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Artur Morais era aluno de medicina quando descobriu a medicina tradicional chinesa e se apaixonou pela prática. Tudo começou como um trabalho de verão. Tinha-se candidatado a um lugar de recepcionista, mas quando descobriu que era para uma clínica de acupuntura a primeira reação foi: “Não vou entrar”. Mas entrou, ficou com o lugar e ao longo do tempo foi sendo surpreendido com os resultados que via nos utilizadores. “Tinha de haver alguma coisa”, disse ao Observador. Mas quando perguntou ao acupuntor como era possível, este respondeu-lhe: “Se queres saber mais estuda”.
E assim fez. Sem completar o terceiro ano, trocou a medicina convencional pela medicina tradicional chinesa e foi fazer um curso na Universidade de Medicina Chinesa (UMC), presidida por Pedro Choy. O estágio realizou-o na China como os outros alunos desta escola. Agora tem uma clínica de acupuntura, onde exerce esta prática com uma cédula profissional resultante da regulamentação de 2015 (Portaria n.º 172-C/2015). Com a recém-publicada portaria de 9 de fevereiro (Portaria n.º 45/2018), que regulamenta a profissão e os cursos superiores em medicina tradicional chinesa, espera poder vir a alargar a oferta de terapêuticas na sua clínica.
O resultado da publicação da portaria de 2018 foi uma onda de contestação por parte de médicos e cientistas que questionam uma decisão deste tipo. “Atribuir validade científica por portaria e induzir as pessoas em erro criando licenciaturas em terapêuticas que não têm a devida fundamentação científica é legitimar de forma artificial cursos superiores que não servem os interesses dos doentes que o Estado tem a obrigação de proteger”, escreveu a Ordem dos Médicos num comunicado poucos dias depois.
O Governo, por sua vez, esclareceu, aquando da publicação da portaria, que a “regulamentação da formação de medicina tradicional chinesa decorre de uma obrigação legal já prevista desde 2013 (Lei n.º 71/2013, de 2 de setembro), que regula o acesso às profissões no âmbito das terapêuticas não-convencionais”. E acrescentou que: “Como em todas as outras áreas de formação e ensino superior, a criação de qualquer curso não é feita por iniciativa do Governo, mas apenas e unicamente por iniciativa das instituições de ensino superior, no quadro da sua autonomia, requerendo, necessariamente, de ser previamente avaliado e acreditado pela Agência A3ES [Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior]”.
A medicina tradicional chinesa (MTC) é apenas uma das sete terapêuticas não-convencionais que o Governo se propôs regulamentar e até surge mais tarde que as portarias de junho de 2015 que regulamentam outras cinco práticas — acupuntura, osteopatia, naturopatia, fitoterapia e quiropráxia. “Mas a medicina tradicional chinesa é, porventura, a mais perigosa de todas”, disse ao Observador Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos. “O grande peso [da MTC] é a fitoterapia: milhares de produtos que ninguém sabe o que são, que não são testados como medicamentos.”
A preocupação é partilhada pela Sociedade Portuguesa Médica de Acupuntura (SPMA), composta, como o nome indica, por médicos com formação pós-graduada em acupuntura médica (distinta da acupuntura das práticas tradicionais). “Os chamados ‘produtos de medicina tradicional chinesa’, não passam por controlo de qualidade, apresentando problemas graves de segurança. Estão no mercado como suplementos alimentares, pelo que não têm de conter informação sobre efeitos adversos, contraindicações e interações medicamentosas”, disse ao Observador Helena Pinto Ferreira, presidente da SPMA. A médica alerta também para as possíveis interações entre os remédios tradicionais chineses e os medicamentos convencionais e os riscos que isto pode trazer para a saúde dos utentes.
Pedro Choy, presidente da UMC e dono das clínicas de medicina chinesa e acupuntura com o seu nome, discorda destas afirmações e afirma que a União Europeia tem regras específicas e rigorosas para as plantas medicinais. “Têm de ser preparadas em laboratórios farmacêuticos autorizados, é feito o controlo para a presença de metais pesados e pesticidas”, disse ao Observador. “Os laboratórios que compram a planta, têm de comprovar que é a planta certa, fazer análises de toxicidade e produzir o produto — comprimidos, cápsulas ou gotas. Nunca receito chás.” O acupuntor e fitoterapeuta acrescenta que só recomenda produtos de laboratórios que não usam plantas que demonstraram interagir com medicamentos convencionais.
Os praticantes de terapias não-convencionais lamentam a reação de médicos e cientistas à publicação da legislação, até porque defendem a importância da medicina convencional e a possibilidade de complementariedade das várias práticas para bem da saúde e bem-estar do doente.
Lei das terapêuticas não-convencionais para proteger os cidadãos
“Em Portugal existe um interesse crescente das populações por estas medicinas e terapêuticas, pelo que não se pode continuar a ignorar a sua existência”, escreveu o Bloco de Esquerda no projeto de lei n.º 27/IX, em março de 2003. Acrescentando que “é importante assegurar aos doentes a maior liberdade possível de escolha de método terapêutico”. Foi o foco nos utilizadores que motivou os três projetos (dois de lei e um de resolução) apresentados no ano de 2003 e que levou à criação da lei do enquadramento-base das terapêuticas não-convencionais (Lei n.º 45/2003).
