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Monte Campo: as mochilas portuguesas fazem 40 anos

Em 40 anos, a fábrica da Monte Campo nunca parou de fazer mochilas. O negócio de família está hoje nas mãos de três gerações e, quando muitos a julgavam extinta, a marca reapareceu com novos modelos.

Mochilas há muitas, mas se a produção nacional for um requisito, resta uma marca apenas. Hoje, pode ser raro avistar uma Monte Campo na rua, mas há 25 anos andava meio mundo com elas às costas. A marca faz 40 anos e não, nunca deixou de produzir na pequena fábrica de São João da Madeira. Visto de fora, o edifício mais parece uma moradia de família, impressão que não anda muito longe da realidade. A Monte Campo nunca deixou de ser um negócio de família e agora são três as gerações que se encontram: um avô, Eduardo Pinheiro, o fundador da marca, um filho e um neto, ambos com o mesmo nome do patriarca.

Há quatro décadas foi assim: um pai de família, recém-chegado da Guiné e com muita veia para o negócio. Eduardo, o primeiro, nunca teve o sonho de criar uma marca, o que fez foi ocupar um lugar que estava vago no mercado. “Na altura, íamos acampar com um grupo de amigos para a Serra da Feita. Mas, para termos mochilas, tínhamos de ir a Vigo comprá-las. Nada contra os espanhóis, mas ir até lá ainda custava dinheiro”, conta o fundador. Assim apareceram os primeiros exemplares, desenhados por Eduardo, cosidos pela mulher no espaço que é hoje a garagem da casa onde vivem, paredes meias com o terreno onde viriam a construir a fábrica.

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Na época e naquela região em particular sentia-se o pulsar das confeções nacionais. Um cenário bem diferente do atual. Hoje, a Monte Campo emprega 15 pessoas, menos de metade das que lá trabalhavam nos tempos áureos. Durante 22 anos, Eduardo conjugou o negócio próprio com um emprego de comercial para outra empresa. Correu o país, conheceu todas as fábricas e redes de distribuição e viu de perto as necessidades quotidianas dos portugueses. Depois do equipamento para viver ao ar livre, deitou mão às mochilas escolares. O lema foi sempre só um: o que se fizer, tem que se fazer bem feito. “Vendíamos, fabricávamos e transportávamos para Lisboa e arredores, a área que consumia 80% dos milhares de mochilas que produzíamos”, recorda Eduardo Pinheiro ao Observador.

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O empresário fez sempre parte da engrenagem. “Levava as mochilas para os escuteiros, entregava-as ali no Intendente. Saíamos às três, quatro da manhã e demorávamos sete horas a chegar a Lisboa. Às nove, estávamos a entregar na Casa Senna, por exemplo, ou até mesmo em Almada. No regresso, chegávamos ali a Oliveira de Azeméis ou a Águeda e tinha de encostar o carro numa gasolineira e dormir meia hora, a dez quilómetros de casa. Foi assim durante anos e anos”, conta. Na outra ponta da cadeia de produção, Eduardo também chegou a fazer umas quantas piscinas. “Ia a Famalicão comprar o nylon branco, à saída do tear, depois ia para a tinturaria, no Porto, para tingi-lo, e terminava numa terceira fábrica para lhe dar o acabamento repelente e impermeabilizante. Consegui pôr a máquina a funcionar, eu e a minha esposa. Ela acompanhou-me sempre”.

Na fábrica, perde-se a conta aos moldes e aos rolos de esponja e tecido. As máquinas cortam, moldam e bordam, mas é nas mãos das costureiras que tudo acaba, da mochila mais simples à mais complexa. Eis o segredo da resistência e durabilidade das Monte Campo: mãos minuciosas, em vez de maquinaria computorizada. Os modelos mais robustos ainda levam esqueletos em alumínio, peças moldadas numa oficina a poucos metros de distância. Aos 73 anos, Eduardo continua na fábrica. Num único dia, chegam a ser finalizadas mais de 100 mochilas.

