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ANA MOREIRA/OBSERVADOR

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Metro, garagens, grutas e bunkers. Num hipotético ataque a Lisboa, quais seriam os possíveis abrigos?

O metro de Lisboa tem uma lista das 12 estações com condições para abrigar pessoas no caso hipotético de uma guerra. Mas estas não seriam as únicas opções. Há estacionamentos, grutas e minas.

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Os quatro lanços de escadas rolantes e os degraus da escadaria que ainda é preciso descer até chegar ao nível do cais não deixam dúvidas de que a estação de metro da Baixa-Chiado tem uma marca distintiva das outras: é a mais profunda de toda a rede de Lisboa — pelo menos, enquanto não ficam concluídas as obras da futura estação da Estrela. E, por isso, os 38,75 metros de profundidade da Baixa-Chiado poderiam ser a opção mais segura para abrigar parte da população da cidade, caso a capital se tornasse um palco de guerra. Na Ucrânia, também as estações de metro foram convertidas em pontos de abrigo numa capital assolada pelos bombardeamentos russos, à semelhança aliás do que aconteceu em Londres na II Guerra Mundial. Porém, a estação de BaixaChiado não se compara à de Arsenalna, no centro de Kiev, construída 105 metros abaixo do nível do solo, que a tornam a mais profunda do mundo.

Mas os lisboetas não estariam reduzidos a esta hipótese: a população poderia abrigar-se em estacionamentos e até em grutas e minas abandonadas em redor da capital. Portanto, as opções de refúgio no espaço subterrâneo de Lisboa não são assim tão limitadas. Só que é difícil saber quão seguro cada um desses locais poderia, na realidade, ser. Especialmente num cenário em que fosse usado armamento capaz de penetrar o solo, uma vez que as informações sobre a profundidade do impacto que determinados mísseis podem alcançar são confidenciais — essa informação detalhada está na posse dos fabricantes de armamento militar e das forças que as utilizam no terreno.

De qualquer maneira, as estações e os túneis do metro de Lisboa “seriam sempre um recurso possível para efeitos de abrigo”, no caso hipotético de um bombardeamento, defende, em conversa com o Observador, o ex-bastonário da Ordem dos Engenheiros, Carlos Mineiro Aires (que cessou funções no dia 31 de março). “Os locais teriam de ser criteriosamente escolhidos, obviamente a par com as entidades militares e proteção civil”, considera o ex-bastonário, que também já foi presidente da empresa que gere o metro na capital. Não é possível determinar a que profundidade exata uma infraestrutura teria de ser construída para garantir a total segurança de quem aí procurasse abrigo. “Depende da arma utilizada, da capacidade de precisão, do tipo de terreno onde se dá o impacto”, diz ao Observador fonte do Exército, acrescentando: “Estamos no âmbito das probabilidades. Por isso, as estações mais profundas são já um bom sinal de proteção“.

O Metropolitano de Lisboa tem uma lista das 12 estações “mais profundas” da rede, locais que, garante a empresa, “têm condições para abrigar pessoas” — embora Lisboa não esteja minimamente na iminência de ser cenário de uma guerra. “Mas a avaliação terá sempre de ser feita pelos responsáveis de segurança e proteção civil”, ressalva também fonte do Metro, numa resposta enviada por escrito ao Observador. Nessa lista, a estação com maior profundidade é a da Estrela, que “está neste momento em início de construção, no âmbito da criação da linha circular”, e “terá uma profundidade de cerca de 54 metros” — quase correspondente aos cerca de 50 metros de altura do Padrão dos Descobrimentos. “Após a sua abertura, passará a ser a mais profunda da rede, quer a nível de estações quer a nível de troços dos túneis do metro”, acrescenta a mesma fonte.

