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O projeto Atitude Positiva desenvolve competências socioemocionais de alunos do 4.º ao 8.º ano, em escolas dos concelhos de Torres Vedras e do Cadaval. Em 20 anos, envolveu cerca de 25 mil estudantes
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O projeto Atitude Positiva desenvolve competências socioemocionais de alunos do 4.º ao 8.º ano, em escolas dos concelhos de Torres Vedras e do Cadaval. Em 20 anos, envolveu cerca de 25 mil estudantes

André Rolo / Observador

O projeto Atitude Positiva desenvolve competências socioemocionais de alunos do 4.º ao 8.º ano, em escolas dos concelhos de Torres Vedras e do Cadaval. Em 20 anos, envolveu cerca de 25 mil estudantes

André Rolo / Observador

Nestas escolas do Cadaval e de Torres Vedras, gerem-se medos e expectativas, estimula-se a confiança, partilham-se emoções e reflexões

Atitude Positiva. É o nome do projeto com programas para alunos do 4.º ao 8.º ano. Trabalham a transição de ciclo e o autocontrolo para prevenir comportamentos de risco e melhorar o bem-estar mental.

Há oito anos que Maria Inês Guia, professora de Português, diretora de uma turma do quinto ano do Agrupamento de Escolas Madeira Torres, em Torres Vedras, participa num projeto que considera especial. No início deste ano letivo, mais uma vez, acompanhou a atividade “Brasão de Armas”, em que os alunos fazem uma pequena entrevista ao colega do lado, uma conversa a dois, para depois passarem à apresentação a todos, e um a um, dos companheiros de carteira.

É uma atividade que quebra o gelo para que as crianças percebam que são um grupo, que há gostos que os unem e que os separam, e está tudo bem, e que a diversidade é o que os constrói enquanto grupo, enquanto turma. Resulta bem, garante a professora, num momento de transição do primeiro para o segundo ciclo com novas caras, outros espaços, turmas maiores, mais disciplinas, mais docentes, em vez de um. “Os miúdos participam de uma forma muito engraçada. Perguntam que animal gostavam de ser, qual o prato favorito”, conta.

Há outro exercício pensado para o quinto ano. É o jogo da travessia do rio, o desafio de construir um barco, delinear um plano para chegar à outra margem. A turma é dividida em grupos para definir a estratégia. “Têm de ouvir cada elemento da equipa”, explica Maria Inês Guia que vê benefícios nestas dinâmicas e abordagens. “Marca-os para o futuro, são aprendizagens socioemocionais que se traduzem na sala de aula, quando têm de trabalhar em grupo, sempre que é preciso escolher um porta-voz, no respeito que é preciso ter, na forma como se relacionam com os outros e como se controlam.”

Esse são, aliás, alguns dos objetivos do projeto Atitude Positiva, do Académico de Torres Vedras (ATV), associação de utilidade pública sem fins lucrativos fundada por um grupo de jovens em 1995, que tem programas para desenvolver competências socioemocionais de alunos, de forma que se tornem mais confiantes e competentes a lidar com os desafios do dia a dia, promovendo a integração e, consequentemente, o sucesso escolar.

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Maria Inês Guia (à esquerda) é professora de Português e garante que o projeto tranquiliza os alunos mais novos. Patrícia Gonçalves ajudou a filha a lidar com a ansiedade graças ao projeto

André Rolo / Observador

No quarto ano abordam-se temas como a expressão de sentimentos, a assertividade, a tomada de decisão, a pressão dos colegas. No sexto e no sétimo anos, a comunicação, o trabalho em equipa, a gestão de conflitos, a autoestima. No sétimo e oitavo (terceiro ciclo), a gestão de conflitos e a tomada de decisão fazem parte do programa com 13 a 15 sessões de cerca de uma hora. O projeto arrancou no ano letivo de 2004/2005 em três escolas de Torres Vedras, na secção de desenvolvimento social do ATV. Em vinte anos chegou a cerca de 25 mil alunos.

Vítor Coelho é psicólogo e coordenador do Atitude Positiva. Ajudou a desenhá-lo e a levá-lo para as escolas. “Os programas de aprendizagem socioemocional trabalham as competências gerais: autocontrolo, autoconsciência, consciência social, competências relacionais, tomada de decisão responsável. Ou seja, saber quando devem e não devem fazer uma coisa, terem noção das suas emoções e como elas interferem com a sua atividade, quando estão irritados não devem bater nas pessoas, ajustarem o comportamento, serem capazes de cooperar e de tomarem decisões tendo em conta vários fatores e várias alternativas.”

