Quem tem o papel mais difícil, os pais ou os filhos adolescentes? Em “Adolescentes – Manual de Instruções”, o psicólogo Eduardo Sá quebra mitos e desfaz nós que, afinal, podem ser mais simples de desatar do que se imagina. As respostas para a tensão entre adolescentes e pais estão, por vezes, no ato simples de escutar o outro. Isso fica bem patente no excerto que publicamos em exclusivo do novo livro, lançado esta semana, do autor e anfitrião do podcast da Rádio Observador “Porque Sim Não é Reposta”.
“Namorar é muito mais importante do que estudar”. A frase, que retirámos do excerto que aqui publicamos, pode aterrorizar alguns pais, ou a maioria, mas é preciso lê-la no contexto. Neste capítulo com o título: “É chato, de verdade, ser adolescente”, Eduardo Sá guia-nos através das muitas dúvidas que temos nesta fase da vida. O plural é aqui propositado para conter o nós (pais) e o eles (filhos). Nós (pais) damos mostras de esquecimento sobre o que já vivemos quando nos interrogamos perante os “encontrões” que eles (filhos) nos dão. Porém, como pergunta Eduardo Sá neste livro, “mas, afinal, quem sofre de défices de atenção, serão eles ou (quem sabe?) nós?”
Eduardo Sá é psicólogo clínico e psicanalista. Tem dedicado grande parte da vida profissional ao acompanhamento de crianças, adolescente e claro, dos pais. Podemos ouvi-lo no “Porque Sim Não é Resposta”, o podcast da Rádio Observador, que vai para o ar de segunda a sexta depois dos jornal das 16h e lê-lo nos artigos publicados aos domingos no Observador. Eduardo Sá é um dos nomes mais respeitados na psicologia em Portugal. É professor da Universidade de Coimbra e do ISPA, em Lisboa. É autor de artigos e livros científicos na área da psicanálise e da psicossomática, bem como, de divulgação de boas práticas de saúde mental e parentalidade.
“Mas, vendo bem, os adolescentes são pessoas que valem, realmente, a pena. Eu gosto dos adolescentes! Do seu lado leal e sério, quando conversam. Mesmo quando são demagógicos, todos os dias. Gosto da forma enxofrada com que nos põem à prova e, como se fosse uma montanha russa, vão do Rezingão ao Calimero num quase-nada. E gosto da forma como resistem a conversar (quando nos imaginam como agentes duplos, trabalhando para os pais) e do modo como quase se irritam por não conseguirem conter um sorriso, depois de sermos irónicos para com eles. E do flash com que vão de certinhos a insolentes e esperam, por parte daqueles que admiram, pelas regras e pelos argumentos que, logo a seguir, desbobinam sobre os irmãos mais novos, como se tivessem pensado nas coisas com método e delicadeza. E gosto do modo como abraçam causas e ignoram o que é enfadonho. E rebuscam os slogans. Quer quando se dizem desmotivados (como se isso fosse uma virose, indiferente ao modo como não nos sentem motivados para os conhecer e resgatar) como quando bloqueiam (que é uma forma, com efeitos especiais, de falar do medo de falharem, de não serem capazes e, até, do medo de ter medo, que parecem interditos a qualquer burocrata de mochila). E gosto finalmente, do lado batoteiro com que vão a jogo, na escola e fora dela. E comem a relva (e jogam com a cabeça, com o corpo e com a alma), sempre que sentem que ganham de caras. Ou se refugiam na culpa, na preguiça ou na burrice (dos outros!), sempre que o empenho, o brio, a garra ou a tenacidade se constipam ou mal evitam competir com um colega ou fogem de medir forças com um adulto.
Eu gosto dos adolescentes. Mesmo quando reconheço que é tudo o que é importante e precioso leva tempo e se costura com imensos erros. E aquilo que lhes exigem parece não contar com nada disso. Depois, porque ligar as relações sociais, é muito confuso, a ponto de não se saber como se pode gerir A seguir, porque todos lhes exigem este mundo e o outro enquanto que, aos 12, a puberdade os desformata e, aos 14, a sexualidade, ao bater na cabeça, só os complica.
