Os cinco maiores bancos a operar em Portugal tiveram lucros de quase 1.900 milhões de euros nos primeiros nove meses deste ano, quase o dobro dos pouco mais de mil milhões do período homólogo. Quando se contabiliza apenas os resultados das operações domésticas (excluindo ganhos e perdas noutros países), o negócio destes bancos só em Portugal “rendeu” 1.423 milhões de euros. Os banqueiros argumentam, porém, que não faz sentido falar em “lucros excessivos” porque os números escondem uma rentabilidade do capital que ainda fica, regra geral, aquém dos 10% que são a referência mínima do setor na Europa. Além disso, os tempos que aí vêm não serão fáceis.
Paulo Macedo, presidente da comissão executiva da Caixa Geral de Depósitos, deixou implícito que os 692 milhões de euros em lucros que o banco público apresentou relativamente a estes primeiros nove meses do ano provavelmente não serão repetíveis no próximo ano. Deste total, 155 milhões dizem respeito à atividade doméstica (ou seja, a maior parte dos lucros vieram de fora) e os resultados foram ajudados por imparidades feitas na pandemia que se revelaram (essas, sim) excessivas e que foram revertidas.
Com o impacto da inflação e da subida rápida das taxas de juro, o cenário daqui para a frente será menos “rosado”. Na área dos empréstimos a particulares, a Caixa divulgou alguns números sobre a carteira de crédito que permitem ter uma “relativa tranquilidade”: por exemplo, a prestação média mensal paga por quem tem créditos à habitação na Caixa está abaixo de 250 euros (244 euros). Um terço dos clientes com crédito à habitação têm depósitos no banco equivalentes a 12 ou mais prestações mensais do seu crédito à habitação. E na carteira de crédito hipotecário há uma taxa de esforço (debt service to income, ou DSTI) média de 33%.
Aliás, nos contratos celebrados após 2017 a taxa de esforço média é de 23% – e são esses créditos mais recentes que preocupam os bancos e as autoridades, por terem uma percentagem maior de crédito por reembolsar e por terem, em média, montantes mais elevados (dada a subida dos preços das casas nos últimos anos). Paulo Macedo confirmou, ainda assim, que o banco já está em contacto com “centenas” de clientes – cerca de 500 – com vista a potencialmente renegociar o crédito (mesmo sem ter ainda saído o diploma do Governo que vai reger as situações mais difíceis).
Quem (e como) pode pedir para renegociar o crédito, com o novo diploma criado pelo Governo?
“Neste momento, a situação do baixo desemprego e o aumento da faturação e lucros que as empresas vão ter este ano é um fator positivo. Não é tudo negativo”, disse o presidente da Caixa, acrescentando que “as perspetivas para o próximo ano são bastante piores do que deste ano“.
Para a Caixa, que Paulo Macedo sublinhou que tem cerca de nove mil milhões de euros em capital, isso pode significar menos lucros no próximo ano e, portanto, uma rentabilidade menor em relação a esse capital. O banqueiro acrescentou, aliás, que pela primeira vez em 14 anos em 2022 o return on equity da Caixa superou o “custo do capital” e excedeu o tal patamar de referência de 10%.
Bem pior está o Millennium BCP, a esse nível, já que o seu return on equity foi de apenas os 2,5%, cerca de um quarto da referência europeia mínima que torna mais atrativo para um investidor internacional aplicar o seu dinheiro nas ações do banco. Este retorno fica, também, muito abaixo dos 10% que estão no plano estratégico do banco, o que é sobretudo uma consequência das perdas na Polónia – em parte devido à “saga” dos empréstimos indexados ao franco suíço.
O Bank Millennium (na Polónia) tem causado uma hemorragia no desempenho do grupo, sobretudo desde que o sistema judicial polaco começou, há alguns anos, a decidir quase sempre em favor dos clientes “lesados”, o que levou a que o banco tenha de fazer imparidades todos os trimestres para este problema.
