Em 1985, pelo menos dois em cada cinco (44,6%) trabalhadores em Portugal eram sindicalizados. Trinta anos depois baixou para um em cada seis (16,1%). A tendência de decréscimo é igual no resto da Europa. Como pode ser justificada? Philippe Pochet, diretor-geral do Instituto Europeu de Sindicatos, tem uma teoria. E partilhou-a em entrevista ao Observador.
Por um lado, “estamos numa sociedade em que as pessoas têm menos ‘relações’ de longa duração, menos compromissos, e querem saber que a qualquer momento podem desistir” de contribuir para uma organização. Por outro lado, os sindicatos têm um “repertório clássico” e dificuldades em passar a mensagem. E quando “jogam” nos novos tabuleiros das redes sociais, como o Instagram, as coisas também não correm bem. “Não fazem ideia de como comunicar com os jovens. (…) Muito provavelmente vão usar o ‘código’ errado e as pessoas vão dizer: ‘são completamente estúpidos, não é assim que se comunica aqui'”.
Philippe Pochet, que lidera o centro independente de investigação da Confederação Europeia de Sindicatos, o qual abrange 90 associações sindicais na Europa (entre as quais as centrais sindicais portuguesas CGTP e a UGT) –, acredita que os sindicatos podem ter os dias contados. “Se nada for feito”, as associações sindicais vão mesmo desaparecer “em 2103 ou 2104”, disse durante uma apresentação no Labour 2030 (uma conferência sobre as novas dinâmicas no mercado de trabalho), que se realizou recentemente na Alfândega do Porto.
Em entrevista ao Observador, o investigador belga confirmou ainda que a ascensão de sindicatos independentes no setor dos transportes — com capacidade para paralisar um país — não é um fenómeno que apenas preocupe Portugal. E cita trabalhos que apontam estas estruturas como os próximos “líderes dos movimentos sindicais” a nível global.
Os dados do Instituto Europeu de Sindicatos mostram que há cada vez menos sindicalizados em Portugal. É uma tendência no resto da Europa?
Há uma pequena redução, sim. Até nos países da Escandinávia — Noruega, Suécia, Dinamarca e Finlândia — se nota uma diminuição, embora de apenas alguns pontos percentuais. Nesses países, 70% dos trabalhadores são sindicalizados. No meio da tabela está a Bélgica, com 50%, ou Itália, com 30%. Onde o valor está a decrescer bastante é na Europa de leste. Por exemplo, na Polónia (12%), ou na Lituânia e Estónia (8%). Em Portugal o número fica abaixo dos 20%. A diferença de Portugal e Espanha é que houve, numa primeira fase, uma redução e, recentemente, uma estabilização, enquanto que na Europa de leste a diminuição é contínua. Depois há a Alemanha, onde a percentagem fica entre os 16% e os 18%, consoante a fonte.
Como justifica estas reduções?
Costumo dizer que há três instituições basilares: a Igreja, os partidos políticos e os sindicatos. Têm, em conjunto, muitos filiados. Mas quantas pessoas em Portugal vão à igreja aos domingos? Não muitas. O número está a aumentar? Nem por isso. Os sindicatos têm hoje menos filiados do que antes, mas têm bastante mais membros do que as outras organizações que estruturaram a sociedade nos últimos dois séculos. Nós não temos a mesma geração que tínhamos antes. As pessoas são mais individualistas, não têm o mesmo sentimento de pertença a uma grande associação. Tomam a decisão de dar dinheiro a uma organização, mas querem ser livres. É difícil para elas entrarem em organizações de massa. Até podem pagar uma quota a um sindicato ou a uma ONG que querem apoiar, mas tentam evitar dar dinheiro sempre à mesma instituição porque querem ter a liberdade de dizer: ‘agora dou isto, mas se não gostar do que disseram, posso deixar de pagar’.
As pessoas não são tão ativas como antes?
São ativas de formas diferentes. Há um estudo interessante na Polónia, que diz que os jovens querem ser ativos, mas são hoje mais abertos no que toca à organização a que querem pertencer. Pode ser um sindicato ou uma ONG. Depende do que consideram ser mais importante. Mas é certo que os sindicatos ainda têm muito que fazer. Não é tanto atrair os jovens — muitas vezes, eles acabam por ir parar aos sindicatos — mas não permanecem lá. Por isso, temos de garantir que as pessoas que se juntam aos sindicatos não saem.
E o que estão os sindicatos a fazer para mudar essa tendência?
