Uma, duas, três. Com o resultado conseguido este sábado, Luís Montenegro teve três vitórias. Arrumou o fantasma do rioísmo e resolveu o complexo anti-montenegrista que existia no partido. Esmagou o adversário direto por números copiosos. E, mais importante, deu um sinal aos que aguardam pela catástrofe teórica nas europeias de 2026 para o atirarem borda fora: veio para ficar.
Quando subiu ao palco para discursar, pouco depois das dez e meia da noite, Montenegro era, naturalmente, um homem feliz. Na sala de hotel reservado para o efeito, em Espinho, onde tudo começou para Montenegro, a emoção de muitos dos seus apoiantes era evidente. Depois do resultado traumático de 2020, depois da travessia no deserto de dois anos, chegara finalmente o seu momento e sem margem para dúvidas ou segundas e terceiras leituras. Uma vitória inequívoca.
Num discurso de cerca de 20 minutos, Montenegro agradeceu aos seus, elogiou o adversário (“Não vamos prescindir do talento de Jorge Moreira da Silva”), falou do seu projeto para o país (“Vamos ser a voz de quem não tem voz”), prometeu uma oposição firme mas construtiva, e decretou o “princípio do fim da hegemonia” socialista. ”Isto vai mesmo valer a pena. Vamos dar um novo ciclo à oposição e à alternativa em Portugal. O país precisa de nós. E não vamos falhar a Portugal”, garantiu.
Mas foi na fase em que já respondia aos jornalistas que Montenegro passou a mensagem que queria passar esta noite: aos que já conspiram nas sombras, o melhor é ficarem quietos; a vitória deste sábado é um sinal claro de que a nova liderança está blindada até à última casa. “Este resultado revela que nós no PSD temos uma maioria expressiva a secundar esta liderança e este programa. Vamos ter a vida mais facilitada para termos unidade e coesão no PSD”, atirou o antigo líder da bancada parlamentar, galvanizado pelos aplausos da sala.
A necessidade de ter um resultado esmagador era, de resto, a grande preocupação da campanha do homem de Espinho. O núcleo duro de Luís Montenegro sabia que qualquer resultado titubeante seria percecionado como um sinal de enorme fragilidade — o antigo líder parlamentar partiu para esta corrida em clara vantagem, contra um adversário sem grande notoriedade, que apareceu tarde e despido de apoios relevantes.
Montenegro não teve um resultado titubeante. Nem sequer ficou na casa dos 60%, número mágico que ia confortando a entourage nos últimos dias de campanha. À exceção da elevada abstenção — que Montenegro atribuiu à campanha do adversário — o antigo líder parlamentar tornou-se o novo presidente do PSD por números históricos: mais votos do que Rui Rio nas últimas duas eleições diretas (que fez questão de frisar), em linha com valores alcançados por Menezes e Manuela Ferreira Leite e com a maior diferença percentual entre dois candidatos desde que existem diretas no PSD. Foram 72.47 contra 27.53%; 19.225 votos contra apenas 7.304 de Jorge Moreira da Silva.
O possível anátema de líder deslegitimado, que os adversários internos lhe queriam colar desde o primeiro minuto, não colou. “O país habituou-se a tirar duas conclusões das eleições do PSD: que era eleito um líder, mas o partido estava dividido; hoje foi eleito um líder, mas o partido está unido”, despachou Montenegro. Não está unido porque são muitos os que apostam que Montenegro é apenas um líder a prazo; mas o espaço para a oposição interna tornou-se, depois do resultado deste sábado, muito mais exíguo.
Montenegro vai tentar aguentar o trono no pós-europeias
Tudo pode mudar depois das eleições europeias, em 2026, o grande desafio eleitoral deste ciclo de dois anos. Montenegro, de resto, não ignora que terá a cabeça a prémio se tiver um resultado aquém das expectativas nessas eleições. Aliás, é esse o plano dos adversários internos do novo líder do PSD: cozê-lo em lume brando durante dois anos e fritá-lo de vez na ressaca de umas eleições que todos antecipam serem muito difíceis para o PSD.