Com um número crescente de utilizadores, os deputados foram unânimes ao aceitar que deveria existir um enquadramento legal, pelos menos para as práticas mais comuns no país, nas quais se inclui a medicina tradicional chinesa. “A certificação dos profissionais e dos cursos assume, neste contexto, uma importância determinante para que as medicinas não-convencionais tenham a qualidade e a credibilidade que se exige aos prestadores de cuidados de saúde”, escreveu o Partido Socialista no projeto de lei n.º 263/IX. “Isto tomará claras as suas responsabilidades, competências, âmbito e limites de intervenção.” E com isto, esperavam os deputados, as pessoas poderiam evitar charlatães e evitar riscos desnecessários quando procurassem cuidados de saúde alternativos.
A legislação veio, assim, tornar mais difícil o acesso a estas profissões, admite Pedro Choy. “O que é desejável”, disse. “Antigamente qualquer pessoa podia exercer, agora não. Agora é feito o mesmo controlo que para qualquer instituição de saúde.” O acupuntor Artur Morais acrescenta que a cédula profissional vai permitir aos utilizadores distinguirem os profissionais que estão habilitados dos que não estão. Uma ideia também espelhada nos projetos apresentados: o reconhecimento dos bons profissionais.
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“O especialista de medicina tradicional chinesa deve ter conhecimentos críticos sobre as bases teóricas específicas que fundamentam o seu diagnóstico, designadamente, yin e yang, os cinco movimentos, qi, xue e jin ye, os oito princípios de diagnóstico, o sistema dos meridianos e ramificações jing luo, síndromas gerais e síndromas dos zang fu, etiopatogenia e patologia energéticas, os seis níveis, as quatro camadas, os três aquecedores.”
Portaria n.º 207-G/2014, de 8 de outubro
É por isso que, a partir de 2013 — por força da Lei n.º 71/2013 — todos os praticantes das terapêuticas não-convencionais regulamentadas devem ter uma licenciatura de quatro anos, concluída no ensino politécnico, à semelhança do que já é feito com outras licenciaturas na área da Saúde. Para quem já estivesse a exercer uma destas práticas à data da entrada da lei foi criada “uma disposição transitória que permite a esses profissionais requerem cédula profissional mediante apreciação curricular documentada”, explicou a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). Um processo exigente, garantiu Artur Morais, que já tem cédula para a prática de acupuntura e que aguarda a certificação para a prática de medicina tradicional chinesa.
Mas para o acupuntor a “licenciatura só permite começar a exercer” depois é preciso dar continuidade à formação, “como qualquer profissional de saúde”. Artur Morais defende mesmo que as cédulas deviam ser revalidadas mediante “um sistema por pontos para garantir a manutenção dos níveis de qualidade dos profissionais de saúde”. Mas o que acontece atualmente é que, para quem consegue a cédula profissional, esta é definitiva. Outros casos há em que a cédula é provisória, obrigando a que o requerente complete o percurso de formação. Uma terceira hipótese é que o requerente veja o pedido chumbado e deixe de ter acesso a esta disposição transitória, logo que tenha de fazer a licenciatura para ter acesso à profissão.
O bastonário da Ordem dos Médicos discorda das vantagens apresentadas pelos deputados. Para Miguel Guimarães, o processo está a ser feito ao contrário. “Primeiro é preciso provar que determinado tratamento é eficaz, é preciso que haja suporte científico que o permita afirmar com segurança; depois regulamenta-se; e só depois é que se decide quais as escolas”, explicou. Não concorda que se regulamente e que só depois se vá investigar e muito menos que se ensine no ensino superior matérias sem validação científica.
“Não cabe à universidade acolher acriticamente conceitos com base em regulamentações de origem política. Deve ser ao contrário: são os regulamentos e leis criados pelo poder político que devem ter em conta o conhecimento científico produzido nas universidades”, reforçam Carlos Fiolhais e David Marçal, no livro “A Ciência e os seus inimigos”, da Gradiva.
A criação de cada uma das licenciaturas, ainda que definida por portaria, tem de ser acreditada pela Agência A3ES. “Atualmente existem licenciaturas em osteopatia e acupuntura”, respondeu a ACSS ao Observador. Pedro Choy contou que já foi contactado por duas unidades de ensino superior para participar na preparação das licenciaturas em medicina tradicional chinesa.
Nestes ciclos de estudos, é exigido um tronco comum com princípios gerais de medicina convencional — como biologia molecular, anatomia, fisiopatologia, epidemiologia, entrevista e elaboração da história clínica, promoção da saúde, entre outros — e é também exigido que entre o corpo docente exista um certo número de doutorados. Ora, como faltam doutorados em terapêuticas não-convencionais, as aulas nestes cursos podem ter de ser dadas por especialistas da medicina convencional, como fisioterapeutas a dar aulas de osteopatia. Perde-se assim a filosofia original destas práticas, lamentam os terapeutas não-convencionais.
