Manuel Baganha conhece bem o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), conhecido como a “almofada das pensões”, que tantas vezes tem sido usado na retórica do Governo para atestar o esforço na sustentabilidade do sistema. Em 2024, este fundo — criado para assegurar o pagamento das pensões se o sistema que as paga entrar em falência — terá nova receita, desta vez de parte do IRS. Mas embora Manuel Baganha, que durante 15 anos geriu esta “almofada”, defenda como uma necessidade inequívoca a diversificação das suas receitas, critica a opção estratégica do Governo: em vez de uma mão cheia de verbas de baixo valor (“esmolinhas”) preferia ver menos fontes mas de maiores montantes a contribuir para o Fundo.
Uma das vias que sugere passaria pela consignação de um “montante significativo” de IVA ao FEFSS. “Há um adicional que vem para a Segurança Social, não diretamente para o FEFSS, que é uma parte do IVA. Porque não ter um montante significativo da receita do IVA afeta ao Fundo de Estabilização Financeira?”, questiona.
Nos últimos anos, foram criadas alternativas de financiamento que, em 2023, segundo dados do Governo, colocaram no fundo 600 milhões de euros, menos de metade dos dois mil milhões de euros com que a “almofada” foi reforçada. Para Manuel Baganha, limitar as fontes de receita a “duas ou três” de montantes elevados permitiria não só poupar em custos administrativos, mas também controlar melhor se as verbas afetas ao Fundo são mesmo entregues. Além de que é preciso garantir que as receitas que existem têm a estabilidade necessária. “Ao diversificar as fontes de financiamento, também temos que garantir uma certa estabilidade nessas receitas“, argumenta.
A partir de Madrid, onde vive, e onde é assessor na Organização Ibero-Americana de Segurança Social desde que, aos 70 anos, se reformou do Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social, à frente do qual esteve durante 15 anos, Baganha defende ainda uma reforma a tempo parcial com que o Governo se comprometeu com os parceiros sociais. Mas avisa que, para funcionar, tem de significar uma substituição efetiva do trabalhador. Além de outras “condicionantes”.
Sobre a idade da reforma, entende que não deveria ter diminuído em 2023, pela situação excecional que foi a pandemia. E defende a fórmula de atualização das pensões, embora admita “ajustamentos”. Aos 72 anos, o também ex-secretário de Estado, em governos socialistas, dos Assuntos Fiscais, Tesouro e Finanças, e Orçamento, pede ainda um reforço dos sistemas complementares de reforma. E, sobretudo, do ensino em Segurança Social. “As pessoas dizem que não sabem se vão ter reforma. Mas depois quando lá chegam admiram-se que a reforma é baixa. Não têm a perceção de quais serão os montantes.”
Almofada das pensões vai ser reforçada com nova receita que vem do IRS
Conhece bem o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social. A proposta de Orçamento do Estado para 2024 prevê que este fundo seja reforçado com uma nova receita de IRS. Concorda com esta decisão?
Por regra, concordo com a diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social, é algo em que temos que pensar e que temos de ir desenvolvendo. Por conseguinte, a minha tendência é concordar com a generalidade das fontes utilizadas. Contudo, creio que também poderemos correr um risco. Estamos a tentar diversificar utilizando quantidades muito pequenas, isto é, em vez de termos duas ou três fontes de financiamento de um valor razoavelmente elevado, estamos a trazer para a almofada da Segurança Social quase esmolinhas, valores relativamente pequenos. É tudo bem-vindo, mas isso poderá ter custos administrativos elevados. Quer queiramos quer não, implica, em termos de administração tributária, o conhecimento de quais foram os montantes associados a essas mais-valias, no contexto geral do IRS, de qual é a fração que representam para, no final, definir o montante a transferir para a Segurança Social.
O governo, neste caso, diz ainda não ter nenhuma previsão, porque é uma receita nova.
