Hugo Carvalho foi eleito pelo Porto e agora por Viseu, distrital que é liderada por um dos maiores apoiantes de Luís Montenegro. Depois de ter sido aposta de Rui Rio e ter apoiado Jorge Moreira da Silva, acredita que “a bancada não se vai insurgir contra Luís Montenegro” e diz que a “direção da bancada tem que estar alinhada” com a nova liderança do partido, admitindo que possam existir mudanças naquilo que é a direção do grupo parlamentar. A entrevista foi gravada poucas horas antes do debate e votação da despenalização da eutanásia.
[Ouça aqui o Sofá do Parlamento com o deputado Hugo Carvalho, do PSD]
Hugo Carvalho, do PSD: “Não acredito que a bancada se insurja contra Montenegro”
Já votou a favor da eutanásia no passado, vai manter o mesmo sentido de voto?
Este é um tema que, sendo fraturante, todo o país concorda que é de consciência. E quando é sobre consciência é sobre a minha e sobre essa já fiz muita reflexão. Discuti o assunto dentro do Parlamento e fora, muitos anos antes de cá estar e depois de ter entrado. A minha consciência disse-me na altura e diz-me agora que neste quadro — isto não é só dizer que é contra ou a favor da eutanásia no abstrato, é preciso perceber como é que é aplicada –, mantenho, a minha posição e a de respeitar a da sociedade. Há um outro voto e eu, sendo a favor da eutanásia, também sou favorável à ideia do referendo. Se eu voto pela minha consciência, também tenho que respeitar que a sociedade vote de acordo com a sua.
Mas isso não é dizer que o debate não foi assim tão alargado?
Foi muito alargado dentro das portas do Parlamento e fora. Nenhum tema é um tema qualquer, mas este é um assunto que marca o país. Não sou nada contra a ideia de existir um referendo, dependendo do que for. Também adianto já que vou votar contra o projeto do Chega, que pede um referendo à moda do Chega, simplificando tudo, sem dizer nada sobre se tem doença fatal, doença incurável, se tem sofrimento crónico. Enfim, é preciso colocar as coisas nos devidos termos. Tenho a minha opinião, mas respeito a de todos os outros.
O PSD deu liberdade de voto não só na eutanásia mas também no referendo. No referendo não devia ter imposto uma disciplina de voto, visto que não é uma questão de consciência?
É uma discussão que foi longa. Há uma corrente de pensamento de que esta é uma questão política e outra de que isto é relacionado com a matéria da eutanásia e de que os deputados estão mandatados para decidir sobre isto. O que se entendeu é que a posição do partido também é expressa por quem cá está e a liberdade foi dada nas duas matérias, ainda que tenham existido congressos do PSD em que foram moções aprovadas contra este tema.
Esta posição pode ter sido tomada devido ao momento de transição de liderança?
A mudança de liderança dificulta muitas coisas, mas também facilita algumas. Aqui penso que não. Já noutras ocasiões isto aconteceu. Nesta matéria, que é tão fraturante, as diferentes opiniões existem, e não só no PSD, em todos, tirando os extremos.
Ainda sobre a eutanásia. Acredita que estes projetos foram corrigidos o suficiente para ultrapassar as dúvidas do Presidente da República?
O melhor que poderia dizer foi o que me disse o meu telemóvel há pouco numa notificação a dar conta de que Marcelo Rebelo de Sousa manteria as dúvidas. Portanto, as dúvidas são dele, não são minhas.
E acha que está a ser isento na análise? Nessas dúvidas? Ou há a questão da consciência de Marcelo Rebelo de Sousa
Isso não saberia responder. Não estou nem dentro nem fora da consciência de Marcelo Rebelo de Sousa e diria apenas que tem cumprido ao longo dos anos o papel de Presidente da República de forma exímia.
Vamos a esta fase de transição. Integra também a direção da bancada parlamentar. Com a mudança de liderança, Paulo Mota Pinto deve colocar o lugar à disposição?
A direção do grupo parlamentar deve estar alinhada com a liderança do partido e acho que existem protagonistas nesta liderança com consciência e elevação partidária para o fazer como é o caso do Paulo Mota Pinto e de todos os meus colegas de bancada, quero eu acreditar. Todos concordamos que chega desta guerra interna do PSD. As eleições internas não querem dizer que quando há duas escolhas se odeia a outra. Tem a ver com identificação e posicionamento.
Mas esta direção da bancada não teria problemas em criar essa unidade com Luis Montenegro?
Não tenho dúvida nenhuma que esta direção iria criar essa unidade com o partido, no melhor para o PSD. O grupo parlamentar é um dos maiores instrumentos que o partido tem e que Luís Montenegro vai ter à sua disposição. Não quero acreditar que o grupo parlamentar irá insugir-se contra Luís Montenegro, nem que ele o deixe de usar. Não vamos ser hipócritas, sempre tentei ser desempoeirado, não estamos à espera que não existam alterações. Não sei quais são, não fui eleito líder do partido. É natural que sempre que se troca uma liderança todos temos que estar disponíveis para servir o partido, onde ele entenda. Deve também existir a consciência do PSD que tem aqui bons elementos, com qualidade, disponíveis, não só dentro do Parlamento mas também fora e caberá agora aos líderes decidirem isso. Normalmente pergunta-se sempre se se deve colocar o lugar à disposição, não acho que tenham que vir já colocar lugares à disposição e demitir-se. Se por acaso Luís Montenegro disser que Mota Pinto deve sair, nós somos todos da mesma direção. Se disser que deve ficar, podemos ser todos a mesma direção, trocar alguns. Pode-se trocar tudo, pode não se trocar nada. Isso será uma avaliação que o presidente do partido fará com o presidente do grupo parlamentar e que espero que corra bem neste sentido de manter os bons protagonistas que o partido tem, entre os quais Paulo Mota Pinto.
