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A associação que Miguel Sanz representa não tem ainda informação de que os protestos estejam a afastar turistas, até porque os países e locais onde estão a acontecer continuam a crescer
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A associação que Miguel Sanz representa não tem ainda informação de que os protestos estejam a afastar turistas, até porque os países e locais onde estão a acontecer continuam a crescer

RODRIGO MENDES/OBSERVADOR

A associação que Miguel Sanz representa não tem ainda informação de que os protestos estejam a afastar turistas, até porque os países e locais onde estão a acontecer continuam a crescer

RODRIGO MENDES/OBSERVADOR

Miguel Sanz: "Há quem defenda que a solução para destinos sobrelotados é diminuir o número de turistas. Isso é uma armadilha"

Presidente da Comissão Europeia do Turismo diz que movimentos anti-turismo de massas devem ter canais de discussão com governos e que limitar chegadas é a "solução simples para um problema complexo".

Os protestos na Europa contra o turismo de massas têm crescido — nas ilhas Canárias os moradores organizaram-se aos milhares e pediram limites, em Barcelona manifestantes chegaram a usar pistolas de água contra turistas, nas ilhas gregas, ainda no verão passado, rebentou a ‘revolta das toalhas de praia’, e em Sintra há um movimento (pacífico) a insurgir-se contra o “turismo de massas” e o “caos no trânsito”.

Esses movimentos são a expressão de uma comunidade que exige ser ouvida e deve, por isso, poder sentar-se à mesa com quem toma as decisões, defende Miguel Sanz, presidente da European Travel Commission (Comissão Europeia do Turismo), uma organização sem fins lucrativos que representa 36 organizações do setor na Europa (em Portugal, é o Turismo de Portugal). Isso já está a acontecer nalgumas cidades, admite. Mas reconhece que o número de protestos pode vir a crescer se os governos locais, regionais e nacionais nada fizerem para abordar a questão. E se isso acontecer, os danos “reputacionais” poderão atingir toda a Europa.

A associação que representa não tem ainda informação de que os protestos estejam a afastar turistas, até porque nos países e locais onde estão a acontecer o número de visitantes continua a crescer. É o caso de Espanha, de Portugal e de todo o sul da Europa, cujos números de visitas deverão ficar acima do que se registou no ano passado, diz Miguel Sanz.

Em entrevista ao Observador, o também presidente do Turismo de Espanha fala sobre o crescimento do turismo na Europa, noutros destinos emergentes (os fenómenos da Sérvia, Albânia e Montenegro) e também deixa críticas às estratégias de destinos mais populares que querem travar o número de visitantes. Mais do que isso, defende, é preciso olhar para outros indicadores e definir uma estratégia com objetivos bem definidos. “Cada destino precisa de se concentrar no seu objetivo. E talvez, então, uma das ferramentas seja limitar [as entradas]. Mas isso tem de ser o resultado de uma estratégia que tem em conta uma visão holística do negócio, da indústria”, argumenta.

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Habitantes de Sintra protestam contra “turismo de massas e caos no trânsito”. “Queremos Sintra viva e habitada, não ao turismo de massas!”

O turismo europeu atingiu novos máximos este ano? Que números é que a Comissão Europeia do Turismo já tem?
Não temos ainda os números finais porque o verão não terminou. Temos os números dos primeiros seis meses do ano e, no geral, na Europa como um todo, parece ter corrido bem em termos de gastos por visitante e de visitas.