Sim, mas, essas receitas são sempre relativamente reduzidas. Vamos buscar o exemplo do montante que vem do IRC, que andará à volta dos 300 milhões de euros, segundo o último número que vi. São 300 milhões de euros em 23 mil milhões, que é, aproximadamente, o valor do Fundo de Estabilização. Por isso, todas as receitas são bem-vindas, mas quantidades pequenas podem ter um custo administrativo elevado e ser até difícil controlar o montante entregue.
Que outras vias sugere que possam ser uma fonte mais significativa de receitas?
Seria talvez preferível, em vez de ter uma percentagem do IRC ou uma percentagem do IRS, mais um montante que vem do suplemento do setor bancário, etc., ter a mesma verba, mas vinda apenas de uma fonte. Globalmente, do ponto de vista de Orçamento do Estado, o montante final era o mesmo. Os custos administrativos seriam menores. Por outro lado, significa que estamos permanentemente a tentar inventar mais uma nova fonte, às vezes com uma justificação pontual. Relembro que o caso específico daquele adicional do setor bancário resulta exatamente dessa lógica — há aqui um adicional e como é um adicional vamos afetá-lo ao FEFSS. Mas, globalmente, o dinheiro é o mesmo.
O que está a dizer é que, em vez de se criarem novas fontes de receita, podemos consignar fontes de receita que já existem, mas depositá-las na totalidade. Por exemplo, a receita com o IRC ou com o IRS?
Sim, é isso, em vez de termos várias fontes. Da parte da receita fiscal, em vez de ser apenas uma, ser uma mais global. Por exemplo, há um adicional que vem para a Segurança Social, não diretamente para o FEFSS, que é uma parte do IVA. Porque não ter um montante significativo da receita do IVA afeta ao Fundo de Estabilização Financeira? Há uma questão adicional. O Tribunal de Contas está permanentemente a criticar que o Ministério das Finanças, a administração tributária, não está a transferir todos os montantes que devia, porque eventualmente o cálculo poderá não estar bem feito. Inclusivamente, dentro da Segurança Social, os parceiros sociais têm muitas vezes perguntado quais são os montantes e como é que são feitas essas contas. Se fosse apenas uma fonte advinda da área fiscal era muito mais fácil o controlo e verificar que o montante que vinha era o que devia vir.
“Ao diversificar as fontes de financiamento, também temos que garantir uma certa estabilidade nessas receitas”
O Governo nomeou uma comissão para estudar as fontes de financiamento da Segurança Social, que deverá apresentar conclusões em janeiro. Foi noticiado que uma das vias em estudo é o aumento da TSU. Seria desejável?
À partida não. Um aumento da TSU [taxa social única] significaria um aumento do custo do trabalho para as empresas. Numa altura em que discutimos que necessitamos de aumentar a competitividade, em que se procuram fazer acordos de concertação social focando no aumento do peso do trabalho e das remunerações, mas também da competitividade, estar a introduzir mecanismos que ao aumentar o custo do fator de trabalho vão, de alguma forma, diminuir a competitividade, à partida não é algo que me seduza ou que creio que seja a melhor solução para o financiamento da Segurança Social. E, em particular, do Fundo de Estabilização.
Outra via também em estudo é eventualmente taxar mais os lucros sobre as empresas ou, lá fora, também se fala em taxas sobre os robôs. Concorda com alguma destas medidas?
Isso leva-nos a uma questão mais geral, que é a de sabermos se, no sistema de Segurança Social, não deveremos — e isto é uma questão independente do Fundo de Estabilização — aumentar por outra via as receitas da Segurança Social. Nós temos, em geral no Ocidente, um sistema de Segurança social desenvolvido no momento em que o fator trabalho, as pessoas, eram um elemento importante dentro da empresa e em que a pessoa ia contribuindo ao longo da sua vida para ter direito a determinados benefícios. Com a diminuição do peso relativo do trabalho, em muitas áreas se coloca essa questão de obter fontes de financiamento, seja pelo valor acrescentado da empresa, seja por considerar que empresas de maior valor acrescentado deverão contribuir mais. Isso é uma questão em aberto e creio que tem de ser encarada de frente para efeitos de financiamento a longo prazo da Segurança Social.
