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Madalena Cascais Tomé, presidente da comissão executiva da SIBS, e Hélder Rosalino, o administrador do Banco de Portugal (em recondução) que tutela o setor dos pagamentos.
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Madalena Cascais Tomé, presidente da comissão executiva da SIBS, e Hélder Rosalino, o administrador do Banco de Portugal (em recondução) que tutela o setor dos pagamentos.

Madalena Cascais Tomé, presidente da comissão executiva da SIBS, e Hélder Rosalino, o administrador do Banco de Portugal (em recondução) que tutela o setor dos pagamentos.

Monopólio? "Fintech" estrangeira apresenta queixa no Banco de Portugal contra a SIBS

Uma “fintech” estrangeira apresentou uma queixa formal no BdP contra a dona do Multibanco por práticas anti-concorrenciais. É dossiê delicado para o administrador (reconduzido) Hélder Rosalino.

Uma queixa formal no Banco de Portugal acusa a SIBS, empresa dona do Multibanco, de atuar com uma “posição dominante” no setor dos pagamentos português, “abusar dessa posição” e “criar barreiras” a que outros concorrentes entrem neste mercado. Isso “prejudica os consumidores” porque limita a concorrência e o acesso à inovação. A empresa estrangeira que fez a queixa, apurou o Observador, pede ao supervisor que tome decisões, dentro do quadro legal, sobre uma situação que a Autoridade da Concorrência já apelidou de “quase monopolista” – daí ter feito buscas na empresa em janeiro.

O negócio dos pagamentos é complexo mas extraordinariamente lucrativo, em todo o mundo, e em Portugal é o administrador [do BdP] Hélder Rosalino – prestes a ser reconduzido para novo mandato – que tem a responsabilidade de garantir que o mercado cumpre as regras europeias, que têm evoluído cada vez mais no sentido da maior abertura no contexto europeu. A queixa no Banco de Portugal foi apresentada na primavera, pouco tempo depois dessas buscas da Autoridade da Concorrência na SIBS – buscas que, apesar de terem acontecido no início do ano, só foram noticiadas há poucos dias (em primeira mão, pelo Observador).

SIBS foi alvo de buscas pela Autoridade da Concorrência, que a considera “quase monopolista”

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O autor da queixa é uma fintech (tecnológica financeira) estrangeira na área dos pagamentos que já opera em vários países europeus e que, quando tentou entrar em Portugal, se deparou com uma situação que diz ser totalmente inédita na Europa. Na queixa é referido que em Portugal existe um mercado de pagamentos onde uma só empresa (totalmente privada) controla todas as fases do processo.

Salienta-se, também, que o controlo do mercado chega ao ponto de ser também a SIBS que assegura, por delegação, a gestão do SICOI, um sistema do Banco de Portugal no qual são processados e compensados os pagamentos feitos em todo o país. O que torna a SIBS ainda mais um gatekeeper neste setor, argumenta a empresa autora da queixa.

Questionada, fonte oficial do Banco de Portugal afirmou que o supervisor “não pode pronunciar-se sobre situações concretas que tenham sido trazidas ao seu conhecimento”. Porém, acrescenta: “Enquanto responsável pela promoção do bom funcionamento dos sistemas de pagamentos em Portugal, o Banco de Portugal analisa eventuais situações de incumprimento pelos prestadores de serviços de pagamento e outras entidades sujeitas às obrigações legais por cujo cumprimento está incumbido de zelar, ao abrigo, designadamente, do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica, e atua em conformidade no âmbito das competências que lhe são conferidas”.

O Observador enviou, também, perguntas para a SIBS, que não quis fazer qualquer comentário.

O BdP “não pode pronunciar-se sobre situações concretas que tenham sido trazidas ao seu conhecimento. Enquanto responsável pela promoção do bom funcionamento dos sistemas de pagamentos em Portugal, o Banco de Portugal analisa eventuais situações de incumprimento pelos prestadores de serviços de pagamento e outras entidades sujeitas às obrigações legais por cujo cumprimento está incumbido de zelar".
Fonte oficial do Banco de Portugal

A fintech, que o Observador sabe ser também uma das várias que têm enviado informação para a Autoridade da Concorrência, argumenta que a atual estrutura do mercado de pagamentos no país tem um caráter apenas ‘nacional’, discriminando os concorrentes ou potenciais concorrentes. O que, além de prejudicar os comerciantes e consumidores, é contrário às regras do mercado único europeu de serviços financeiros – e há muito que o BCE está atento.

Só em Portugal uma empresa é dona do esquema e do processador

Os problemas, de acordo com a queixa apresentada no Banco de Portugal, partem do facto de haver sob o “chapéu” do grupo SIBS várias entidades que controlam todas as fases da cadeia de valor. É por causa dos conflitos de interesse que daí advêm que a SIBS, segundo a queixa, demonstra ver os novos entrantes não como clientes, mas como concorrentes.