Mas os níveis do ano passado foram ultrapassados?
Sim. Todos os dados que temos mostram que, no primeiro semestre, o turismo europeu se comportou melhor do que em 2023, que foi para muitos países um ano de recordes e de recuperação. Não devemos esquecer-nos que a Europa é um grande continente e o comportamento do turismo é distinto entre os países. Podemos dizer que os destinos do sul da Europa, como Portugal, Malta, Turquia, Espanha e Itália estão a ter um 2024 muito forte. Mas também alguns destinos como, por exemplo, os países nórdicos estão a ter uma certa procura. A Dinamarca está a crescer a um ritmo muito rápido, de 38% no último trimestre. A Noruega cresce 18% nas visitas. E depois destinos menos conhecidos como a Sérvia ou a Bulgária estão a registar elevados crescimentos. A Sérvia está a crescer 40% e a Bulgária 29%. Em termos gerais, podemos dizer que há uma tendência de crescimento no número de visitas na maior parte da Europa. Claro que há outras partes, sobretudo na Europa de leste e nos países bálticos, que estão a registar um período não de recordes e, às vezes, até mesmo de redução, sobretudo devido à guerra na Ucrânia.

Que países estão a ser mais afetados?
Por exemplo, a Finlândia, Letónia e os restantes países bálticos.

A Europa como um todo já ultrapassou os valores pré-pandemia?
Sim, as chegadas e as dormidas ultrapassaram os valores de 2019 na primeira metade do ano. E, por exemplo, acreditamos que os gastos na Europa este ano vão ultrapassar os 800 mil milhões de euros, 14% acima do que se registou em 2023.

Miguel Sanz sucedeu em 2023 ao português Luís Araújo

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O espanhol Miguel Sanz sucedeu em 2023 ao português Luís Araújo na presidência da Comissão Europeia do Turismo (European Travel Commission). É, desde 2020, presidente do Instituto de Turismo de Espanha (Turespaña).

Esteve vários anos ligado à estratégia turística e de marketing adotada pelo município de Madrid, através da empresa pública Turismo Madrid. Estudou gestão assim como economia e política latinas no Reino Unido.

E em relação a Portugal, como está a evoluir? 
Quem conhece melhor a situação é o Turismo de Portugal e as organizações locais, mas posso avançar alguns números. Portugal recebeu mais 26% de visitas internacionais em 2023 face a 2019. Este ano, o crescimento tem sido 10,6% acima do mesmo período do ano passado. No caso das dormidas, nos primeiros seis meses deste ano, estão a subir 8,7% em comparação com 2023. Portanto, Portugal, como um dos países do sul da Europa, é um dos destinos que está a lucrar com o aumento da procura, tanto doméstica como de longo curso. E julgo que é bastante notável, tendo em conta que 2020 e 2021 foram anos em que o setor das viagens teve muito pouca atividade.

A capacidade da indústria do turismo na Europa para recuperar e responder a um aumento da procura é notável. Temos de pensar que esta é uma indústria com um longa cadeia de valor, desde aeroportos, a companhias aéreas, agentes de viagens, hotéis, restaurantes, guias turísticos, operadores. E a cadeia de valor foi completamente perturbada em 2020 e 2021. Pô-la em forma em tão pouco tempo e responder a uma procura que não só recuperou como cresceu, em 2023 e 2024, mostra o quão resiliente e desenvolvida a indústria está na Europa, sobretudo em países como Portugal ou Espanha, Itália, França.

Estava a falar da Sérvia, Albânia e Montenegro, de como estão a tornar-se populares num curto espaço de tempo.
Sim. São destinos fora do comum que estão a registar um crescimento muito elevado. Albânia e Montenegro, por exemplo, quase duplicaram o número de turistas desde 2019. Cresceram a um ritmo de 86% desde 2019. Portanto, são locais que estão a crescer muito, que estão a tornar-se destinos populares em pouco tempo. Estes eram destinos que não eram tão conhecidos como algumas partes da Grécia, Portugal, Espanha.

Porque é que estão a crescer tanto? Os preços são mais competitivos?
Acho que tem que ver com dois fatores. São muito competitivos em value for money [relação custo-benefício]. Além disso, adotaram novas políticas internas que facilitam as entradas. No caso da Albânia, hoje é mais fácil entrar do que há uns anos. E há mais investimento em novas infraestruturas nestes países. Houve investimento em hotéis, a acessibilidade é mais fácil, há mais companhias aéreas a voar para estes países devido à maior facilidade dos procedimentos administrativos na entrada. A indústria europeia encontrou novos territórios para crescer fora dos lugares mais populares.