Além do ensino feito nos politécnicos, está previsto um regime transitório para as escolas que atualmente já lecionam cursos em terapêuticas não-complementares, como a UMC de Pedro Choy. No entanto, ainda está por publicar a portaria que vai regulamentar essa transição. Pedro Choy tem a escola pronta para cumprir todas as normas do ensino superior, só lhe falta os doutorados, porque doutoramentos em medicina tradicional chinesa só se fazem na China. “Preferia manter o corpo docente que tenho atualmente do que ter de contratar doutorados noutras áreas. Mas se a lei nos obrigar a isso é o que vamos fazer.”
Falta saber se isso será suficiente. Helena Pinto Ferreira não percebe porque é que a A3ES não aceita os médicos com formação superior em acupuntura médica para dar aulas de acupuntura ou farmacêuticos, mesmo com doutoramento em farmacognosia, para dar aulas de fitoterapia. A justificação parece estar na falta de cédula profissional — em acupuntura ou fitoterapia, respetivamente. Sem ela não são considerados especialistas em terapêuticas não-convencionais, logo não estão habilitados para dar cursos nestas áreas.
Para a presidente da SPMA, existe ainda outra preocupação: “disparidades na legislação quanto aos conteúdos formativos e respetivas competências”. Todos os cursos terão oito semestres curriculares, seja acupuntura, seja fitoterapia, sejam os restantes. A medicina tradicional chinesa, que inclui acupuntura, fitoterapia, técnicas de manipulação, massagem tuiná, tai chi, entre outras disciplinas, também só terá oito semestres curriculares. “Como é que um profissional de MTC vai utilizar a acupuntura com a mesma competência [que um licenciado só em acupuntura]? Ou até a fitoterapia?”
Que riscos corre quem usa terapêuticas não-convencionais?
Uma das principais razões para que as pessoas procurem as terapias não-convencionais pode ser a necessidade de ter uma abordagem mais proativa da sua saúde, refere a Organização Mundial de Saúde, no guia criado para definir que informação deve ser dada ao consumidor sobre terapêuticas não-convencionais (“Guidelines on Developing Consumer Information on Proper Use of Traditional, Complementary and Alternative Medicine”, de 2004). Neste processo, muitas pessoas começaram a procurar produtos e práticas que fossem mais naturais, como se natural significasse mais seguro. “Este não é necessariamente o caso”, alerta a OMS. “Há relatórios que revelam exemplos de uso incorreto de remédios tradicionais pelos consumidores, incluindo incidentes de sobredosagem, uso involuntário de remédios herbais suspeitos ou contrafeitos e lesões não-intencionais causadas por praticantes sem qualificações.”
O médico António Vaz Carneiro, especialista em Medicina Interna, Nefrologia e Farmacologia Clínica, reforça os riscos dos produtos naturais. “Há ervas chinesas altamente tóxicas. Tive vários doentes a 24 horas de terem o fígado transplantado por uma reação hepatotóxica gravíssima por causa de uns chás chineses”, contou ao Observador. “Essa ideia de que os medicamentos são qualquer coisa de anti-natural é uma ideia trágica, porque habitualmente as pessoas, ao prescindirem de usar alguns medicamentos que lhes poderiam salvar a vida, quando verificam que estão a ser enganadas já é tarde demais.”
Os produtos usados pelas terapêuticas não-convencionais podem ser muito potentes, por vezes tóxicos, o que exige que sejam corretamente processados antes de serem dados a um doente e que o consumidor seja devidamente aconselhado antes de os usar, recomenda a OMS. Como ainda são pouco conhecidas as interações entre os vários remédios tradicionais e entre os medicamentos convencionais e não-convencionais, os doentes correm um risco acrescido ao usarem os dois tipos de produtos em simultâneo. Pior, muitas vezes os doentes não avisam o médico que estão a fazer tratamentos ou a usar produtos não-convencionais.
Existem ainda outros riscos associados às medicinas tradicionais e complementares, alerta a OMS, como diagnósticos atrasados ou errados, falha no encaminhamento para médicos convencionais ou a auto-medicação. Ainda, a falta de controlo na informação constante nos rótulos, incluindo alegações de saúde enganadoras ou de fontes não fidedignas, ou a venda livre como suplementos alimentares. Cabe ao governo de cada país proteger a saúde da sua população assegurando a qualidade das práticas e lidando eficazmente com os risco já conhecidos, refere o organismo internacional.
As mulheres grávidas não devem usar terapêuticas não-convencionais por se desconhecerem os efeitos secundários que podem ter na sua saúde e do bebé, alerta a OMS. Helena Pinto Ferreira, presidente da SPMA, acrescenta ainda outros grupos particularmente susceptíveis se recorrerem a estas práticas, como as crianças e doentes com problemas sérios de saúde.
A OMS reconhece os riscos, que atribui, sobretudo, à falta de regulamentação dos produtos e praticantes, mas também apresenta as práticas tradicionais ou complementares como tendo, regra geral, menos efeitos secundários do que as terapêuticas convencionais. Por exemplo, indica que os casos de complicações graves depois de tratamento com acupuntura acontecem, mas são raros.