O mercado dos pagamentos em Portugal é dominado pelos chamados “cartões Multibanco”, que apenas são emitidos por bancos portugueses. Esses cartões assentam num esquema com um nome parecido mas não igual: o esquema MB, criado pela SIBS MB – subsidiária detida a 100% pela SIBS. Este conceito de “esquema” refere-se àquilo que permite a ligação entre cartões (pagantes) a comerciantes (aceitantes), de acordo com padrões técnicos e comerciais definidos. Alguns exemplos de esquemas são esquemas internacionais como o da norte-americana Visa ou da chinesa Alipay – ou, de âmbito mais nacional, o esquema MB em Portugal ou o Carte Bancaires de França.

Ao que o Observador apurou, a queixa no Banco de Portugal assinala, todavia, que a empresa que tem a exclusividade da gestão das transações é outra empresa do grupo, a SIBS FPS. Ou seja, é o mesmo grupo que controla não só o esquema como, ao mesmo tempo, o processador (exclusivo) – isso é, como aponta a queixa, proibido pelas regras europeias.

Quem chega ao mercado, demora meses até perceber exatamente qual parte da SIBS é responsável por qual atividade, diz a queixa. Iniciar negociações com a SIBS é um processo moroso, mesmo quando a empresa se apresenta como um possível cliente (para uma das componentes do negócio, não para outras). As propostas comerciais demoram muitos meses, até anos, e quando chegam são incompletas ou condições inaceitáveis – o que também é sintomático, diz a queixa.

Neste ponto, recorde-se que a Revolut, uma fintech britânica de grande crescimento internacional nos últimos anos, está há mais de dois anos para conseguir celebrar um acordo para fazer com que os seus cartões funcionem na rede Multibanco – o que, em princípio, seria algo bem visto por quem criou e gere o esquema. Como referiu o fundador da Revolut, Nikolay Storonsky, a situação vigente coloca as entidades estrangeiras “em desvantagem em relação aos bancos locais”, que são os acionistas da SIBS.

Multibanco

Na queixa é referido que em Portugal existe um mercado de pagamentos onde uma só empresa (totalmente privada) controla todas as fases do mercado de pagamentos.

Jose Sena Goulao/LUSA

À luz destes relatos e daquilo que a própria Autoridade da Concorrência tem dito, a empresa que fez a queixa pede ao Banco de Portugal que tome “as medidas necessárias, o mais rapidamente possível” para garantir que em Portugal passa a existir um “mercado de pagamentos aberto, transparente e concorrencial”, para benefício dos comerciantes e consumidores.

AdC pede “acesso efetivo das empresas” ao SICOI

O diagnóstico é antigo mas tardam as medidas para corrigir a situação “quase monopolista” de que goza a SIBS no mercado português, expressão utilizada no parlamento pela presidente da Autoridade da Concorrência, Margarida Matos Rosa, no ano passado. E bem mais recentemente, a presidente do supervisor voltou à Assembleia da República e foi questionada acerca da SIBS e das buscas que tinham sido noticiadas poucos dias antes.

Sem comentar a notícia das buscas, Margarida Matos Rosa salientou que “na área dos pagamentos fizemos várias iniciativas, uma em 2018 outra em 2020. A de 2020 incluiu um inquérito bastante extenso que incidiu muito sobre a inovação nessa área”. Nesse inquérito, foram dirigidos pedidos a 139 empresas ativas nesta área – algumas não ativas em Portugal mas quisemos perceber por que razão é que não estavam em Portugal, se era meramente uma questão de dimensão do mercado ou se haveria outros fatores”.

Desse questionário, “foram retiradas algumas recomendações: a Autoridade reiterou a importância de medidas que promovam a concorrência e a inovação de modo a poder proporcionar o melhor preço, qualidade e variedade aos consumidores, nomeadamente assegurar um acesso efetivo das empresas mais inovadoras (não incumbentes) ao chamado SICOI, o sistema de compensação [do Banco de Portugal, gerido pela SIBS] que neste momento não está a dar acesso direto e não existe acesso indireto regulado para este tipo de empresas”.

"A AdC reiterou a importância promover a concorrência e a inovação de modo a poder proporcionar o melhor preço, qualidade e variedade aos consumidores, nomeadamente assegurar um acesso efetivo das empresas mais inovadoras (não incumbentes) ao chamado SICOI, que neste momento não está a dar acesso direto e não existe acesso indireto regulado para este tipo de empresas"

A responsável acrescentou, ainda, que a AdC “reiterou a importância de assegurar a ausência de obstáculos no acesso a dados bancários e reiterámos a importância de acelerar plenamente a existência de sandboxes que promovam a inovação e que tenham requisitos proporcionais à sua atividade”, isto é espaços delimitados em que se possa dar a empresas pequenas direito a operar com menores exigências regulatórias, compatíveis com a sua dimensão “incipiente”.

