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O historiador Manuel Loff discursa no comício do Partido Comunista Português (PCP), no Porto, 10 de janeiro de 2021. MANUEL FERNANDO ARAUJO/LUSA
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MANUEL FERNANDO ARAUJO/LUSA

MANUEL FERNANDO ARAUJO/LUSA

Manuel Loff, deputado do PCP: "Não partilho a ideia de um novo sindicalismo"

O novo deputado do PCP elogia os movimentos de contestação social, mas recusa a ideia de "novo sindicalismo" e diz que o objetivo "deve ser o de querer uma alternativa política".

Manuel Loff entrou pela primeira vez no Parlamento como deputado aos 57 anos em substituição de Diana Ferreira. Eleito como independente, tem o compromisso de ficar até ao fim da sessão legislativa, em setembro.

Sobre o papel do PCP no Parlamento, com um grupo reduzido e com uma maioria absoluta do PSD, Manuel Loff diz que “a dimensão parlamentar é uma das várias do partido” e não reconhece a existência de um “novo sindicalismo”, elogiando quaisquer movimentos de contestação social “desde que procurem uma alternativa política”.

O deputado que fez carreira como historiador reconhece “que a operação militar russa contra a Ucrânia representa uma invasão e desrespeita o direito internacional”, mas também não tem dúvidas de que “o Estado ucraniano desrespeitou os acordos de Minsk e que no processo dos oito anos, e sobretudo desde o inicio da guerra em 2022, desrespeita os direitos de uma grande parte da população ucraniana”, falando em propaganda dos dois lados do conflito.

[Ouça aqui o Sofá do Parlamento com o deputado do PCP, Manuel Loff]

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Manuel Loff, deputado do PCP: “Não se diga que a propaganda é apenas da Rússia”

É deputado há uma semana num grupo parlamentar com outros cinco colegas de bancada. Sente que o trabalho do PCP está limitado dentro do Parlamento, quer pela maioria do PS quer pelo grupo que é relativamente pequeno? 
São duas condicionantes óbvias e em todos os parlamentos com maioria absoluta o trabalho para qualquer grupo da oposição está sempre muito condicionado. Por outro lado é também evidente que a redução da dimensão grupo parlamentar reduz, mas não limita a capacidade de intervenção do PCP. Esta é apenas uma das dimensões da ação política do PCP, mas os comunistas nunca desistiram de trabalhar e de forma empenhada.

Não é ingrato assumir o mandato quando o PCP procura um regresso às ruas?
Não vejo contradição. Os comunistas sempre estiveram presentes nos movimentos sociais ao longo dos quase 50 anos de democracia e sobretudo antes, ao longo dos anos da ditadura, que assegurou uma capacidade de resistência e ofereceu voz a quem dela precisava. Nos anos da democracia está presente em todas as batalhas sociais. Não creio que haja uma contradição entre a dimensão dos movimentos e da contestação social e o Parlamento. A Assembleia da República serve justamente para trazer para as instituições as reivindicações da rua, do povo, das contestações sociais.

Nos últimos meses têm-se sucedido greves e manifestações, até em formatos inovadores. Este novo sindicalismo é uma mais-valia ou tem riscos? 
Toda a contestação social que seja representativa dos grupos que estão presentes na sociedade portuguesa e que tenha objetivos políticos emancipadores de concretização de direitos é sempre positivo. Não partilho a ideia de que existe um novo sindicalismo. O movimento sindical tem mais de 150 anos e existiram sempre novidades ao longo dos tempos. Percebemos pela “enésima” vez no século XXI que estávamos imergidos num nova crise social provocada pelo mesmo tipo de políticas neoliberais e de claro desrespeito pelos direitos de quem trabalha neste país e o descontentamento das pessoas deve ser organizado e propositivo, ou seja, articular alternativas políticas. Não vale a pena estar sempre a dizer que o Governo é responsável, mas não vale a pena estarmos a fazer estas críticas sem procurar formas alternativas. A postura em geral da esquerda e do PCP em particular não é a de procurar a crítica é de criar alternativa.