O nosso modelo foi baseado numa situação em que tínhamos uma elevada percentagem [de empresas] cuja produção derivava muito do fator de trabalho. E temos outro fator que é o envelhecimento da população. Portanto, acho que se devem encarar essas hipóteses. Qual é a melhor? Não tenho uma resposta direta porque há sempre outros elementos a considerar. Mas presumo que, de alguma forma, à partida, o maior peso de valor acrescentado de outros elementos como robôs fará talvez mais sentido do que aumentar a TSU, aumentando o custo do trabalho e, nomeadamente, penalizando empresas que dependem altamente mais de trabalho do que outras.
Ou seja, defende uma diversificação das fontes de financiamento. Mas defende também que elas estejam concentradas nalgumas receitas que sejam significativas e que não estejam dispersas.
Eu acho que a diversificação das fontes não é algo a defender, é uma necessidade. É algo em que se tem de pensar a sério. Acho é que deve ser concentrado numa ou duas e não estar a diversificar de muitas fontes. Mas o diversificar de muitas fontes é um facto que, politicamente, é mais fácil de justificar, defende-se mais facilmente: ‘Temos agora esta receita extraordinária vamos aplicá-la no FEFSS’. Mas, globalmente, para efeitos deste sistema e até por uma questão de garantias de longo prazo, de estabilidade, ao diversificar as fontes de financiamento, também temos que garantir uma certa estabilidade nessas receitas.
Acredita que é inevitável que tenhamos de usar o Fundo de Estabilização num futuro próximo? As contribuições sociais têm subido, mas por outro lado temos o desafio do envelhecimento.
As previsões de sustentabilidade que estão na proposta de Orçamento do Estado para 2024 dão-nos quase 30 anos até alguma vez ir buscar fundos ao FEFSS.
Orçamento do Estado. As 26 medidas que mexem com o seu bolso em 2024
Mas essas previsões são muito voláteis. Aliás, vimos isso durante a pandemia, podem mudar muito rapidamente.
Dependem muito das condições iniciais, de uma série de fatores. Mas, de qualquer forma, eventualmente o prazo poderá estar mais dilatado. Quanto à questão de utilização do Fundo, há uma questão prévia que é: quando deve ser utilizado o Fundo? A lei e todos os diplomas relativamente ao FEFSS não especificam nada sobre o assunto e criou-se sempre a ideia de que o FEFSS é algo que existe para quando for necessário fazer, face ao envelhecimento da população. Criou-se sempre a ideia de que o FEFSS é algo que deve ser utilizado quando o desequilíbrio na Segurança Social advenha de fatores estruturais que se vão manter.
Para quando houver défices persistentes.
Nós podemos pensar que o FEFSS, como uma almofada que é, pode ser utilizado noutros momentos. O exemplo específico foi em 2013/2014, em que o FEFSS viu, de alguma forma, alterado o seu regulamento de gestão. Houve uma decisão da parte do Governo no sentido de aumentar a exposição à dívida pública portuguesa. E esse aumento foi uma alternativa à possibilidade de, na altura, se ter ido buscar ao FEFSS alguns fundos para equilibrar a Segurança Social. Teria sido uma alternativa. Com isto quero dizer que admito perfeitamente que, em determinado momento conjuntural, se pode utilizar alguma percentagem do FEFSS. Se se obtiver alternativas, como em 2013, de compra da dívida pública portuguesa, ótimo, é melhor.
Não é melhor recorrer primeiro ao Orçamento do Estado e só depois ao FEFSS?
