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Na história da TAP há um antes e depois de Fernando Pinto. A contratação do gestor e da sua equipa de “brasileiros” em 2000 rompeu com a tradição na nomeação de gestores para empresas públicas, em particular no caso da TAP que era então a empresa mais politizada e mediatizada em Portugal. E quase sempre por maus motivos.
Na segunda metade da década de 90, João Cravinho, o primeiro ministro do Equipamento de António Guterres, fez um acordo para vender até 49% da companhia portuguesa à Swissair. A falência da transportadora suíça e da aliança comercial onde a TAP estava integrada deixou a companhia portuguesa em maus lençóis. A TAP vinha de uma reestruturação em que o Estado, ainda com o Governo de Cavaco Silva, meteu 180 milhões de contos (900 milhões de euros), na empresa. Depois disto, a Comissão Europeia não permitia mais dinheiro público. Só o capital privado podia entrar.
A TAP estava numa situação dramática, destaca o ex-ministro do Equipamento, Jorge Coelho, ao Observador. Tinha um problema financeiro e de tesouraria, chegou a estar em causa o pagamento de salários quando o dinheiro do novo acionista falhou.
Nestas condições difíceis era preciso encontrar uma solução para a liderança e não havia ninguém em Portugal com a capacidade para fazer aquilo que era preciso fazer, conta Jorge Coelho. O então ministro do Equipamento pediu a uma empresa especializada, uma headhunter, que encontrasse candidatos à altura do difícil cargo. Houve três nomes em cima da mesa, todos estrangeiros, um deles era sul-africano, recorda Jorge Coelho, que os entrevistou. A escolha recaiu sobre Fernando Pinto, que tinha sido presidente da Varig e foi a primeira opção.
Com Fernando Pinto veio a sua equipa de gestores que também tinham passado pela Varig. Jorge Coelho explica que a TAP precisava mais do que um novo presidente, era necessária uma equipa de gestores profissionais. E Fernando Pinto quis trazer as pessoas em quem tinha a máxima confiança.
O ex-ministro lembra que a contratação foi muito discutida, até dentro do Governo, por ter sido feita no estrangeiro e por causa dos altos salários que toda a equipa ganhava. Para além da competência profissional e do reconhecimento internacional do know-how de Fernando Pinto, Jorge Coelho sublinha que também era preciso uma rutura com o passado, lembrando ainda o forte comprometimento político que limitava a gestão da empresa. Sempre que se recebia alguém de fora, havia logo a reivindicação de que a TAP tinha de abrir uma rota. O ex-ministro lembra-se de ter ido várias vezes ao Parlamento responder sobre a exigência de novas rotas. A empresa era também frequentemente abalada por greves e contestação laboral.
E essa foi uma das condições que Fernando Pinto colocou: O Governo comprometia-se a não interferir na gestão corrente e na política comercial da companhia. O gestor, diz, fez “um trabalho extraordinário” de transformação da empresa, mas Jorge Coelho não esquece que também os trabalhadores da TAP aceitaram e apoiaram a gestão de Fernando Pinto. Ele tinha grande credibilidade no mundo da aviação, até era piloto e percebia de aviões. E todos o reconheciam.
A escolha de Fernando Pinto fica também “como uma das decisões políticas complicadas das quais mais me orgulho”, sublinha o ex-ministro Jorge Coelho que não esconde a grande consideração que tem pelo gestor depois de conhecida a sua saída da presidência da companhia aérea no final de janeiro.
As guerras com Cardoso e Cunha e a quase saída da TAP
Não será a primeira vez que Fernando Pinto está de malas feitas para abandonar a administração da TAP. Em 2004, o gestor e a sua equipa de “brasileiros”, como chegaram a ser conhecidos os administradores da transportadora, estavam de saída da TAP, quatro anos depois de terem chegado.
Fernando Pinto era o elo mais fraco na guerra com Cardoso e Cunha, presidente do conselho de administração da holding TAP SGPS, um barão do PSD que tinha o apoio do Governo então liderado por Durão Barroso. Depois de uma convivência turbulenta com alguns embaraços públicos, o ex-comissário europeu, e figura importante no PSD, deveria assumir o rumo da companhia. Fernando Pinto devia ser afastado do seu caminho.
A poucas semanas da saída, então dada como certa, em maio de 2004, a comissão executiva da TAP dá uma entrevista coletiva ao Jornal de Negócios. À mesa estavam três administradores brasileiros, Fernando Pinto, Luís Gama More, que foi responsável pela área comercial, e Michael Connely, administrador financeiro (faltava Manoel Torres) e dois portugueses — Jorge Sobral que liderava a manutenção e Ângelo Esteves que presidia à empresa de handling que estava então a ser privatizada.
