar um processo e ainda teremos problemas com isso”, disse, por fim, uma funcionária.

O Ministério da Justiça garante que o episódio que o Observador testemunhou ao longo de duas horas não foi reportado e que havia papel no DIAP. A forma de gestão é que pode gerar essa ideia nos funcionários, alega o Governo.

A falta de papel testemunhada pelo Observador na segunda-feira, dia 24 de outubro, começou na sexta-feira anterior, precisamente um dia depois de a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, garantir aos jornalistas, à margem do congresso do Conselho Superior da Magistratura, que nunca faltou papel nos tribunais. O que há, alegava a ministra, é um problema de gestão de stocks. “Não faltou papel, os ‘stocks’ é que estiveram mais em baixo”, repetiu várias vezes no evento em Vila Nova de Gaia. E, contactado pelo Observador, o Ministério da Justiça garante que o episódio que o Observador testemunhou ao longo de duas horas não foi reportado e que havia papel no DIAP. A forma de gestão é que pode gerar essa ideia nos funcionários, alega o Governo.

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“Depois de consultada a DGAJ [Direção Geral da Administração da Justiça], foi-nos transmitido que o DIAP de Lisboa não reportou qualquer inexistência de papel, situação que foi confirmada junto da Administradora Judiciária e do Secretário daquele Tribunal. As existências são também atestadas pela consulta ao stock do respetivo armazém no sistema informático. De acordo com a sra. Administradora, o papel é entregue aos serviços para períodos de tempo mais curtos, o que poderá gerar em alguns funcionários a ideia de que não há papel, o que não corresponde à realidade”, respondeu o Ministério da Justiça.

Depois da insistência do Observador sobre o que tinha testemunhado, o Ministério da Justiça acabaria por mandar uma nova resposta cerca de 24 horas depois, onde afinal se refere que foi detetada uma “necessidade papel” a 18 de outubro, dois dias antes de a ministra reafirmar que o papel nunca faltou. “No dia 18 de outubro a Comarca de Lisboa sinalizou a necessidade de papel, tendo sido autorizada a respetiva aquisição no dia 19 de outubro, num total de 3.000 resmas. Tal aquisição foi concretizada pela Comarca”.

A Comarca de Lisboa abrange todos os tribunais de sete concelhos, Lisboa, Almada, Seixal, Barreiro, Moita e Montijo, onde funcionam os juízos Criminais, Cíveis, Família e Menores, Instrução Criminal e Trabalho, assim como os serviços do Ministério Público, numa área que se estende em mais de 800 km² e com uma população residente de mais de 1 milhão de habitantes.

A DGAJ reiterou porém, na segunda resposta enviada, que todas estas informações foram prestadas “pela senhora Administradora, sendo que a Direção Geral não foi destinatária de qualquer queixa ou reclamação que a infirme”.

A ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, participa no XVI Encontro Anual do Conselho Superior da Magistratura (CSM), em Vila Nova de Gaia, 20 de outubro de 2022. ESTELA SILVA/LUSA

A ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, recusa que tenha faltado papel nos tribunais. Há sim, diz, um problema de gestão de stock

ESTELA SILVA/LUSA

Gestão de stocks evitaria rutura, garantiu o Ministério

No terreno, porém, falta mesmo papel. Além do que o Observador testemunhou, há mais tribunais em situação idêntica, como viria depois a confirmar a secretária regional de Lisboa do Sindicato dos Funcionários Judiciais, Regina Soares. “Falei com vários secretários da região de Lisboa e os administradores judiciais têm reportado que há falta de papel porque está pendente a contratação pública”, diz ao Observador.

Foi de facto essa a resposta que o Ministério da Justiça deu num comunicado enviado a 19 de outubro, antes de a ministra falar publicamente sobre o assunto, e que explicava que desde o início do ano se tem assistido “a uma disrupção do mercado do papel devido à escassez da matéria-prima” provocada pela guerra, o que levou a um aumento do preço deste produto, que deixou desertos os últimos dois concursos lançados pela Unidade de Compras do Ministério da Justiça. “Fruto da conjuntura internacional por todos conhecida, o fornecimento do papel não tem sido contínuo e por isso é tão importante gerir os stocks existentes de forma a acautelar períodos transitórios entre contratos”, lia-se no comunicado do Governo.

O Ministério da Justiça, liderado por Catarina Sarmento e Castro, anunciava também que a gestão de stocks a nível nacional estava garantida para não existirem “ruturas” e que, entre 22 de setembro e 17 de outubro, foram redistribuídas 3.360 resmas pelas Comarcas/TAF que sinalizaram tal necessidade, com recurso ao stock de outras comarcas e dos serviços centrais.

O Sindicato dos Funcionários Judiciais diz que, em muitos locais, essa autorização nem sequer chegou. “A DGAJ [Direção Geral da Administração da Justiça] chega a mandar um motorista mandar uma caixa de papel para Évora ou Beja. Com o que se gasta em combustível, mais valia darem orçamento e autorização aos secretários para fazer essas compras, que dizem não ter.”