À partida, para o FEFSS, é melhor porque mesmo comprando dívida pública portuguesa, os montantes mantiveram-se lá. Agora, do ponto de vista meramente teórico, não afeta grandemente que num ano, por uma questão conjuntural, isso se pudesse fazer. Não é de uma forma sistemática. Por exemplo, o fundo de reserva espanhol, neste momento, praticamente não existe porque durante 2013 e 2014 foi muito utilizado para cobrir os défices. Desapareceu e era um fundo que tinha 60 mil milhões de euros. Eu sei que as economias têm um tamanho diferente. Mas sobre a questão de manter a almofada, à partida, devemos mantê-la para o futuro, mas a mim não me repugna que, num momento conjuntural, por determinada razão durante um ano, para fazer face a um défice de mil milhões de euros, se recorra ao Fundo.
Reforma parcial? Tem de haver substituição efetiva, “senão estamos a criar incentivo para empurrar uma pessoa para a reforma e reduzir o efetivo”
Reformou-se em 2021, quando deixou o Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social, na altura por limite de idade, 70 anos. Se pudesse, teria continuado a trabalhar?
Esta é uma informação que eu vou revelar pela primeira vez. Como sabe, existe a possibilidade na lei de, em determinados cargos, a pessoa continuar para lá da idade dos 70 anos.
Sim, regimes de exceção.
Que normalmente é o próprio que pede. Na altura, o Governo colocou-me a hipótese de eu estender a minha comissão de serviço por mais algum tempo. O máximo que eu poderia estender teria sido até dezembro deste ano porque era quando terminaria o mandato. Tive nessa altura essa possibilidade sobre a mesa. Agradeci o convite, mas, por motivos pessoais, teria alguma vantagem em vir para a Espanha, e apareceu a hipótese de vir para assessor na Organização Ibero-Americana de Segurança Social.
Fiz a pergunta em jeito de provocação porque queria perguntar-lhe, daquilo que conhece do sistema português, em que há bonificações para quem adia a reforma, se há incentivos suficientes para que as pessoas o façam.
Depende muito, cada caso é um caso. Os incentivos existem e não são pequenos. E eu beneficiei disso porque me aposentei com 48 anos de serviço. Em primeiro lugar, acho que talvez não haja da parte das pessoas conhecimento detalhado de quais são os benefícios que têm; em segundo lugar, depende muito das profissões e do contexto das pessoas. Por exemplo, muitas vezes ouvimos professores dizerem que estão cansados. Chegam a determinada idade em que se sentem cansados e sem motivação para continuar. Já não é só uma questão financeira. Por outro lado, haverá empresas em que há incentivos para substituir as pessoas por outras mais novas. Não será apenas uma questão financeira. Mais interessante seria pensar a possibilidade de reforma a meio tempo, isto é, a partir de determinada idade, a pessoa trabalhar metade do tempo e reforma na outra metade, com duas vantagens: a passagem da vida ativa à vida passiva e ajudar novas gerações.
Na revisão do acordo de rendimentos, que o Governo assinou há dias com os parceiros sociais, prevê-se um acesso à reforma parcial antes da idade legal, numa lógica de partilha de conhecimento. O que é que esta medida teria de garantir? Atualmente, há cortes nas pensões antecipadas.
Teria de ser bem pensada. Uma medida parecida existe em Espanha. Creio que essa medida teria que salvaguardar alguns aspetos. Primeiro, o restante trabalho do meio tempo teria que ser assegurado por alguém. Caso contrário, a pessoa [que se reforma] estaria a fazer trabalho que não era necessário. Portanto, alguém tem que assegurar as horas que o trabalhador deixa de fazer, o que significa que poderia ser um incentivo complementar, que era a contratação de pessoas a tempo parcial também.
E eventualmente incentivar à contratação de jovens.
Sim. Se alguém passa a ter 50% de trabalho e o restante em reforma, o restante do trabalho tem que ser assegurado por alguém. Senão estamos a criar um incentivo para empurrar uma pessoa para a reforma e reduzir o número de pessoas que estão a trabalhar. Porque podia haver aqui um incentivo para as empresas, por esta via, reduzirem os custos de trabalho.
Teria de haver uma substituição efetiva.