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Eis algumas das estações mais fundas da rede do metro:

É preciso descer 19,95 metros para se chegar ao cais da estação do Saldanha, o que faz dela a penúltima na lista de estações mais profundas — seguida da estação do Aeroporto com menos um metro.
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Junto ao Marquês de Pombal, uma zona turística e central de Lisboa, a estação do Parque tem 24,65 metros de profundidade. É a sexta mais funda.
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Numa zona mais periférica da cidade, o cais da estação do Olivais tem 28,65 metros de distância até ao solo.
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Chegamos então à estação mais funda da cidade, com 38,75 metros de profundidade — um salto de mais de 10 metros em relação à anterior, dos Olivais.
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Mas em 2023, quando a estação da Estrela estiver concluída, será preciso descer vários lances de escadas para se percorrer os 54 metros de profundidade que terá a estação.
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A estação da Estrela só deverá estar concluída no próximo ano. Por isso, imaginando que um conflito armado deflagrava no imediato, a estação da Baixa-Chiado seria a opção mais segura. Com 28,65 metros de profundidade, a estação dos Olivais também se enquadra na lista de abrigos possíveis. Seguem-se a estação da Ameixoeira e da Encarnação — ambas acima dos 25 metros de profundidade. Depois, o Parque, a futura estação de Santos, Rato e Moscavide — com mais de 20 metros do cais até ao solo. As últimas três da lista — Terreiro do Paço, Saldanha e Aeroporto — situam-se na linha dos 18,95 metros. No entanto, o engenheiro civil Tiago Abecassis, faz um alerta em relação à “estação do Terreiro do Paço, onde o túnel passa à beira rio”. “Se destruíssem [as fundações daquela estrutura], ela seria inundada“, explica.

As 12 estações mais profundas do metro de Lisboa

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  1. Estrela – 54,00 metros (ainda em construção)
  2. Baixa/Chiado – 38,75 metros
  3. Olivais – 28,65 metros
  4. Ameixoeira – 28,40 metros
  5. Encarnação – 25,45 metros
  6. Parque – 24,65 metros
  7. Santos – 24,00 metros (ainda em construção)
  8. Rato – 23,15 metros
  9. Moscavide – 21,95 metros
  10. Terreiro do Paço – 19,95 metros
  11. Saldanha – 19,95 metros
  12. Aeroporto – 18,95 metros

Metropolitano de Lisboa

Desde os primeiros dias da guerra, começaram a chegar da Ucrânia imagens de pessoas abrigadas nas estações no metro. Afinal, completada nos anos 60, quando a Ucrânia ainda fazia parte da União Soviética, a rede de túneis e estações foi construída também com este propósito — o de servir de abrigo durante a Guerra Fria —, especialmente as estações localizadas no centro de Kiev, de acordo com uma reportagem da revista norte-americana Quartz.

Kyiv residents sheltering in metro stations for 1 month due to Russian attacks World's deepest station Arsenalna Kyiv residents sheltering in metro stations for 1 month due to Russian attacks Kyiv residents sheltering in metro stations for 1 month due to Russian attacks

Com 105 metros de profundidade, muitos ucranianos se abrigaram na estação de Arsenalna, no centro de Kiev (Metin Aktas/Anadolu Agency via Getty Images)

Anadolu Agency via Getty Images

Em Portugal, “as áreas das estações e os corredores de acesso têm uma capacidade limitada” e, por isso, poderia ser necessário utilizar a área dos túneis que fazem a ligação entre estações para ali abrigar a população, admite o ex-bastonário dos Engenheiros. Só que “os comboios são alimentados por um terceiro carril, que está ao nível dos outros e que está eletrificado, com uma tensão elevada”, representa um óbvio risco para a segurança física daquelas pessoas que ali se pudessem concentrar.

Mas mesmo esse obstáculo seria de resolução relativamente simples. Desde logo, “obrigaria a desativar a operação do metropolitano”. Depois, “bastaria colocar placas de madeira em cima dos carris” para poder instalar mais algumas centenas de pessoas na área do túnel, sugere Carlos Mineiro Aires. Além disso, “implicaria sempre que o terceiro carril, que alimenta a energia, estivesse desligado”. Dessa forma, seria possível, em tese, aumentar significativamente o espaço disponível para abrigar parte da população lisboeta.

Questão diferente é saber se aqueles túneis, serpenteando a algumas dezenas de metros sob o solo da capital, seriam a opção mais segura contra outro tipo de ataques — porque, como se tem observado em Kiev, é necessário acautelar outras ameaças numa situação de conflito bélico, sobretudo se as regras convencionadas para as situações de guerra foram ignoradas. “Basta [os potenciais agressores] colocarem numa das entradas uma bomba química ou um gás químico e o metro torna-se uma ratoeira“, ressalva o engenheiro civil Carlos Mineiro Aires.