Não ficará para lá de setembro? "Em principio não"

Na nota publicada pelo PCP é dito que assumirá o mandato até ao fim da sessão legislativa, até setembro, a ideia é continuar a promover uma rotatividade no grupo parlamentar?
Não posso falar em nome do grupo parlamentar do PCP, mas sei qual foi o compromisso que assumi e que é assegurar o resto desta sessão legislativa.

Portanto não ficará para lá de setembro?
Em princípio, não. Eu tenho há décadas uma carreira profissional e de investigação, sem menosprezar a atividade política, essa carreira é o centro da minha vida.

Condições dos lares de idosos. “Processo de fiscalização falhou”

É vice-presidente da comissão parlamentar de Trabalho, Segurança Social e Inclusão e as ultimas semanas ficaram também marcadas pelas denúncias sobre a falta de condições em lares. A segurança social falhou no processo de fiscalização? 
Falhou no processo de fiscalização mas, mais importante do que isso, o Estado tem falhado claramente no dever de assegurar uma prestação de cuidados aqueles que por razões de idade e de incapacidade física têm que ser apoiados. Não podemos continuar a viver numa sociedade que entende que os cuidados na velhice ou os cuidados na infância têm que ser prestados no interior das famílias. Essa fase há muito que já devia ter sido superada. Um grande número de famílias portugueses tem um grande problema no apoio aos mais idosos e alguns deles não têm sequer famílias. É ao Estado que compete, e que deveria ter competido, criar uma rede pública de instituições de apoio aos mais velhos. O Estado deveria também organizar uma rede de apoio domiciliário que assegure a manutenção da autonomia dos cidadãos. As soluções que têm sido encontradas até agora passam quase sempre pelo pressuposto de que o Estado no melhor dos casos cabe apoiar instituições que “estão no terreno”. Em muitos casos, as instituições não estavam no terreno. Há uma infinidade de lares, descritos habitualmente como ilegais, instituições sem nenhum tipo de condições, que resultam da omissão que o Estado tem assumido e após a sua criação entram numa dinâmica de exigir apoio, tentando resguardar-se do dever inspetivo do Estado. Esta não é a solução.

"As inspeções não se fazem depois de avisar, propiciando a situação de ponham tudo nos trinques que depois passamos por ai para ver"

Faz sentido o método da Segurança Social de avisar antes de se deslocarem a um lar para realizar uma visita ou fiscalização? A perda do efeito-surpresa não leva a que seja possível manter as situações escondidas?
É óbvio. Isso é válido para qualquer situação de inspeção em qualquer área. As inspeções não se fazem depois de avisar, propiciando a situação de ponham tudo nos trinques que depois passamos por ai para ver. A discussão tem sido centrada na tradicional falta de recursos do Estado para inspeção e menos no que achamos importante: é ao Estado que compete criar uma rede publica. Isto não vai lá inspecionando melhor, isto só vai lá quando for o Estado a oferecer uma rede de cuidados.

A ministra da segurança social virá ao Parlamento para falar destas situações. Ana Mendes Godinho tem responsabilidades no estado em que se encontra o apoio aos idosos?
Todos os ministros desde 1976 têm responsabilidade. Sem exceção.

Devolução de obras? "Entendo que sim, que Portugal tem que entrar nesse debate. O país tem que estabelecer, como qualquer outro Estado colonial ou que tenha ocupado ilegalmente territórios, um inventário de todos os bens que foram roubados"

Na nota publicada pelo PCP foi também apresentado como sendo alguém que participa “num esforço coletivo de denúncia das campanhas de revisionismo histórico contra a memória da construção da democracia”. Encontra isso dentro deste Parlamento? 
Claro que encontro. Não propriamente nestes 10 dias, mas até já aí encontrei. Toda a gente sabe a composição do atual Parlamento, com os deputados do Chega e da Iniciativa Liberal, já para não falar de muitos do PSD. Esta composição revela a consolidação de uma velha campanha que decorre, literalmente desde 1974, para impor uma narrativa do passado português, com características anti democráticas na negação do colonialismo e da natureza colonial, na tentativa de rejeitar a discussão do que foi a ditadura salazarista e a natureza fascista e concentrar-se numa visão absolutamente manipulada de como se construiu, com muito esforço, a democracia portuguesa. Não nos esqueçamos que sem a revolução não teríamos a democracia. Essa é uma das minhas batalhas há muito tempo, na investigação e do ponto de vista cívico.