Na ementa da conversa estava o balanço dos primeiros quatro anos de cargo e o esperado fim do ciclo à frente da TAP. Fernando Pinto reconhecia o “desconforto” com a presidência dupla que marcava a condução da empresa, mas assumia que queria ficar. Na empresa e em Portugal.
“Não estou com isso a tirar a qualidade e a capacidade de gestão das outras pessoas. Acho que cada um tem o seu estilo e são diferentes. E cada um tem de gerir dentro do seu estilo e eu não sei fazer diferente. Nós nunca dissemos que não queríamos ficar. Nós queremos ficar.” Mas sublinhava: “Acho que quem diz que o ciclo acabou são as pessoas para quem eu trabalho. E eu trabalho para o Governo e hoje na TAP há uma forma diferente de atuar. Eu hoje tenho um conselho diferente do que tinha quando cheguei, tenho condições diferentes de trabalho. Para o meu estilo de gestão são piores e aí temos problemas”.
Fernando Pinto admitia “friamente” que podia sair “hoje, amanhã ou daqui a cinco anos” e fazia já um balanço positivo. “A empresa está muito mais preparada do que estaria há dois anos atrás. Hoje a empresa tem outra cultura, entendeu que tem toda a condições de ter sucesso se seguir uma fórmula do estilo que estamos a seguir agora. Isso tem a ver com relacionamento com os sindicatos, inter-relacionamento com as pessoas aqui dentro, tem a ver com uma série de conceitos. Está claro e demonstrado que esta fórmula deu certo porque atravessou tempestades. E não tenho dúvida de que as pessoas já descobriram isso e daqui para a frente a TAP será diferente. Pode ter a certeza disso. Não importa se os brasileiros estão ou não”.
E o que mudou ? “Acho que houve um choque de gestão na empresa. E não foi só pelos brasileiros. O grupo que chegou mudou a gestão de uma hora para a outra. A empresa começou a ter uma outra visão, diria, mais profissional. Todos os que aqui estão conhecem o sector”. Pinto reconhecia que trabalhar na TAP “foi complicado no início, bastante complicado. Desgastante”. Mas acrescentou que isso fez parte do desafio. Destacou os objetivos alcançados depois de uma “crise brutal” para a aviação (provocada pelos atentados de 11 de setembro de 2001).
Com o destino da TAP aparentemente traçado, tudo muda quando em junho de 2004 Durão Barroso abandona o Governo e é substituído por Santana Lopes. No elenco do novo executivo, uma das principais novidades é António Mexia, gestor e aliado de Santana Lopes, que assume a pasta das obras públicas. Mexia vinha da Galp Energia, uma empresa com capital do Estado, onde também existiam divergências com a tutela do Governo.
Uma das primeiras decisões que António Mexia teve de tomar como ministro foi sobre a presidência da TAP. Estava tudo preparado para substituir a equipa de Fernando Pinto, mas pagando uma indemnização porque ainda faltavam alguns meses para o mandato terminar. O ministro chamou o gestor e perguntou-lhe se queria sair. Se sim, não levaria a indemnização. António Mexia acabou por renovar o mandato à equipa de Fernando Pinto, tendo até negociado alguma redução de salário. Contactado pelo Observador, António Mexia (atual presidente da EDP) justifica a decisão:
“Era um momento crítico para a companhia e era preciso que quem percebesse do negócio ficasse, como o futuro veio a comprovar”.
Cardoso e Cunha desapareceu de cena. E Fernando Pinto passou de vítima das circunstâncias políticas a presidente reforçado. Ficou na TAP durante mais 13 anos.
O gestor mais bem pago, o gestor com mais tempo em funções
O salário dos administradores brasileiros da transportadora sempre foi um ponto sensível na contratação de Fernando Pinto. Apesar da diminuição salarial que teve em 2004, Fernando Pinto continuou provavelmente a ser o gestor mais bem pago no Estado. Antes de entrarem em vigor os cortes nos salários mais altos do Estado em 2010, a remuneração anual foi de 420 mil euros. Os outros administradores tinham uma remuneração anual bruta de 280 mil euros.
Após o duplo corte nos salários dos gestores do Estado, e já em plena época da troika, o vencimento bruto anual de Fernando Pinto caiu para 359 mil euros. Ao longo destes anos, também não houve pagamento de prémios, na TAP nem em nenhuma empresa pública. Ainda que os gestores da companhia tenha chegado a avançar com uma ação em tribunal a reclamar remuneração variável relativa aos anos entre 2006/2009, pelo cumprimento de metas.