A comunicação, o trabalho em equipa, a gestão de conflitos, a autoestima e a confiança, a tomada de decisão, são algumas das temáticas abordadas com as turmas. A abordagem privilegia uma intervenção feita em conjunto e com o professor na sala de aula. 

A abordagem não é individual, trabalha-se na turma, privilegia-se a presença dos professores na sala de aula. “Se toda a gente na sua turma progredir nas suas competências, melhora-se a vida de todos. Se as competências das crianças aumentarem, elas estão em melhores condições de gerar interações positivas, reduzindo as negativas”, sublinha Vítor Coelho. “Alguns comportamentos agressivos que os alunos têm perante os colegas derivam de eles não ajustarem o seu comportamento àquela pessoa. As competências gerais densificam a capacidade dos alunos e vão reduzir os comportamentos agressivos”, acrescenta. Neste ano letivo, o Atitude Positiva está em cinco agrupamentos escolares, quatro em Torres Novas e um no Cadaval, em 50 turmas, abrangendo 1100 alunos.

"O bullying é um fenómeno de grupo e pernicioso para a saúde mental, deve ser levado a sério”, diz o psicólogo Vítor Coelho, coordenador do projeto

André Rolo / Observador

Em 2006, Ana Cláudia Primor estava no quarto ano quando o Atitude Positiva foi à sua escola. Não esquece o que se passou há 18 anos, ainda guarda as folhas que passaram pela turma em que os colegas escreveram o que pensavam sobre si. “Trabalharam as emoções e receios a partir da transição para o quinto ano, com essa grande mudança”, recorda. “Lembro-me de fazermos muitas atividades de integração da turma, de autoestima, falávamos abertamente, tínhamos um espaço seguro para darmos as nossas opiniões, percebemos que tínhamos um apoio, um amparo.” Quando acabou o 12.º ano, estudou Psicologia da Educação, trabalhou noutra área, quando abriu um lugar para a equipa do Atitude Positiva, candidatou-se, e entrou.

Há um ano que está no projeto, vai às escolas, passa por várias turmas, aplica os programas. “Os miúdos acabam por sentir que é um espaço seguro para eles, que podem falar de determinados assuntos, e aí é que está a verdadeira intervenção”, realça. Ana Cláudia Primor pormenoriza essa abordagem que envolve sentimentos e interfere na saúde mental dos alunos. “Por exemplo, reconhecer emoções e saber identificá-las. Esta parte é muito importante porque os jovens até podem dizer ‘sinto-me triste’, mas não conseguem especificar bem essa parte da emoção. Aprimoramos esse conhecimento das emoções e como as devemos usar, qual o contexto mais adequado. Além disso, trabalhamos muito o respeito, o cuidado com o outro, a autoestima.”

Uma aplicação para lidar com a ansiedade e o isolamento social

Patrícia Gonçalves é mãe de Madalena, excelente aluna, com as suas ansiedades e inseguranças. Em abril deste ano, no 8.º ano, foi selecionada para um intercâmbio em Londres, no âmbito de um projeto europeu, do qual o projeto Atitude Positiva faz parte, que envolve Portugal, Reino Unido, Chéquia e parceiros da Irlanda, Áustria e Noruega. O objetivo desses encontros internacionais é desenvolver uma aplicação para telemóvel com uma narrativa e seis episódios, em realidade aumentada, para ajudar jovens que sofrem de ansiedade e isolamento social. Começou em 2023 e terminará em 2027. O próximo encontro será em outubro em Torres Vedras.

Patrícia acompanhou a filha a Londres e viu como correu. “Lidou com outras realidades, com outras crianças, com outras experiências. Ao partilharem as mesmas dificuldades, ajudam-se uns aos outros”, observa. Desde então, sentiu várias mudanças na filha. Os inícios de ano eram complicados, inquietos, stressantes. “Chorava na noite anterior, roía as unhas, agora está muito mais liberta”, garante. “É uma adolescente que lidava mal com a frustração e com a negatividade e que está muito melhor agora.” O que vê? “Uma criança feliz”, responde. Madalena está agora no 9.º ano.

Sofia Saldanha é uma das psicólogas do projeto e adianta que as atividades são dinâmicas de grupo para falar e pensar sobre determinadas temáticas. Há sempre uma reflexão, a sessão não cai num vazio, garante. “Os alunos conseguem identificar não só aquilo que foi feito naquele contexto, e o que aprenderam naquele momento, mas também a transpor para o quotidiano, para a vida diária, o que é uma grande vantagem. Permitem-se a vivenciar, a experienciar, a partilhar com o grupo”, sublinha.

