Sol quente, cheiro a choco frito no ar, camarão cozido nos pratos, cerveja nos copos, panfletos, beijos, bacalhaus e selfies para distribuir. João Cotrim Figueiredo vai circulando entre as mesas corridas dispostas no Passeio das Dunas para mais uma edição de “Petiscos do Pescador”, com o empenho de um noivo no dia do casamento. Ao sexto dia oficial de campanha, o candidato da Iniciativa Liberal teve o seu primeiro mergulho numa multidão e superou o teste sem grande dificuldade. A marca Cotrim funciona e faz falta à Iniciativa Liberal. Aparentemente, pelo menos.
Quarteira é uma festa e ninguém quer de ser desmancha prazeres. Toda a gente gosta de Cotrim e Cotrim gosta de toda a gente. A não ser uma comensal, que, com um panfleto da Aliança Democrática à frente e outro da Iniciativa Liberal, foge ao guião e pergunta de caras: ‘Porquê Cotrim e não Bugalho’? O liberal, que trata sempre por ‘tu’ com quem se cruza, devolve de chofre: “Quem é que achas que tem mais capacidade de influenciar e de exercer uma influência maior?”. A pergunta era retórica, o esforço de Cotrim é evidente: na entrada para a segunda e decisiva semana de campanha eleitoral, o liberal vai tentar forçar o apelo ao voto e impedir que Sebastião Bugalho engula a IL.
Em cima do palco gigante que horas mais tarde receberá os quadragenários “Iris”, os artistas de serviço, os “Tokisom”, entusiasmam a plateia com os incontornáveis sucessos da música popular portuguesa. A plateia e também o candidato, que, num súbito assomo de energia, agarra uma senhora de proveta idade e, depois de umas quantas voltas a dançar à roda, levanta-a no ar ao som de “Ai Mexe Mexe Que É Bom”, de José Malhoa. Depois de um arranque de campanha algo tímido, a campanha da IL começa, de facto, a mexer.
Para lá de toda a parte performativa, o acelerar de ritmo vê-se sobretudo nas intervenções políticas. O cabeça de lista da IL aproveitou as últimas 48 horas para pressionar Sebastião Bugalho e forçar o confronto com o candidato da Aliança Democrática. Depois de ter dito que o independente não percebia nada de empresas e depois de ter oferecido um livro de iniciação à Economia, Cotrim começou a orientar o discurso para o apelo ao voto dos arrependidos — sobretudo aqueles eleitores que tendo votado AD nas últimas legislativas já terão percebido que as promessas de um mundo novo eram infundadas.
À noite, já depois do jantar com militantes e simpatizantes, foi precisamente essa a nota dominante do discurso de Cotrim Figueiredo: um apelo direto ao voto dos “arrependidos de março”. Num discurso relativamente curto — como têm sido todos –, o liberal falou para todos os segmentos eleitorais que alimentam o partido, mas fez questão de se focar especialmente na Aliança Democrática. Em primeiro lugar, porque o Governo de Luís Montenegro já provou ser de “meias-tintas” não ter “ímpeto reformista” e, em segundo lugar, porque as escolhas que o líder da AD faz vão no mesmo sentido: a manutenção do estado de coisas.
“Luís Montenegro preferiu apostar na aparente juventude em vez da substância. Temos um candidato meias-tintas”, apontou o cabeça de lista da Iniciativa Liberal, antes de dizer que era de um “simbolismo bacoco” incluir o Direito à Habitação na Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia. “Se Sebastião Bugalho se deixou capturar pela máquina do PSD, não se deixará capturar pela máquina do PPE? Está na hora de votar na IL”, provocou João Cotrim Figueiredo. Até ver, o liberal tem sido olimpicamente ignorado pelo candidato da AD. Resta saber até quando Cotrim vai resistir a dançar sem par.