O grupo BCP teve os lucros consolidados mais baixos no setor – 97,2 milhões – mas sem o impacto da Polónia, os lucros teriam mais do que duplicado para 536 milhões de euros, diz o banco, que deixou de fazer créditos em francos suíços na Polónia em 2008 mas nos últimos anos tem perdido largas centenas de milhões de euros – aliás, uma contabilização feita pelo banco estima que já se tenham perdido mais de mil milhões de euros devido ao que Miguel Maya chama de risco “político-legal” na Polónia.
E “não sabemos onde isto vai parar”, reconheceu Miguel Maya, na conferência de imprensa de 31 de outubro.
As perdas na Polónia ofuscaram o facto de que o banco conseguiu em Portugal um resultado líquido de 295,7 milhões, mais do que o dobro em comparação com os lucros da operação doméstica nos primeiros nove meses de 2021.
Houve um aumento de 32,7% na margem financeira para 1.546 milhões de euros – sendo este o indicador que compara aquilo que os bancos pagam para se financiar, incluindo nos depósitos, e aquilo que cobra em juros nos empréstimos que concede. E a cobrança de comissões aumentou em 7,3%, para 573,8 milhões de euros, no Millennium BCP como um todo – só na operação portuguesa, as comissões subiram quase 11%.
Nos cinco maiores bancos, as comissões (cobradas nas operações portuguesas) aumentaram uma média de 9,3%, o que os bancos atribuem à “maior transacionalidade” em comparação com um ano de 2021 mais marcado pelas limitações da pandemia. O agravamento das comissões no precário, comum a todos os bancos, também foi decisivo mas a Caixa Geral de Depósitos já adiantou que, no seu caso, as comissões não vão subir em 2023, ou seja, não vão acompanhar a inflação.
Voltando ao BCP, Miguel Maya repetiu que o banco trabalha um trimestre por ano só para pagar as contribuições que são aplicadas ao setor financeiro – desde a contribuição criada em 2011 e o adicional criado em 2020, passando pelos pagamentos para o Fundo de Resolução (nacional, além do europeu) – também Miguel Maya, porém, recusou a ideia de que se pode falar de “lucros excessivos” na banca e, muito menos, de “lucros caídos do céu”.
“Não temos visto lucros caídos do céu, mas penalizações vindas do inferno“, atirou Miguel Maya, num dos soundbytes da conferência de imprensa.
BCP avisa clientes do “estigma” de pedir reestruturações de crédito devido às subidas da Euribor
No outro extremo do indicador do return on equity, o retorno sobre os capitais investidos, esteve o Novo Banco, que quase triplicou os lucros dos primeiros nove meses do ano – para 428 milhões – e, assim, teve um “salto” para um retorno sobre o capital de 12,4%, o melhor entre os maiores bancos a operar em Portugal.
Um dos principais fatores que justificaram a forte subida dos resultados foi o menor registo de imparidades e provisões (que subtraem diretamente aos lucros) – numa fase em que o banco já não está a pedir contas ao Fundo de Resolução pelas imparidades feitas nos créditos problemáticos, como foi acontecendo desde a venda ao fundo Lone Star.
Relativamente aos primeiros nove meses de 2022, foram registadas imparidades de apenas 22,5 milhões de euros, menos 86% do que no mesmo período do ano anterior. Outro efeito positivo foi a venda da sede, em Lisboa, que deu ao banco 71,5 milhões.
Novo Banco lucra 428 milhões de euros em nove meses, quase o triplo do ano passado
Desempenho ainda melhor do que o Novo Banco, na área das imparidades, teve a operação portuguesa do Santander, que teve reversões que permitiram um contributo (líquido) positivo dessa rubrica, em 10 milhões de euros. No ano anterior, o banco tinha registado 101,4 milhões de euros em ajustes negativos de valor de créditos e outros ativos.
Isto foi possível, disse o banco, graças à “estabilidade da taxa de desemprego em redor dos 6% nos primeiros oito meses do ano”. Foi um ponto positivo nos resultados do Santander em Portugal, que conseguiu mais do que duplicar os lucros nos primeiros nove meses do ano, para 385 milhões de euros.