Eu faço parte do Sindicato Cristão na Bélgica. Somos entre 1,5 e 2 milhões de membros, mas estamos a perder alguns milhares todos os anos. Em muitos sindicatos, uma pessoa inscreve-se, paga a quota, que é retirada automaticamente do salário, e depois não tem nenhum contacto com o sindicato. Nós estamos a tentar fazer as coisas de forma diferente. Quando se inscreve, o trabalhador recebe um email cordial com a apresentação da pessoa disponível para o ajudar. Seis meses depois, volta a receber um email — se calhar até é um robô a enviar — a perguntar se tem alguma pergunta, se podemos ajudar de alguma forma.
Há comunicação, portanto.
Há comunicação. E a pessoa pensa: ‘Entrei aqui e as pessoas não querem só saber que eu estou a pagar a minha quota mensal de 15 euros. Elas estão a falar comigo, a perguntar sobre a minha opinião’. Há um caso interessante. Um sindicato sueco perdeu 15% dos filiados num curto período de tempo. Fez um enorme inquérito e concluiu que as pessoas achavam que ninguém no sindicato falava com elas. Diziam: ‘nós não sabemos o que anda o sindicato a fazer porque ninguém nos diz nada, ninguém nos apresenta a organização ou nos explica as vantagens de pertencermos a ela’. Quando esta comunicação passou a ser feita, o número subiu dois ou três por cento. Por vezes, a solução é a comunicação, é mostrar que a pessoa faz parte da organização. Os mais jovens não gostam que se lhes diga: ‘OK, agora vamos debater e depois têm de repetir este slogan’. E isso é mais ou menos o que os sindicatos fazem. E muitas vezes não se insiste no debate, nem toda a gente tem a oportunidade de falar. As pessoas devem sentir-se mais envolvidas.
As pessoas só recorrem aos sindicatos quando precisam?
Os estudos mostram que as pessoas não recorrem a sindicatos porque não sabem o que é um sindicato. Não sabem. Foi feito um estudo em Londres, no Reino Unido, no setor da hotelaria, onde a percentagem de sindicalizados caiu 3%. Os sindicatos foram perguntar aos trabalhadores: ‘Quando tem um problema no trabalho, com quem fala?’. As pessoas responderam, por esta ordem: a minha família, o meu patrão, o Google! E só depois o sindicato. A seguir perguntaram: ‘E porque não falam com os sindicatos?’ A resposta foi: ‘Porque não sabemos o que faz um sindicato’. A maioria das pessoas não está contra os sindicatos, apenas não sabe o que fazem. E por isso não interage nem faz perguntas.
Isso pode acontecer porque os sindicatos não estão a conseguir passar a mensagem?
Os sindicatos sabem que há um problema. Não se muda a forma como se comunica só porque se tem uma conta de Facebook ou de Twitter. Se um sindicato quer chegar aos jovens tem de estar no Instagram — isso eles usam. Só que depois não fazem ideia de como comunicar com os jovens. Se o tentarem fazer, muito provavelmente vão usar o ‘código’ errado e as pessoas vão dizer: ‘são completamente estúpidos, não é assim que se comunica aqui’. Às vezes somos bem sucedidos. Na Polónia, por exemplo, os sindicatos são muito fracos, mas há uns anos o Governo quis criar um contrato de trabalho que traria pouca proteção aos trabalhadores. Um sindicato começou a dizer que aquilo era ‘lixo’ e de repente toda a gente começou a dizer o mesmo. Portanto, mostraram que conseguem resistir, mudar a narrativa sobre o que é um contrato aceitável e o que não é. É possível tentar mudar a narrativa.
Precisam de especialistas em marketing, é isso?
Não acho que seja suficiente ter especialistas em marketing. Estamos numa sociedade em que as pessoas têm menos ‘relações’ de longa duração, menos compromissos, e querem saber que podem desistir a qualquer momento. Nunca mais vamos voltar a ter o número de membros que tínhamos há 50 anos porque a sociedade mudou. Podemos é ter muitos likes no Facebook. Mas é interessante se compararmos Itália com a Alemanha. Em Itália cerca de 30% dos trabalhadores são sindicalizados, mas só 20% considera que os sindicatos são importantes. Ou seja, um terço dos sindicalizados consideram que os sindicatos não são importantes, o que é um desafio. É exatamente o contrário na Alemanha. Estão a perder membros todos os anos, mas mais de 50% das pessoas dizem que os sindicatos são importantes. Portanto, se olharmos para um número parece que a Itália está melhor do que a Alemanha, mas se olharmos para o número de pessoas que apoiam os sindicatos, então a Alemanha ganha.
