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Cobalt International Energy é o nome de uma empresa que não lhe deve dizer nada. Se souber que se trata de uma empresa norte-americana que trata de extração de petróleo continuará na ignorância. Mas se juntarmos Angola à equação e acrescentarmos que aquela empresa de Houston descobriu um dos poços de petróleo com maior potencial nos últimos anos daquela ex-colónia portuguesa, e que está a ser investigada nos Estados Unidos por suspeitas de corrupção, ficará certamente curioso em descobrir mais face às relações próximas que costumam existir entre o regime de José Eduardo dos Santos e a atividade petrolífera.
Adicionemos outro dado. Para montar operações relevantes em Angola, como os investidores portugueses bem sabem, tem de ser seguida uma regra de ouro: as sociedades têm de ser de direito angolano, ter um parceiro local que fica com quase metade da estrutura do capital e que assume ao início uma posição de ‘silent partner‘ — o que geralmente significa ter uma empresa que está ligada direta ou indiretamente ao regime de José Eduardo dos Santos. São estas as regras do jogo e a Cobalt domina-as bem.
Talvez por isso Joe Bryant, CEO da Cobalt que conhece bem Angola, não tenha estranhado quando percebeu que teria de abrir em 2008 o capital social da sua empresa a sócios angolanos para tentar descobrir se a grossa camada de sal debaixo das águas territoriais de Angola esconderiam, tal como no Brasil, um gigantesco lençol de petróleo. E quem foram os sócios? A Sonangol, proprietária de 20% do capital, e duas empresas desconhecidas: a Nazaki Oil and Gas, que ficou com 30%, e a Apler Oil, que comprou 10%. No total, os angolanos ficavam com 60% e os acionistas de Joe Bryant (o poderoso banco Goldman Sachs e dois fundos de investimento) com 40%.
O que tem Manuel Vicente a ver com tudo isto? Resposta simples: o então presidente da Sonangol e atual vice-presidente de Angola era um dos acionistas da Nazaki Oil and Gas, juntamente com os generais Manuel Vieira Dias ‘Kopelipa‘ e Leopoldino Nascimento ‘Dino‘, através da empresa Aquattro International. Já os proprietários da Apler Oil continuam até hoje em segredo.
Este facto foi admitido pelo próprio Manuel Vicente a Tom Burgis, jornalista do Financial Times especialista em temas africanos que acompanhou desde o primeiro momento este caso que levou a uma investigação criminal e contra-ordenacional nos Estados Unidos contra a Cobalt por suspeitas de corrupção — tal como Burgis recordou no seu livro A Pilhagem de África, pré-publicado pelo Observador. As investigações foram parcialmente arquivadas no início de 2015 pela Securities and Exchange Commission, a polícia da bolsa norte-americana.
As autoridades norte-americanas abriram as primeiras investigações em 2011 por suspeitarem que a abertura do capital social da Cobalt ao trio Manuel Vicente, ‘Kopelipa’ e ‘Dino’ representaria alegados subornos pela autorização da Sonangol à empresa norte-americana para explorar petróleo em território angolano. A corrupção no comércio internacional é duramente sancionada nos Estados Unidos desde os anos 70.
Vicente apenas admitiu a Tom Burgis que tal situação poderia ser um eventual “conflito de interesses” se o então presidente da Sonangol, empresa pública responsável pela gestão e exploração dos recursos petrolíferos angolanos que autoriza concessões privadas, soubesse que a Nazaki tinha feito negócios com a Cobalt. Ora, Manuel Vicente jurou que não sabia de nada. E o mesmo fez ‘Kopelipa’.
Moral da história: Manuel Vicente e os generais ‘Kopelipa’ e ‘Dino’ liquidaram a sua posição na Nazaki e, segundo a investigação de Burgis, metade do capital da empresa foi vendido à Sonangol. Os valores da operação não são conhecidos mas a participação da Nazaki na Cobalt estava avaliada em cerca de 1,3 mil milhões de euros, o que poderá ter levado a um encaixe de cerca de 650 milhões de euros para a troika dirigente angolana.