TAP. Fernando Pinto e administradores da TAP reclamam prémios de gestão em anos de prejuízos
Mesmo com as polémicas recorrentes sobre o salário, o brasileiro que também é português, ganha de forma destacada a corrida do gestor que mais tempo esteve à frente de uma empresa do Estado. 15 anos que corresponderam a oito governos — António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes, José Sócrates, Pedro Passos Coelho e António Costa — e a 11 ministros — Jorge Coelho, Ferro Rodrigues, Valente de Oliveira, Carmona Rodrigues, António Mexia, Mário Lino, António Mendonça, Álvaro Santos Pereira, António Pires de Lima, Luís Morais Leitão, Pedro Marques.
Uma história de resistência para quem não queria ser funcionário público. Mas que tem uma nuance. Segundo Fernando Pinto, na TAP houve uma “privatização da gestão”. A privatização da empresa ainda ia demorar muito mais anos.
Enquanto presidente, nunca deixou de defender a privatização da TAP. Um primeiro passo foi dado em 2003, quando o grupo TAP foi reorganizado em três negócios. A ideia era encontrar investidores estratégicos para cada um deles, mas a operação só avançou no negócio de handling, com a alienação de uma participação aos espanhóis da Globalia.
Em 2004, a TAP dá outro passo fundamental para a sua estratégia de expansão para o hub de Lisboa ao entrar para a aliança liderada pela Lufthansa, a Star Alliance. Foi um dos principais trunfos do mandato de Fernando Pinto e ainda na carta de despedida, o gestor não esquece de distribuir o elogio pelo colega que terá sido decisivo para esta entrada, o discreto Manoel Torres. Com esta entrada, a companhia consolida a sua posição como principal ponte de ligação entre a Europa e o Brasil.
Em vez de vendida, a TAP fez compras: a Portugália e a manutenção no Brasil
Apesar de a privatização estar na agenda de todos os Governos, nos anos que se seguiram à venda de uma participação no handling, que é hoje a Groundforce, em vez de vender a TAP comprou. Primeiro a empresa de manutenção no Brasil e logo a seguir a Portugália. Os dois negócios começaram a ser desenhados ainda durante o Governo PSD/CDS, mas foram concretizados com os socialistas no poder, por proposta da gestão da companhia.
No final de 2005, a TAP avança para duas empresas do grupo Varig como parte da uma estratégia para comprar a própria companhia brasileira que Fernando Pinto tinha liderado em tempos e que estava à beira da falência. A aquisição da VEM (Varig Engenharia e Manutenção) foi feita em associação com a Geocapital, uma empresa de Stanley Ho. A TAP acabou por falhar a Varig mas focou-se na VEM e apostou na atividade de manutenção no mercado internacional. Mas as coisas não correram bem. O parceiro privado saiu da VEM, vendendo a sua parte a TAP que ficou com sozinha a suportar os prejuízos crescentes que vinham do Brasil.
Esta é a decisão da gestão de Fernando Pinto mais atacada. O gestor nunca deu grandes explicações públicas sobre a operação. E mesmo aos órgãos da empresa nunca terá conseguido fundamentar a racionalidade económica da compra da VEM que defendeu sobretudo pelo seu interesse estratégico. Poder ter sido apenas um mau negócio, que chegou a ser investigado pela justiça portuguesa, mas acaba por ser a mancha no seu percurso na empresa portuguesa. A VEM tinha interesse estratégico, mas terá sido comprada sem uma due-dilligence independente e todas os riscos e contingências — processos fiscais e laborais — ficaram para o comprador.
Em entrevista ao Expresso já depois de anunciada a saída, Fernando Pinto justifica a compra da VEM com as recomendações dadas pelas consultoras, segundo as quais a manutenção era um grande negócio e o Brasil um mercado em forte crescimento. O gestor aponta a subida do preço do petróleo e a valorização do real, que tornaram os serviços da VEM menos competitivos a nível mundial, como fatores negativos. Argumenta que a empresa deu à TAP mais força no Brasil e que a capacidade da empresa foi fundamental para fazer a manutenção dos aviões que voavam para o país. Mas reconhece: “Não foi um bom negócio”.