Temos visto em Portugal a ascensão de sindicatos independentes de centrais sindicais, como os motoristas, que conseguiram parar o país. Há mudanças na forma como os sindicatos se organizam?
Sobretudo no setor dos transportes, há muitos sindicatos independentes.
O número está a aumentar?
Não sei ao certo, mas claramente o setor dos transportes é um setor com muitos sindicatos independentes. É também o setor que pode bloquear um país. Há um livro fantástico chamado “The Force of Labour”, em que a autora refere que os sindicatos são menos importantes na Europa, mas se olharmos para a China, Indonésia ou no Brasil, é outra história. Ela analisa os líderes dos movimentos sindicais: em primeiro lugar está o têxtil, depois a indústria automóvel e há previsões sobre qual pode ser o próximo protagonista — os trabalhadores dos transportes. Porque eles sabem que podem parar a globalização se bloquearem os transportes. E isso dá-lhes imenso poder. Talvez por isso as pessoas nesse setor estejam mais interessadas. Os sindicatos sabem que têm poder.
Vemos vários partidos de extrema-direita a ganharem terreno pela Europa. Esta ascensão é uma ameaça para os sindicatos?
É uma discussão que estamos a ter. Organizámos um seminário sobre democracia e extrema-direita. O secretário-geral da Confederação Europeia de Sindicatos diz que 20% dos membros da confederação estão a votar na extrema-direita, embora haja diferenças consoante o país e o sindicato. Um dos riscos é que muitos movimentos de extrema-direita são mais ‘sociais’ do que antes. Em França, na Suécia, há muitos trabalhadores atraídos por esses movimentos porque lhes dizem: ‘vamos baixar a idade da reforma’ ou ‘vão receber benefícios’.
São promessas populistas…
É uma ameaça para os sindicatos. Estão a desenvolver-se partidos políticos que não são muito a favor dos sindicatos, nem dizem que os sindicatos são importantes. Porque o aumento das desigualdades dá força à extrema-direita. Eles veem os sindicatos como o inimigo que têm de destruir. É algo que está a ser analisado por nós e temos vários textos no nosso site, mas ninguém sabe que há discussão interna sobre o assunto. Ou não há comunicação, ou há comunicação, mas os jornalistas não estão interessados.
Há o risco de os jovens, ao não aderirem a sindicatos, se juntem a outros movimentos, como os ‘coletes amarelos’?
Não havia tantos jovens como se pensa nos ‘coletes amarelos’. A maioria dos jovens são mais moderados. Eles pensam: ‘ok, vamos fazer alguma coisa, partilhamos no Facebook e vamos protestar porque tivemos algum problema na escola com o nosso professor’. O problema dos sindicatos é que têm um repertório clássico que os jovens não percebem. Por exemplo, assisti numa universidade a uma greve, e os jovens tiveram uma assembleia geral. Foi interessante porque pelo menos 25% estavam contra a greve. Estavam a participar porque queriam debater, mas estavam a perguntar por que razão havia um bloqueio. Para eles era inaceitável que estivessem a bloquear a mobilidade. Não aceitaram que essa fosse uma forma legítima de protesto. Os jovens hoje são muito mobilizados por petições online, aquelas que dizem, por exemplo, ‘clica aqui, coloca o teu nome para salvar a Amazónia’. Também isso já começa a ser feito pelos sindicatos, mas poderiam fazê-lo muito mais. Esta seria até uma forma de ficarmos com os contactos das pessoas para mais tarde podermos contactar potenciais membros. Mas as ONGs são muito boas nisto.
Mas há já sindicatos ativos nas redes sociais?
A Confederação Europeia de Sindicatos está a publicar muita coisa todos os dias. Por exemplo, se um representante do sindicato tem uma mensagem que é necessário enviar, colocamos a mensagem e uma fotografia da pessoa. Isso é bom para os membros, porque conhecem a pessoa, mas se queremos atrair pessoas novas, a mensagem tem de ser atrativa, talvez um pouco provocadora. E por vezes é difícil encontra a melhor forma de passar uma ideia. Por exemplo, os escandinavos não querem um salário mínimo a nível europeu, enquanto os sindicatos de outros países dizem que sim. A discussão dura há 15 anos. Mas se comunicarmos isto, ninguém vai perceber o que queremos dizer porque não é suposto haver tensões dentro do movimento sindical. Se enviarmos uma mensagem a explicar a questão, e a nossa posição, provavelmente vamos criar uma nova crise. Nem sempre podemos dizer exatamente o que queremos, por isso, acabamos por não dizer nada e as pessoas perguntam-se: ‘Porque não estão os sindicatos a falar sobre o salário mínimo, quando toda a gente fala sobre isto?’ É muito difícil encontrar a forma certa de comunicar e explicar a história completa.
