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© FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVADOR

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"Ninguém está no leito de morte a pensar que gostava de ter passado mais tempo no Instagram"

Vivemos numa cultura obcecada com a produtividade, alimentada pela reação ao invés da reflexão. Vivemos sem tempo e contamos histórias para adormecer à pressa. Entrevista ao fundador do Slow Movement.

Mais de metade dos portugueses inquiridos tem uma vida demasiado agitada e 80% deste universo admite que gostava de abrandar. A conclusão faz parte de um estudo realizado pela Universidade Católica Portuguesa a pedido do Esporão, empresa produtora de vinhos e azeite que aposta não só numa agricultura sustentável, ao ritmo da natureza, como é adepta do Slow Movement. Porque quem abranda tende a ser mais feliz — outra conclusão do estudo apresentado esta manhã pelo professor Ricardo Ferreira Reis, diretor do Centro de Estudos Aplicados da Católica Lisbon School of Business & Economics no CCB –, o Esporão convidou ainda Carl Honoré a partilhar com os portugueses como é possível abrandar, isto é, fazer as coisas ao ritmo certo.

Honoré é jornalista, escritor, autor de vários bestsellers e palestrante do TED (os seus vídeos têm mais de 2.8 milhões de visualizações). Acima de tudo, o canadiano que nasceu na Escócia diz-se o fundador do movimento Slow Movement, aquele que contraria as corridas frenéticas do dia a dia, as agendas preenchidas e as longas horas de trabalho, e promove o abrandamento a mando do bem-estar individual e coletivo.

“Movimento Slow”: quando a ordem é abrandar

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Em entrevista ao Observador, Carl Honoré fala sobre uma cultura obcecada com a produtividade no trabalho e em casa (e até no quarto), da saúde mental que é cada vez menos um tema tabu e da maior consciência das empresas e do ser humano sobre a forma precária como estamos a usar o nosso tempo: “Ninguém está no leito de morte a pensar que gostava de ter passado mais tempo no Instagram, no escritório ou nas compras. No entanto, estas coisas ocupam muito do nosso tempo. A cultura está, cada vez mais, a valorizar a experiência humana. E a experiência humana não pode ser acelerada“.

De referir ainda que segundo o estudo que teve como amostra 1003 adultos, homens e mulheres com idades compreendidas entre os 18 e os 76 anos, são os jovens entre os 25 e os 34 anos os que mais dificuldades têm em adotar um estilo de vida mais calmo, embora 47,9% dos inquiridos tenha manifestado que, nos último 5 anos, tem alterado as suas rotinas. Boa gestão de tarefas, mais tempo livre para as relações familiares e sociais são os indicadores que mais contribuem para o bem-estar geral. É isso que tem estado a fazer com o seu tempo?

João Roquette, do Esporão, e Carl Honoré, fundador do Slow Movement

FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVADOR

É uma voz — senão a voz — do Slow Movement no mundo, tema que trabalha desde 2004. Como é que tudo começou?
A minha história é bastante pessoal. Quando tudo é uma corrida contra o tempo eventualmente há uma chamada de atenção, algo recorda-nos que nos esquecemos de abrandar e que isso nos faz mal. Muitas pessoas têm problemas de saúde ou sofrem burnouts, mas a minha chamada de atenção foi quando comecei a ler à pressa histórias para adormecer ao meu filho — nesses dias não conseguia abrandar. Contava “A Branca de Neve e os Sete Anões” à pressa: em vez de serem sete anões, eram três. Lembro-me de ter ouvido falar de um livro chamado “Histórias para adormecer em um minuto” e de pensar que era uma ótima ideia. Depois percebi que era de loucos, que estava correr pela minha vida fora em vez de a viver.