Nem só de mochilas vive a Monte Campo

A chegada em força de marcas internacionais acabou por ofuscar as mochilas portuguesas. Nos preços, a Monte Campo não teve como competir com a mão de obra asiática. “Há 25 anos, aconteceu o que aconteceu, os chineses engoliram quase todas as confeções. A culpa não foi deles, quem nos governava é que não soube antever o que ia acontecer. Praticamente, 80% das confeções fecharam e nós trabalhávamos com elas. Tive de mandar 22 colaboradores para casa, incluindo a minha irmã e o meu cunhado. Ou tomava esta decisão ou falíamos”, admite o fundador. Para sobreviver, a marca pôs o seu valioso saber fazer ao serviço de outros. Eduardo lembra-se do dia em que dois empresários ingleses lhe bateram à porta. Procuravam quem lhes pudesse fazer cintos em pele. Todos os contactos foram em vão e vez de ficar a ver os potenciais clientes irem embora de mãos a abanar, Eduardo comprou as máquinas e os materiais necessários para produzir os cintos. O negócio paralelo dura até hoje e já fez com que saíssem da pequena fábrica de São João da Madeira à volta de 400.000 cintos por ano.

Com uma armação em alumínio, uma das primeiras mochilas Monte Campo, no final dos anos 70 © Fotografia cedida pela Monte Campo

Hoje, é também da fábrica da Monte Campo que saem as mochilas depósito que vemos em concertos e festivais. Peças resistentes e complexas, cuja produção foi confiada aos melhores. Mas, por estes dias, termina-se uma outra encomenda: 200 mochilas de combate a incêndios para o GIPS (Grupo de Intervenção Proteção e Socorro) da GNR. Algumas foram mesmo desenhadas na casa. A estratégia de não depender de um único produto deu resultados, mas não foi o suficiente. “Entraram outras marcas em Portugal, com preços irrisórios, e nós não pudemos igualar. Para fazer bem, não podemos fazer aqueles preços. Durante 20 e tal anos, criámos uma parceria com uma fábrica num país asiático. Isso permitiu-nos sobreviver”, afirma.

Enquanto continuou a produzir as suas mochilas mais emblemáticas em Portugal, a par das encomendas externas, a Monte Campo desenvolveu novos produtos para serem produzidos na Ásia e, assim regressarem com um preço muito mais competitivo. A tática dura até hoje, embora a família admita estar a desenvolver esforços para voltar a concentrar toda a produção em São João da Madeira.

A moda da nostalgia: as mochilas estão à venda

Manuel Dias lembra-se bem do ritmo alucinante a que eram vendidas as mochilas Monte Campo, na reta final do século passado. Há 47 anos na histórica Casa Senna, da qual é sócio, já viu modas rebentarem, esmorecerem e regressarem à conquista de novas gerações. A marca portuguesa não é exceção, embora seja muito pouco provável voltar a viver aquela época de ouro. “Chegámos a receber 200 e tal mochilas de manhã e a vendê-las todas no mesmo dia. Houve alturas em que a fábrica simplesmente não conseguia responder”, conta. Fundada em 1834, a Casa Senna é a mais antiga loja de desporto do país e chegou mesmo a fornecer equipamento para a família real portuguesa, ainda durante a monarquia.

Antes das mochilas que hoje conhecemos, a Monte Campo começou por fazer sacos e malas para campismo e montanha © Fotografia cedida pela Monte Campo

As primeiras mochilas foram vendidas aqui. A Monte Campo estava na moda e não havia grandes alternativas, pelo menos na secção de material escolar. Na loja, tal como em casa, Manuel Dias tomou o gosto às mochilas portuguesas. “Era o que os meus filhos usavam. As mochilas passavam de uns para os outros e ainda hoje tenho algumas lá em casa. É a melhor mochila que existe”, afirma. “Venha o que vier, estas têm mesmo muita qualidade”, acrescenta. E vieram. Com os anos 2000, a atenção dos mais novos foi desviada para as marcas internacionais: Eastpak, O’Neill, Quiksilver, entre outras. Ainda assim, durante os 40 anos da marca, as Monte Campo nunca deixaram de estar expostas na loja lisboeta.