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A proliferação da tecnologia nos séculos XIX e XX obrigou os sindicatos a mudar a forma de atuação. Com as mudanças que se avizinham, haverá nova adaptação?
Vamos ter em outubro um seminário sobre inteligência artificial, para percebermos de que forma pode ser usada pelos sindicatos. Por exemplo, há uma empresa que garante conseguir antecipar uma greve, outras dizem que conseguem maximizar a participação dos trabalhadores. Não sei se estas propostas têm pernas para andar, mas pelo menos o debate está lançado. Passo a passo, estamos a colocar a questão na nossa agenda. Ficámos muito surpreendidos que os sindicatos tivessem ficado interessados.
Muitas pessoas dizem que os robôs vão destruir empregos no futuro. Os sindicatos vão ser mais importantes para garantir que os direitos dos trabalhadores são salvaguardados?
Os robôs estão a expandir-se, mas não tanto como se diz. Também aqui na conferência vimos um robô, que até é bastante estúpido [risos]. É um facto que há novas tendências, mas são ainda marginais. Outra questão é: OK, ainda são uma minoria, mas isso vai mudar no futuro. Como nos preparamos? Uma colega analisou a longa onda de mudança desde a revolução industrial e argumenta que há sempre um primeiro passo: a emergência. Recentemente aconteceu por volta dos anos 80, início dos anos 90. Foi o princípio dos computadores, ainda muito limitado. Numa segunda fase houve a expansão, mais ou menos nos anos 90, com novas empresas que achavam que tudo era possível. Depois veio a crise financeira, e agora há a discussão de que não se usa nova tecnologia porque não há nova tecnologia. Onde está a nova tecnologia? O computador já o conhecemos há 30 anos. O que é novo agora é a forma como as diferentes tecnologias interagem.
Quando esta automação começar a ganhar força, teremos menos trabalhadores? O que podem os sindicatos fazer para garantir que os trabalhadores continuam a ser necessários?
A primeira questão é: quantos empregos serão destruídos? Toda a gente fala de um estudo que diz que 50% dos empregos estão em risco nos próximos 20 anos. Mas ninguém acredita nisso. O que é um emprego e uma tarefa? Por exemplo, você é jornalista. Se estivesse a trabalhar há vinte anos, não teria um portátil, um iPhone, etc. Portanto, o seu emprego é o mesmo, mas está a desempenhar as suas tarefas de forma diferente. É verdade que, no caso de alguns trabalhos, todas as tarefas podem desaparecer. Mas na maioria dos casos, num emprego com dez tarefas, duas poderão vir a ser desempenhadas de forma mais competente por robôs, ou plataformas, ou inteligência artificial, do que pelo trabalhador. Estima-se que dez por cento dos trabalhadores vejam as tarefas mudar tanto que os seus empregos ficarão em risco.
São estes que tendem a desaparecer?
Não vão necessariamente desaparecer, mas ficarão em risco. Só porque metade das tarefas podem ser feitas por um robô, não quer dizer que os postos de trabalho sejam eliminados. Depois, há um consenso, uma teoria segundo a qual os robôs irão fazer mais eficientemente as tarefas que exigem o raciocínio ou cálculos. As traduções são disso exemplo. Mas os robôs têm fragilidades: a falta de empatia, de ligação. Os trabalhos do futuro são aqueles em que as pessoas trabalham em grupo, em partilha, em que é preciso empatia. Você pode ser substituída por um robô, mas eu não quereria falar com um robô, porque não há interação. Há neste momento duas transições: uma climática e uma digital. O que temos de conseguir é que sejam o mais suaves possível. Todas as transições são complexas e difíceis, mas podemos organizá-las de uma forma suave, e assim as pessoas vão aceitar a transição.
Enquanto preparava esta entrevista deparei-me com um artigo no The Guardian intitulado: “Direitos dos trabalhadores? Os patrões não querem saber — brevemente só precisarão de robôs“. Acredita neste cenário distópico?