Nesta questão do revisionismo, um debate que tem sido lançado é o da devolução de obras a outros países. Portugal deve começar esse caminho como até já sugeriu o ministro da Cultura? 
Deve entrar nesse caminho que já está aberto há muito tempo. O que direi compromete-me a mim, enquanto deputado da Assembleia da República, mas a título individual. Não quero falar em nome do PCP, não sou militante, mas tenho todo o empenho e faço trabalho coletivo. Entendo que sim, que Portugal tem que entrar nesse debate. O país tem que estabelecer, como qualquer outro Estado colonial ou que tenha ocupado ilegalmente territórios, um inventário de todos os bens que foram roubados nesses territórios e que foram transferidos para Portugal. Isso envolve património público e privado e em muitos casos pode significar um recurso à justiça, mas o Estado de direito português tem que reconhecer a natureza da expropriação ilegal de bens que foi feita nesses territórios.

Falou na sua condição de independente. Sente-se perfeitamente integrado no trabalho coletivo do PCP? Até fora do grupo parlamentar?
Não sendo militante, não tenho as obrigações dos militantes mas há muitos anos que colaboro com o PCP e por algum motivo fui integrado nas listas e aceitei, incluindo este período de seis meses como deputado. Na minha consciência sei perfeitamente o lugar onde estou.

E porque é que nunca se tornou militante? 
É uma questão de natureza pessoal que não é relevante neste momento, sobretudo quando exerço as funções de deputado.

Posição sobre a guerra. “Há propaganda de um lado e de outro mas não se diga que é apenas de um lado”

É historiador e por várias vezes foi até chamado a comentar a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Subscreveu desde sempre a posição oficial do PCP? E nota uma aproximação de Paulo Raimundo ao discurso maioritário?
Tenho dúvidas nas duas afirmações. O discurso oficial do PCP está plasmado nos documentos escritos e na intervenção dos seus dirigentes e tem sido claramente mal transmitida pela grande maioria dos media em Portugal. Reconheço-me num discurso que caracteriza um conflito que agora temos presente, mas que não começou em 2022, começou em 2014. Pessoalmente, não tenho dúvida alguma de que a operação militar russa contra a Ucrânia representa uma invasão e desrespeita o Direito Internacional. Não tenho também dúvida alguma que o Estado ucraniano desrespeitou os acordos de Minsk e que no processo dos oito anos, e sobretudo desde o inicio da guerra em 2022, desrespeita os direitos de uma grande parte da população ucraniana, através de partidos que representam um terço do eleitorado.

E sobre o discurso atual?
Se há um discurso maioritário, diria até hegemónico, e se esse discurso tira responsabilidades ao Estado ucraniano, à NATO e os aliados falcões – EUA, Reino Unido, as três repúblicas bálticas e a Polónia -, e se descreve a Ucrânia como vítima inocente de uma agressão, não creio que o discurso do novo secretário-geral se tenha aproximado dessa tese. Mas todos nós, dentro e fora do PCP, os que temos uma visão crítica, sabemos que operamos dentro de um contexto social em que a grande maioria da sociedade portuguesa está tomada por uma narrativa sobre a guerra que não reproduz a realidade. Todas as guerras têm como primeira vítima a verdade. Uma das armas essenciais não são os Mig, os Himmars ou Leopard, mas sim a propaganda. Há propaganda de um lado e de outro, mas não se diga que é apenas de um lado. Em todos os conflitos à escala internacional não temos que tomar posição em todos eles e, se assim fosse, gostaria de ver todos aqueles que têm tomado posição militante a favor do Governo ucraniano de forma praticamente incondicional, tomar posição sobre todos, nomeadamente sobre um dos mais antigos: a ocupação da Palestina pelo Estado israelita.

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