A própria medicina convencional não está livre de riscos e efeitos secundários, mas é recomendada sempre que os benefícios sejam superiores aos riscos. No caso da acupuntura médica, Helena Pinto Ferreira referiu que “há estudos clínicos, controlados e randomizados, com evidência robusta de eficácia em várias situações clínicas, como na dor crónica”, onde é demonstrado “um benefício moderado da acupuntura em comparação com os cuidados clínicos habituais”. Dores de cabeça vulgares, enxaquecas e dor pós-operatória podem ser outras aplicações da acupuntura médica. E também da acupuntura chinesa, como referiu Pedro Choy. “A medicina chinesa é eficaz sobretudo a tratar doenças crónicas, como enxaquecas ou reumatismo.” O que, segundo o acupuntor, é um problema para a indústria farmacêutica que é alimentada pela venda de medicamentos contra as doenças crónicas.
Ausência de trabalhos científicos ou os estudos inconclusivos e mal conduzidos são um problema reconhecido pela OMS que incentiva os Estados-membros e melhorarem o conhecimento científico nas várias áreas da medicina tradicional e complementar. A principal dificuldade, sobretudo para a acupuntura e técnicas que impliquem manipulação dos doentes, é a dificuldade em encontrar um grupo controlo — um grupo de doentes ou voluntários que não seja sujeito à terapêutica não-convencional que se pretende estudar. “As categorias comuns de grupos de controlo em estudos de acupuntura são: controlo da lista de espera (grupo de controlo sem tratamento); cuidados-padrão (como medicamentos); e intervenções como acupunctura sham (falsa), que pretendem funcionar como placebo e outros efeitos inespecíficos”, explica Helena Pinto Ferreira.
Usar acupuntura “sham” como placebo para a acupuntura “real” parece não funcionar. Primeiro, num ensaio clínico duplamente cego, nem o doente nem o acupuntor devem saber se estão a participar no tratamento real ou no placebo, mas, neste caso, o acupuntor tem saber se usa a técnica real ou falsa. Segundo, espetar agulhas ao acaso ou usar agulhas diferentes das agulhas da acupuntura “real” tem um efeito terapêutico superior ao de um placebo. Terceiro, submeter todos os doentes à mesma técnica de acupuntura vai contra os princípios da acupuntura que adaptam a terapia a cada doente, logo não é uma experiência real, na opinião dos acupuntores. Do outro lado, fica a dificuldade em desenhar e analisar uma experiência em que cada tratamento seja diferente para cada um dos participantes.
Para Pedro Choy, a solução neste caso é comparar a acupuntura com os tratamentos de medicina convencional (tratamentos-padrão), como medicamentos para as dores, e ver qual dos dois apresenta melhores resultados. Helena Pinto Ferreira não concorda: “O efeito placebo não pode ser considerado nos grupos de controlo de lista de espera e de tratamento-padrão e, portanto, a atenção foi focada nos grupos de controlo de intervenções sham”.
Ao contrário da medicina convencional que se centra em tratar a doença, a medicina tradicional ou complementar, como apresentada pela OMS, tem uma abordagem holística — uma visão mais integrada por oposição à análise isolada dos seus componentes –, daí que seja tão difícil encontrar um método científico que a valide. As medicinas não-convencionais apresentam como foco a saúde em vez da doença, promovendo o equilíbrio entre corpo, mente e ambiente. Pedro Choy defende assim que, para as situações em que é aplicável, a medicina tradicional chinesa, caso fosse comparticipada pelo Estado, representaria uma despesa menor do que os medicamentos convencionais para tratar o mesmo problema.
Entre os benefícios da medicina tradicional comprovados cientificamente há um que se destaca de todos os outros: a artemisinina, extraída da planta Artemisia annua (artemísia), usada para matar o parasita da malária no início da infeção. Youyou Tu, da Academia Chinesa de Medicina Tradicional, testou várias plantas medicinais tradicionais para combater a malária até encontrar a artemísia. Depois, usou técnicas antigas para extrair o princípio ativo. Atualmente, a artemisina é semissintética e produzida com tecnologia de ponta, mas o trabalho de Youyou Tu valeu-lhe o prémio Nobel da Medicina em 2015.
Prémio Nobel da Medicina para a descoberta de terapias contra malária e elefantíase
“Medicina há só uma”
A legislação regulamenta a formação necessária para cada terapeuta, quem pode ter certificação profissional ou não, como devem ser os locais de prestação destes serviços — que têm de responder às mesma práticas de exigência que outros prestadores de cuidados de saúde — e que seguro profissional deve ser imposto. Mas toda esta regulamentação deixa Miguel Guimarães ainda mais preocupado. “As pessoas vão ter mais confiança. O que vai acontecer a essas pessoas se tiverem atrasos nos diagnósticos?”, questiona o médico.
“Errar ou atrasar um diagnóstico é errar ou atrasar um tratamento e colocar um doente em risco potencialmente fatal”, reforçou Helena Pinto Ferreira. “A questão do diagnóstico é para nós muito importante, dado que apenas os médicos têm a preparação suficiente e adequada para o fazer, mediante muitos anos de formação e treino.”
