Discurso integral do Papa

A intervenção do Papa na vigília da JMj de Lisboa

Queridos irmãos e irmãs, boa noite! Dá-me alegria ver-vos! Obrigado por terdes viajado, caminhado e estardes aqui! Também a Virgem Maria teve de viajar para ver Isabel. ‘Levantou-se e partiu apressadamente’. Poderíamos perguntar-nos: porque é que Maria se levanta e vai apressadamente ter com a prima? Certamente porque acaba de saber que ela está grávida, mas ela também o está. Então, porque foi ela, se ninguém lhe pediu? Maria realiza um gesto não solicitado e sem ser obrigada, simplesmente porque ama e ‘quem ama voa, corre e alegra-se’. É isso que nos faz o amor.

Perante 1,5 milhões de jovens reunidos no Parque Tejo-Trancão — o que superou as estimativas mais otimistas, que apontavam para 1,2 milhões — o Papa Francisco começou o seu discurso evocando o tema da JMJ de Lisboa, o episódio da visitação de Maria à sua prima Isabel. O contexto foi a vigília noturna com os jovens, habitualmente a celebração mais marcante da JMJ. Durante todo o dia de sábado, os jovens participantes da JMJ deslocaram-se a pé por toda a cidade de Lisboa até chegarem ao enorme recinto na zona oriental da cidade, uma tradição que se repete em todas as edições da Jornada há vários anos. O destino: uma celebração dupla, composta por uma vigília de oração com o Papa, seguida de uma noite passada no recinto em festa e oração, que culmina com a missa final na manhã de domingo. Numa vigília de grande profundidade espiritual, que incluiu um longo período de adoração eucarística, a leitura de testemunhos, momentos musicais e até um espetáculo de drones, o Papa Francisco quis partir da pergunta central do episódio da visitação — porque é que Maria decide partir apressadamente para ver a sua prima — para propor aos jovens uma Igreja que se põe a caminho para ajudar todos os que caem a levantar-se, ao mesmo tempo que incentiva todos a caminhar, mesmo que caiam.

A alegria de Maria é dupla. Ela acabava de receber o anúncio do anjo, que iria receber o redentor, e também a notícia de que a sua prima está grávida. É curioso: em vez de pensar nela, pensa na outra. Porquê? Porque a alegria é missionária. A alegria não é para si próprio, é para levar a alguém. Pergunto-vos: vocês, que estão aqui, que vieram encontrar-se, buscar a mensagem de Cristo, buscar um sentido para a vida, vão guardar isto para vocês ou vão levá-lo aos outros? Que dizem? Não vos ouço! É para levar aos outros. Porque a alegria é missionária! Repitamo-lo todos juntos: a alegria é missionária. Então, eu tenho de levar essa alegria aos outros.

A partir do segundo parágrafo, o Papa Francisco fez o mesmo que já tinha feito na maioria dos discursos que proferiu em Portugal: levantou os olhos das folhas em que trazia o discurso preparado e começou a improvisar. Um sinal de que o Papa Francisco queria estar totalmente à vontade para falar de coração aos jovens em Portugal já tinha sido dado quando o Vaticano anunciou que Francisco falaria em espanhol, a sua língua materna, em vez de em português, o que o obrigaria a manter-se rigorosamente agarrado a um texto escrito. Francisco mostrou-se completamente à vontade junto dos jovens, dando início a um discurso que assumiu quase a forma de um diálogo, com o Papa a pedir várias vezes aos jovens que respondessem às suas perguntas ou repetissem determinadas ideias. Reduzindo consideravelmente a dimensão do discurso e centrando-o em poucas ideias, mas repetidas em diálogo, o Papa procura chegar com maior facilidade àquele milhão e meio de jovens que se juntou no Parque Tejo-Trancão. A mensagem é simples: a alegria verdadeira, que chega de Deus, é para ser partilhada. Tal como Maria partilhou a alegria com Isabel, também cada jovem é hoje chamado a partilhar com os outros as suas alegrias — e não a guardá-las para si mesmo.