"Espero que tenhamos chegado a um ponto de viragem, por exemplo, em questões que têm a ver com a sustentabilidade. A indústria turística europeia está a passar por uma transição muito rápida e, diria, muito importante para um modelo mais sustentável."
Miguel Sanz, presidente da Comissão Europeia do Turismo

E considera que estes países estão a ser capazes de responder a este aumento de procura?
Terão de pôr em marcha políticas para se adaptarem a esta nova realidade. Isto não é muito diferente do que estamos a fazer e a viver no sul da Europa. Teremos de trabalhar para tornar o turismo mais sustentável, não apenas em termos ambientais, mas também social e economicamente. E estes países terão de, à medida que crescem, ter isto em conta. Têm a vantagem de começar do início.

Sabemos que destinos estão a perder para estes novos destinos? O Sul da Europa?
Acho que há uma procura crescente porque as visitas e os gastos estão a aumentar em todos os países do sul da Europa. A Albânia, Sérvia e Montenegro estão a crescer devido à procura crescente, não estão a ‘roubar’ ou a transferir fluxos de um destino para outro. Temos de ter em conta que em países como Espanha, Grécia, Itália, França, os gastos turísticos este ano estão a crescer entre 16% e 25%. E as visitas também estão a subir. Portanto, é uma nova procura que está a ser gerada dentro da Europa e nos mercados internacionais de longo curso.

De onde vem esta procura?
Depois da pandemia, estamos a recuperar os visitantes da Ásia-Pacífico, como a China, Sul da Ásia, o Japão, que não estavam cá no ano passado ou no anterior. Estamos a recuperá-los. Além disso, há um aumento das viagens de negócios e de eventos. As viagens de negócios foram mais lentas a recuperar da pandemia do que as viagens para férias ou lazer. Este ano estamos a ver um crescimento muito forte no setor MICE [Meetings, Incentives, Conferences and Exhibitions]. Estamos a ver um crescimento importante [de visitantes] da região da Ásia-Pacífico e continuamos a ver um crescimento das Américas — EUA, Canadá e América Latina — devido a um dólar muito forte. Os mercados de longo curso estão a puxar pelas visitas, mas a procura interna europeia também.

Em Portugal vimos, em julho, que o número de turistas nacionais diminuiu face a 2023. Estão a ir para outras zonas mais baratas, como o sul de Espanha? Vê isto a acontecer noutros países: que os residentes destes típicos destinos de férias de verão acabem por ir para outros países porque fica mais barato?
Não é uma tendência que tenhamos observado. Mas temos de pensar que a Europa é um mercado doméstico e que os destinos trabalham ativamente para gerir a procura e a oferta que colocam no mercado. Muitos destinos estão a trabalhar para se tornarem mais premium e isso, claro, tem efeitos na procura que atraem. O mesmo com as cadeias de hotel. É uma adaptação que os destinos fazem dos seus objetivos estratégicos e de como querem ser vistos no mercado turístico. E a procura vai reagir a estas estratégias ao escolher os produtos que mais lhes convêm, não só em termos de viagem mas também de experiência. Há destinos que se estão a tornar especializados em viagens em família, outros no mercado jovem ou nos turistas com mais de 55 anos porque viajam todo o ano. Mas não é uma tendência que vejamos. Noutros países, os locais vão para onde acham que estarão melhor, seja no seu país ou noutros. Depende do tipo de cliente, experiência e orçamento que se quer e tem.