Por outro lado, a rede de metro dispõe de comunicação direta entre as várias estações. Quer isto dizer que, “caso as entradas de uma estação ficassem bloqueadas devido a uma explosão”, o túnel do metro seria uma possível “via de fuga” para as pessoas ali abrigadas, explica ao Observador fonte da Proteção Civil.

Parques de estacionamento (como o do El Corte Inglés) são solução. Mas teriam de ser identificados para evitar “morte coletiva”

Além da solução mais óbvia, a do metro, existiria também a possibilidade de usar parques de estacionamento subterrâneos, quer públicos quer privados, para abrigar a população — à semelhança daquilo que os ucranianos também têm feito em Kiev. No centro da capital ucraniana, por exemplo, o hotel Radisson Blu ofereceu abrigo aos cidadãos, segundo relatava uma reportagem da Euronews de final de fevereiro. A garagem deste hotel de quatro estrelas encheu-se de pessoas embrulhadas em cobertores e camas e mesas improvisadas, instaladas entre os carros. Casos como este multiplicaram-se.

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Um garagem de um bloco de apartamentos em Kiev utilizada pelos moradores como abrigo, no início de março (Chris McGrath/Getty Images)

Getty Images

Estes parques de estacionamento — ou, pelo menos, o piso mais baixo – devem estar a “uma determinada profundidade” para que “não sejam facilmente destruídos pelas soluções ofensivas de que dispõem hoje estes exércitos, nomeadamente mísseis e bombas com grande capacidade de destruição e penetração”, explica o ex-bastonário. Mas quantos metros de profundidade um parque de estacionamento teria de ter para garantir que as pessoas abrigadas naquele local sobreviveriam a um eventual bombardeamento?

Avançar com um número é difícil, dado também que é praticamente impossível saber a capacidade de penetração das armas. Em vez disso, o engenheiro civil Carlos Mineiro Aires prefere dar exemplos: “Basta, desde logo, pensar no parque de estacionamento do El Corte Inglés”, na freguesia das Avenidas Novas. Naquele caso, é necessário percorrer uma longa e estreita descida em caracol só para chegar ao primeiro piso abaixo do nível do solo. Depois, há mais três pisos em níveis inferiores (num total de quatro abaixo do nível do solo).

Aliás, o metro de São Sebastião tem uma saída com acesso direto ao centro comercial que fica acima do piso -1 do estacionamento. “Se as pessoas forem para o último piso [o mais baixo], basta imaginar a profundidade a que aquilo está e quantas cabem ali. No [centro comercial] Amoreiras também há uma capacidade imensa“, exemplifica ainda Carlos Mineiro Aires.

Partindo do princípio de que “cada piso de um parque de estacionamento tem cerca de três metros de altura” — e, consequentemente, o do parque do El Corte Inglés poderá chegar a cerca de 12 metros abaixo da superfície —, o engenheiro civil e especialista em estruturas Tiago Abecassis admite que essa seria uma solução a ter em conta: os parques de estacionamento com vários pisos subterrâneos podem servir de abrigo, “se as pessoas se instalarem no piso mais baixo”, refere, em declarações ao Observador.

“Basta desde logo pensar no parque de estacionamento do El Corte Inglés. Se as pessoas forem para o último piso, basta imaginar a profundidade a que aquilo está e quantas cabem ali. No [centro comercial] Amoreiras também há uma capacidade imensa“
Carlos Mineiro Aires, Bastonário da Ordem dos Engenheiros

Seja como for, o ex-bastonário da Ordem dos Engenheiros alerta para que, num eventual bombardeamento de Lisboa, teriam de “ser selecionados os parques que têm uma segurança eficaz” e avaliados “aqueles que podem constituir uma ameaça de morte coletiva” — devido aos riscos que, como espaços de acesso condicionado, também comportam. No fundo, aquilo que o ex-presidente do Metro destaca é a necessidade de reunir informação para cenários de crise para que, depois, esses dados pudessem ser divulgados publicamente. Foi o que fizeram, aliás, alguns países bálticos que, já no contexto da guerra na Ucrânia, tornaram públicos mapas com a indicação dos locais seguros em cada bairro de cada cidade, para o caso de, na eventualidade de um bombardeamento, a população pudesse reagir com rapidez e eficácia.