Esta alegria que nós temos, também outros nos prepararam para a receber. Olhemos para trás, tudo o que recebemos. Tudo isso preparou o nosso coração para a alegria. Se olhamos para trás, temos pessoas que foram um raio de luz para a vida. Pais e avós, amigos, padres e freiras, catequistas, animadores, professores. São as raízes da nossa alegria. Façamos um segundo de silêncio e cada um pensa naqueles que vos deram algo na vida, que são como as raízes da alegria. Encontraram-no? Encontraram rostos? Encontraram histórias? Essa alegria, que veio por essas raízes, é a que nós temos de oferecer. Temos raízes de alegria. E também nós podemos ser, para os outros, raízes de alegria. Não se trata de uma alegria passageira, uma alegria do momento. Trata-se de levar uma alegria que cria raízes.

O Papa Francisco tem insistido na ideia de que o diálogo entre gerações é vital. Na sua exortação apostólica Christus Vivit, dirigida aos jovens, diz mesmo que os jovens não podem perder de vista a sabedoria dos pais e dos avós em nome de um exagerado culto da juventude. Nesta mensagem deixada em Lisboa, elaborou a ideia recorrendo à imagem das “raízes da alegria”. Novamente pedindo aos jovens que se unissem a ele num momento de silêncio que teve tanto de coletivo — um arrepiante silêncio geral de 1,5 milhões de pessoas — como de pessoal, o Papa desafiou os participantes a buscarem, nas suas memórias, as suas “raízes da alegria”, entre os pais, os avós, os catequistas, os professores ou os amigos. Aos jovens cabe, agora, tornarem-se nas “raízes da alegria” para outros. É uma forma de atualizar a mensagem do evangelho — tal como Maria partilhou a alegria com Isabel, assim devem fazer os jovens do século XXI — como de dar profundidade à ideia, aparentemente banal, de que a alegria deve ser partilhada.

Pergunto-me: como podemos converter-nos em raízes de alegria? A alegria não está na biblioteca fechada — embora seja preciso estudar! Não está guardada a sete chaves. A alegria, há que buscá-la, há que descobri-la no nosso diálogo com os outros, onde temos de dar essas raízes de alegria que recebemos. Isso, às vezes, cansa. Faço-vos uma pergunta: já se cansaram alguma vez? Sim? Não ouço! Cansaram-se alguma vez? Pensem no que acontece quando alguém está cansado. Não tem vontade de fazer nada. Como dizemos em espanhol, uno tira la esponja, porque não tem vontade de seguir. Então, abandona-se, deixa de caminhar e cai.

Como tem feito desde o início do pontificado, o Papa voltou a fazer aos jovens um desafio para que se desinstalem, saiam dos esquemas habituais de uma vivência empoeirada da fé e percorram o caminho a par com os outros no mundo real e concreto. É no diálogo com os outros que se constroem as raízes da alegria, diz o Papa, ao mesmo tempo que reconhece que esse desafio nem sempre é fácil e pode cansar. É uma forma de o Papa se dirigir aos jovens católicos e de empatizar com aquilo que muitos jovens sentem no mundo contemporâneo, como a vergonha de mostrar a sua fé ou o medo de ser ridicularizado. Francisco assume que o cansaço pode surgir — e pode levar à desistência. No caso, a desistir de partilhar a alegria, ou seja, a desistir de dar aos outros um testemunho de fé. Mas também fala para todos aqueles que “caem” no sentido mais teológico do termo: quem peca, quem se afasta de Deus, quem desiste de procurar o bem. Com estas palavras, o Papa toca as feridas do mundo real.

Acreditam que uma pessoa que cai na vida, que tem um fracasso, que até comete erros pesados, fortes, está terminada? Não. Não oiço! (Não!) O que há que fazer? Não ouço! (Levantar-se!) Levantar-se! Há algo bonito, que quero hoje levem como recordação. Os alpinistas, que gostam de subir montanhas, têm um ditado muito lindo: na arte de subir a montanha, o que importa não é não cair, mas não permanecer caído. Uma coisa linda. Quem permanece caído, jubilou-se da vida, encerrou a esperança, fechou a ilusão, e fica caído. Quando vemos algum amigo nosso caído, o que temos de fazer? Levantá-lo! Forte! (Levantá-lo!) Quando alguém tem de levantar, ou ajudar a levantar uma pessoa, o que faz? Olha-o de cima. O único momento em que é lícito olhar uma pessoa de cima é para ajudá-la a levantar-se. Quantas vezes vemos gente que nos olha por cima do ombro, de cima? É triste. A única situação em que é lícito olhar uma pessoa a partir de cima é…? (Ajudar a levantar-se.)