Sim. E em Espanha, por exemplo, isso é obrigatório, o que significa que, às vezes, o processo pode demorar algum tempo. A sua questão é em relação ao montante da reforma a que a pessoa teria direito. Teriam de ser feitas simulações e estudos, ter-se-ia que considerar não que a pessoa estava a reformar-se nesse momento, que estava a antecipar a parte. Eventualmente, as penalidades não poderiam existir. Até porque, com certeza, que a pessoa ao passar a receber apenas 50% do que recebe hoje, o que vai receber de pensão nunca chega aos outros 50%. A pensão será sempre inferior ao salário que a pessoa está a ter nesse momento. Logo, pelo simples facto de ter metade do seu rendimento vindo de uma pensão, o rendimento total iria diminuir.
Como resolver essa situação?
Teria de se ver como é que se articulava. Até porque haverá despesas que a pessoa poderá continuar a ter e que não teria se se aposentasse completamente. E ter-se-ia de ver muito bem como é que se controlava o processo. Se a pessoa que se reforma agora com 60 ou 62 anos, se quando se reformar não tiver penalidade, não há problema nenhum. Provavelmente, tem que haver algo desse tipo: a pessoa comprometer-se a reformar-se três anos antes em 50% e a comprometer-se a não pedir a reforma até à idade legal. A ideia para mim é boa. Terá que ter, por um lado, condicionantes e tem que ser bem calibrada, nomeadamente para se obter os objetivos que é aumentar o emprego de jovens, permitir à pessoa uma transição mais suave da vida ativa para a vida de aposentado. E há necessidade de um envelhecimento ativo.
“Foi errado” idade legal da reforma diminuir por causa da pandemia
Há pouco disse que há profissões com contextos específicos, até a nível físico. Concorda com a lei atual, que faz depender a idade legal da reforma da esperança média de vida? Há capacidade, nomeadamente dos trabalhadores, para que a idade da reforma suba muito mais?
Eu não sou médico, não sou especialista em medicina do trabalho. Mas permita-me a sua pergunta para criticar algo que foi feito. Acho que foi errado — e eu sei que estava na lei —, mas acho que não se deveria ter reduzido em três meses a idade de reforma pelo facto de a esperança média de vida ter diminuído como consequência da pandemia. Não se deveria ter feito essa medida.
Mas é o que está na lei.
Está bem, mas também estava na lei reduzir-se as pensões há uns anos e não se reduziu, não se aplicou a redução de pensões que resultava da baixa inflação.
Então a lei deveria ter sido suspensa?
Porque é uma questão conjuntural, não é estrutural. Sabemos que a esperança de vida vai aumentando. É nessa lógica que vamos corrigindo. A esperança de vida diminuiu apenas porque, por causa da pandemia, infelizmente houve um número superior de mortes na faixa etária mais velha.
Ou seja, acredita que, em situações muito específicas, conjunturais, a fórmula possa ser suspensa?
Foi conjuntural. E depois leva a coisas estranhas. Se for fazer contas, chega à conclusão que uma pessoa se se reforma em dezembro de um ano leva uma penalidade de 1%, se se reforma em janeiro do seguinte leva uma bonificação de 1%. Por causa desse fator. A sua pergunta vai no sentido de se eu acho que se deve aumentar para toda a gente. Acho que deve haver a regra geral, acho que faz sentido irmos alterando em função do aumento da esperança média de vida.
Mas defende uma idade da reforma por profissão, por exemplo?
Que haverá profissões que têm que ter regimes especiais sem dúvida nenhuma.
E algumas já têm, as de desgaste rápido.
Sim, mas temos que ter em atenção que poderá haver áreas profissionais em que, eventualmente, uma pessoa não terá condições para continuar no ativo, mas pode ter condições para fazer outras atividades. Um exemplo: é natural que uma pessoa não possa continuar a ser bailarino ou bailarina até os 66 anos e sete meses, mas provavelmente poderá, dentro da área da dança e do ballet, continuar a exercer alguma atividade que advém dos seus conhecimentos, da sua experiência. Poderá haver aqui casos em que temos que balizar se a pessoa pode reformar-se antecipadamente ou não. A idade deve ser menor mas, eventualmente, incentivar a que a pessoa não se reforme e possa exercer outras atividades.