O livro para Bugalho e os siameses PCP e Chega
Os liberais não gostaram que se tivesse instalado a ideia de que existia uma espécie de pacto de não agressão entre os dois candidatos. Na verdade, é um facto compreendido por todos de que AD e IL partilham eleitorado e que um bom resultado dos liberais está, em parte, dependente da necessidade de reconquistar alguns dos eleitores que fugiram para Luís Montenegro nas últimas eleições legislativas. Ao mesmo tempo, até aqui, a tática pensada para esse efeito era não hostilizar esses eleitores e esperar que a marca Cotrim fizesse o resto. Nas últimas 48 horas, ainda assim, a música foi outra.
Esta manhã, João Cotrim Figueiredo aproveitou uma visita à Feira do Livro de Lisboa para voltar a sugerir que Sebastião Bugalho não domina aspetos fundamentais nem tem conhecimentos suficientes de Economia e de crescimento económico para abraçar o desafio a que se propõe — crítica que já ensaiara na véspera e que mereceu, inclusivamente, resposta do candidato da Aliança Democrática.
Já perto do final da visita, e devidamente municiado pela equipa que o acompanha, Cotrim foi mostrando para as câmaras de televisões os livros que tinha escolhido para dedicar a cada adversário — tudo devidamente pensado, naturalmente. À cabeça, “A Economia numa Lição”, de Henry Hazlitt, precisamente para Sebastião Bugalho. “Isto é uma crítica política, com algum humor, evidentemente”, justificou.
Cotrim dedicaria depois “A Enciclopédia da União Europeia”, de Francisco Pereira Coutinho e Joana Covil da Abreu, à candidata socialista.“Acho que Marta Temido não conhece as suas próprias ideias sobre a Europa. Há coisas que se conseguem compensar com o tempo, mas seria de esperar que, nesta altura já, soubesse um pouco mais.” Mais tarde, diria que a candidata do PS “não consegue dizer duas frases seguidas com nexo sobre a Europa.” Para quem tinha prometido não alimentar mais picardias com os adversários ao longo da campanha, Cotrim parece ter apanhado o jeito.
O bate-boca com Tânger
Ainda na Feira do Livro de Lisboa, o candidato da Iniciativa Liberal ainda tinha preparado mais um número político. Para Tânger Corrêa, do Chega, Cotrim reservou “A Conspiração do Kremlin”, de Joel C. Rosenberg. “A conspiração é uma coisa que parece que assiste ao Tânger Corrêa. E porque no enredo, curiosamente, Czar russo invade os países bálticos, coisa que talvez o Tânger Corrêa achasse impossível. Para ele os russos até podem ser apaziguados”, provocou.
À medida que ia tirando os livros do saco sem que os jornalistas pudessem antecipar a escolha, Cotrim mostrou um outro exemplar de “A Conspiração do Kremlin” para oferecer a João Oliveira, da CDU. “Acho que o Chega e o PCP têm tanta coisa em comum. Não admira que algum do eleitorado se toque.”
Minutos antes, Cotrim Figueiredo esteve à conversa com jornalista e responsável pela editora Zigurate, Carlos Vaz Marques. O liberal acabaria por comprar dois livros — “Na Cabeça de Xi” e “Na Cabeça de Putin” — como pretexto para voltar a alertar para a importância destas eleições europeias num contexto de grande tensão e instabilidade geopolítica.
“Estes livros são para aqueles portugueses que acham que a história não se repete, que apaziguar tiranos é uma boa ideia, que ignorar os riscos para a liberdade é uma boa ideia, recuem 100 anos. Também achavam isso nessa altura e viu-se o que se passou no século XX. E também para aqueles que acham que não faz mal concedermos um bocadinho e [avançarmos] com limitações na liberdade de expressão ou na liberdade de circulação e acham que aquilo que fundou a Europa não precisa de ser defendido quando temos tirano na China, na Rússia e na Coreia do Norte que têm como missão de desestabilizar as democracias.”