O The New York Times publicou recentemente um artigo a questionar se este foi o verão em que o turismo europeu atingiu um ponto de rutura. Como responde a esta pergunta?
Penso que o que o turismo europeu conseguiu foi um regresso extraordinário de uma situação muito difícil e quase ameaçadora para a vida de milhões de empregos em centenas de milhares de empresas na Europa. Tivemos uma tarefa muito difícil que foi colocar a maquinaria novamente a funcionar. Beneficiámos de uma procura muito forte e agora temos de gerir esta situação. Espero que tenhamos chegado a um ponto de viragem, por exemplo, em questões que têm que ver com a sustentabilidade. A indústria turística europeia está a passar por uma transição muito rápida e, diria, muito importante para um modelo mais sustentável. Em alguns países, temos também de passar por uma transição social. E o turismo tem de se realinhar com as comunidades locais e servir o propósito para o qual foi criado: incentivar ou ser uma ferramenta para o desenvolvimento económico e a prosperidade nos países. Em alguns destinos da Europa, temos de gerir as externalidades que não são tão boas como deveriam e ultrapassá-las com a regulação, com a transição, com a tecnologia. Mas eu diria que o que a indústria fez nos últimos três anos não foi apenas recuperar da pior crise da sua história recente, mas também regressar de uma forma mais sustentável.

“Há algumas vozes agora, e acho que isto é uma armadilha, a defender que a solução em destinos sobrelotados é diminuir o número de turistas”

Tem informação de quais são as cidades que neste momento estão sob maior pressão relacionada com o turismo?
Não me cabe a mim dizer. Essa é uma parte da perceção social. É algo que os governos locais, regionais e nacionais têm de ter em conta porque é um aspeto da organização da vida na cidade. Há destinos em muitos países que recebem mais pessoas por habitante do que residentes, mas não têm um problema social porque a cidade foi desenhada para acomodar e receber turistas de toda a parte, em que a perceção das externalidades criadas não são tão negativas quanto noutros sítios. É uma questão de gestão, governação, regulação e alinhamento da indústria com objetivos sustentáveis. Não podemos dizer se um é mais insustentável do que o outro, ou mais sobrelotado, porque não há padrões internacionais para dizer “ok, está sobrelotado quando tem mais de x visitantes por habitante”. Depende do desenho, do tipo de destino, depende de muitos fatores. Mas se isso é um problema para as comunidades locais, para os residentes, é necessário que as diferentes administrações, a indústria, todos os envolvidos tomem decisões.

Estava a falar de regulação, referia-se às taxas turísticas, que têm aumentado? Em Lisboa, por exemplo, duplicou [de dois para quatro euros].
Diria que o que temos de fazer é ser científicos. Ou seja, temos de identificar problemas e com dados. Nos últimos 60 anos, em países com Portugal, Espanha, França, Itália, o indicador que mais tem sido usado é o número de visitantes. Um país estava a ter sucesso quando o número de visitantes aumentava. E isto podia ser o caso nos anos 60, 70 e 80 quando era uma indústria muito pequena a tentar abrir caminho e a tentar ser lucrativa, quando as companhias aéreas não eram assim tão grandes, quando viajar era caro e apenas acessível aos poucos que tinham dinheiro. Mas já não é assim.

Os países deveriam estar atentos a que indicadores?
Para mim um dos maiores problemas é que ainda nos focamos apenas no número de visitantes. E há algumas vozes agora, e acho que isto é uma armadilha, a defender que a solução para destinos sobrelotados é diminuir o número de turistas. Mas estamos a focar-nos ainda no número de turistas e deveríamos concentrar-nos noutros indicadores de desempenho como empregos, qualidade dos empregos, rendimentos, receitas, gasto médio diário, desperdício social, consumo de água, tudo o que for relevante para esse destino. Se for um destino que tem problemas de água, um indicador é o consumo de água e não o número de visitantes. Porque se o que quer fazer é reduzir o consumo de água, uma forma é diminuir o número de visitantes que consomem muita água. Mas a outra forma é reduzir a água que os visitantes consomem. E os efeitos são radicalmente diferentes. O mesmo para a qualidade do trabalho. Se quiser concentrar-se na qualidade do trabalho, terá de se concentrar nas medidas de qualidade do trabalho e não no número de visitantes.