Carlos Mineiro Aires centra por momentos a atenção nos parques de estacionamento privados, que considera “possibilidades reais” para o abrigo da população — mas que, mais uma vez, obrigariam a um levantamento preventivo feito de forma cuidada e atempada. “Há parques grandes [em Lisboa]. Mas, se isto não for identificado pelas autoridades, se por acaso o edifício ruísse e não se soubesse que o estacionamento [estava a servir] de abrigo, as pessoas [correriam] o risco de ficar ali. Ninguém vai adivinhar que estão lá. Tudo isto tem de que ser articulado com autoridades e não pode ser tomado por própria iniciativa do condomínio ou dos moradores. Não comunicar é poder estar a criar uma situação de ainda mais elevado risco”, alerta o antigo bastonário dos advogados.

Grutas e depósitos de água. “É preciso é garantir que as pessoas têm o que comer e beber e condições para sobreviver”

Num cenário que o engenheiro civil Carlos Mineiro Aires descreve como “mais alargado e mais cruel”, ainda “resta” outra eventual solução, caso fosse necessário abrigar parte da população de Lisboa (sendo certo que muito dificilmente seria possível garantir abrigo a cada um dos habitantes da capital). O antigo bastonário refere-se a grutas e a minas abandonadas. “Existem grutas, nomeadamente na proximidade de Lisboa. Também existem minas que já não estão em exploração, mas que são seguras para quem pretendesse procurar abrigo no interior”, detalha ao Observador, ressalvando que “tudo isto teria de ser criteriosamente pensado, porque existe o risco de, por hipótese, uma bomba tapar a entrada”. Mais uma vez, isso acabaria por representar “mais um problema do que uma solução”.

A lista prossegue: depósitos de água enterrados, integrados em infraestruturas antigas, as cisternas dos castelos ou em habitações também surgem como possibilidades enumeradas pelo ex-bastonário da Ordem dos Engenheiros. “Antigamente, era um hábito recolher a água da chuva para a guardar durante o ano. E existem muitas identificadas, existem outras que até foram enterradas por questões de segurança”, explica ao Observador.

Defesa anti-aérea na cidade de Kiev. A Rússia, a mando do seu presidente, Vladimir Putin, invadiu a Ucrânia no passado dia 24 de fevereiro de 2022. Kiev, Ucrânia, 18 de março de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR Defesa anti-aérea na cidade de Kiev. A Rússia, a mando do seu presidente, Vladimir Putin, invadiu a Ucrânia no passado dia 24 de fevereiro de 2022. Kiev, Ucrânia, 18 de março de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR Defesa anti-aérea na cidade de Kiev. A Rússia, a mando do seu presidente, Vladimir Putin, invadiu a Ucrânia no passado dia 24 de fevereiro de 2022. Kiev, Ucrânia, 18 de março de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Defesa anti-aérea na cidade de Kiev (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

É preciso é que “haja logística associada — e a logística é um problema grave”, considera o ex-bastonário da Ordem dos Engenheiros. Ou seja, “garantir que as pessoas têm o que comer e beber e que têm condições para sobreviver durante algum tempo num ambiente isolado”, remata.

Características das armas para destruição de estruturas enterradas são confidenciais. “Países que as têm é que sabem o que elas podem fazer”

O ex-bastonário dos engenheiros não considera que Lisboa esteja propriamente desprovida de soluções para abrigar a população, num eventual cenário de ataque sobre a cidade — apesar de Portugal não viver na iminência de uma guerra como a aquela que assola a Ucrânia desde o final de fevereiro. Até porque, segundo considera uma fonte da Força Aérea em declarações ao Observador, “para bombas normais, qualquer infraestrutura é válida, desde que seja [construída] debaixo de terra”.

“A maioria das instalações civis tem uma capacidade de proteção para a grande maioria das armas convencionais”, explica ao Observador fonte do Exército especializada em armamento pesado. Mas, ressalva a mesma fonte, “para as armas de penetração, é muito mais difícil” encontrar locais garantidamente seguros. E vai mais longe: “Todas as infraestruturas civis que existem em todo o mundo — como o metro, por exemplo — não são verdadeiramente vocacionadas para proteger contra armas específicas para a destruição de estruturas enterradas”.