Nessa altura parei e pensei no que estava a acontecer, a nível pessoal mas também jornalístico. Enquanto jornalista queria perceber o contexto geral, pelo que passei um ano a viajar à volta do mundo e a investigar a nossa adição à velocidade, ao estarmos sempre ocupados e a fazer cada vez mais coisas e mais depressa. Regressei com uma ideia muito simples: isto não tem de ser assim, nós podemos e devemos abrandar. Escrevi o livro [“In Praise of Slow”, de 2004] numa altura em que as pessoas estavam a começar a falar sobre isso — já se falava em slow food, slow cities, etc… O que o livro fez foi juntar todas estas coisas que estavam a acontecer debaixo do radar e a falar sobre Slow Movement. Porque antes deste livro ninguém falava sobre Slow Movement, isso não existia, fui eu que criei o nome. O livro tornou-se numa espécie de guia, de Bíblia [para o movimento].

O Slow Movement funciona como um grande chapéu que acolhe diferentes expressões que já estavam a acontecer ao redor do globo? Isto é, há uma primeira referência a slow food na Itália, em 1986, quando um homem decide opor-se à abertura de uma cadeia de fast food no centro histórico de Roma…
Exato, ainda não havia um chapéu. A slow food mostrou que o Slow não é uma coisa má, não é um tabu. É, na verdade, uma forma útil de pensar sobre a vida — face à comida, ao sexo ou à educação, ao trabalho ou às viagens, etc. Promove a ideia de que podemos fazer as coisas não o mais depressa possível, mas o melhor possível. A slow food começou o processo de reclamar de volta a palavra Slow. O que fiz com o livro — e tudo o que tenho feito desde então, com as palestras, as participações na rádio e os programas de televisão — foi criar este chapéu.

O que se pode entender por Slow?
Estar presente, fazer uma coisa de cada vez, qualidade em vez de quantidade, sustentabilidade e longo prazo. Tudo isto pode ser metido numa única caixa, que é Slow. É uma palavra curta, inglesa e divertida, que todos conhecem ao redor do mundo. Em Portugal a palavra “lento” tem uma conotação negativa, mas se falarmos em algo que é “Slow”, escrito em maiúsculo, a palavra não está associada à ideia de preguiça e significa uma forma melhor de viver e de trabalhar, de estar no mundo… A palavra “Slow” fugiu da língua inglesa para se tornar numa abreviatura. Ajuda a alimentar a ideia de uma mudança internacional.

"A minha chamada de atenção foi quando comecei a ler à pressa histórias para adormecer ao meu filho — nesses dias não conseguia abrandar. Contava “A Branca de Neve e os Sete Anões” à pressa: em vez de serem sete anões, eram três."

Quando começou a trabalhar o tema, em 2004, as coisas eram muito diferentes do que são agora?
Sim, muito. Quando o meu primeiro livro foi publicado eu estava receoso, achei que fosse existir aniquilação, sangue no chão, achei que ia ser destruído. Mas não. Até os grandes jornais económicos, como o The Finantial Times, adoraram o tema. Percebi que disse uma coisa importante na altura certa. O tabu, a inércia, a resistência, o medo, a vergonha, a culpa… tudo isso estava associado, em 2004, ao ato de abrandar. Houve até quem me ligasse a dizer que adoraria que eu desse uma palestra em determinada empresa, mas que não o faria por medo do chefe. Agora isso não acontece. Agora é o chefe que me liga. É uma grande mudança.

Ajudou a identificar um problema, não apenas no universo económico, mas na vida das pessoas?
Sim, acho que todos sentíamos o problema. E a primeira coisa a fazer, para lidar com um problema, é dar-lhe um nome. Ter palavras que o possam descrever. Acho que antes falávamos sobre sermos gananciosos ou demasiado consumistas, mas não falávamos de velocidade ou de ritmo. O que fiz foi trazer outra linguagem à conversa e acho que isso foi útil. Ainda me dizem muitas vezes: “Obrigada por me dar permissão para abrandar”.

"Ainda me dizem muitas vezes: 'Obrigada por me dar permissão para abrandar'."