Serve esta história para demonstrar uma segunda regra de ouro em Angola: nenhum negócio relevante se faz em Angola sem a aprovação da troika Vicente/’Kopelipa’/’Dino’.
Se os generais Manuel Vieira Dias ‘Kopelipa’ e Leopoldino Nascimento ‘Dino’ são os representantes da ala militar do MPLA formada no tempo da União Soviética nas universidades do lado de lá da Cortina de Ferro e que ganhou a guerra civil, Manuel Vicente é o líder dos tecnocratas — o homem de sucesso que subiu a escada de poder do regime de José Eduardo dos Santos com estudo, astúcia e ambição e que é a cara da nova geração formada nas melhores escolas de negócios ocidentais que não combateu nem na guerra da libertação nem guerra civil.
Os três representam setores e valores diferentes, mas formam uma troika complementar que divide o poder em nome de José Eduardo dos Santos. É precisamente este o primeiro facto a reter de Manuel Vicente: é um dos homens mais poderosos de Angola, porventura o segundo mais poderoso a seguir ao próprio Presidente da República.
As origens e a pobreza
Antes de ser conhecido como o sr. Petróleo de Angola, como o Financial Times lhe chamou, Manuel Vicente teve uma vida difícil, como a esmagadora maioria dos angolanos. Um país rico com uma população pobre, marcado por uma guerra civil que durou quase 30 anos e que, apesar do desenvolvimento económico dos últimos anos, continua a ser classificado pelas Nações Unidas como um país com desenvolvimento baixo. Em termos de ranking de 2014, Angola ocupou a 149.ª posição em 189 países em termos de índice geral de desenvolvimento humano e está abaixo, por exemplo, de São Tomé e Príncipe — um território com muito menos riqueza natural que Angola. Apenas alguns exemplos: morrem em Angola 450 crianças em cada 100 mil que nascem e um angolano quando nasce tem uma esperança média de vida de apenas 50 anos.
Hoje, aos 59 anos, Manuel Vicente não está dentro dessa média. É mesmo um dos homens mais ricos de Angola e definitivamente um dos mais poderosos. Mas quando nasceu, em 1956, estava do lado oposto. A sua primeira morada foi o bairro do Sambizanga — um conhecido musseque de Luanda. Filho de um sapateiro e de uma lavadeira, mostrou cedo ter queda para os estudos, mais propriamente para os números — o seu ponto forte. Ainda menor, foi obrigado a interromper os estudos para trabalhar e ajudar a família. Tornou-se aprendiz de serralheiro e passado um ano voltou aos estudos. Mas continuou a tentar ganhar dinheiro através de explicações que dava a outros alunos.
Não lhe são reconhecidas atividades guerrilheiras durante a Guerra Colonial nem grande atividade política depois da independência de Angola em 1975. Se as teve, foram discretas. Entrou para a Universidade Agostinho Neto e formou-se em Engenharia Eletrotécnica (Sistema de Potência) em 1983.
A área da energia e do petróleo foi logo a sua primeira área profissional. Entrou na Sonefe — Sociedade Nacional de Estudos e Financiamento em 1981 (quando ainda estudava) e chefiou a divisão de engenharia até 1987.
Dois anos antes tinha iniciado a frequência e conclusão de uma série de cursos técnicos. Começou, em primeiro lugar, pelo Brasil (país com o qual os angolanos têm uma relação especial em termos históricos pela escravatura e por ter sido o primeiro país a reconhecer a independência de Angola), onde tirou um curso na área da energia.
Quando a guerra civil de Angola entre o MPLA e a Unita de Jonas Savimbi estava ao rubro, Luanda sitiada e o resto do país destruído, Vicente transitou para a liderança de um departamento do Ministério da Energia e Petróleos.
O início da caminhada na Sonangol
Em 1991, quando a União Soviética, aliada desde a primeira hora do regime do MPLA, estava em processo acelerado de desintegração, Manuel Vicente entrou para a Sonangol como director-adjunto, cargo que ocupou até 1998. Logo no ano de estreia na Sonangol foi para Londres frequentar vários cursos no Imperial College e no Instituto de Petróleos ligados à “Gestão de Empresas Petrolíferas”, “Análise de Risco e Decisão na Indústria Petrolífera” e “Economia de Petróleos”. Continuou a estudar — e a preparar o seu caminho para subir na petrolífera.