A comparação entre os resultados dos primeiros nove meses de 2022 e 2021 é influenciada pelo facto de o Santander ter registado um “encargo extraordinário, no valor de 164,5 milhões de euros (líquido de impostos)”, que impactou as contas no primeiro trimestre de 2021, para “fazer face ao plano de transformação em curso, com a otimização da rede de agências e investimentos em processos e tecnologia”.
Porém, a atividade subjacente teve um comportamento menos positiva. O chamado “produto bancário” caiu 9% para 933,6 milhões de euros nestes primeiros nove meses de 2022, um recuo que o banco explica “em grande medida com a evolução dos resultados em operações financeiras, que se reduziram em 80% face ao período homólogo, quando tinham atingido um valor muito elevado, fruto da gestão da carteira de títulos”. Ou seja, nos primeiros nove meses de 2021 o banco tinha obtido resultados muito positivos com a venda de títulos de dívida pública e outros ativos, que por não se ter repetido prejudicou o produto bancário nos primeiros nove meses de 2022.
Santander, que mais do que duplicou lucros, deixa de fazer crédito a taxa fixa
Já a margem financeira, no montante de 547,9 milhões de euros, baixou 1,9% face aos primeiros nove meses de 2021 em parte devido ao “contexto concorrencial competitivo, que continuou a pressionar em baixa os spreads de crédito”. É expectável que, à medida que as taxas de juro do BCE aumentam e esse efeito se sente na operação do banco, a margem financeira tenderá a subir. Porém, “a subida das taxas de juro é ainda recente para produzir um impacto material nesta rubrica das receitas”, disse o banco.
Outra tendência comum a todos os bancos é a redução do número de trabalhadores, que continua a transparecer nos dados que a banca divulgou nas últimas duas semanas. Só dos cinco maiores bancos a trabalhar em Portugal, o número de trabalhadores baixou em mais de 1.500 pessoas, cerca de metade das quais dizendo respeito às 759 que saíram do Santander (em comparação com final de setembro de 2021). A unidade portuguesa do banco espanhol empregava, segundo os dados mais recentes, 4.638 trabalhadores.
Também em comparação com o final do terceiro trimestre de 2021, a Caixa Geral de Depósitos em Portugal passou a ter menos 225 trabalhadores, o Millennium BCP baixou o número de colaboradores (na operação doméstica) em 254 pessoas, para 6.257, e o Novo Banco passou a ter 4.139 trabalhadores (menos 223 do que em setembro de 2021).
Só o BPI teve uma redução menos significativa: o banco tem 4.460 colaboradores, menos 18 do que tinha no final do ano (nos outros casos está-se a comparar com setembro de 2021, não com o final do ano passado). Apesar desta redução menor, o BPI conseguiu continuar a melhorar o seu rácio cost-to-income para 52%, quando em 2018 era mais de 60% – este é um indicador que compara os custos com a geração de resultados que, no caso do BPI, aumentaram 18% para 286 milhões de euros.
Deste valor total, porém, só 159 milhões são relativos à operação do BPI em Portugal – um crescimento de 25% em relação ao período homólogo, ou seja, no caso do BPI o crescimento dos resultados consolidados foi mais impulsionado pelos ganhos na operação doméstica do que nos negócios noutros países.
No global, os cinco maiores bancos obtiveram lucros na ordem dos 1.423 milhões só na operação doméstica – um valor que facilmente supera os 1.500 milhões se se juntarem os proveitos de bancos de menor dimensão como o Montepio e o Bankinter, que também aumentaram os lucros nos últimos meses.
Porém, Vítor Bento, presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), recusou esta sexta-feira que se possa falar em “lucros excessivos” no setor. Em entrevista ao jornal Expresso, Vítor Bento sublinhou que “a avaliação da dimensão dos lucros ou da rentabilidade não é feita pelo valor absoluto dos lucros”.
“Um banco que tenha 100 milhões de euros de lucro não é mais rentável do que a padaria da esquina que tenha 10 mil euros de lucro”. Isto porque, “se a padaria tiver 10 mil euros de capital, a rentabilidade é muito maior do que a do banco se o banco tiver dois mil milhões de capital, porque a padaria num ano recuperou o capital investido e o banco precisa de 20 anos para recuperar o capital”, afirmou Vítor Bento.