Frente a um painel com pontinhos vermelhos espalhados pelo mapa da cidade que mostra o plano de Fernando Medina para o investimento em habitação pública, o candidato socialista fala longamente das casas construídas, distribuídas, das que estão em projeto e em estudo. Fala do conturbado processo de licenciamento, no falhanço da meta (que agora é mais controlada), do exemplo europeu de política da habitação a que aspira e também de um buraco negro neste sei programa de renda acessível: não há fiscalização depois da atribuição das casas.
O sonho é Amesterdão. No terraço do prédio que está a ser construído de raiz mesmo ao lado do famoso bloco de edifícios da EPUL, construídos em 2008, Medina está de colete reflector e capacete e pó de obras por todo o lado e vai desfiando projetos e projetos, bolinhas pequenas e maiores no mapa de Lisboa que aponta e explica detalhadamente cada um. Fala no exemplo holandês: “Amesterdão tem 42% dos fogos com condicionamento de rendas”. Em Lisboa, “não há um número mágico, mas tem de chegar a ser significativo”, assume. E isto quando o objetivo é ter “impacto nos preços do mercado”, coisa que não acontecerá tão rapidamente já que do total de 330 mil fogos de Lisboa, a CML conta ter 20 mil seus para o ano, uma gota de 6% no oceano. Quando chegar aos 10 mil, Medina diz que o tal impacto no mercado começará a acontecer.
Entretanto, espera que, até ao final do ano, possa começar a entregar as primeiras casas, a rendas acessíveis, das 128 que estão naquele primeiro bloco (são quatro e ao todo serão 476 casas, um jardim, área comercial e uma creche). Num programa bem diferente do que está ali ao lado, da EPUL, e que hoje já não tem praticamente a morar os proprietários originais.
O candidato e presidente da CML lembra que nos tempos em que foram construídos “era construção para vender, com o apoio da CML sobre o preço dos terrenos que depois revertiam para o proprietário”. O que aconteceu foi que as casas acabaram por serem vendidas, alugadas ou colocadas no mercado de alojamento local. E se os preços de compra foram abaixo do de mercado, os praticados no negócio que se seguiu já não o eram. “Aqui não será assim”, garante Medina.
Os concorrentes têm de cumprir várias condições, que cruzam rendimentos com o número de pessoas no agregado familiar, e a taxa de esforço de referência, para o cálculo da renda, é de 30%. O contrato é sempre de arrendamento e revisto a cada cinco anos para verificar se as pessoas se mantêm dentro do mesmo patamar de rendimentos, caso seja diferente, a situação muda. Ao fim de 75 anos de concessão, a propriedade dos edifícios passa para a CML, não passa para os privados.
Mas como vai controlar que as casas distribuídas por sorteio para as rendas acessíveis não acabam no mercado paralelo a preços bem mais elevados? Ainda não se sabe. Já há casas distribuídas ao abrigo deste programa, no entanto, “ainda não está montada uma equipa de fiscalização do sistema. Mas a questão tem de ser resolvida”, responde Medina ao Observador. Por agora só mesmo a pressa em dar a chave a quem se candidatou e teve casa atribuída, foram cerca de 500 até aqui, muito abaixo das 6 mil prometidas pelo socialista há quatro anos. “Nos edifícios grandes haverá um zelador para controlar as situações”, detalha Inês Ucha, a presidente do conselho de administração da SRU faz parte da lista de Medina e que o candidato aponta como futuro responsável por este tipo de obras.
A litigância, queixa-se o autarca, é o maior inimigo do avanço destes projetos. Depois há a fiscalização do Tribunal de Contas que Medina já criticou amplamente. A experiência destes anos leva-o a ser mais contido nas promessas para o mandato a que se candidata: “A expectativa é ter 5 mil atribuídas ao longo do mandato”. Como garante que desta vez é que é? Agora muitas destas casas prometidas já estão em obra. Quanto ao retorno, Medina garante que começa a acontecer assim que a Câmara recebe rendas e Inês Lobo, que é a número dois da sua lista, acrescenta ao Observador que os espaços comerciais existentes em alguns dos condomínios que estão a ser criados são essenciais para esta receita, tendo em conta que a renda praticada aí já será aos preço de mercado.
Os “cérebros” e os “descontozinhos” de Moedas
É o programa que Medina mais tem apontado à cabeça das suas políticas e particularmente quando quer atingir a direita na disputa pelo eleitorado de classe média. A Carlos Moedas, seu adversário mais direto nessa frente, o candidato do PS acusa ter apenas como plano alternativo a este programa “propor-se dar uns descontozinhos às famílias”. “Tantos meses e tantos cérebros a pensar e ainda não conseguiu dar resposta ao problema de habitação” em Lisboa, atirou ao social-democrata a meio da iniciativa de campanha onde mostrou obra da CML.
Isto tudo no mesmo terraço. Depois seguiu num do mini-autocarros descapotáveis da sua candidatura até à Avenida Estados Unidos da América, visitou o andar modelo de um dos dois prédios, que totalizarão 96 casas também para arrendamento acessível, e que estão também em obra. Subiu pala escada de serviço até ao primeiro andar, mas quis ir ao último andar ver a vista. Doze andares (por agora) sem elevador que o candidato galgou para sublinhar a localização privilegiada do edifício, face às rendas que serão cobradas a quem calhar com a casa em sorte.
É um programa de que Medina se tem gabado nesta campanha — e que tem sido muitas vezes abordado com casos concretos de problemas de habitação pela cidade, de jovens e idosos — e que não gosta que ninguém reclame para si. Aliás, foi por isso que na segunda-feira, num comício ao fim do dia em Arroios, se atirou ao Bloco de Esquerda que colocou o pé, em campanha. num dos edifícios puxando a si alguns dos louros. É tema que transtorna o socialista que nesse comício disparou sem apelo nem agravo sobre a esquerda: “Não teria havido uma única casa de rendas acessíveis se o PS não tivesse ganhos as eleições”.
E esta terça-feira, no terraço de uma das obras que quer associadas à sua gestão da CML, cravou fundo a diferença para o BE nesta matéria. Diz que ao contrário do partido liderado por Catarina Martins “não tem nenhum dogma” e é que isso mesmo que o “afasta do Bloco. Não tenho preconceitos”. Medina é contra deixar os privados fora disto e que a concessão a privados “tem virtudes”. O argumento distancia-o da esquerda e, mais uma vez, pisca o olho ao centro.