O grande, se não mesmo único defensor público da operação, foi Lacerda Machado. O advogado amigo de António Costa esteve envolvido na aquisição da VEM pelo lado de Stanley Ho. Quando foi chamado ao Parlamento para explicar a sua participação como mediador do Governo nas negociações com os acionistas privados TAP, Lacerda Machado defendeu com unhas e dentes o negócio que, argumentou, abriu as portas do Brasil à TAP.
https://observador.pt/2016/04/27/amigo-negociador-antonio-costa-da-respostas-no-parlamento/
Lacerda Machado acabaria por ser nomeado administrador não executivo da TAP em 2017, com um mandato renovado pelo Governo esta semana.
Em 2006, a TAP fecha a compra da Portugália e paga 140 milhões de euros pela transportadora deficitária do Grupo Espírito Santo. Os anos do Governo de Sócrates são ainda marcados por outros investimentos, como a renovação da frota de longo curso com a Airbus, e a recompra forçada da participação na Groundforce. Foi a forma encontrada para resolver o impasse acionista e operacional na empresa de handling criado com a venda à Globalia. Esta participação ficou parqueada em bancos até ser revendida já no Governo do PSD/CDS à Urbanos.
A privatização que há anos fazia parte da missão de Fernando Pinto marcava passo. Por esta altura, o Governo do PS dava preferência a uma aliança ancorada na lusofonia, um triângulo estratégico entre Europa, Brasil e Angola que preferencialmente envolveria a entrada de capital na TAP. Fernando Pinto tinha o perfil indicado para estabelecer as pontes e foi reconduzido em mais um mandato durante o primeiro Governo de José Sócrates, mas salvaguardando também a presença de portugueses na gestão.
Paulo Campos, secretário de Estado que tinha a tutela da TAP, justificou assim a renovação do mandato: “Precisávamos de ter a equipa certa para conduzir a empresa na estratégia de nicho que apostava em África e América do Sul. E de uma equipa que conseguisse aumentar as receitas e por essa via trazer rentabilidade à empresa. E houve resultados, as receitas cresceram mil milhões de euros”.
As crises, o petróleo e os prejuízos
Houve conversas sobretudo com empresas privadas brasileiras, mas sem grande desenvolvimento. E apesar da operação e das receitas crescerem, a transportadora foi acumulando prejuízos. Os maus resultados vinham sobretudo da manutenção no Brasil.
O negócio principal, o transporte aéreo, chegou a dar lucro em alguns anos. Mas no tempo em que Fernando Pinto esteve à frente da TAP, e apesar dos sucessos que reclama e que lhe reconhecem, foram mais os anos de prejuízos do que de lucros. Desde a crise do pós 11 de setembro, passando por epifenómenos como a gripe asiática, a concorrência galopante das low-cost ou a escalada do preço do petróleo a partir de 2007, foram vários os fatores internacionais que estragaram as contas da TAP, ao longo deste período.
A fragilidade financeira e a falta crónica de capitais da empresa, que não podia receber dinheiro do acionista, tornavam a transportadora especialmente vulnerável a qualquer tempestade. No ano em que foi alienada, em 2015, a TAP tinha acumulado capitais próprios negativos de mais de 500 milhões de euros.
A privatização surgia sempre como a resposta, já que a alternativa era estagnar e aguentar. Fernando Pinto nunca defendeu o cenário de apoio público do Estado que obrigaria a TAP encolher, o pior cenário para um gestor.
Ainda em 2011, nos derradeiros dias do segundo Governo de José Sócrates, o presidente da TAP era um dos membros da numerosa comitiva portuguesa, encabeçada pelo primeiro-ministro, que rumou em direção aos Emirados Árabes Unidos. A missão era captar investidores para comprar a dívida pública e investir nas empresas portuguesas. Notícias sobre o suposto interesse da Qatar Airlines não tinham fundamento e dois meses depois, o Governo caia com o chumbo do PEC IV e o país tombava num resgate internacionall
O memorando negociado ainda com o Governo socialista previa que a privatização da TAP fosse uma das primeiras a avançar, até ao final de 2011 se as condições do mercado o permitissem. O Governo PSD/CDS deu a prioridade às empresas de energia, mais atrativas para os investidores, e a venda da TAP só irá avançar em 2012. O processo foi conduzido quase em paralelo com o da privatização da ANA — Aeroportos de Portugal, protagonizado pelo então secretário de Estado Sérgio Monteiro.
A quase venda a Efromovich
Mas enquanto a empresa de aeroportos atraiu um número elevado de interessados com propostas financeiras elevadas, o concurso da TAP só conseguiu um candidato. O empresário Germán Efromovich, dono da transportadora colombiana Avianca.