Voltando ao estilo dialético e puxando frequentemente pelos jovens com um “não ouço!” que imediatamente leva a assembleia de jovens à euforia, o Papa Francisco encaminhou-se para o núcleo central do seu discurso: um posicionamento claro sobre a Igreja contemporânea. Quando cita o ditado dos alpinistas, o Papa aborda o tema do pecado sem julgamentos: o problema não é pecar — porque todos pecam —, é não se levantar depois do pecado, assumindo a derrota e fechando as portas à esperança. Francisco diz isto porque sabe que não são raros os casos de jovens que abandonam a ilusão de uma vida melhor, desistindo da esperança e não se levantando. É a partir desta imagem da queda que Francisco deixa um recado certeiro à Igreja Católica: “O único momento em que é lícito olhar uma pessoa de cima é para ajudá-la a levantar-se.” Francisco não quer uma Igreja que olha os outros para lhes apontar os defeitos ou pecados, mas sim uma Igreja que tem lugar para que todos possam levantar-se de todas as suas quedas — uma mensagem em linha de continuidade com os já célebres discursos em que o Papa tem reiterado que a Igreja tem lugar para “todos, todos, todos”.

Isto é um pouco o caminho, a constância de caminhar. Na vida, para conseguir as coisas, é preciso treinar-se no caminho. Às vezes não temos vontade de caminhar, não temos vontade de fazer esforço, copiamos o exame porque não queremos estudar, e não chegamos ao êxito. Não sei se alguém gosta de futebol. Eu gosto! Por trás de um golo, o que há? Muito treino. Por trás de um êxito, o que há? Muito treino. Na vida, nem sempre podemos fazer o que queremos, mas aquilo que a vocação que cada um tem dentro nos leva a fazer.

Francisco encerra o discurso com um terceiro elemento: a vontade de caminhar. A mera ideia de caminho já consolida o pensamento do Papa sobre toda esta matéria, já que os cristãos não são perfeitos, mas pessoas a caminhar rumo à perfeição (que se encontra na imitação de Jesus Cristo). Para desenvolver essa vontade, é crucial combater a apatia que leva ao comodismo. A metáfora futebolística, vinda de um Papa argentino que é um fã de futebol, surtiu efeito em muitos jovens, a julgar pelos aplausos ouvidos no momento, e serviu para destacar este aspeto fundamental: sem treino, sem trabalho, sem esforço, também o caminho da vida fica muito mais complicado e solitário.

Caminhar, se caio levantar-me, ou que me ajudem a levantar-me, não ficar caído, e treinar-me no caminho. Tudo isto é possível, não por fazermos cursos sobre o caminho. Não há nenhum curso para nos ensinar a caminhar na vida. Isso aprende-se. Dos pais, dos avós, dos amigos. A vida aprende-se. Isso é o treino do caminho. Deixo-vos com esta ideia, não mais: caminhar, se cairmos levantarmo-nos, caminhar com uma meta, treinar-nos todos os dias na vida. Na vida, nada é grátis. Tudo se paga. Só há uma coisa grátis: o amor de Jesus. Com ele, com a vontade de caminhar, caminhemos na esperança, olhemos as nossas raízes e sigamos em frente. Sem medo. Não tenham medo! Obrigado.

O Papa Francisco terminou a intervenção com uma síntese dos pontos centrais que quis apresentar aos jovens: olhar as raízes, caminhar, aceitar as quedas, levantar-se e ajudar os outros a levantarem-se, não julgar as quedas dos outros e não esquecer o treino e o trabalho. E, como aconteceu noutros momentos, Francisco fechou o discurso incentivando os jovens a não terem medo de viverem e testemunharem a sua fé. A própria JMJ é, para muitos jovens, importante para quebrar esse medo: para muitos, que no seu grupo de amigos ou até no seu país, são a exceção perseguida (de modo mais ou menos violento), a JMJ é a oportunidade de conviver com outros jovens que partilham a mesma fé. E essa partilha e consolação é, para muitos dos participantes, o grande fruto da JMJ.