"A maioria das instalações civis têm uma capacidade de proteção para a grande maioria das armas convencionais, mas para as armas de penetração, é muito mais difícil"
Fonte do Exército

Ou seja, infraestruturas como o metro protegem contra “armas que são usadas com a finalidade de provocar deslocação de ar, ou seja, armas explosivas”; e também garantem proteção contra “armas com capacidade de provocar estilhaços”, adianta a mesma fonte. Depois, há ainda um tipo de armas usadas com uma única finalidade: penetração no solo. E as características destas armas “não são conhecidas do público em geral, porque estão sujeitas à confidencialidade daquilo que são os seus fabricantes“, explica fonte do Exército ao Observador. Ou seja, “os países que as têm e que as usam é que sabem o que elas podem fazer“. Nomeadamente, a profundidade que podem atingir ou a que profundidade a população tem de se abrigar para ficar em segurança.

Este tipo de armamento tem uma vantagem do ponto de vista defensivo: “São extremamente localizadas. A zona de impacto tem de ser muito reduzida em termos dos efeitos que pretende. Ou acerta mesmo no abrigo ou, se acertar ao lado, não faz efeito“, refere fonte do Exército. Portanto, um míssil até poderia, em tese, ter capacidade para penetrar 50 metros no solo, mas se não acertar na zona exata do abrigo, não produz o efeito pretendido. No entanto, os mísseis têm uma característica: “Podem não penetrar muitos metros no solo, mas a explosão e a área de deslocação de massa pode provocar estragos muito mais profundos”, acrescenta a mesma fonte. Nestes casos, a destruição que fazem “é suficiente para um abrigo desabar”.

Nos bunkers de Monsanto, não cabe sequer um bairro lisboeta. O objetivo também não é esse: serve de comando da Força Aérea

O que Lisboa não tem são bunkers que possam ser utilizados pela população — pelo menos, não existe informação pública e sistematizada a esse respeito. O Observador questionou a Câmara Municipal de Lisboa sobre se existem algumas destas estruturas na capital, mas a autarquia não respondeu às perguntas feitas. A existirem, não terão certamente a dimensão, em quantidade e capacidade, dos da cidade de Kiev. Na Ucrânia, o número destas infraestruturas é de tal ordem que a autarquia de Kiev divulgou um mapa com cerca de três mil locais — incluindo parques de estacionamento e 47 das 52 estações de metro de Kiev — onde a população se podia abrigar perante a ameaça de um ataque russo.

[Mapa dos abrigos para a população existentes na cidade de Kiev]

Não era sequer expectável que a capital portuguesa tivesse uma infraestrutura como a de Kiev (e de outras cidades ucranianas), uma vez que nunca esteve na iminência de uma guerra como a que a Ucrânia trava há sete semanas. Aliás, a maioria das caves com maior profundidade, parques de estacionamento e bunkers foram construídos no período da Guerra Fria (que durou até 1991), numa altura em que a Ucrânia ainda fazia parte da União Soviética.

O ex-bastonário da Ordem dos Engenheiros acredita que “existirão obviamente proteções para fins militares e para proteção das autoridades”. “É natural que exista na Presidência da República e existirá também noutros sítios. Mas têm uma capacidade limitada porque Portugal, felizmente, nunca teve de pensar nesses assuntos, porque nunca esteve envolvido em guerra nem nunca esperou que fosse atacado por alguém”, adianta o engenheiro civil Carlos Mineiro Aires, a pensar nos conflitos bélicos mais impactantes das últimas décadas em território europeu.

Russian Air Strikes Hit Shopping Mall In Kyiv Chairs and blankets were placed in an underground sports UKRAINE RUSSIA CRISIS Um Bunker em Lviv, na Ucrânia. A Rússia, a mando do seu presidente, Vladimir Putin, invadiu a Ucrânia no passado dia 24 de fevereiro de 2022. Lviv, Ucrânia, 1 de março de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Cave de um prédio, área de desporto subterrâneo de uma escola e cave de uma maternidade servem de abrigo em Kiev. Na última foto, bunker no centro histórico de Lviv (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

Getty Images

Da informação pública que existe, há um bunker na cidade de Lisboa: um bunker da Força Aérea, em Monsanto — mas que “não é para abrigar a população de Lisboa, nem sequer a população de um bairro: não cabem lá tantas pessoas”, disse ao Observador fonte da Força Aérea, lembrando que se trata de “um bunker com fim específico: servir de comando”. “Quando falamos de um bunker que é um comando [militar], [estamos a pensar num espaço] para um número limitado de pessoas“, remata.