A viagem seria a primeira de muitas idas a Londres (também estudou no Canadá), que dariam mundo ao gestor da Sonangol. Marcariam também a sua carreira, pelos conhecimentos técnicos que vai desenvolver e pela rutura cultural que a aposta no Reino Unido representou. Em relação aos estudos, as elites do MPLA costumavam ir para países irmãos comunistas da Europa de Leste ou para a própria União Soviética — e não para países ocidentais, com a exceção de Portugal. Manuel Vicente fará parte da primeira de muitas fornadas de jovens turcos do regime do MPLA que se formarão nas melhores escolas do Reino Unido, França e até Estados Unidos para depois regressarem a Luanda.
Manuel Vicente ascendeu a presidente da Sonangol em 1999 — onde esteve até 2012. Estávamos na fase final da guerra civil (o fim oficial só ocorreu em 2002), a vitória do MPLA era inevitável e os dois novos objetivos do regime de José Eduardo dos Santos eram claros. Primeiro: a reconstrução das infraestruturas de Angola. Segundo: o nascimento de um setor privado forte em que os investidores internacionais teriam de aliar-se a sócios angolanos para transmissão de know how e repartição de lucros.
Manuel Vicente teve um papel fulcral nesta estratégia, como líder incontestável da Sonangol, transformando uma velha empresa pública numa empresa moderna em que os jovens tecnocratas predominavam face aos generais e outras figuras do aparelho do MPLA.
Ocorreu então a transformação da Sonangol numa espécie de fundo soberano de Angola. Não só a sociedade liderava a extração, produção e refinação do petróleo, como geria, em nome do Estado, todos os recursos naturais em termos de petróleo e de gás. O que fez com que qualquer empresa internacional interessada em entrar no mercado da extração tivesse que negociar diretamente com a Sonangol.
Foi assim que Manuel Vicente liderou negociações com os gigantes mundiais do petróleo, como a Exxon Mobil, a Chevron, a Total, a Elf ou a BP. Estas empresas investiram muito dinheiro em novas plataformas petrolíferas, Angola triplicou a produção para 2 milhões de barris diários, tornando-se, segundo o Financial Times, num dos principais produtores de petróleo de África juntamente com a Nigéria e o segundo maior fornecedor da China, depois da Arábia Saudita. Só em 2011, o ultimo ano de Manuel Vicente na Sonangol, as receitas da petrolífera ascenderam a cerca de 34 mil milhões de euros — um valor ao nível das melhores empresas do mundo, como a Amazon ou a Coca-Cola, como recordou Tom Burgis.
Estes números, contudo, não apagam as vastas, profundas e graves suspeitas de alegadas fraudes contabilísticas que, desde há muito tempo, rodeiam a gestão a Sonangol. Desde diversas organizações não-governamentais, como a Global Witness, a instituições como o Fundo Monetário Internacional são unânimes as críticas à falta de transparência na concessão de licenças de petróleo, ao risco de corrupção na atribuição dessas mesmas licenças e contratos de exploração, assim como na redistribuição das receitas.
Se em 2011 a Sonangol teve 34 mil milhões de euros de receitas, também foi nesse ano que o FMI detetou um buraco nas contas nacionais de Angola de cerca de 32 mil milhões de dólares americanos entre 2007 e 2010. Isto é, esse valor, alegadamente respeitante a receitas de direitos petrolíferos, nunca terá sido transferido pela Sonangol para o Estado. Além disso, existiam ainda 4,2 mil milhões de despesas não registadas da Sonangol que não tinham qualquer justificação. Este é o outro lado da herança de Manuel Vicente na Sonangol.