Hoje há maior abertura para falar sobre temas que já foram tabus. Há, por exemplo, cada vez mais pessoas que falam abertamente sobre ansiedade ou burnout. Será que pode, por ventura, haver um exagero nesse sentido, isto é, tornar este discurso uma atitude meramente “cool”?
Sim, há aí um paradoxo estranho. Comecei a detetar isso. Claro que queremos que as pessoas falem de saúde mental, seria mau fazer disso um tabu. O problema, quando trazemos os temas ao mundo, é que para algumas pessoas isso torna-se num troféu. Acho que duas coisas estão a acontecer: há muitas pessoas que dizem que sofrem de ansiedade, que sentem que estão a ir muito depressa e querem parar; depois, há uma minoria para quem isso é “fixe”, “arriscado”… “Olhem para mim, trabalho tanto, estou sempre on e agora sofro de ansiedade”. Talvez isso seja algo a curto prazo, algo que exista à medida que a cultura se adapta e muda. Nas mudanças culturais existem sempre fases. No Slow Movement também é assim: há coisas ótimas a acontecerem, progressos e, depois, outras que nos fazem voltar atrás. Acho que isso acontece individualmente e coletivamente.

Acha que as pessoas estão cientes da importância do tempo como bem imaterial?
As pessoas estão mais cientes e querem aproveitar melhor o tempo que têm. Acho que herdámos aquela ideia antiga de que tempo é dinheiro — uma expressão que, na verdade, vem do início da industrialização, soa muito moderno, mas foi Benjamin Franklin quem o disse há 250 anos. Isto acabou por definir a forma como encaramos todos os aspetos da nossa vida: dinheiro! De repente, há a pressão para sermos cada vez mais produtivos, mesmo se estamos a descansar. O nosso descanso tem de ser produtivo. Acho que se criou uma cultura onde as pessoas sentem que têm de fazer mais e mais com cada vez menos tempo. Acho que, agora, estamos a afastar-nos da quantidade em detrimento da qualidade — a geração millennial, por exemplo, quer comprar menos coisas e experimentar mais, isso enquadra-se nesta mudança cultural em torno de abrandar. Não é possível fazer o download de uma experiência na Amazon. Mas isto vai além desta geração. Pessoas com 50, 60 anos começam a interrogar-se: “Quero mesmo trabalhar 100 horas por semana?”. Ninguém está no leito de morte a pensar que gostava de ter passado mais tempo no Instagram, no escritório ou nas compras.  No entanto, estas coisas ocupam muito do nosso tempo. A cultura está, cada vez a mais, a valorizar a experiência humana. E a experiência humana não pode ser acelerada.

FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVADOR

Abordou um ponto muito interessante: até no nosso tempo livre estamos preocupados em ser produtivos, em ler determinados livros, em ver determinadas séries, em fazer determinadas coisas…
Sim. Acho que no núcleo duro desta cultura veloz está uma obsessão com a produtividade. Isso vê-se no trabalho e também em todo o lado, inclusive no quarto. No outro dia vi uma revista feminina que tinha na capa: “Como ter mais orgasmos”. Como se as pessoas estivessem a contar quantos orgasmos têm. Em parte, isso é alimentado pelas redes sociais porque muito do que fazemos hoje em dia é performativo. As pessoas fazem coisas a pensar em como é que aquilo vai ficar no Instagram. Isso é trabalhar na nossa persona, na nossa imagem.

Em relação às empresas: acha que estas estão mais conscientes de que trabalhar mais horas não é sinónimo de produtividade?
O primeiro passo é sempre estar ciente do problema, o seguinte é fazer algo sobre isso. Estamos na fase de ganhar consciência, mas há cada vez mais empresas a fazer mudanças. Muito do meu trabalho é falar nas empresas e muitas deles já têm “salas de sossego”, para onde as pessoas vão praticar 10 minutos de ioga. Estas coisas estão a acontecer, sobretudo nos sítios mais rápidos do mundo como Wall Street e Silicon Valley — eles estão na vanguarda. Ainda há muita velocidade nestes sítios, mas vejo bons exemplos.

"No outro dia vi uma revista feminina que tinha na capa: “Como ter mais orgasmos”. Como se as pessoas tivessem a contar quantos orgasmos têm. Em parte, isso é alimentado pelas redes sociais porque muito do que fazemos hoje em dia é performativo. As pessoas fazem coisas a pensar em como é que aquilo vai ficar no Instagram."

