O Presidente da República não quis esperar pela reunião semanal de quinta-feira e, logo no sábado, contactou o primeiro-ministro a pedir explicações sobre toda a confusão que envolve o ministro das Infraestruturas, João Galamba. O contacto, apurou o Observador, foi feito por telefone já depois de Marcelo ter falado aos jornalistas na tarde de sábado e o chefe de Estado terá manifestado descontentamento por assuntos de Estado estarem a ser do conhecimento público. Aumenta, assim, a pressão para uma remodelação a que se junta a ameaça presidencial (“[vai ser visível] quando for”, disse Marcelo) a pairar sobre João Galamba.
Marcelo terá sido mais vocal em privado do que em público, onde os recados foram velados. No sábado, antes da chamada telefónica para Costa, o Presidente disse aos jornalistas: “Quando tiver a informação completa, a primeira pessoa com quem vou falar é o primeiro-ministro. O que tiver a dizer digo ao primeiro-ministro”. No mesmo dia, houve essa conversa telefónica, apurou o Observador junto de várias fontes.
No domingo à noite no programa semanal na SIC, o ex-líder do PSD, Luís Marques Mendes, avançava com a possibilidade da reunião já ter ocorrido. Depois de passar o domingo em silêncio, já esta segunda-feira, Marcelo Rebelo de Sousa voltaria a falar e acabaria por admitir nas entrelinhas que a conversa com o primeiro-ministro já tinha ocorrido, utiliza: “O tratamento tinha de ser discreto.”
Marcelo Rebelo de Sousa disse, em público aos jornalistas, que “matérias muito sensíveis são tratadas discretamente”, lembrando que “antecedentes de decisões”, como as que “levaram ao Estado de emergência ou à não renovação”, foram “discretas“. Há aqui uma nuance: estes foram casos em que Belém pressionou o primeiro-ministro a tomar uma decisão, mas só se soube quando a decisão foi tomada.
Fazendo uma transposição para a situação atual, caso Galamba venha a ser afastado a leitura pública — tendo em conta estas declarações do Presidente — será a de que houve também uma pressão prévia de Marcelo para o ministro ser afastado nesta mesma reunião de sábado. Questionado quando seria “visível” o resultado da sua intervenção junto de Costa, Marcelo respondeu: “Quando for, quando for“. Minutos antes, o Presidente tinha prometido que o caso teria um desfecho que seria público: “Os assuntos vão sendo tratados até ao momento em que se vê que foram tratados“.
Nas mesmas declarações, Marcelo Rebelo de Sousa falou de uma das lições em “liberdade e democracia” que é “sem boa economia, é difícil haver boa política. Mas pode haver alguma boa economia e isso não ser suficiente para haver boa política.” O país está a crescer e com controlo das contas públicas, mas isso, na leitura de Marcelo, pode não ser suficiente para garantir que as políticas estão a funcionar do ponto de vista da “coesão social”.
Costa tem resistido a remodelações, mesmo sob pressão
A pressão para uma remodelação também já apareceu de dentro do próprio PS e ao mais alto nível. O presidente do partido e um dos conselheiros mais próximo de António Costa veio este sábado, já no meio desta polémica que envolve João Galamba, colocar essa questão em cima da mesa. Carlos César não só apontou “a necessidade de um refrescamento” do Governo nesta altura, como até aventou a tática: “Daria o meu contributo, só acho que é tempo de ir convocando outras pessoas para a atividade do Governo, de o ir fazendo de forma ponderada e lenta, num equilíbrio saudável, associando a experiência de uns ao entusiasmo de outros, não deixando que o entusiasmo seja capaz de trair a experiência, nem a experiência seja capaz de inibir a inovação.”
A falta de calo político no Executivo é vista, entre socialistas, como uma razão da descoordenação que se evidenciou por várias vezes durante a governação socialista — surpreendentemente quando Costa tem o conforto parlamentar e uma maioria absoluta.
O que é certo é que estes sete anos de liderança de António Costa têm mostrado que o primeiro-ministro não é um adepto de mexidas na sua equipa. Só altera quando o elemento fragilizado já está debaixo de fogo intenso e, por vezes, nem assim, como relembra o caso de Eduardo Cabrita que acabou por sair do Governo, muito desgastado mas pelo próprio pé e já com eleições antecipadas no horizonte.
No entanto, precisamente nesse ano de 2021, chegou a estar prevista uma remodelação mais alargada no Executivo, apontada para depois do Orçamento do Estado estar aprovado na Assembleia da República — aconteceria em dezembro. A legislatura foi encurtada, precisamente por causa desse Orçamento do Estado, e as eleições antecipadas para janeiro seguinte, pelo que a remodelação ficou na gaveta e as mudanças efetivaram-se no novo Governo que acabou por ser constituído, mais uma vez por Costa.
O padrão do socialista é de resistir ao máximo a alterações do elenco governativo e, normalmente, quando tem de mexer por causa de alguma situação pontual, acaba sempre por aproveitar para resolver alguns casos pendentes, de governantes que já tinham pedido para saltar fora em alguma altura.
A maior remodelação do seu tempo ocorreu no início de 2019, quando tirou Pedro Marques das Infraestruturas para ser cabeça de lista do PS nas Europeias desse ano e também Maria Manuel Leitão Marques, que saiu da Presidência do Conselho de Ministros para também integrar a lista do PS ao Parlamento Europeu. Dessas saídas resultou a subida de Pedro Nuno Santos a ministro das Infraestruturas, de Mariana Vieira da Silva para a Presidência, e de Duarte Cordeiro, que não estava sequer no Governo, a entrar para o cargos de secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.