Janela com vista para o míssil que meteu medo a Kiev: o ataque ao maior centro comercial da capital visto pelos vizinhos do prédio em frente

Então, que estrutura é esta, afinal? Depois da criação da Força Aérea, no início dos anos 50, surgia em 1960 o Centro de Operações de Defesa Aérea em pleno Parque Florestal de Monsanto. Depois de diversas reestruturações que se seguiram, em 1978 é criado o Projeto SICCAP (Sistema Integrado de Comando e Controlo Aéreo de Portugal), que “permitiu implementar, de raiz, e pela primeira vez no espaço europeu, o conceito e arquitetura ACCS (Air Command and Control System), que consiste na utilização de centros de operações com capacidade para desenvolver funções de planeamento, seguimento e controlo tático dos meios defensivos, ofensivos e de apoio, quer em tempo de paz quer em tempos de tensão ou guerra”, segundo é explicado no site da Força Aérea.

“[O bunker de Monsanto não é para abrigar a população de Lisboa, nem sequer de um bairro: não cabem lá tantas pessoas. É um bunker com fim específico: um comando. Quando falamos de um bunker que é um comando é para um número limitado de pessoas“
Fonte da Força Aérea

Foi a ativação da vertente de comando e controlo em 1999 que “permitiu a fácil ativação do Combined Air Operations Centre 10“, um centro de operações aéreas da estrutura militar da NATO, que aproveitou as instalações já existentes, e que foi desativado em 2013 no âmbito de nova reestruturação dos Comandos Militares da NATO, explica a Força Aérea no site. Agora, as estruturas funcionam como Centro de Operações Aéreas.

[Mapa do Centro de Operações Aéreas, em Monsanto]

Há poucas — ou quase nenhumas — informações sobre os bunkers que existem nesta estrutura: a dimensão, a capacidade, a localização exata ou o momento exato em que foram construídos. O Observador questionou a Força Aérea oficialmente e não obteve qualquer resposta. Mas, em 2016, o jornal Sol publicava uma reportagem sobre estas instalações, as únicas do país que poderiam garantir a sobrevivência em ataques NBQ (Nuclear, Biológicos e Químicos), lia-se. Nestes espaços subterrâneos — um deles é o centro de comando e controlo e o outro é onde estão as estruturas de apoio, como quartos —, só se entra depois de se passar pelo controlo humano, por diversos sensores (como sensores biométricos) e câmaras, escrevia o SOL, adiantando que as portas (exteriores e as que ligam os dois espaços subterrâneos) só abrem com um cartão de acesso.

Pelo menos 40 pessoas poderiam sobreviver um mês no interior destas estruturas, tendo em conta os mantimentos de que dispõe, nomeadamente comida enlatada. No entanto, alertava o jornal, numa situação planeada, podia pensar-se noutras soluções, que permitissem acolher mais pessoas durante mais tempo.

Proteção Civil ficaria subordinada à Defesa Nacional. “Os fogos têm de ser apagados, os feridos têm de ser socorridos”

Basta percorrer a página da Proteção Civil para encontrar variados planos de contingência para sismos, tendo em conta que Portugal se situa numa zona sísmica. O mesmo não se pode dizer em relação a planos de contingência para guerras. “Existem planos [de contingência] no contexto da Aliança Atlântica, mas os planos são um bom elemento que raramente encaixa na realidade“, defende fonte da Força Aérea ao Observador.

Arredores de Kiev na manhã de 14 de março em que foram bombardeados pelas tropas russas (JOÃO PORFÍRIO)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Segundo explicou o Ministério da Defesa ao Observador, num cenário de estado de guerra, “a organização do país enquadrar-se-ia nos princípios consagrados pela Constituição da República Portuguesa e pela Lei de Defesa Nacional“. “Em estado de guerra, os órgãos competentes adotam todas as medidas necessárias e adequadas para a condução da guerra, nomeadamente através da disponibilização de todos os recursos necessários à Defesa Nacional e às Forças Armadas para preparar e executar as ações militares, bem como para o restabelecimento da paz”, lê-se no esclarecimento. Mais: em caso de guerra, a Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas prevê que o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas exerça o comando operacional das forças de segurança.