Mas é um equilíbrio difícil de fazer. Porque se quer reduzir-se o consumo de água, é fácil fazê-lo sem diminuir o número de turistas?
Dou o exemplo de Benidorm, que é um destino turístico muito popular em Espanha. Conseguiu reduzir o consumo de água, embora o número de visitantes tenha aumentado porque implementaram sistemas para fazer essa redução. Estão a utilizar as “águas cinzentas” [água já usada] para regar os parques, por exemplo. Focaram-se no que era importante para eles: reduzir o consumo de água. E descobriram que podiam fazê-lo enquanto o número de visitantes aumentava. Eles podiam ter decidido colocar um limite ao número de turistas e teriam estagnado o consumo de água, porque não estariam a focar-se no consumo de água. Mas teriam prejudicado a economia, provavelmente, e a qualidade do emprego, e assim por diante. Por isso, é importante ter concentração nas coisas que queremos melhorar, fazer crescer ou desenvolver melhor, e não nas externalidades que resultam do que se faz, como o número de visitantes.

Em Sintra têm sido afixados cartazes contra o "turismo de massas"

Porque não no número de visitantes?
Há muitos anos que nos concentramos no número de visitantes, porque essa era a forma de fazer crescer a receita para aumentar a criação de emprego. Pensamos: “se tivesse mais hotéis, criaria mais emprego”. Sim, tudo bem, isso é um facto. Mas agora que já temos muitos hotéis, como aumentar o número de postos de trabalho? Talvez focando num tipo de alojamento ou num tipo de procura, alguns hotéis tenham mais funcionários que outros. Por exemplo, alguns hotéis abrem todo o ano e outros abrem apenas sazonalmente. Alguns destinos criam mais emprego porque se focam nas experiências dos visitantes. O resultado pode ser que diminua o número de visitantes, mas isso é uma externalidade que não deveria ser… É um trade-off, mas não é nisso que deveríamos concentrar-nos. Pode chegar-se a uma situação em que se tem menos visitantes e empregos de pior qualidade e não creio que este seja um objetivo que os destinos tenham.

Em Barcelona e nas Canárias estamos a assistir a protestos contra o turismo. Em Portugal, há um grupo de cidadãos de Sintra que começa a protestar contra o turismo de massas, queixando-se dos efeitos na poluição, nos constrangimentos de trânsito e no que consideram ser uma descaracterização de Sintra. Como olha para estes movimentos?
Temos de ouvir as comunidades locais. Deveriam ter um lugar na mesa onde as políticas de turismo são decididas. Temos de ouvir estes protestos ou qualquer outro tipo de expressão pacífica por parte das comunidades locais, que deveriam ter canais que são, provavelmente, mais eficazes para influenciar a elaboração de políticas do que o último recurso, que é um protesto. Isto é feito na maioria dos países através da representação política, mas há outros canais e outros locais e outras mesas que também o fazem e penso que temos de ter em conta as comunidades locais. Acho que é algo que tem de ser sempre feito de forma pacífica, deve sempre respeitar o outro, não pode pôr em causa a segurança e a perceção de segurança dos turistas porque todos somos visitantes em algum momento da vida, todos vamos aos outros locais para fazer turismo, para negócios, para visitar amigos e familiares. E por isso temos de fazer e influenciar a política de forma pacífica, mas claro que penso que temos de ouvi-los.

Protestos afastam turistas? “As pessoas compreendem que o que alguns manifestantes estão a fazer é exigir um lugar na tomada de decisões”

E acha que estes protestos crescerão num futuro próximo?
Crescerão se os decisores não fizerem as escolhas certas e penso que a tendência é para que sejam tomadas medidas. Posso assegurar-vos que esta é uma conversa muito global na qual a indústria, os governos a todos os níveis, as ONG, as comunidades e a sociedade civil estão a trabalhar, numa transição sustentável do turismo que não é apenas uma transição ambiental, é também uma transição social.