No quarto ano e no segundo ciclo, em comparação com os grupos de controlo que não beneficiaram do projeto, a autoestima e a consciência social dos alunos aumentaram. O que também se verifica no terceiro ciclo, com um aumento de competências relacionais e autocontrolo. 

A intervenção em conjunto não é por acaso. Vítor Coelho explica porquê. “A turma é o universo social dos alunos até certa idade porque passam 35 horas alinhados com a sua turma. Logo, a turma evoluindo positivamente como um todo gera comportamentos positivos.” E os docentes veem os alunos por outro prisma. “Falamos sobre comunicação verbal e não verbal, como transmitir uma ideia coerente, e isso ajuda na relação com os professores”, adianta o responsável. Nada é ao acaso, esclarece Sofia Saldanha. “É um projeto estruturado, cada sessão está pensada e organizada de determinada forma.”

O Atitude Positiva recorre a várias abordagens, utiliza diversos materiais, alguns criados de raiz, outros adaptados de outros programas. Jogos de tabuleiro que estimulam os elogios, a identificar emoções, a comunicar, a trabalhar em equipa. Inquéritos para perceber o que gostam e não gostam, o que causa mais stress, o que pensam dos amigos, das disciplinas, dos professores, das regras, da escola. Repetem-se exercícios para perceber o que muda, usam-se estratégias para gerir o que está a incomodar, a perturbar, a calar emoções. A causar danos ao bem-estar dos alunos e que se reflete no desempenho escolar.

"É um projeto estruturado, cada sessão está pensada e organizada de determinada forma", diz a psicóloga Sofia Saldanha (à esquerda)

André Rolo / Observador

“Reforçamos a parte da partilha, os alunos a terem voz, a partilharem as suas experiências e, possivelmente, encontrarem coisas em comum, o que faz uma coesão entre a turma: ‘passou pelo mesmo que eu, sente o mesmo que eu, se calhar consigo identificar-me mais com essa pessoa também’”, especifica Ana Cláudia Primor.

O projeto é conhecido em Torres Vedras, em 2017 começou a ser aplicado no concelho do Cadaval. Foi apresentado às câmaras municipais que contactaram os agrupamentos escolares, o passa a palavra tem funcionado. Neste momento, a equipa é constituída por oito psicólogos a tempo inteiro: Vítor Coelho, Ana Maria Romão, Sofia Saldanha, Patrícia Silva, Vanda Sousa, Marta Marchante, Patrícia Brás e Ana Cláudia Primor. Chegados às escolas, escutam as necessidades transmitidas pelos responsáveis, seja uma turma mais instável ou alunos mais ansiosos e stressados, analisam como podem dar respostas, como intervir.

Em 2019, o Atitude Positiva recebeu um convite da Fundação Gulbenkian para se tornar uma metodologia de referência nas Academias Gulbenkian do Conhecimento, apresentou uma candidatura, e o programa foi replicado em vários locais a nível nacional – Vizela, Pombal, Lisboa, Setúbal, Faro, Loulé, Caniçal na Madeira -, numa implementação que se estendeu até 2022. A equipa investe na investigação e tem marcado presença em congressos nacionais e internacionais e publicado vários artigos científicos, 35 até ao momento, dois dos quais numa das mais importantes revistas mundiais da especialidade de Psicologia da Educação. O financiamento vem sobretudo das câmaras de Torres Vedras e do Cadaval, do Programa Escolhas – 9.ª geração, dinamizado pelo Alto Comissariado para as Migrações. De uma forma indireta, enquanto parte do consórcio do projeto europeu ASP-Belong, que está a criar a aplicação para jovens, é apoiado pelo Programa Horizons Europe.

Dinâmicas de grupo para lidar com dificuldades e frustrações

Há ainda programas de combate ao bullying, mais pequenos, mais focados, feitos em turmas a pedido dos professores. A intervenção volta a ser em grupo, nunca individualizada. “O bullying é um fenómeno de grupo e extremamente pernicioso para a saúde mental, deve ser levado a sério”, avisa Vítor Coelho. São feitas dinâmicas de grupo, há também formação online para pais a partir das suas dúvidas e expetativas, e ações presenciais junto de assistentes operacionais sobre como gerir situações nos intervalos.

“O bullying, em geral, vive da falta de intervenção de adultos. O cyberbullying existe porque está nas costas dos adultos. Se houver comunidades escolares, na verdadeira aceção da palavra, os níveis de bullying diminuem. Só os episódios extremamente graves é que são noticiados nos meios de comunicação, mas esses não são maioria, causam muito dano, é certo, mas no dia a dia, há centenas destes pequenos episódios de pequena intensidade fazem muito mal à saúde mental das crianças.” Vítor Coelho lembra que a ansiedade social disparou com a pandemia, tanto nos alunos, como nos professores. Mais uma questão que é trabalhada com os alunos. “Um aluno socialmente ansioso é mais provável que tenha um comportamento agressivo, bater noutro aluno, se automutilar, ser vítima ou agressor em bullying”.

