O cabeças de lista do Chega e PAN têm duas visões diferentes da vida, da Europa e do mundo. Não foi por isso uma surpresa que, no frente-a-frente desta quinta-feira na Rádio Observador, tenha ficado evidente que não há nenhum ponto de contacto em matérias como minorias, a imigração ou ambiente entre António Tânger-Corrêa e Pedro Fidalgo Marques . O debate chegou a ter alguns momentos mais acesos quando o cabeça de lista do PAN acusou o do Chega de se “vitimizar” ou Tânger-Corrêa disse ao adversário para perguntar ao SIS se não era verdade que dois partidos islâmicos proibidos no Bangladesh fizeram uma cimeira em Lisboa.

O candidato do Chega apresentou-se como um defensor do “mundo rural“, assumindo a defesa das touradas. Disse ainda que o partido procura responder à sua “base de apoio”, o que lhe valeu uma acusação de “populismo” do adversário. Quando o debate evoluiu para a ideologia de género, Tânger-Corrêa mostrou-se contra apoios para “casas de banho comuns” e utilizou expressões relativamente à homossexualidade (“a preferência sexual é uma coisa pessoal”) que levaram Fidalgo Marques a acusá-lo de estar a ser ofensivo.

Das ofensas a deputadas à “vitimização”

O debate começou com as denúncias feitas por deputadas da esquerda de que são ofendidas por deputados do Chega. António Tânger-Corrêa começou por desvalorizar e desresponsabilizar-se: “Não sei se são verdade ou não, não estou no Parlamento. De qualquer maneira, eu tenho uma conduta diferente disso. Respeito os outros.” Acrescenta ainda que, caso tenha acontecido, “condenaria”, e também que”se aconteceu alguma coisa de negativo, com certeza que temos de levar esse assunto até às últimas consequências.”

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Pedro Fidalgo Marques interrompeu — o que fez algumas vezes ao longo do debate — para perguntar ao adversário se concorre como independente ou se se revê na conduta do partido. O candidato do PAN levou o debate par as posições do Chega sobre o aborto e acusou que o adversário de ser contra o direito das mulheres sobre o seu corpo. Tânger Corrêa negava a ideia e argumentava que as mulheres “não têm direito a matar um ser que existe”.

[Já saiu o segundo episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio.]

Pedro Fidalgo Marques pegou nas declarações que Tânger-Corrêa acabara de fazer para dizer que ficou bem claro que “o Chega vai aliar-se ao ID, à extrema-direita, a quem é contra os direitos das mulheres”. O candidato do PAN acrescentou que o “discurso de ódio mata”. Ao que o cabeça de lista do Chega respondeu de imediato: “Onde é que está o discurso de ódio? O discurso de ódio que existe é contra o Chega. Qualquer dia respiro e sou acusado de respirar.” Pedro Fidalgo Marques ainda foi ao repique: ”Fica-lhe mal essa vitimização.”

Ouça aqui o debate na íntegra em podcast.

António Tânger-Corrêa (CH) – Pedro Fidalgo Marques (PAN)

Touradas, populismo e “ideologia de género”

No debate também se falou de tauromaquia, com Pedro Fidalgo Marques a citar um lema da luta anti-taurina que “tortura não é cultura” e a classificar as touradas como “atividade bárbara do século passado.” Falou ainda do circo para dizer que “não podemos continuar a ter um tigre branco numa sala minúscula, mais pequena do que esta [o estúdio do Observador]”. Para o cabeça de lista do PAN às Europeias a “tauromaquia deve ser abolida” e que e “os 16 milhões que vêm para as touradas deviam ser investidos na cultura”, por exemplo em “artistas”.

António Tânger-Corrêa responde que o partido “não apoia a tortura animal, apoia o mundo rural.” E que os apoiantes do Chega, “gostam de touradas, como quem gosta de futebol”. E que essa é uma das bandeiras do partido porque o Chega “olha para as pessoas, vê o que a sua base de apoio quer.” Fidalgo diz que isso é “populismo”. O que Tânger-Corrêa nega: “Têm argumentos válidos. Somos um partido liberal: somos conservadores, mas liberais. Eu não fumo, mas aceito que outros fumem. Há uma parte do Chega ligada ao mundo rural, que apoia, que vive, que gosta de touradas. Não tem a ver com populismo, tem a ver com respeitar as realidades”.