A ascensão ao governo e o sonho da sucessão
A sua ascensão política está interligada ao sucesso (na perspetiva angolana) da sua gestão na Sonangol. Não só aumentou exponencialmente as receitas da empresa como solidificou o seu poder dentro do regime de José Eduardo dos Santos. Ascendeu ao círculo íntimo do presidente, começou a criar laços com a ala militar representada por ‘Kopelipa’ e por ‘Dino’ e a fazer negócios com Isabel dos Santos e os restantes filhos de José Eduardo dos Santos.
Aliás, a Sonangol ultrapassou as fronteiras da área petrolífera e passou a ter, pela mão de Manuel Vicente, um papel essencial nos setores imobiliários e financeiros. Não só esteve na origem de alguns dos mais importantes empreendimentos imobiliários dos últimos 15 anos, como criou diversos bancos como o Banco Africano de Investimento e o Banco Privado do Atlântico. Na área das telecomunicações, aliou-se a Isabel dos Santos e à Portugal Telecom para criar a líder de mercado Unitel.
A liquidez permitiu ainda à Sonangol internacionalizar-se. E aqui Portugal foi a porta de entrada na Europa. Apoiou a Esperaza de Isabel dos Santos para entrar no capital social da Galp através da Amorim Energia. E, no contexto de uma crescente internacionalização da Sonangol, entrou no capital social do Millennium BCP, aproveitando a grande necessidade de liquidez do banco e o vazio de poder que se criou com as guerras entre as fações do fundador Jardim Gonçalves e do delfim Paulo Teixeira Pinto. Hoje, a Sonangol é essencial no BCP e na Galp.
Manuel Vicente adquiriu igualmente, a título pessoal, cerca de 4,6% do capital do banco português BIG — participação essa que revendeu posteriormente ao seu enteado, Edmilson Martins, provocando uma investigação do Ministério Público em Portugal por tal revenda não ter sido declarada ao fisco. Tudo foi resolvido com o pagamento dos impostos em falta.
São todos estes braços de influência que acabam por fazer de Manuel Vicente uma personagem política também essencial. Esse reconhecimento por parte de José Eduardo dos Santos começa por vir sob a forma de uma nomeação para consultor do GAMEK — Gabinete de Aproveitamento do Médio Kwanza (do setor elétrico) e a indicação para o cargo de vice-presidente da Fundação Eduardo dos Santos, quando Vicente ainda liderava a Sonangol. Na linguagem cifrada do regime do MPLA, esses sinais significavam que o presidente de Angola contava com Manuel Vicente. Apesar de o aparelho do MPLA não reconhecer perfil político a Manuel Vicente, Eduardo dos Santos, o líder da Sonangol, começou a ser falado em surdina como potencial sucessor do presidente angolano, no poder desde 1979.
A oficialização desse estatuto começou a consagrar-se com a nomeação, em janeiro de 2012, para o cargo de ministro de Estado para a Coordenação Económica e a sua indigitação meses mais tarde para número 2 da lista do MPLA às eleições legislativas que decorreram em agosto desse ano — o primeiro ato eleitoral desde 1992, depois dos Acordos de Bicesse. Esse estatuto de n.º 2 na lista do MPLA significava que Manuel Vicente seria igualmente o n.º 2 do futuro governo de Angola. E assim foi.
A 27 de setembro de 2012, numa cerimónia que ocorreu na Praça da Independência, Manuel Vicente foi empossado como vice-presidente da República de Angola e assumiu o estatuto oficial de protocandidato à sucessão de José Eduardo dos Santos. Na realidade, e por motivo de ausência de Eduardo dos Santos, Vicente já foi o líder supremo de Angola durante, pelo menos, seis semanas em 2013. Mas continua a ser o n.º 2.
Angola deverá ter eleições gerais em 2017 e ainda não é certo que José Eduardo dos Santos se candidate, tal como não é garantido que Manuel Vicente seja o seu sucessor no caso de o presidente angolano decidir abandonar o poder. É o mais provável e mais bem posicionado, mas o aparelho do MPLA continua a não olhar com os melhores olhos para Vicente.
Será curioso verificar, por exemplo, qual a reação que o regime angolano terá sobre a suspeita que recai neste momento sobre Manuel Vicente e a sua indiciação em Portugal pelo crime de corrupção ativa na forma agravada, por alegadamente ter subornado o procurador Orlando Figueira para que ele arquivasse processos em que era visado. O silêncio, para já, impera.