Finalmente, a AdC também diz que tem “promovido a neutralidade tecnológica na contratação pública, para que os novos entrantes também possam ter oportunidade de se desenvolverem”. Margarida Matos Rosa não fez essa associação, mas neste tema destaca-se a plataforma do IVAucher que parecia encaminhada para uma gestão por parte da SIBS mas para o qual a SIBS acabou por nem sequer ir ao concurso (as buscas tinham sido algumas semanas antes) e o concurso foi ganho pelo único concorrente, a Saltpay, dona do Pagaqui.

O “puxão de orelhas” que o BCE veio dar a Lisboa

Já em 2018, a propósito do sistema MBWay, o então diretor-geral de pagamentos e infraestruturas de mercados do BCE, Marc Bayle de Jessé, criticou publicamente a SIBS por estar a lançar e promover uma plataforma interna, baseada em cartões, quando “deveríamos focar todos os nossos esforços na criação de soluções pan-europeias“.

Esse foi um “puxão de orelhas” dado durante uma conferência do Banco de Portugal, em pleno Museu do Dinheiro – um evento onde, além da presidente da SIBS, Madalena Cascais Tomé, também foi palestrante o então administrador do Novo Banco Vítor Fernandes, cuja nomeação para presidente do Banco de Fomento está suspensa pelo Governo (mas que continua como chairman da SIBS, após substituir Vítor Bento há poucos meses).

Em resposta ao representante do BCE, a presidente da SIBS desvalorizou as críticas, garantindo que para os utilizadores do MBWay “é exatamente igual” se o serviço se baseia no seu cartão ou noutra coisa qualquer — “as pessoas querem é poder fazer as transferências e os pagamentos de forma imediata e segura”. O ponto do BCE, porém, não era sobre a qualidade do serviço mas, sim, o sistema fechado e proprietário que está na sua génese – um serviço inacessível a todos que não tenham um cartão de uma conta de banco português.

BCE veio a Lisboa dar “puxão de orelhas” por causa do MBWay

Os problemas relatados na queixa ao Banco de Portugal, porém, vão muito além do MBWay. Qualquer empresa que queira entrar no mercado português, para disponibilizar soluções de pagamento alternativas, tem sempre de interagir com a SIBS, dada a sua implantação no mercado. E essa interação é normalmente marcada por uma “completa ambiguidade” e “opacidade”, aponta a empresa que apresentou a queixa no Banco de Portugal.

O maior acionista, a CGD, pede SIBS “cada vez mais transparente”

Esta sexta-feira, durante a apresentação de resultados da Caixa Geral de Depósitos, o Observador questionou o presidente do banco que é o maior acionista da SIBS, com 21,6% da empresa. Paulo Macedo começou por destacar, antes de mais, que “a SIBS é uma empresa cooperativa, onde os bancos portugueses se associam para reduzir os seus custos” e, nessa perspetiva “os maiores perigos para a subsistência da SIBS – que penso que todos concordamos que tem tido um contributo importante para o país, em termos tecnológicos – é se saem vários bancos” do capital da empresa.

Temos de perceber muito bem o que é que queremos da SIBS: queremos que seja cooperativa, para reduzir os custos, ter uma boa plataforma de pagamentos, etc? Ou seria melhor não termos uma SIBS e cada banco tratar da sua vida? Os bancos estrangeiros adorariam, têm muita gente em Espanha a querer tratar desta situação. Os acionistas têm de ver o interesse de ter uma SIBS ou não”, afirmou Paulo Macedo.

Depois dos 21,6%, os outros maiores acionistas da SIBS são o Millennium BCP, com 21,54%, e o Santander, com 15,56%. No que diz respeito ao banco público, Paulo Macedo garante que a “Caixa vê interesse numa SIBS que atua no mercado, mas que atua no mercado de forma correta, com governance correto, que seja reforçado e que não possa tolerar práticas que não sejam desejáveis”.

Paulo Macedo argumentou que “a SIBS tem investido, incluindo agora nesta nova configuração em termos de governance, onde reforçou as competências do conselho fiscal, reforçou a sua componente executiva” e isso dá mais garantias de que a conduta seja correta. Mas “se há alguma coisa que não esteja correta… esta ideia sobre a posição monopolista da SIBS já há algum tempo que é um tema recorrente, obviamente a Caixa quer que tudo seja esclarecido e estará disponível para apoiar a empresa no seu caminho de ser cada vez mais transparente“.

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