Mas esses movimentos estão sentados à mesa agora, vê isso a acontecer?
Por exemplo, nós, na minha função de CEO do Turismo de Espanha, estamos a liderar uma série de eventos chamados Spain Talks: Caring for the Future, onde em diferentes cidades do mundo falamos sobre esta transformação sustentável com ONG, companhias aéreas, com os operadores turísticos, com os destinos e o que discutimos é o que está a acontecer e como podemos enfrentar os desafios que temos pela frente. Presumo que isso esteja a acontecer em muitos destinos na Europa e no mundo.

O Turismo de Portugal tem uma estratégia para 2027 que se centra na sustentabilidade e na importância das comunidades locais no ecossistema. Os Países Baixos implementaram uma estratégia de turismo que prevê que cada visitante do país tem de participar no bem-estar dos residentes. Portanto, é claro que isso está na agenda e é claro que está a acontecer. A questão é que temos de nos lembrar que, há três anos, em países como Portugal, Espanha, Itália e Grécia e muitos outros estávamos desesperados com a recuperação da indústria do turismo porque muitos empregos, muitas empresas, muitas economias dependiam disso. Temos de nos focar e, antes da pandemia, já havia um foco na sustentabilidade, a indústria tem trabalhado e mudado ao longo dos últimos anos. Conheço muitos casos de práticas de gestão de resíduos em regiões, mas também na hotelaria, que consomem menos recursos para a mesma quantidade de público que têm de servir. A Comissão Europeia está a trabalhar no transporte sustentável dentro da União Europeia, pelo que isto está na agenda.

A velocidade com que a recuperação aconteceu pôs alguns destinos em destaque e colocou uma pressão extra em alguns destinos e temos de trabalhar em relação a isso. Há políticas a serem tomadas em locais como Barcelona ou Veneza, Amesterdão. São ferramentas diferentes para diferentes situações.

"Há alguns locais na Europa, especialmente alguns pontos críticos, que precisam de renovar esse contrato entre as comunidades locais e a indústria do turismo. E penso que isso está a ser feito."
Miguel Sanz, presidente da Comissão Europeia do Turismo

Como por exemplo?
Em Amesterdão estão a apostar, por exemplo, numa taxa turística e em Veneza têm uma taxa de entrada para turistas diurnos, em Barcelona estão a legislar sobre arrendamentos de férias. São soluções diferentes para problemas diferentes com o mesmo objetivo: tornar o turismo numa força para o bem para as comunidades locais porque era essa a intenção em primeiro lugar. A intenção de promover o turismo é melhorar a vida dos residentes locais, não só na criação de emprego mas também na acessibilidade das pessoas à cultura, às infraestruturas de transportes, aeroportos, companhias aéreas. Isso foi feito e afeta o bem-estar dos residentes locais. Existem alguns pontos na Europa, especialmente alguns pontos críticos que precisam de renovar esse contrato entre as comunidades locais e a indústria do turismo e de se concentrar mais profundamente nas comunidades locais. E penso que isso está a ser feito.

Mas acha que estes movimentos e protestos podem afastar os turistas destes destinos?
Espero que não.

Por exemplo, em Barcelona vimos manifestantes a usar pistolas de água contra turistas.
Penso que é lamentável, mas, como disse, as comunidades locais têm de ser tidas em conta e devem ser incluídas nos locais em que não estão sentadas à mesa.

Sabe se os turistas já estão a evitar esses locais? 
Bem… por exemplo, Espanha, Itália, Portugal estão a crescer este verão, por isso não parece que isso esteja a acontecer. É um problema de reputação ou pode ser um problema de reputação, não só — e isto é muito importante — para estes destinos, mas para a Europa no seu todo. Se as pessoas pensam que se viajarem para a Europa não serão bem-vindas… penso que é algo com que devemos ter cuidado. Mas não, penso que as pessoas compreendem que o que alguns manifestantes e algumas comunidades locais estão a fazer é exigir um lugar na tomada de decisões ou ser tidos mais em conta na tomada de decisões. E eu acho que isto está a acontecer. Há nova legislação e novos regulamentos a serem implementados em muitos destinos em toda a Europa.