“A marca é incrível e o fator nostalgia funciona”, continua. Tal como Tiago pensava há umas semanas, muitos entram na loja surpreendidos. Afinal a marca continua a produzir mochilas e até redesenhou o seu modelo mais icónico. Para o Bairro Alto veio só a versão original, com o logótipo clássico. Os turistas nunca o viram, mas encontrar peças portuguesas numa loja onde, até há bem pouco tempo, as únicas mochilas à venda eram Herschel, torna a ida às compras mais entusiasmante. Com 31 anos, Tiago exibe agora a sua primeira Monte Campo. Quando era mais pequeno, os pais nunca lhe compraram nenhuma. Hoje, usa-a todos os dias. Além de querer continuar a apostar nos clássicos da marca, a The Sky Walker tem planos mais ambiciosos. Uma das ideias em cima da mesa é aproveitar a produção manual e a pequena escala da fábrica para produzir edições limitadas e exclusivas só para a loja. Ficamos à espera.

À terceira geração, a Gardunha reinventa-se

Hoje, a Monte Campo é comandada, não por um, mas por três Eduardos. Com 50 anos, o filho do fundador sempre fez planos para se juntar ao pai à frente do negócio da família. Até aos 29, foi jogador profissional de hóquei patins. Tinha 10 anos quando os pais começaram a fazer as primeiras mochilas. “Provavelmente, fui o primeiro a usar uma mochila Monte Campo. Levava-a para a escola, eu e todos os meus amigos aqui da zona. Lembro-me de virem cá todos pedir para terem uma mochila igual à minha”, conta.

Com 20 anos, Eduardo é filho, neto e o responsável pela chegada da marca às redes sociais. Mora em Lisboa, onde joga na equipa B de futebol do Sporting. Quer ser futebolista, tem uma licenciatura em economia e gestão em standby e aproveita todos os tempos livres para se dedicar às mochilas. Provavelmente, se não fosse este o negócio da família, Eduardo não saberia o que é a Monte Campo. “Nenhum dos meus colegas de equipa conhecia a marca, mas os pais conhecem todos”, admite. “A Monte Campo estava adormecida, mas continua a fazer parte do imaginário dos portugueses. A qualquer lado que se vá e que se fale em Monte Campo, a reação da maioria das pessoas é: ‘Ah, já tive uma’, ‘Ah, usei uma na escola’, ou ‘Ah, acho que ainda tenho uma lá em casa’. Há sempre um comentário”, afirma o pai, o segundo Eduardo na árvore genealógica.

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A força da nostalgia e do revivalismo fez a marca renascer. Em catálogo, há mais de 40 modelos, dois segmentos — o de lifestyle e o de montanha — e uma oportunidade, não para repetir as proezas das primeiras décadas, mas para dar a conhecer a Monte Campo às novas gerações. “Tivemos de nos adaptar e de andar onde estávamos mais confortáveis. Às vezes, parar um bocado ou ficar na parte de trás não está errado, significa que se está à espera do momento oportuno e este é o momento oportuno para relançar a marca. Há 10 anos, não era interessante ter um artigo português, então não fazia muito sentido estar a insistir numa coisa que as pessoas não queriam. Agora, o que é português é bom”, completa o mesmo Eduardo.

Numas férias de família, decidiram dar uns retoques na mochila mais icónica da marca, a Gardunha. O makeover ficou a cargo de Beatriz, designer e também ela neta do fundador. O logótipo foi refeito, pensaram-se novas combinações de cores e aumentou-se o tamanho das letras nas fitas da mochila. Feitas em Portugal, bem ao gosto de outra geração, é este o caminho da Monte Campo. Os clássicos continuam lá, mas, ao fim 40 anos, convém dar lugar aos novos.

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