E é este um dos pontos de rutura entre a medicina convencional e a não-convencional: o diagnóstico e, de certa forma associado a ele, a designação. Pedro Choy considera que a medicina tradicional chinesa deve ser considerada uma medicina não-convencional (MTC), de pleno direito, e não uma terapia não-convencional. “Uma terapia é só o tratamento, o diagnóstico é feito por outros. A medicina chinesa tem métodos próprios de diagnóstico e execução de procedimentos terapêuticos.”
A preocupação dos médicos é que as pessoas achem que, por se chamar medicina tradicional chinesa ou medicinas não-convencionais, estas sejam praticadas por médicos. “Ora medicina, é só uma. Não há várias medicinas. Perante esta designação, a população vai ficar confusa e entender que se trata de um especialista médico, que é considerado como tendo um nível elevado de qualidade técnica”, alertou Helena Pinto Ferreira.
Para mitigar esta confusão, a legislação define que: “Tendo em vista evitar a eventual confusão da denominação do presente ciclo de estudos com os ciclos de estudos integrados conducentes ao grau de mestre em Medicina, grau conferido exclusivamente no ensino universitário, realça-se a necessidade de toda a divulgação e publicidade destes novos ciclos de estudos não gerarem equívoco sobre a natureza do ensino aí ministrado”.
Os terapeutas não-convencionais contactados pelo Observador defendem a importância da medicina convencional e consideram que as práticas convencionais e não-convencionais são complementares, e não incompatíveis, e até desejáveis numa abordagem multidisciplinar. “O diagnóstico será individual [de cada prática], mas o trabalho pode ser feito em parceria”, defendeu Artur Morais. “O diagnóstico não será assim tão diferente, porque os sinais estão lá todos, mesmo que se utilize linguagem diferentes.”
“Um remédio tradicional chinês para o coração não vai tratar as mesmas situações que os medicamentos para o coração da medicina convencional. Isto porque o termo ‘coração’ na medicina tradicional chinesa não significa unicamente o órgão fisiológico ‘coração’, mas também algumas funções que a medicina convencional atribui ao cérebro”, alerta a OMS no “Guidelines on Developing Consumer Information on Proper Use of Traditional, Complementary and Alternative Medicine”.
A linguagem própria usada e defendida por cada uma das terapêuticas não-convencionais, especialmente a medicina tradicional chinesa — que no plano de estudos inclui yin e yang, sistema de meridianos e ramificações jing luo, síndromes gerais e síndromes dos zang fu, por exemplo –, é outra barreira que divide as práticas convencionais e não-convencionais. Medicina só existe uma e a linguagem científica e de validação científica também só pode ser uma e tem de ser entendida por toda a comunidade, defendem médicos e cientistas.
“Só há uma medicina. A medicina evolui e muitas práticas antigas já não se fazem, mas aquilo que mostra que tem evidência científica vai ficando”, disse Miguel Guimarães. Se pode ser integrado na prática da medicina, deixa de ser chamado alternativo, complementar ou não-convencional. Chama-se simplesmente medicina.
Também por isso, o bastonário defende que os médicos não deveriam praticar terapias não-convencionais. A única hipótese que considera admissível é a acupuntura médica, que existe há mais de 30 anos, mas mesmo essa pode vir a ser alvo de escrutínio mais apertado. “Nos últimos estudos já não está a demonstrar a evidência científica que demonstrava. Temos de voltar a debatê-la [no seio da Ordem dos Médicos].”
Medicina tradicional chinesa não estava na legislação de 2003
No dia 27 de março de 2003 discutiu-se no Parlamento três projetos (dois de lei e um de resolução) relacionados com as terapêuticas não-convencionais. O mais ambicioso foi apresentado pelo Bloco de Esquerda que previa a inclusão das terapêuticas mais usadas pelos cidadãos portugueses — homeopatia, acupuntura, osteopatia, quiropráxia, fitoterapia e naturopatia –, segundo o relatório final de um grupo de trabalho criado por Ana Jorge, na altura em que era ministra da Saúde. A estas, o Bloco juntou ainda a medicina tradicional chinesa.
“Pretendemos, assim, que a lei reconheça como terapêuticas não-convencionais as praticadas pela medicina tradicional chinesa e a acupuntura, homeopatia, osteopatia, naturopatia, fitoterapia e quiroprática, reconhecendo o direito individual de opção, a defesa da saúde pública e os utentes, bem como a promoção da investigação e da autonomia técnica e deontológica”, disse Joana Amaral Dias, na apresentação do projeto de lei n.º 27/IX do Bloco de Esquerda.