“Isso não me preocupa nada. Sei que existe isso tudo, ando aqui há muitos anos, já vi isso sob as mais variadas formas”, dizia há dias Montenegro ao Observador. Este sábado foi mais longe: “Esta vitória expressiva é uma primeira demonstração da capacidade que temos de vencer eleições. Vamos disputar a vitória nas eleições europeias. Não me importo nada de assumir a responsabilidade daquilo que fizer e dos resultados que tiver nos próximos dois anos. Não vou fugir às minhas responsabilidades.”
Mais uma vez, Montenegro não deu respostas fechadas sobre que consequências retirará perante um eventual mau resultado nessas europeias. Mas a forma como fez questão de frisar que teve uma “maioria expressiva”, que o partido está “unido” e que a nova direção social-democrata terá a “vida mais facilitada” indicia uma coisa: se daqui a dois anos o tentarem derrubar, não deixará de lembrar que teve uma votação histórica a 28 de maio de 2022. Está a encontrada a narrativa do montenegrismo.
Foi também por isso que, mais uma vez em resposta aos jornalistas, deixou claro que o seu plano é durar até ter oportunidade de desafiar o PS nas urnas. “O mandato é de dois anos, mas eu vim para ser candidato a primeiro-ministro em 2026. Vim para preparar o PSD a vencer as legislativas e ter uma maioria para governar”, atirou. Montenegro assinalou esta data como início do fim da hegemonia do PS; o partido dirá nos próximos anos se terá a oportunidade de o comprovar no futuro.
Rioísmo não existe sem Rio
A vitória de Montenegro não se fez apenas pelos números redondos que conseguiu. O novo líder social-democrata venceu em todos os distritos, incluindo nos quatro maiores (Porto, Aveiro, Lisboa e Braga), na grande maioria dos concelhos e teve resultados positivos nos dois últimos bastiões do rioísmo: Ovar, de Salvador Malheiro, o grande responsável pelas três vitórias internas de Rio; e Barcelos, de Carlos Eduardo Reis, o diretor de campanha de Moreira da Silva, e peça instrumental na vitória contra Rangel.
É certo que perdeu nestas duas cidades, mas por números simpáticos. E ainda ganhou na concelhia do Porto, o berço de Rui Rio. As forças do seu maior adversário dos últimos cinco anos — Montenegro também se lhe opôs desde 2017 — estão definitivamente neutralizadas. Apesar de terem de coabitar durante mais um mês — Rio só deixa de ser líder do partido no congresso de julho — é tempo de virar a página.
“Vamo-nos articular à moda dos homens bons: conversando uns com os outros. Cada um sabe qual é o seu papel e a sua responsabilidade”, prometeu o novo presidente do PSD, já depois de ter revelado que Rio lhe tinha ligado a dar os parabéns, um momento captado pelas objetivas do Observador num quarto em que Montenegro acompanhava o desenrolar da noite eleitoral, com a família e com os apoiantes mais próximos.
Para o filme da noite ficaram também as palavras simpáticas sobre Moreira da Silva e os homens e mulheres que apoiaram o antigo ministro do Ambiente. “São nossos companheiros e merecedores do nosso respeito”, reforçou o novo líder do PSD, prometendo integrar todos os que queiram ser verdadeiramente integrados.
Resta agora o grupo parlamentar como único reduto do rioísmo. Sobre a continuidade de Paulo Mota Pinto à frente da bancada parlamentar, o novo líder social-democrata deixou apenas palavras vagas e o anúncio de uma reunião de trabalho para afinar a melhor forma de articular trabalho. A convivência entre os dois será a prova de algodão às promessas de unidade que Montenegro foi repetindo ao longo de toda a campanha e que este sábado voltou a sublinhar. Os primeiros sinais serão determinantes para perceber que PSD quer ter Montenegro daqui para a frente.