Bem, eu acho que os robôs não precisam de patrões [risos]. Acho que essas ideias são boas para assustar as pessoas. É isso que fazem. Qual a percentagem de robôs no local de trabalho hoje em dia? Ainda é muito baixa. Há um restaurante em São Francisco, nos EUA, em que são os robôs a servir os clientes. Há até um robô na cozinha. Mas tem sempre alguém ao lado a tomar conta da comida, porque o robô pode fazer um erro qualquer e o resultado final fica péssimo. Se isso acontece, a responsabilidade é do dono do restaurante. Não estou com isto a dizer que não teremos cada vez mais robôs, mas vai demorar até termos uma automação significativa. Porque é necessário repensar o conceito de empresa. E isso leva tempo. Desde que trabalho num cargo europeu, desde os anos 90, que a Comissão Europeia repete que daqui a dez anos metade dos empregos terão denominações diferentes. É verdade? Não é. É verdade que temos uma variedade de novos empregos que não existiam, mas vai demorar muito até que eles sejam dominados pela automação. Nos anos 90 havia uma ideia: ver televisão onde quisesse. Tentaram, mas o que tivemos foi uma série de lojas de vídeo. Trinta anos depois, temos a Netflix. Era esse o objetivo, TV on demand. Só que demorou mais de 25 anos.
Quem será mais prejudicado com a automação? As pessoas menos qualificadas?
Com certeza as pessoas com qualificações baixas, mas depende do que consideramos baixas qualificações. Não é o mesmo que maus salários. Por exemplo, o imigrante que toma conta dos nossos pais. Acha que vai confiar a um robô a tarefa de cuidar dos seus pais? Não tenho a certeza. Vai preferir alguém com quem possa interagir, que perceba o que nós dizemos. O trabalho mais repetitivo vai desaparecer. Mas mais uma vez, depende como pensamos a sociedade do futuro. Por exemplo, um médico-robô. Ninguém vai aceitar ir ver apenas um robô. Mas o que é bom no robô? Pode analisar muito mais artigos científicos do que o médico para poder ajudar a tomar decisões. Por isso, ainda vamos precisar do médico, mas em vez de ter uma memória fantástica, tem o robô a ajudar. Mais uma vez, não estamos a perder um posto de trabalho, estamos a aumentar a capacidade do médico em fazer um diagnóstico correto. Acho que os robôs não serão completamente aceites durante muito tempo e estes postos de trabalho vão continuar a existir. Alguns empregos podem ser substituídos, mas o risco ainda é baixo. Por exemplo, os médicos, para manterem os seus postos de trabalho, devem prestar mais atenção à relação com o paciente, o que muitos não fazem. Não querem saber. Isso iria mudar muita coisa.
Com as máquinas, seria possível reduzirmos o nosso dia normal de trabalho, mantendo o mesmo salário?
Pelo mesmo salário… É interessante porque essa questão faz parte da discussão. Há dois tipos de debate. Por um lado, a questão de que há um excesso de consumo e devemos reduzir. Depois a questão sobre o que é essencial cada um ter. Os especialistas sobre alterações climáticas colocam questões como: ‘Se calhar, o que precisamos é de um serviço de saúde gratuito, transportes gratuitos, serviços públicos gratuitos, em vez de termos mais dinheiro’. Em ambos os debates, há a discussão sobre a redução do tempo de trabalho, mas devemos continuar a consumir como agora ou não? Essa é que é a questão. Não estou a dizer que os sindicatos já chegaram ao ponto de dizer: ‘OK, podemos ter uma redução de salários’, até porque entramos noutra questão, sobre as desigualdades. Se queremos ter mudanças temos de reduzir as desigualdades. Ninguém vai aceitar mudanças quando os pobres têm pouco e os ricos têm milhões.
Reduzir as desigualdades como?
Temos de voltar a taxar os mais ricos. Há um estudo interessante na Bélgica: concluiu que emitimos mais gases poluentes quando vemos o salário subir porque consumimos mais. Se reduzirmos as desigualdades ao aumentar os salários, vamos aumentar a emissão de CO2.
Está a dizer que não podemos aumentar salários mais baixos?
Podemos aumentar os salários dos mais pobres, mas para isso temos de reduzir os lucros dos mais ricos. Senão, reduzimos as desigualdades, mas aumentamos as emissões. Há um debate sobre quanto os mais ricos consomem mais serviços. Por exemplo, no caso dos aviões: é claro que se taxarmos as companhias aéreas pelos gases que emitem, taxamos mais diretamente os mais ricos, porque consomem mais estes serviços. Isto iria permitir mudar o debate e pôr as pessoas a pensar: ‘OK, tens de pensar nas viagens que fazes, no quanto gastas, no que é normal gastar’. Não podemos ignorar este debate.