Quando fala em regulamentação está a falar de taxas turísticas? Para que são usadas? Para impedir a vinda de turistas ou para financiar medidas de sustentabilidade?
Não sei. Essa é uma ferramenta que as comunidades locais, os governos locais, regionais ou nacionais têm para governar e gerir o turismo. Em alguns países é utilizado com o objetivo final de melhorar a qualidade de vida das comunidades locais, noutros é utilizado para promover o destino porque pretendem receber mais visitantes, noutros, é usado como dissuasor. Isso é algo que cabe à administração local decidir para que vai utilizar esta ferramenta.

Mas há mais países a adotar este tipo de taxas?
Eu diria que há países que estão a adotar novas taxas, países que estão a impor taxas mais elevadas, há países que não têm taxas, há países onde as taxas são locais, noutros países são regionais e noutros países são nacionais. Por isso, é muito difícil falar sobre qual é a utilização das taxas sobre o turismo na Europa ou no mundo. Mesmo em Espanha existem locais que têm taxas locais, mas a utilização final é diferente de um local para outro. Portanto, esta é uma decisão que cabe aos decisores políticos locais ou nacionais. É uma ferramenta que deve ser utilizada com sabedoria para produzir os resultados que aquele destino quer.

Ilhas Canárias em protesto contra modelo de turismo “insustentável”

Vemos que em Barcelona estes impostos existem há muitos anos e o turismo continua a crescer.
Eu diria que se o que se pretende fazer é impedir que as pessoas venham, esta não é a melhor ferramenta. Há provavelmente outras. Mas se é preciso financiar algumas políticas ligadas ao turismo, provavelmente já é uma boa ferramenta. Mas é preciso medir a eficácia, se está a funcionar para os objetivos. É preciso ter objetivos claros, utilizar as melhores ferramentas para esses objetivos, medir o que está a acontecer e tomar decisões com base nisso.

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Em Barcelona, num protesto em julho contra o turismo de massas, manifestantes pulverizaram turistas usando pistolas de água. Câmara da cidade lamentou o episódio

Anadolu via Getty Images

“Limitar o número de turistas é uma das ferramentas? Pode ser, mas acho que é uma das ferramentas de último recurso”

Em algumas ilhas gregas já existe um limite de visitantes por dia. O que estão os países a fazer para limitar a pressão turística? 
Mas aí entramos na mesma conversa de há pouco: como limitamos o número de visitantes? Estas ilhas o que precisam de fazer é definir para que querem o turismo. Querem turismo para criar empregos? Quantos empregos? Quantas pessoas vivem na ilha? O que os destinos têm de fazer é avaliar as suas comunidades como um todo, avaliar o turismo como indústria e tomar decisões com base nisso. Essa é a solução simples para um problema muito complexo. “Ok, não mais de x número de visitantes por ano, está tudo resolvido”. E quando isto for implementado, verá que os mesmos problemas persistem ou que problemas diferentes surgiram da má gestão desta indústria. Por isso, cada destino precisa de se concentrar no seu objetivo. E talvez, então, uma das ferramentas seja limitar a conectividade com a ilha. Mas isso tem de ser o resultado de uma estratégia que tem em conta uma visão holística do negócio, da indústria. Imagine que se tem pouca população local e quer atrair residentes permanentes. Então é preciso criar um tipo de emprego mais estável. Limitar o número de pessoas é uma das ferramentas? Pode ser, mas acho que é uma das ferramentas de último recurso.