É chato de verdade ser adolescente! Porque todos lhes perguntam como vai a escola quando eles baralham piropos e galanteios e batalham, constantemente, com o coração quando se trata de seduzir, de flirtar e de namoriscar. Porque ninguém lhes diz que namorar é muito mais importante do que estudar. Porque – apesar das paixões durarem, por vezes, 10 minutos – primeiro está, para sempre, o amor (e o desejo de se ser feliz todos os dias!) e só depois vem o trabalho e a carreira (embora todos os que lhes garantam, pelos exemplos que lhes dão, que o mundo anda ao contrário).
E é chato, ainda, porque tem de se aturar os pais aos lamentos mais ou menos em surdina, contra a dificuldade da adolescência dos filhos, quando não há tarefa que nela mais doa do que perder os pais: perder o seu lado que, bem esgalhado (e em bicos de pés), parecia levá-los quase a tocar nas nuvens, e que parecia nunca se cansar, nunca se desapaixonar, nunca ceder na honestidade e na coerência (mas que se vai esboroando, aos bocadinhos); perder o dedo que adivinha com que foram fazendo um bluff atrás do outro mas que, num abrir e fechar de olhos, passem a desconhecer os dos outros, aos medos dos outros e à adolescência que não tiveram; e perder o seu sentido de justiça – e a autoridade, que vem logo a seguir -, parecendo (pais e filhos) dois ouriços assustados que tentam abracar-se; embora pique.
E é chato, para mais, porque não é nada fácil destrinçar sonho e devaneio e baralhar os sonhos que se arquitetam com aqueles que os pais adiaram para sempre (ao mesmo tempo que todos lhes dizem que aquilo que vale é o presente, só o presente, como se os sonhos deixassem de ser (como só eles são!) a porta da rua do futuro.
E é chato, sobretudo, porque na conversa de todos só dá escola. E embora na escola se teçam os sonhos, a maior parte dos ado- lescentes faz escolhas funcionais, quando decide ir por uma área que não se ama mas que será mais amiga da empregabilidade e mais rentável, a breve prazo (como se a máxima que lhes é dada fosse: escolhe uma namorada rica e depois faz como com a água tónica da Schweppes: aprende a gostar!). Mas será que alguém repara que a imensa maioria dos adolescentes, chegados ao segundo período do 10º ano, já percebeu que os sonhos parecem ter ficado, muito depressa, longe demais? E será que toda a gente acredita nos bloqueios dos adolescentes ou na desmotivação dos adolescentes quando o que se passa é que, considerando os seus sonhos, eles passam a viver em pré-reforma para a vida, porque a paixão parece ter ficado para sempre comprometida pelas suas escolhas?
Mas, afinal, quem sofre de défices de atenção, serão eles ou (quem sabe?) nós?…
E é chato, finalmente, ser adolescente porque todos os ensinam ao contrário. Ninguém lhes diz que não há carreiras de sucesso se uma pessoa não for paga para brincar. Se não for atrás duma paixão. Se não se atrapalhar e baralhar um ror de vezes até que as suas escolhas passem a ter a sua cara. Mas que, por isso mesmo, é preciso trabalhar muito para encontrar uma paixão. E que só mesmo os batoteiros esperam que as paixões lhes caiam no colo ou que cheguem de surpresa (sobretudo quando dizem que, primeiro, precisam de ter a certeza acerca daquilo em que são bons para que, só depois, darem o melhor de si em função disso).
Alguém que diga aos adolescentes que nunca somos bons! Que sem paixão não há garra e sem sonhos se fica à porta do futuro! E que somos, todos nós, adolescentes que nos vamos construindo. Que a sabedoria é uma forma de aproveitar os erros. E que, sim senhor, são precisas muitas horas de garra, para que, com genica, e de sorriso nos lábios, se meta no bolso a paixão e o futuro!