Fórmula da atualização das pensões é “equilibrada”, mas Baganha admite “ajustamentos”
Defende, também, que no caso da lei da atualização das pensões poderia haver uma suspensão por motivos conjunturais? O Governo já admitiu mexer na fórmula para a tornar menos sensível a picos de inflação.
Se o aumento não é temporário, não vamos estar a penalizar as pessoas reformadas ou aposentadas pelo facto. Eu tenho sempre dificuldade em responder a essa questão atualmente porque tenho um interesse particular na questão. Seria muito mais fácil responder a essa pergunta há três anos. Creio que deve haver aumentos das pensões de acordo com a evolução de preços, deve. Se deve ser uma medida automática ou não… esta medida automática para mim tem a vantagem da garantia do que se passa.
Dá previsibilidade aos pensionistas.
Mas tem sempre o aspeto negativo. Às vezes, os automatismos têm problemas. Já mencionei um, que foi achar que não deveria ter sido feito o automatismo da idade e também mencionei que houve um ano em que, fruto da inflação muito baixa e do crescimento da economia baixo, o que deveria ter ocorrido era uma diminuição de pensões e o governo não o fez. Os automatismos, às vezes, têm que ter em atenção os riscos. Sou, em princípio, favorável a que haja um aumento de pensões. Acho que a fórmula que existe em Portugal é uma fórmula relativamente equilibrada porque tem a inflação com o crescimento da economia, junta a inflação com a capacidade de a economia fazer o pagamento das pensões. Por exemplo, no caso espanhol, é só inflação homóloga.
Mas em picos de inflação defende que haja algum travão?
Qual é o problema do pico da inflação? É que este ano [as pensões] aumentam mais, em vez de ser um aumento normal de, por exemplo, 1% ao ano, aumenta 6%, mas depois volta a aumentos mais baixos. Não estou a ver qual é o problema de ser um pico. O problema é se deve ou não acompanhar a inflação. O pico significa este ano aumentar a despesa, mas por ter aumentado a inflação, aumentaram os salários e as receitas da Segurança Social. Aumentou tudo. Numa visão puramente económica — e que não é a realidade do momento — aumenta tudo, mantém-se tudo igual, em termos proporcionais. Mas como digo, podem-me sempre acusar de eu estar, neste momento, a defender o meu interesse particular dado que sou reformado.
Não mexeria na lei neste momento, então.
Pode levar a ajustamentos se pensarmos se adere melhor à realidade ou não. Poder aqui pôr-se algum peso… Repare, a solução portuguesa é uma solução equilibrada porque tem a inflação e tem o crescimento da economia. Tem um indicador da capacidade da economia de pagar essas pensões. Não é só a inflação e acho que esse é um ponto importante a ter em conta.
No que toca ao desemprego, o governo está mais pessimista do que em abril. Agravou as projeções de 2024, de 6,4% para 6,7%. Antevê que o mercado de trabalho se venha a retrair nos próximos tempos?
O facto de viver em Espanha significa que não tenho tanto detalhe do que é relevante para responder, para ter uma visão mais global. Às vezes, mais relevante do que o número é ter o sentimento do que se passa na realidade. É facto que, com todas as incertezas que temos tido nos últimos dois anos, desde 2020 com a Covid, é natural que essas incertezas criem uma diminuição do investimento, mais perturbação e haja algum aumento do desemprego. A revisão do Governo é de três décimas de ponto percentual, é algo relativamente pequeno. Para lá da questão específica do desemprego e do impacto que isso tem na vida das pessoas, dado que estamos a falar de Segurança Social, esse tipo de variação não afetará muito os saldos, como ocorreu em 2011/2012/2013/2014, em que a totalidade dos saldos negativos da Segurança Social advinham de menores receitas e maiores despesas com subsídio de desemprego. Presumo que não terá essa variação, do ponto de vista exclusivamente de sustentabilidade financeira da Segurança Social.