Anunciava também estar a decorrer um procedimento de contratação centralizado para aquisição de 40.800 resmas de papel que se encontraria em fase de adjudicação no final da semana (21 de outubro), com entregas previstas para a semana de 24 a 28 de outubro. O Observador tentou saber junto do Ministério da Justiça se essas entregas já começaram a ser feitas e como estava a decorrer este concurso, e só obteve resposta também depois de insistir. “O procedimento de contratação centralizado para aquisição de 40.800 resmas de papel já foi concluído, tendo sido adjudicado no dia 25 de outubro, e estando a decorrer as entregas”, garantiu. Não se sabe, contudo, se o processo está completo.

O presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, António Marçal participa na conferência de imprensa sobre o projeto de revisão do Estatuto dos Funcionários de Justiça, em Lisboa, 18 de junho de 2021. MÁRIO CRUZ/LUSA

António Marçal, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, que têm visto o seu trabalho afetado pela falta de papel

MÁRIO CRUZ/LUSA

Motoristas fazem distribuição resma a resma pelos tribunais

O comunicado do Governo referia também que tinha sido dada autorização às comarcas para adquirirem diretamente o papel. E o mesmo foi reforçado pela própria ministra. “As comarcas depois têm poder de gerir. Fazemos reunião com as comarcas, temos canal aberto com as comarcas, que fazem esta gestão. E as comarcas, quando fazem chegar essa indicação [de falta de papel], então aí dá-se indicação para a comarca poder exercer a sua autonomia. Foi isso que se fez, deu-se essa instrução à comarca. […] Assim que a Direção-Geral [da Administração da Justiça] teve conhecimento desse assunto, permitiu que se pudesse comprar individualmente em cada uma das comarcas”, afirmou a ministra.

Mas o Sindicato dos Funcionários Judiciais diz que, em muitos locais, essa autorização nem sequer chegou. “A DGAJ [Direção Geral da Administração da Justiça] chega a mandar um motorista mandar uma caixa de papel para Évora ou Beja. Com o que se gasta em combustível, mais valia darem orçamento e autorização aos secretários para fazer essas compras, que dizem não ter”, acusa a dirigente sindical.

Pelas suas contas, há problemas de falta de papel em vários tribunais da região de Lisboa, tanto no Central como no Local. E o problema não é só na parte criminal, em que ainda não se desmaterializou a Justiça e que obriga à utilização de papel para quase tudo. Também no cível, onde a tramitação processual já corre toda eletronicamente, também foram identificadas falhas no papel.

“O problema é que acaba sempre por se imprimir alguns processos, porque depois há salas de audiências que não têm condições e é mais fácil para os magistrados exibir o processo em papel ou manuseá-lo em papel, porque não existem condições técnicas”, explica por seu turno o presidente do Sindicato, António Marçal. “Nas execuções de Lisboa, por exemplo, que são juízos em que o próprio código permite a desmaterialização, continua a existir despachos dos senhores juízes presidentes a mandar imprimir muitas peças processuais,e requerimentos, que a lei não obriga, mas que é mais prático para consultar”, corrobora Regina Soares.

Manuel Soares, que preside a Associação Sindical de Juízes Portugueses, já disse que até papel higiénico falta nos tribunais

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Há cerca de duas semanas, a Associação Sindical de Juízes denunciava, pela voz do seu presidente, o juiz Manuel Ramos Soares, que, além do papel para os processos, o problema estava já também na falta de papel higiénico nos tribunais, denunciou à CNN para mostrar as condições em que está a funcionar a justiça, por exemplo. Há duas semanas, o jornal Público fazia um retrato do que estava a acontecer, dando conta de que há mandados de detenção por imprimir e que até um advogado chegou a oferecer uma resma de papel ao tribunal para ter a sua questão resolvida. Mas o problema começou antes. Em Junho, o tribunal de Aveiro já alertava para o problema à CNN.

Segundo Regina Soares, pela região de Lisboa, a única comarca que não terá falta de papel é a de Lisboa Oeste (Sintra). “Talvez porque haverá uma organização melhor por parte dos órgãos de gestão”, arrisca dizer. Neste caso, afirma, “foram mesmo emitidas ordens de serviço para os senhores magistrados só imprimirem o que está na lei”. E, mesmo dentro do que a lei estipula, há indicações do que se deve mesmo imprimir.

A sindicalista põe também a hipótese de haver uma má gestão do stock e de este precisar de ser superior para não se chegar a situações limite como esta. “Há aqui um mau planeamento da Direção Geral ou do Ministério da Justiça para fazer esses contratos atempadamente, ou então pelo próprio papel encomendado que não é suficiente”, diz. De uma forma ou outra, caso haja uma rutura no stock de papel, poderá haver processos que, no limite, fiquem paralisados, uma vez que tudo tem que ser impresso e todas as partes têm de ser notificadas das várias fases processuais — tendo em conta que há processos que têm também dezenas de arguidos e que somam vários volumes e apensos.

A ministra da Justiça participou, via online, esta quinta-feira na “Lisbon, Law and Tech 2022”, precisamente no painel sobre o tema “Going Digital: The Future of Justice” (“Tornar-se digital: o futuro da justiça”), segundo a nota de agenda enviada pelo Governo.

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