Já referiu a questão do posicionamento e de que não é preciso não gostar de uma das opções. O Hugo Carvalho apoiou Jorge Moreira da Silva mas pegando no slogan de Montenegro, acredita nesta liderança?
Não é preciso não se gostar, pode ser uma questão de identificação e comigo foi claramente isso. Apoiei Jorge Moreira da Silva porque me identifico com o pensamento dele há muitos anos e porque tinha essencialmente duas coisas essenciais. A visão de mundo que o Jorge [Moreira da Silva] tem da modernidade das políticas públicas, das agendas internacionais, do posicionamento global e do pensamento que tem produzido sobre isso, mas sobretudo numa coisa que para mim é fundamental, que o partido e a nova direção têm que fazer: uma reforma estrutural. Sobre as organizações dentro do PSD, a organização do PSD, a participação dos militantes, as oportunidades que os militantes têm, a forma comunicamos e nos organizamos, que são coisas que nós, partidos mais antigos, temos de fazer. O Jorge Moreira da Silva tinha essa vontade e eu identifico-me com isso e ao mesmo tempo acho que fez uma grande candidatura.
E acha que pode continuar a ser útil? Por exemplo nessa questão da reforma interna?
O líder do partido e o Jorge Moreira da Silva é que o dirão. Os três concordamos numa coisa: Jorge Moreira da Silva e os seus apoiantes não são para dispensar, e estou a citar Montenegro. Portanto, o Jorge Moreira da Silva será sempre útil ao partido. Acredito que temos um líder com qualidades para fazer o que é preciso, para fazer oposição ao PS, para ser muito melhor numa visão de país do que o PS e com capacidade para superar os desafios na Madeira e nas Europeias. O PSD pode posicionar-se reformando-se internamente, numa sociedade em que o eleitor já não é tradicional: do clube de ideias ou de partido. A sociedade é muito mais dinâmica do que isto e o PSD tem aqui até uma marca de Rui Rio, em que está ao lado das soluções, ao lado do país. Mesmo quando outros partidos como o Bloco de Esquerda e o PCP estiveram por conveniência enquanto era para governar e em que durante a pandemia andaram às avessas. E depois com o chumbo do Orçamento do Estado. Os problemas do país não estão a ser resolvidos. Temos uma situação de inflação, de problemas de trabalho em que o primeiro-ministro anda a pedir ao privado para aumentar salários e ao mesmo tempo — como ainda hoje foi notícia –, o salário de entrada na função pública é quase o mesmo de 2009. Já nem é só o salário baixo em Portugal inteiro. Também já não compensa ir trabalhar para a função pública. Esta ideia que se andou a vender em Portugal que se combatia a pobreza sem criar riqueza é a grande falha do PS que está à vista. É aqui que o PSD pode capitalizar muito bem e o Luís Montenegro tem todas as oportunidades para protagonizar as alternativas. Quero eu acreditar que terá todo o partido consigo.
A chamada do João Leão ao Parlamento, por causa do financiamento do ISCTE, foi um assunto que liderou neste início de legislatura. Com o Orçamento a ter-se metido pelo meio, este assunto não pode perder força? Não foi uma passagem ao lado?
Força mediática terá perdido, mas não deixará de ser interessante e posso prometer que a vinda do João Leão terá ainda matérias por esclarecer. As instituições de Ensino Superior são iguais. Ninguém sabe o que se passou na negociação entre o Ministério das Finanças, o Ministério do Ensino Superior e o ISCTE porque todos contam histórias diferentes. Não tendo tanta atualidade como tinha, João Leão já é candidato a uma série de outras coisas. Parece que ainda anda à procura do melhor lugar.
Terminava com a vida interna do PSD novamente. Foi cabeça-de-lista por Viseu. O líder da distrital ficou fora das listas e têm estado sempre com candidatos diferentes: Pedro Alves com Rangel e Montenegro, o Hugo Carvalho com Rio e Moreira da Silva. Agora que o nome de Pedro Alves tem sido falado para secretário-geral, ficaria contente em ter o líder de distrital num cargo desta relevância no PSD?
Para a minha distrital é sempre bom ter um cargo de importância na direção nacional. O Pedro Alves não foi candidato a deputado, mas não ficou de fora do partido. O Pedro Alves está bem dentro do partido e se conseguir ter um cargo de grande relevância é muito importante para o distrito e desejo as maiores felicidades, porque as felicidades dele são as do partido e também as minhas.
Não há pruridos nesta matéria?
Não.