No quarto ano abordam-se temas como a expressão de sentimentos, a assertividade, a tomada de decisão. No sexto e no sétimo ano, a comunicação, o trabalho em equipa, a gestão de conflitos, a autoestima. No sétimo e oitavo, a gestão de conflitos e a tomada de decisão fazem parte do programa. O projeto arrancou em 2004 em três escolas de Torres Vedras. Já chegou a cerca de 25 mil alunos.

O bullying reúne três coisas: tem de haver intenção, ser propositado e repetido. “Tem de haver uma diferença de poder que, normalmente, é uma coisa que ninguém entende. No primeiro ciclo é, muitas vezes, um aluno ser maior do que o outro, num adolescente é, muitas vezes, ter mais amigos e ser mais popular.” O coordenador do projeto dá mais exemplos. “Alunos que são vítimas de bullying e que têm baixo autocontrolo e baixo nível de tomada de decisão responsável, mais rapidamente respondem violentamente, são as chamadas vítimas-agressores.”

“Normalmente, levam consequências disciplinares por serem agressores, mas a sua autoestima e o seu autoconceito são afetados por serem vítimas”, comenta o psicólogo que deixa um conselho: “Bullying é uma parte da violência, tratar violência como se fosse bullying não dá bom resultado porque a estratégia para atacá-la é diferente.”

Tem tudo a ver com a gestão emocional, a dificuldade que os jovens têm de gerir as emoções e o impacto que acaba por ter no sucesso escolar. “O sucesso escolar não é só chegar à escola, estudar e tirar boas notas. É muito mais do que isso. Tentamos promover o bem-estar social e emocional para que os jovens consigam ter as ferramentas necessárias para conseguirem ser bem sucedidos, para conseguirem gerir as diferentes dificuldades”, realça a psicóloga Sofia Saldanha.

A equipa é constituída pelo coordenador e sete psicólogas. O tempo é passado nas escolas, as reuniões acontecem no Académico de Torres Vedras, associação que promove o projeto

André Rolo / Observador

No início e no fim de cada ano escolar, os professores respondem a um inquérito sobre cada aluno da turma, um a um, a pedido da equipa do projeto. São perguntas sobre como se relacionam com os colegas, o que gostam mais e menos na escola, se são tímidos, se estão mais desenvoltos. As respostas permitem ver o impacto da intervenção. No quarto ano e no segundo ciclo, em comparação com os grupos de controlo que não beneficiaram do projeto, a autoestima e a consciência social dos alunos aumentaram. O que também se verifica no 3.º ciclo, aumento de competências relacionais e autocontrolo. Quando o projeto começou, um em cada sete alunos reprovavam no quinto ano nas escolas de Torres Vedras. Nos últimos dois anos, a taxa de retenção nesse ano variou entre os 3,5% e os 4,7%.

Vítor Coelho fala dessas melhorias. “Na transição positiva, o grande resultado é a quase eliminação da queda na autoestima e autoconceito social nos alunos que fazem o programa relativamente aos que não fazem. Também notámos níveis muito mais baixos de stress com regras e stress académico no quinto ano.” “No terceiro ciclo, os resultados constantes incluem aumento da autoestima e da consciência social, diminuição da ansiedade social, acompanhadas com uma trajetória mais positiva no autocontrolo. Isto é, mantém-se ou desce pouco, enquanto que nos alunos que não fazem o programa desce muito.”

A equipa de psicólogos passa o tempo nas escolas e, sempre que é necessário, volta à base para reunir na sede do ATV, na porta 8 da Praça do Município. Além do projeto focado nos alunos, a associação organiza e desenvolve várias iniciativas como sessões e ciclos de cinema em vários espaços, workshops de fotografia, passeios de BTT, convívios para a comunidade, atividades de enriquecimento curricular.

Antes do ano letivo terminar, Maria Inês Guia acompanha os alunos da sua turma do quinto ano que vão a uma turma do 4.º ano falar das suas experiências na mudança de ciclo, os medos, as dúvidas, como foi a adaptação, para tranquilizar os mais novos. “Os miúdos do quarto ano bebem tudo.” O projeto é para os alunos e para si também. A professora confessa que a tem ajudado a ficar mais calma, menos ansiosa. “O autocontrolo é muito trabalhado e isso é muito importante.”

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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