Tânger Correia sugere que, em vez de ser necessário ir buscar os 18 milhões de apoios em touradas, se retirem “apoios à ideologia de género.” O que levou cabeça de lista do PAN a lembrar que os apoios que o Chega atacou na Convenção também incluem valores d o combate à violência doméstica. E questiona: “Ou defende que se tirem apoios?” O cabeça de lista do Chega rejeita essa ideia: “Os apoios são para apoiar casas de banho comuns e mais não sei quê. O que isso tem a ver com violência doméstica?”

Desafiado a concretizar a posição do partido sobre os apoios à comunidade LGBTIQ+ e contra o ensino da alegada “ideologia de género” nas escola, o cabeça de lista do Chega diz que “não tem que ver com ensinar, tem que ver convencê-las”. Tânger-Corrêa volta depois a atirar contra o que chama de “ditadura das minorias”. “Em democracia, quem manda são as maiorias”, atira.

Pedro Fidalgo Marques interrompe para acusar o Chega de ser contra a liberdade de cada um ser como é. E Tânger Corrêa responde: “Isso não é liberdade, isso é libertinagem”. Perante o protesto de Pedro Fidalgo Marques, o candidato do Chega chega a sugerir que se faça então um referendo ao ensino de determinados conteúdos nas escolas públicas. “Um referendo é a forma mais pura das democracias”, diz.

O candidato do PAN provoca e sugere então que se faça um referendo às touradas. “Também. A tudo o que quiser. Depois vamos ver quem é que ganha”, responde Tânger-Corrêa retoma para deixar a sua posição sobre o tema. “Para nós, a preferência sexual é uma coisa pessoal. Nasci numa comunidade muito homossexual – a minha a mãe era artista. Nunca fui incomodado, nem incomodei ninguém. Eles faziam o que queriam fazer, onde queriam fazer. Eu cresci normalmente, a saltar, aos pulos e a jogar à bola.” Agora, segundo Tânger Corrêa, se os conteúdos a que se refere continuarem a ser ensinados nas escolas, “isto começa a ficar torcido para um lado”.

Imigração: PAN quer deixar regras na mesma, Chega quer dar prioridade aos que “cá estão”

Sobre as pressões do fluxo migratório e com uma passagem concreta do programa do Chega para as legislativas — onde se podia ler que esse movimento poderia colocar “em causa a identidade dos Estados” — António Tânger-Corrêa é desafiado a explicar se defende a teoria da grande substituição e não se compromete: “Se é substituição ou não, não lhe posso dizer. Temos todo um processo de alteração de toda a sociedade. Neste momento, não está a acontecer. O problema é a evolução. Se conseguirmos integrar os que cá estão, isso não vai acontecer.” E acrescenta: “O nosso país tem 800 anos. Temos de preservar aquilo que foi construído e os direitos dos portugueses”.

Pedro Fidalgo Marques aproveita o tema das migrações para falar de refugiados climáticos e alertar para a prioridade de combate “às alterações climáticas, de proteger a neutralidade carbónica”. António Tânger-Corrêa protesta de imediato para dizer que “as emissões carbónicas da Europa são inferiores às da Indonésia” e que os maiores poluidores são “todos fora da Europa comunitária”. Sobre as condições em que os imigrantes estão, o cabeça de lista do Chega fala na reciprocidade: “Já experimentaram saber as condições de um português que vá trabalhar para o Bangladesh?”

Ainda sobre imigração, Tânger-Corrêa refere uma “cimeira de dois partidos islâmicos, proibidos no Bangladesh, que fizeram a cimeira em Lisboa”. Quando o adversário questiona, o cabeça de lista do Chega atira: “ Vá perguntar ao SIS se não é verdade.” Tânger-Corrêa manifestou-se ainda  “Primeiro temos de cuidar dos que cá estão. Há 40% de pobreza em Portugal. Enquanto não cuidarmos disso, não podemos receber os outros. Ainda por cima acabam com o SEF, que tinham os únicos funcionários que tinham prática”, diz o candidato do Chega.”