Se não fosse este aumento, acredita que já estaríamos perto do desemprego estrutural?
Não sei. Essa é uma pergunta que ninguém sabe ter a resposta exata. Aquilo que sei é que é um nível de desemprego em que Portugal muito dificilmente tem estado abaixo. Se não é o desemprego estrutural da nossa economia que resultaria de modelos económicos, pelo menos é aquilo que o passado nos tem revelado — que nós temos dificuldade em ir abaixo desse número. Portanto, nesse sentido, poderemos dizer que tem uma componente estrutural.
Quase metade das pessoas que acederam à reforma antecipada em 2022 fizeram-no através do desemprego de longa duração. Este regime pode estar a ser usado como uma porta para a reforma?
Isso significa que haveria algum tipo de conluio com a entidade patronal, porque a pessoa tem que estar a receber subsídio de desemprego [para aceder à reforma antecipada via regime de desemprego de longa duração]. Poderá ser, não tenho números quanto ao controlo que a Segurança Social faz desses casos. Agora, isso leva-nos a uma questão que, para mim, é mais importante e sai um bocadinho fora do eixo da Segurança Social. E o problema será cada vez mais importante. O que é que nós devemos fazer com pessoas que, a partir de determinada idade, estarão em situação de desemprego? Essas situações poderão vir a aumentar pelos câmbios tecnológicos, as alterações estruturais, tecnológicas, pelo facto de haver necessidade de reconversão.
Acho que isto nos deveria levar a pensar seriamente. Como é que podemos, de alguma forma, criar condições para que essas pessoas voltem ao mercado de trabalho, sabendo nós que, na generalidade dos casos, as pessoas querem trabalhar. O trabalho tem relevância do ponto de vista do nosso bem-estar. Claro que haverá casos particulares, mas deveríamos criar condições para permitir a reconversão. Porque essas pessoas a prazo, eventualmente, vão criar problemas ao sistema, quer porque as pessoas vivem mais tempo, quer porque, eventualmente, a falta de trabalho vai levar a que se sintam mais sós e a solidão é um problema muito grave para o envelhecimento das populações.
A questão do desemprego leva-nos, ainda, a uma questão que eu já defendi publicamente. A receita da TSU é para todas as contingências, incluindo o desemprego. E até há 30 e poucos anos, o desconto para o desemprego era uma coisa e para a Segurança Social e reforma era outra. E eu acho que se deveria tirar da TSU aquilo que é a contribuição para o desemprego. A TSU ser só para todas as outras contingências, menos a do desemprego.
Porquê?
Porque o desemprego tem um caráter às vezes conjuntural. A nossa obrigação de ajudar as pessoas desempregadas às vezes passa mais por uma obrigação de cidadania. Repare, o apoio ao desemprego durante a crise foi para fazer face, basicamente, a saldos negativos que derivavam do aumento do desemprego. Ao fim e ao cabo houve fatores supervenientes — o caso da Covid pode ser outro — em que houve desemprego e existe uma obrigação social de fazer face a essa situação.
Mas através de transferências do Orçamento do Estado?
Não, não. Eu manteria eventualmente uma contribuição para o desemprego, gerida separadamente, o que permitiria identificar exatamente quanto é que estava a custar o desemprego. E, por outro lado, o resto era para sustentabilidade. Em parte, a grande fatia seria o longo prazo.
Cidadãos “não têm a perceção de quais serão os montantes” a receber quando se reformarem
Na revisão do acordo na concertação social, o Governo comprometeu-se a rever os incentivos fiscais para os instrumentos complementares de reforma, incluindo do regime público. São necessários mais incentivos?