O liberal não ficaria sem resposta de Tânger, que aconselhou João Cotrim Figueiredo a “ir tratar-se”. Já em Quarteira, confrontando com as declarações do candidato do Chega, o liberal manteve a crítica. “Então vamos ver uma a uma as propostas em que o Chega e o PCP têm votado lado a lado na Assembleia da República, nomeadamente em relação ao apoio a determinadas corporações, à privatização da TAP, à descida de impostos, à forma como devem ser organizadas determinadas funções do Estado, e vão-se encontrar muito mais parecenças do que as pessoas imaginam. Há mais parecenças entre o PCP e o Chega do que as pessoas imaginam.”
No Algarve, um bastião do Chega, o cabeça de lista da Iniciativa Liberal procurou, mesmo assim, fazer a distinção entre o Chega e os eleitores do partido, alertando para a necessidade de se perceberem as motivações de quem vota em André Ventura. Não devemos desvalorizar a preocupação das pessoas que as levou a votar por protesto ou por acharem que aquelas soluções são boas no Chega. Essas pessoas não são deploráveis. Essas preocupações são legítimas e devem ser encaradas. É a desilusão que, em qualquer sistema, mais alimenta as hostes dos partidos extremistas, à esquerda e à direita”, insistiu Cotrim.
Horas mais tarde, depois do jantar, no discurso perante militantes e simpatizantes da IL, Cotrim pediu a todos aqueles que votaram no Chega e que agora estarão arrependidos que reconsiderem o voto e escolham a IL nestas europeias. “Berraria não é sinal de coragem. Bocas não são sinónimo de força. Não está na hora de votar na IL? Preferem ver-se representados em Bruxelas por mim ou pelo Tânger Corrêa? Isto é uma coisa séria. Votem na IL.”
O elogio (tímido) a Montenegro e o ataque Santos Silva
De manhã, ainda na Feira do Livro de Lisboa, João Cotrim Figueiredo foi confrontado com as declarações de Luís Montenegro, que tinha aconselhado a oposição a ter mais “pedalada” para acompanhar o Governo. Mesmo sem elogiar abertamente o social-democrata, Cotrim acabou por fazer uma distinção entre o atual primeiro-ministro e o antecessor: mais vale pedalar do que ficar parado.
“Prefiro ter trabalho. Como cidadão prefiro que as oposições tenham muito trabalho a tentar melhorar ou até criticar aquilo que está a ser feito do que se queixem permanentemente, que foi o meu caso quando era deputado, de ninguém estar a querer fazer nada, que as reformas arrepiam o primeiro-ministro, de estar tudo a ver o comboio a aproximar-se e estar placidamente no meio da linha”, sugeriu Cotrim.
À medida que o candidato ia percorrendo os corredores da Feira do Livro de Lisboa, instalada no Parque Eduardo VII, as perguntas e respostas circulavam invariavelmente em torno de conceitos como a liberdade e, em particular, a liberdade de expressão. Foi nesse momento que o candidato da Iniciativa Liberal voltou a falar do diferendo entre José Pedro Aguiar-Branco e algumas bancadas parlamentares a propósito das declarações polémicas de André Ventura sobre os turcos.
Cotrim não só manteve o seu entendimento — não deve haver limitações às “baboseiras” que se podem dizer porque a liberdade de expressão é um pilar fundamental da democracia — como ainda criticou Augusto Santos Silva, acusando o antigo presidente da Assembleia da República de ter alimentado um confronto permanente com o Chega por pura tática eleitoral.
“À primeira ou segunda interjeição podia ter sido uma coisa espontânea de querer mostrar que há limites, que está fora daquilo que seria a norma da Assembleia da República. A partir do momento em que se percebe que essas interjeições funcionavam a favor do infrator e insistem… Não tenho as pessoas como burras, portanto só posso inferir que a intenção era continuar a favorecer [Ventura], com aquela velha teoria de que um Chega forte é a garantia que o PS se eternizava no poder. Se foi isso, é gravíssimo”, atirou Cotrim.