O Partido Socialista não foi tão longe. Em vez de abrir as portas de par em par, preferiu abrir apenas uma janela e deixou a medicina tradicional chinesa, a naturoterapia e a fitoterapia, fora da proposta que apresentou. “A ciência médica dita clássica, fruto da sua grande e crescente especialização, ‘combate’ a doença entendida como uma ameaça, resolve sinais e sintomas, mas muitas vezes deixa de fora o corpo, a pessoa no seu todo e, portanto, as suas expectativas de bem-estar e equilíbrio. Estes são os principais domínios de atuação das medicinas não-convencionais”, justificou assim, Luísa Portugal, o projeto de lei n.º 263/IX apresentado pelo Partido Socialista.
Mais conservador foi o CDS-PP, que no projeto de resolução n.º 135/IX contemplava apenas a osteopatia e que a considerava como um tratamento e não como um diagnóstico. “Somos daqueles que entendem que não se deve reprimir esta realidade, que se queira ignorar a existência destas práticas, mas também não aceitamos que se embarque em experimentalismos fáceis ou se queira fazer demagogia barata à custa da saúde das pessoas. Nesta matéria toda a prudência é boa conselheira”, disse Álvaro Castelo-Branco na apresentação do projeto de resolução.
PCP, Os Verdes e PSD não apresentaram propostas, mas defenderam a necessidade de regulamentação destas práticas e de fiscalização dos profissionais que as praticam. O PSD, embora admitisse durante a discussão plenária que discordava dos projetos apresentados, mostrou-se disponível para discutir um documento único na especialidade.
“No que respeita à legalização das medicinas não-convencionais, o CDS-PP entende que esta só deve ser efetuada após prova de eficácia, através de métodos científicos, quer de atos diagnósticos, quer de atos terapêuticos, bem como a eficácia e segurança dos produtos usados, para que a livre escolha seja efetuada com a segurança e qualidade de todo um processo e assim protegida a saúde pública. Legalizar sem provas inequívocas é questionar a ciência e qualidade científica”, disse Álvaro Castelo-Branco ainda na apresentação do projeto de resolução.
Apesar da comunidade científica reforçar que estas práticas ainda não conseguiram demonstrar cientificamente a sua eficácia e segurança, o CDS-PP votou favoralmente o texto final que viria a dar origem à lei do enquadramento base das terapêuticas não-convencionais (Lei n.º 45/2003). Aliás, todos os partidos, apesar de alegarem a necessidade de legislar perante evidência comprovada, votaram unanimemente a favor da lei.
António Vaz Carneiro, diretor do Centro de Medicina Baseada na Evidência, disse que não havia nenhuma base científica nestas práticas. “Se olharmos para o modelo de produção de prova, nenhuma terapia alternativa tem qualquer base científica, com exceção da acupuntura médica — que é uma especialidade médica. Temos estudado muito isso e já não é possível dizer outra coisa.” O médico opõe-se firmemente a estas práticas porque as considera enganadoras e diz que “o argumento de que muita gente frequenta as terapias alternativas não é um argumento válido sob o ponto de vista científico e profissional”.
Outro dos argumentos é a antiguidade das práticas. A isso, a Comunidade Céptica Portuguesa (Comcept) responde que “a longevidade de uma prática não é garantia da sua segurança, nem da sua eficácia”. Para ilustrar a afirmação do livro “Não se deixe enganar”, da Contraponto, os autores lembram que a sangria foi usada durante muito tempo e isso não quer dizer que tenha qualquer efeito terapêutico — como se percebe agora que deixou de ser uma prática corrente.
A lei foi publicada a 22 de agosto de 2003 e considerava “terapêuticas não-convencionais aquelas que partem de uma base filosófica diferente da medicina convencional e aplicam processos específicos de diagnóstico e terapêuticas próprias”. Incluídas estavam a acupunctura, homeopatia, osteopatia, naturopatia, fitoterapia e quiropráxia. De fora ficou a medicina tradicional chinesa. Pedro Choy acusa o lobby médico e farmacêutico de ter tido uma influência no facto de esta prática ter ficado ausente da legislação inicial.
Legislação portuguesa para terapêuticas não-convencionais
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Lei n.º 45/2003, de 22 de agosto – Lei do enquadramento base das terapêuticas não-convencionais
Lei n.º 71/2013, de 2 de setembro – Regulamenta a Lei n.º 45/2003, de 22 de agosto, relativamente ao exercício profissional das atividades de aplicação de terapêuticas não convencionais
Portaria nº 207 A, B, C, D, E, F, G /2014, de 8 de outubro – Fixa a caracterização e o conteúdo funcional da profissão de naturopata, osteopata, homeopata, quiroprático, fitoterapeuta, acupuntor e especialista de medicina tradicional chinesa, respetivamente.
Portaria n.º 172 B, C, D, E, F /2015, de 5 de junho – Regula os requisitos gerais que devem ser satisfeitos pelo ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado em Fitoterapia, Acupuntura, Quiropráxia, Osteopatia e Naturopatia, respetivamente.
Portaria n.º 45/2018, de 9 de fevereiro – Regula os requisitos gerais que devem ser satisfeitos pelo ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado em Medicina Tradicional Chinesa
A legislação de 2003 reconhecia a “autonomia técnica e deontológica no exercício profissional da prática das terapêuticas não-convencionais” e estabelecia o “enquadramento da atividade e do exercício dos profissionais” destas áreas. Mas faltava a regulamentação para que fosse posta em prática. Essa regulamentação só saiu 10 anos depois, a 2 de setembro de 2013 (Lei n.º 71/2013), boicotando todos os prazos inicialmente previstos. Uma novidade na lei de 2013 é que já contemplava a medicina tradicional chinesa.