Por esta altura, o presidente da TAP estava há dois anos sem mandato renovado. O impasse vinha dos socialista e prolongou-se com o novo Governo que tinha a missão de vender a TAP, rapidamente. Dar um novo mandato a Fernando Pinto comprometeria os acionistas com todos os órgãos sociais da empresa que tinha cinco administradores executivos e sete não executivos. O comprador teria o direito de escolher outra equipa, pelo que nomear uma administração criaria um potencial ónus para o Estado, a quem caberia indemnizar os gestores em caso de saída antecipada.
Fernando Pinto tinha uma boa relação com Efromovich com quem tinha trabalhado quando esteve na Varig e até provável que se tivesse mantido na administração da transportadora depois do negócio.
Apesar da incerteza sobre o futuro profissional, Fernando Pinto nunca deixou de se empenhar no processo de privatização. Para o gestor, só a entrada de investidores abriria a porta ao capital de que a empresa tanto precisava para crescer e sanear a situação financeira. E ficou no comando da TAP com o mandato em renovação, até à concretização da privatização em 2015, para o qual tinha sido contratado 15 anos antes.
Em privado, Fernando Pinto chegou a ironizar que vivia no pior dos dois mundos. Tinha por um lado, o Estado ou entidades públicas a dar incentivos aos seus concorrentes, numa referência aos apoios financeiros concedidos às empresas low-cost para voarem para Lisboa. Por outro lado, o mesmo Estado estava impedido, ou pelo muito menos muito limitado, de meter dinheiro na empresa. Foram os tais 15 anos de sobrevivência que destacou na sua mensagem de despedida aos colaboradores.
A TAP esteve em vias de ser vendida a Efromovich depois da administração ter dado luz verde ao plano estratégico e de negócios do empresário colombiano, mas o negócio caiu por terra quando o comprador falhou a apresentação de uma garantia bancária que comprovasse capacidade financeira para fechar a operação. Mais tarde, o empresário viria a atribuir o lapso a uma “falha de comunicação”.
A privatização contra quase todos e a contra-relógio
2015, o último ano da legislatura do Executivo de Passos Coelho, é a derradeira janela temporal para fazer uma privatização que quase todos contestam — oposição, trabalhadores, sociedade civil que até lançou um manifesto contra a operação.
Porque querem estas personalidades travar a privatização da TAP
No meio da contestação, os pilotos avançam com uma greve de dez dias, para fazer valer o acordo feito ainda no tempo de João Cravinho que lhes daria 20% da TAP numa operação de venda a privados. O impacto na situação comercial e operacional é grande e a empresa perde receitas, mas a privatização prossegue com a apresentação de duas propostas. Para além do repetente Efromovich, surgiu ainda David Neeleman, empresário americano dono de uma companhia brasileira, a Azul, cuja oferta acabou por ser escolhida. O consórcio de Neeleman corria o risco de ser chumbado por causa das regras comunitárias, mas a entrada preciosa do português Humberto Pedrosa veio a garantir a nacionalidade obrigatoriamente europeia do novo dono da TAP.
Apesar do Estado receber apenas dez milhões de euros por 61% do capital da TAP, o consórcio privado prometia investir 354 milhões de euros na empresa e renovar a frota. O acordo foi anunciado em junho de 2015, mas os meses que se seguiram foram quase impróprios para cardíacos e exigiram legislação adicional para garantir o desfecho. O negócio só ficou mesmo fechado depois das legislativas de outubro de 2015 e por um Governo que durou um mês.
A manutenção de Fernando Pinto na presidência da TAP, agora maioritariamente privada, foi a única certeza que existiu no ano que se seguiu à venda da empresa. E o gestor esteve sempre ao lado dos novos acionistas privados, pelo menos publicamente, enquanto o Governo socialista renegociava as condições da privatização, recuperando 50% da TAP, mas prometendo uma gestão privada, e no longo processo de autorização junto do regulador, a ANAC.
Em declarações ao Expresso, o gestor diz agora que esse foi um dos períodos mais delicados para a empresa, chegou a ter dúvidas sobre a capacidade financeira para pagar salários. Apesar de defender que sem a privatização feita em 2015, a TAP fechava, Fernando Pinto atribui à operação às dificuldades em obter financiamento bancário, por causa da incerteza gerada pela mudança de acionistas.
Talvez por a transição ter sido tão demorada, Fernando Pinto acabou por ficar mais tempo do que os novos investidores previam inicialmente. É o último dos brasileiros a sair — o resto da sua equipa foi deixando a TAP ao longo dos anos — mas acaba por ser substituído por outro.
Fernando Pinto deixa a TAP. Antonoaldo Neves é o senhor que se segue