Como é viver em Kiev ao lado dos prédios atingidos pelos russos? Reportagem dos enviados especiais do Observador

A Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) não tem nenhum plano para a guerra — como existe para sismos ou cheias. “Em situação de guerra, a própria Proteção Civil subordina-se às leis militares, embora os planos e procedimentos da Proteção Civil continuem a aplicar-se todos”, explica fonte do Ministério da Administração Interna ao Observador. Neste caso, os procedimentos do Plano Nacional de Emergência da Proteção Civil seriam aplicados, mas noutro contexto — o de uma eventual guerra — e com a diferença de que a ANEPC subordinar-se-ia à Defesa Nacional.

"Há uma parte da guerra que é a gestão das consequências que continua a ter que ser feita pelos mesmos atores que os fazem em circunstâncias normais: os fogos têm de ser apagados, os feridos têm de ser socorridos. A guerra no fundo é uma catástrofe. Uma situação dessas seria de tal forma extrema que a Proteção Civil teria de utilizar todos os mecanismos que tem à disposição”
Fonte do Ministério da Administração Interna

“Ou seja, há uma parte da guerra, que é a gestão das consequências, que continua a ter que ser feita pelos mesmos atores que o fazem em circunstâncias normais: os fogos têm de ser apagados, os feridos têm de ser socorridos”, diz a mesma fonte, acrescentando: “A guerra no fundo é uma catástrofe. Uma situação dessas seria de tal forma extrema que a Proteção Civil teria de utilizar todos os mecanismos que tem à disposição.”

Edifícios de Lisboa estão mais preparados para um sismo. Mas “não há engenharia possível” para resistirem a uma bomba

É difícil prever a consequências de uma guerra para a cidade de Lisboa. A resistência das estruturas ditas de superfície — prédios, em termos mais genéricos — tem evoluído no sentido de resistir a um sismo, mas não a bombardeamentos. “A cidade de Lisboa tem um edificado que se pode dividir em duas datas. A partir dos anos 60/70 começou a haver uma preocupação em dimensionar as estruturas para situações sísmicas. Portanto, o edificado novo está razoavelmente dimensionado para o sismo. Os edifícios novos têm sido construídos já com outras exigências e portanto tudo isso visa minimizar os danos no caso de existir um sismo. O edificado antigo está completamente exposto a ficar numa ruína completa”, explica ao Observador Carlos Mineiro Aires.

E conclui, sempre a pensar na estrutura edificada acima do nível do solo: “Se nós puxarmos isto para um cenário de guerra, só pelas imagens que todos os dias vemos, percebe-se que nada resiste ao poder de destruição que tem a sofisticação daquelas bombas”.

Reportagem num centro comercial que foi bombardeado a poucos quilómetros do centro da cidade que é capital da Ucrânia. Estão confirmados oito mortos. A Rússia, a mando do seu presidente, Vladimir Putin, invadiu a Ucrânia no passado dia 24 de fevereiro de 2022. Kiev, Kyiv, Ucrânia, 21 de março de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR Reportagem num centro comercial que foi bombardeado a poucos quilómetros do centro da cidade que é capital da Ucrânia. Estão confirmados oito mortos. A Rússia, a mando do seu presidente, Vladimir Putin, invadiu a Ucrânia no passado dia 24 de fevereiro de 2022. Kiev, Kyiv, Ucrânia, 21 de março de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Vários edifícios de Kiev destruídos na sequência de bombardeamentos (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

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Sismos e bombas “são agressões aos edifícios completamente distintas”, lembra o engenheiro civil Tiago Abecassis ao Observador, exemplificando: “Se quiser destruir uma ponte, a ponte sobre o Tejo, com uma bomba, basta destruir uma daquelas torres” que servem de sustentação ao tabuleiro. “Com um explosivo que corte a base de uma das torres, a ponte cai toda, e num sismo não: a terra treme e, pelo contrário, se as torres forem flexíveis, podem adaptar-se a esses movimentos”. O engenheiro reconhece que “Lisboa tem muitas construções preparadas para resistir ao sismos”. No entanto, considera: “Daí não podemos tirar conclusão nenhuma para a resistência a uma bomba.”

Aliás, Carlos Mineiro Aires defende que “um edifício construído para resistir um sismo não resistiria a uma bomba”. “O explosivo que cai ou tenha impacto no sítio exato fará ruir o edifício. Para o impacto de explosivos cada vez mais sofisticados, não há engenharia possível.

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