A lei 45/2003 previa que o processo de credenciação, formação e certificação dos profissionais das terapêuticas não-convencionais estivesse concluído até 2005, mas o processo só se iniciou em 2015 com a publicação das portarias que regulam os requisitos gerais que devem ser satisfeitos pelo ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado em fitoterapia, acupuntura, quiropráxia, osteopatia e naturopatia. A medicina tradicional chinesa só foi regulada em 2018 e a portaria que regula a homeopatia ainda não foi publicada.
A legislação de 2013 definia que os terapeutas não-convencionais teriam se ser licenciados. Os conteúdos funcionais de cada profissão foram definidos por portarias em 2014, para que em 2015 se começassem a regular os ciclos de estudos. Claro na lei de 2013 é que “os profissionais das terapêuticas não-convencionais não podem alegar falsamente que os atos que praticam são capazes de curar doenças, disfunções e malformações” e que “nos locais de prestação de terapêuticas não-convencionais é proibida a comercialização de produtos aos utilizadores”.
A OMS recomenda as medicinas tradicionais e complementares
A legislação portuguesa, ainda que de iniciativa nacional, segue as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS). Mas para o médico António Vaz Carneiro, a OMS “não é uma agência que mereça o respeito que tem universalmente, porque muitas vezes não está a agir como uma agência científica, mas como uma agência política e confunde as duas coisas. E ao confundir as duas coisas está a matá-las a ambas”.
A recomendação do aproveitamento da medicina tradicional (“traditional medicine”) nos países de origem não é nova para a Organização Mundial de Saúde. Já em 1977, a Assembleia Mundial de Saúde recomendava que a OMS iniciasse estudos da utilização de medicina tradicional em conjunto com a medicina moderna e que os governos dessem a devida importância às práticas tradicionais dos seus países, desde que com regulamentação apropriada aos respetivos sistemas de saúde. A principal motivação seria a possibilidade de fornecer cuidados de saúde às populações de países em desenvolvimento, onde a medicina moderna e os cuidados de saúde primários não conseguem chegar, mas onde a medicina tradicional parece cumprir essa função.
Medicina tradicional versus alopática
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“Medicina tradicional” é, segundo a Organização Mundial de Saúde, um “[conjunto] diversificado de práticas de saúde, abordagens, conhecimento e crenças, que incorporam remédios à base de plantas, animais ou minerais, terapias espirituais, técnicas manuais e exercícios, aplicados individualmente ou em combinação para manter o bem-estar, assim como para tratar, diagnosticar e prevenir doenças”.
Nesta designação estão incluídas a medicina tradicional chinesa, a ayurveda indiana, a unani árabe e outras formas de medicina indígenas. Nos países onde domina a medicina alopática (ou convencional) — onde os tratamentos são usados para contrariar os efeitos da doença —, como em Portugal e noutros países da Europa, é mais comum usar as designações “complementar”, “alternativa” ou “não-convencional”. Esta designação também é usada para incluir a homeopatia e a quiroprática, criadas na Europa, no século XVIII.
O conceito “medicina alopática” é usado para se distinguir de medicina tradicional/complementar/alternativa e refere-se ao conjunto de práticas de medicina convencional também chamadas de medicina ocidental, biomedicina, medicina científica ou medicina moderna.
WHO Traditional Medicine Strategy 2002-2005
Para a OMS, são os países mais pobres os que mais têm a beneficiar das práticas tradicionais do seu próprio país, porque os cuidados são mais baratos e fáceis de aceder do que os de medicina alopática e muitas vezes o único tipo de cuidados a que estas pessoas têm acesso. Por outro lado, levanta-se o problema de que, nestes países, a aposta na medicina tradicional para tratar as pessoas mais pobres possa significar um desinvestimento na medicina alopática, privando quem mais precisa do acesso à medicina baseada na evidência científica.
A Assembleia Mundial de Saúde reafirmava, em 1987, que “os sistemas tradicionais de medicina têm um papel importante nos aspetos preventivos, de promoção e curativos da saúde, em particular nos países em desenvolvimento”. Por isso instigava o diretor-geral da OMS “a promover seminários entre países de forma a melhorar a compreensão mútua, a disseminação de conhecimentos e a troca de experiências”. Aos países pedia que usassem os praticantes das medicinas tradicionais no serviços de saúde primários “sempre que possível e adequado” e que “garantissem o controlo de qualidade dos medicamentos derivados de plantas medicinais tradicionais” recorrendo a técnicas modernas e às regulamentações padrão.
Nos dois anos seguintes, a assembleia reconhecia que a ameaça global à biodiversidade poderia levar ao desaparecimento de plantas medicinais importantes para as práticas tradicionais. No outro extremo, estão as espécies de animais e plantas em risco de extinção pela captura frequente para a produção de remédios tradicionais.