Vivemos num mundo em que a tecnologia é cada vez mais importante. Já não é só sobre serviços, mas sobre a forma como vivemos. Como é que a tecnologia pode adaptar-se a um Slow Movement?
Não diria que é a tecnologia que tem de se adaptar, nós é que temos de adaptar o uso que fazemos dela porque a tecnologia é neutra. De cada vez que surge uma tecnologia nova há sempre um primeiro ciclo em que ficamos malucos e não temos regras sociais ou normas — acho que, agora, estamos a chegar ao fim dessa fase. As pessoas estão a começar a perceber que, apesar de adorarem as redes sociais, têm de existir limites. Já estamos a assistir a uma grande mudança com o Facebook a dizer que o futuro é privado. Isso é uma mudança massiva no que à privacidade diz respeito. Passo muito tempo a trabalhar em Silicon Valley a falar em empresas e em escolas. As mesmas empresas que criaram as tecnologias estão a mudar completamente a forma como estas são usadas. As pessoas que nelas trabalham veem que é demasiado — nas suas casas não há ecrãs e não dão telefones às crianças. O Silicon Valley é como uma espécie de farol, mostra o caminho que os outros vão seguir.

Em Silicon Valley estão preocupados não necessariamente com o produto, mas com a forma como este está a ser utilizado?
Sim. Há empresas a perceber que os seus modelos podem ser completamente aniquilados caso as pessoas fiquem contra eles, pelo que estão a mudar, mesmo que seja só por uma questão de faturação. As pessoas já não querem estar 24 horas ligadas e querem ter mais controlo sobre quando estão on e off. E o Silion Valley, mesmo que só esteja a fazer isto por lucro, está a mudar. Também há jogos a serem criados que são mais imersivos, têm mais narrativa; jogos em que só se faz uma jogada por dia. Há novos telefones a chegar ao mercado que têm uma ligação limitada à Internet, são como os telefones dos anos 90. As pessoas estão a comprar estas coisas.

O Facebook anunciou recentemente que vai apostar na privacidade e o Instagram está a testar — curiosamente no Canadá — esconder os likes nas publicações. O que acha disso?
Acho que é um exemplo de como a tecnologia está a ficar mais humana, a ajustar-se às necessidades do homem. Penso sempre que uma cultura rápida, veloz, é desumana, transforma-nos em objetos. O abrandar faz de nós mais humanos — ouvimos os outros, tocamos, conectamos, saboreamos, etc, tudo isso que faz de nós humanos. O teste que o Instagram está a fazer no Canadá mostra que eles conseguem “cheirar” o que está a acontecer na cultura. Estou muito curioso para conhecer os resultados finais.

"As mesmas empresas que criaram as tecnologias estão a mudar completamente a forma como estas são usadas. As pessoas que nelas trabalham vêm que é demasiado — nas suas casas não há ecrãs e não dão telefones às crianças. O Silicon Valley é como uma espécie de farol, mostra o caminho que os outros vão seguir."

Se tanto o Facebook como o Instagram mudarem, acha que isso vai alterar a forma como comunicamos e como encaramos o mundo?
Acho que sim. Uma criança que nasça hoje em Lisboa tem o mesmo cérebro que uma criança que tenha nascido antes do Facebook — isto é, a evolução não avança assim tão rápido, o que significa que temos as mesmas necessidades básicas e as mesmas limitações. Significa que não conseguimos fazer multitasking, não respondemos bem ao facto de estarmos sempre distraídos. Há que referir também a qualidade aditiva das redes sociais: nós somos criaturas sociais, precisamos conexão social e o que as redes sociais fazem é dar-nos aquela dopamina, aquele excitamento constante — somos como um rato numa jaula constantemente a sugar o cubo de açúcar porque é isso que estamos programados para fazer. Isso já não está a funcionar. Se só usarmos a comunicação rápida, digital, acabamos a sentir-nos sozinhos — são várias as estatísticas que mostram que nunca estivemos tão conectados eletronicamente mas, em muitos aspetos, nunca nos sentimos tão sozinhos.