Basta recordar que em 2013, depois de terem sido noticiadas em Portugal a abertura de investigações criminais por suspeitas de branqueamento de capitais contra João Maria de Sousa, procurador-geral da República, o general ‘Kopelipa’ e o próprio Manuel Vicente, José Eduardo dos Santos anunciou formalmente o fim da “parceria estratégica com Portugal” durante o seu discurso do Estado da Nação em plena Assembleia Nacional (o parlamento angolano). “Têm surgido incompreensões ao nível da cúpula e o clima político atual, reinante nessa relação, não aconselha à construção da parceria estratégica antes anunciada”, justificou então Eduardo dos Santos.
O que acontecerá agora com Manuel Vicente? Veremos. Sendo certo que o contexto de hoje, com uma economia angolana em queda devido ao preço do petróleo em redor dos 30 dólares, é significativamente diferente de há quase três anos. Portugal está mais forte e Angola mais fraca — e a predisposição económica e política em Portugal é de reequilibrar a balança com os angolanos.
Como Manuel Vicente poderá ser ouvido
O Ministério Público tem três formas de ouvir e constituir como arguido o vice-presidente de Angola, mas nenhuma delas parece de fácil execução:
- Emitindo uma carta rogatória para Angola que seria expedida pela Procuradoria-Geral da Republica (PGR) para a sua congénere angolana. Nessa missiva formal, o organismo liderado por Joana Marques Vidal informaria a PGR de Angola de quais são as suspeitas que foram reunidas contra Manuel Vicente, descreveria quais sãos as perguntas que gostaria de ver colocadas ao governante angolano e solicitaria os bons ofícios do Ministério Público angolano para notificar Vicente, colocar-lhe as perguntas em causa, tomar nota das respostas e enviá-las para Lisboa. É pouco provável que a PGR de Angola aceitasse as solicitações da sua congénere portuguesa, por razões políticas e diplomáticas, sendo o mais provável que tal carta fosse devolvida. É importante referir que, de acordo com a lei angolana, a PGR responde perante o Presidente da República de Angola, não existindo, na prática, o princípio da separação de poderes tal como é encarado em Portugal.
- A segunda opção passaria por tentar notificar Manuel Vicente, propondo-lhe uma audição em Portugal ao abrigo da convenção de auxílio judiciário da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Esta convenção permite uma espécie de salvo-conduto para o cidadão que seja ouvido ao abrigo deste instrumento judicial reconhecido por Portugal e Angola, o que impede qualquer detenção em Portugal do cidadão que invoque ou esteja protegido por esta convenção. Assim, Manuel Vicente poderia ser constituído arguido sem correr qualquer risco de ser detido ou de ter qualquer medida de coação restritiva da liberdade. O problema é que, mais uma vez, seria necessária a cooperação de Angola.
- A última hipótese depende única e exclusivamente de Manuel Vicente — que já saberá pela comunicação social desde segunda-feira que é visado num processo judicial português por suspeitas de corrupção ativa. Basta o vice-presidente de Angola constituir um advogado e este contactar o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) para calendarizar o interrogatório. Chama-se a isto um depoimento espontâneo.
Se nada for feito, o inquérito criminal do DCIAP seguirá o seu caminho natural — tal como aconteceu recentemente no caso Vistos Gold, em que um empresário angolano, Eliseu Bumba, foi acusado formalmente de corrupção pelo DCIAP sem ter sido constituído arguido, apesar das tentativas do Ministério Público para o notificar.
O inquérito contra Manuel Vicente poderá, assim, ser concluído, com uma acusação ou um arquivamento, sem que Manuel Vicente alguma vez seja ouvido. Se o vice-presidente de Angola vier a ser alvo de uma acusação criminal, poderá ser julgado à revelia e, eventualmente, condenado na Justiça. A lei portuguesa, tal como a de todos os Estados democráticos, permite a acusação, julgamento e condenação sem que um dos réus esteja presente em território nacional.