A Assembleia Mundial de Saúde pedia aos países que estudassem melhorar as plantas medicinais, com ensaios pré-clínicos e clínicos, e que incluíssem nas práticas de medicina moderna aquelas que demonstrassem ser seguras e eficazes. Em 1991, reconhecia “com satisfação, os progressos feitos no desenvolvimento no programa de medicina tradicional”, mas pedia aos governos que intensificassem a cooperação entre medicina moderna e tradicional, especialmente no que dizia respeito ao “uso de remédios tradicionais, que se mostrassem cientificamente seguros e eficazes, para reduzir os custos do país com medicamentos”. Mais, se até então as recomendações tinham tido muito foco nas plantas medicinais, a partir desta altura recomenda-se também que se “introduza medidas de regulamentação e controlo das práticas de acupuntura”.
A medicina tradicional — ou complementar, alternativa, não-convencional — volta a ser tema da Assembleia Mundial de Saúde em 2003 onde os membros reconhecem que os conhecimentos da medicina tradicional pertencem às comunidades e nações e devem ser respeitados. Ao mesmo tempo, os membros admitem que continuam a faltar provas de segurança, eficácia e qualidade dos produtos de medicina tradicional. Por isso, insistem que os Estados-membros devem “adaptar, adotar e implementar, quando apropriado, a estratégia da OMS para a medicina tradicional [“WHO Traditional Medicine Strategy 2002-2005”] como base para os programas nacionais e planos de trabalho de medicina tradicional”. A inclusão dos praticantes de medicinas tradicionais continua a ser apresentado como de particular importância nos países com menos recursos, mas mantém-se o apelo à monitorização da utilização de plantas medicinas e outras práticas e à investigação científica nesta área.
À OMS competia a função de procurar “informação baseada na evidência sobre a qualidade, segurança, eficácia e rentabilidade da terapêuticas tradicionais” e “prestar apoio técnico aos Estados-membros na definição das indicações de tratamento de doenças com medicina tradicional”.
“O uso de medicina tradicional continua bem difundido nos países em desenvolvimento, enquanto o uso de medicinas complementares e alternativas está a crescer rapidamente nos países desenvolvidos”, escreveu a Organização Mundial de Saúde (OMS) na introdução da “Estratégia da OMS para Medicina Tradicional 2002-2005”.
Quando foi elaborada a “Estratégia para a Medicina Tradicional 2002-2005” existiam apenas quatro países — China, Coreia do Norte, Coreia do Sul e Vietnam — que tinham a medicina tradicional completamente reconhecida e integrada nos cuidados de saúde, tanto no serviço público como no privado. Outros países — como Índia, Japão ou Nigéria, mas também Alemanha, Reino Unido ou Canadá — tinham uma abordagem inclusiva, que reconhecia a medicina tradicional ou complementar, mas que não a tinha integrado completamente a nível do sistema de saúde, educativo ou regulamentar. Outros países, como Portugal, têm um serviço de saúde completamente baseado na medicina alopática, mas algumas práticas de medicina complementar são permitidas por lei.
“A medicina tradicional, complementar e alternativa capta um espetro completo de reações: do entusiasmo acrítico ao ceticismo desinformado”, escreviam os autores da estratégia. Por isso, o documento proprunha-se apresentar uma estratégia que tivesse em contas as “políticas de utilização, segurança, eficácia, qualidade, acesso e uso racional da medicina tradicional, complementar e alternativa”.
Em 2013, a Organização Mundial de Saúde publicou uma nova “Estratégia para a Medicina Tradicional” para os anos de 2014 a 2023, como havia sido solicitado pela Assembleia Mundial de Saúde de 2009. Para este período, a OMS definiu como prioridades: “aproveitar a potencial contribuição da medicina tradicional e complementar para a saúde, bem-estar, cuidados de saúde centrados nas pessoas e cuidados de saúde universais”; e “promover o uso seguro e eficaz de medicina tradicional e complementar através de regulamentação, investigação e integração dos produtos, práticas e praticantes no sistema de saúde, conforme apropriado”.
O Conselho Europeu também tem uma posição sobre o tema, firmada na Assembleia Parlamentar de 2 de novembro de 1999. O Conselho reconhece o interesse crescente dos cidadãos pelas práticas alternativas ou complementares e afirma a “necessidade de separar o trigo do joio” no que diz respeito à área das terapêuticas não-convencionais. Sem querer imiscuir-se na diversidade e legislação própria de cada país, defende que deveria existir uma abordagem europeia a esta questão, que pode passar pela regulamentação dos profissionais, por pôr os médicos convencionais a praticarem terapêuticas não-convencionais e pelo incentivo à investigação científica na área das terapias complementares e alternativas.
“Não se deve dar apoio a práticas duvidosas ou intolerantes que negam às pessoas e, em particular, às crianças, os cuidados médicos que o seu estado de saúde requer”, lê-se na resolução 1206 da Assembleia Parlamentar. “Estabelecer um quadro legal para a medicina não-convencional é um empreendimento difícil, mas é preferível do que ser demasiado liberal.”