Quando o regime público de capitalização foi criado, definiu-se que as contribuições teriam de vir do trabalhador, embora nada proibisse que a entidade patronal lhe desse o montante para ele investir. Na altura, não haveria condições, no sentido em que eventualmente não teria recetividade. Agora, faz sentido que o regime público de capitalização seja utilizado para efeitos de contribuições da entidade patronal e do trabalhador. Neste momento, o que a lei prevê é que pode haver uma contribuição da entidade patronal, mas não haverá contribuição, em alternativa, do trabalhador. Acho que deverá haver possibilidade de contribuições pelos dois.
Acho que deve ser fomentado. Considero que se devem incentivar os mecanismos complementares como forma de assegurar uma melhoria das pensões, e que haverá vantagem em que esses mecanismos complementares resultem de contribuições da entidade patronal e de contribuições do trabalhador. Porque está demonstrado, quer em estudos psicológicos de laboratórios de finanças comportamentais, quer de casos efetivos, que o simples facto de o trabalhador saber que se puser lá 1% do salário a entidade patronal põe outro 1% é um incentivo a que as pessoas adiram a um sistema de poupanças complementares. E o objetivo é esse.
Isso já seria um incentivo, mas fala-se muito de incentivos fiscais também.
As contribuições para regimes complementares, para o regime público de capitalização e para os fundos de poupança — os PPR —, têm benefícios fiscais, nomeadamente no momento em que anualmente é deduzido ao IRS um determinado montante.
Mas pelos vistos esses benefícios não são apreciados, não há uma adesão significativa.
Sim, mas o regime público de capitalização tem uma particularidade. É que se entendeu que não se ia utilizar fundos da Segurança Social para divulgar este instrumento para não fazer uma concorrência desleal a regimes complementares privados. E isso pode ter tido um efeito negativo, porque as pessoas não sabiam…
Há falta de informação.
À volta do seu núcleo de amigos não sei quantos é que saberão o que é o regime público de capitalização. Sabem o que são PPR, não sabem o que é o regime público de capitalização. O efeito fiscal pode ter mais relevância para as garantias dadas à contribuição da empresa, por exemplo. Há uma questão importante que é se o montante que a empresa contribui para esses fundos, quer seja do regime público quer do privado, é ou não considerado salário. Se é considerado salário, tem ou não que pagar contribuições para a Segurança Social? O trabalhador deve incluir no seu IRS ou não? Há aqui decisões a tomar. Se, por exemplo, for considerado que não é tributado em IRS mas que aparece como custo da empresa, significa que há aqui, relativamente a um tipo de rendimento, uma diferença, o que significa que eventualmente mais tarde, se terá que fazer algum tipo de compensação. Mas eu creio que mais relevante do que a parte do incentivo fiscal, deve haver incentivos de outra natureza.
No sentido de explicar a importância da poupança?
Explicar o que está em causa. E com aspetos muitos importantes. O regime público de capitalização tem uma grande diferença relativamente aos PPR. É que no regime público a pessoa só pode movimentar o montante no momento em que se reforma. Pode acontecer, como aconteceu, em que houve alterações para permitir levantamentos na crise de 2013 e 2014 para efetuar pagamentos de casas e outro tipo de situações. Acho que há necessidade de incentivar a poupança e que seja claramente poupança para a reforma. E o regime público de capitalização visa claramente isso. Creio que a questão não é tanto um incentivo fiscal, é de formação, explicação do impacto. As pessoas dizem que não sabem se vão ter reforma.
Ouve-se isso com frequência…
Mas depois quando lá chegam admiram-se e dizem que a reforma é baixa, não têm muitas vezes a perceção de qual a situação, quais serão os montantes. E é esse aspeto que é relevante, que é criar condições para formação em Segurança Social, para ensino de Segurança Social. É um dos temas com que me envolvo aqui na Organização Ibero-Americana de Segurança Social, nomeadamente aos mais jovens, que são quem tem, desde este momento, de começar a pensar no futuro.