A Câmara Municipal de Lisboa anunciou limites ao número de licenças e de lugares de estacionamento para os condutores de tuk-tuk. Concorda com este tipo de solução?
As administrações e os governos locais têm de tomar as decisões que consideram que os conduzirão a um modelo de turismo mais sustentável. E se os tuk-tuks e outros tipos de veículos produzem mais externalidades negativas do que positivas, será uma decisão positiva. Se esta for apenas uma solução simples para um problema muito complexo, não produzirá absolutamente nada. Mas, mais uma vez, é preciso focar no problema. Existe algum problema com o tipo de visitantes que os tuk-tuks trazem? Que tipo de experiências oferecem os tuk-tuks? Que tipo de comportamento na cidade tem este tipo de produtos? Por exemplo, se tiver uma cidade que tem restrições de trânsito e engarrafamentos, acrescentar mais elementos que vão perturbar o trânsito seria negativo para as comunidades locais. E seria negativo também para a experiência dos visitantes. E que tipo de experiência queremos que tenham nas nossas comunidades? Queremos tê-los em tuk-tuks ou queremos que vivam a nossa comunidade de uma forma diferente? Aí cada local encontrará a sua resposta. Não podemos dizer logo à partida que um tuk-tuk é mau. Não, é ver o tipo de economia que um tuk-tuk traz a esta comunidade local. E se a avaliação for negativa, então provavelmente os governos locais devem tomar medidas.

Ainda há espaço para o turismo crescer em Lisboa ou no Sul da Europa?
Eu diria que sim, mas está a focar-se novamente no número de visitantes. Temos espaço para crescer na qualidade do emprego? Certamente que sim. Temos espaço para crescer no impacto positivo do turismo nas comunidades locais? Muito espaço para crescer. Temos espaço para crescer em número de visitantes? Depende do destino. Alguns destinos de Portugal e Espanha estão lotados no verão e vazios no inverno. O que é que isto significa? As pessoas trabalham apenas seis meses por ano, pelo que a qualidade dos empregos pode não ser muito boa.

Esta infraestrutura poderia ser utilizada durante todo o ano com diferentes tipos de procura?  Poderíamos expandir a época alta para que as pessoas tenham empregos mais estáveis e de melhor qualidade? Conseguiremos oferecer novos produtos e mais experiências aos visitantes destes locais que contam agora com bom tempo, sol e praia? Provavelmente sim, podemos acomodar novos produtos e experiências nestes destinos porque já possuem uma infraestrutura muito boa em termos de conectividade, alojamento, gastronomia, etc. Isso seria bom para o destino? Provavelmente sim. Portanto, não se trata de focar no número de visitantes nos meses de julho e agosto. Trata-se de uma estratégia para fazer do turismo uma ferramenta positiva para o desenvolvimento económico e a qualidade de vida dos residentes locais daquele destino.

Temos visto ondas de calor, especialmente no sul da Europa, incêndios florestais na Grécia, agora também em Portugal. Se as alterações climáticas estão a exercer pressão sobre estes destinos populares, como é que os países podem adaptar-se?
É uma questão muito importante e os países, cidades e regiões precisam de se adaptar às alterações climáticas. Precisam, em primeiro lugar, de mitigar e eliminar as causas das alterações climáticas, pelo que a redução da pegada de carbono é necessária e existem caminhos de transição e regulamentação na União Europeia em vigor para atingir estes objetivos. Mas também é necessário fazer outras coisas.

As comunidades locais precisam de mitigar o impacto das alterações climáticas porque precisam de tornar a vida nestas cidades confortável durante todo o ano e, se for esse o caso, seria uma boa experiência para os visitantes. Mas isto é muito importante, é algo em que devemos concentrar-nos, na utilização de materiais e na utilização e conceção de edifícios urbanos de uma forma que mitigue não apenas a pegada de carbono, mas também os efeitos das alterações climáticas. Numa cidade que faz muito calor no verão, é muito diferente estar à sombra do que estar ao sol, precisamos de criar mais sombras, mais árvores, por exemplo, precisamos de usar nas nossas ruas materiais que absorvam menos calor, precisamos de fazer coisas que tornem a vida no verão nestas cidades boa. E isso é algo que tem de envolver as comunidades locais e não apenas os operadores turísticos.

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