Refere-se à “solidão digital”?
Sim, e àquela frase “We’re alone together”. Vemos famílias sentadas à mesa em que cada um dos membros está ao telefone. Estão no mesmo espaço físico, mas não no mesmo espaço emocional.

Solidão na era digital: nunca estivemos tão conectados e tão sós

Falando em famílias, acha que estas estão mais conscientes dos perigos associados a esta cultura de velocidade excessiva?
Definitivamente. O meu segundo livro foi sobre educação e famílias, e estou na administração de uma escola em Nova Iorque. Faço muitas coisas nas escolas e trabalho muito com famílias — na Austrália cheguei a fazer um programa de televisão sobre… Vocês têm SuperNanny aqui?

Tivemos, mas não correu muito bem.
Eu sou, neste programa, uma espécie de “SlowNanny”, vou ter com famílias muito aceleradas, passo um mês com elas e ajudo-as a abrandar. Foi extraordinário ver quantas famílias quiseram participar no programa e quanta mudança acontece num só mês. Estou nesse universo. Voltando ao Silicon Valley, três escolas com que trabalho baniram completamente os telemóveis dos pais — porque os pais vinham buscar os filhos a olhar para os telemóveis. Sim, é a resposta curta à pergunta que fez. Famílias em todo o lado estão a cortar nas atividades extracurriculares, a criar mais espaço e mais tempo para as crianças brincarem, para serem crianças.

Técnicas aplicadas em SuperNanny “violam princípio da competência”

Voltando à SuperNanny, o programa tinha muitas “fórmulas” para ajudar os pais. Qual a sua opinião sobre isso?
Não acho que uma fórmula rígida funcione no quer que seja — numa empresa ou numa família.

As fórmulas são uma forma rápida de tentar resolver os problemas?
Sim. As pessoas são tão impacientes que até querem abrandar depressa. São capazes de pedir cinco coisas a fazer para a abrandar. Essa é a forma como as pessoas hoje em dia encaram as coisas, pensam que querem uma coisa e pensam de que forma rápida podem obtê-la. É aí que caímos nas fórmulas e não há receitas universais. Há alguns princípios básicos, que envolvem parar e pensar no que vai resultar melhor para nós — para a nossa família ou para a nossa empresa, etc. Felizmente somos todos únicos.

Quantas vezes já lhe pediram, em entrevista, cinco formas de abrandar?
Muitas vezes. Nesses casos envio uma lista com 50 maneiras em como abrandar.

FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVADOR

Andamos todos à procura de um sentido para a vida. O Slow Movement pode ajudar?
Um dos benefícios de abrandar é, definitivamente, termos mais tempo para refletir. Vivemos numa cultura que é alimentada pela reação e não pela reflexão, e acho que não nos permitimos tirar o tempo para refletirmos sobre as grandes questões, como “Quem sou eu?”, “Qual é meu propósito aqui?”, “Estou a viver a vida certa para mim?”. Estas conseguem ser perguntas muito assustadoras, sobretudo se estivermos a viver a vida errada há muito tempo, é muito mais fácil continuar ocupado e distraído. Eu argumentaria que essa é uma vida desperdiçada. A melhor vida é aquela de reflexão.

Considera que a vida acelerada contribui para nos fragmentar enquanto indivíduos? É-nos “pedido” para sermos muitas coisas: os melhores maridos e mulheres, os melhores pais, os melhores filhos, os melhores profissionais, etc.
Acho que sim. Acho que esta sociedade contribui para duas coisas de que falou. Primeiro, cria uma certa cultura de perfeccionismo, em que as pessoas sentem que têm de ser perfeitas, as melhores a tudo, sobretudo as mulheres. Mas há uma questão ainda mais profunda, que é a fragmentação. Uma das coisas que adquirimos ao abrandar é um sentido unificado do “eu”. É tão fácil, num mundo compartimentado, sermos pessoas diferentes no trabalho, em casa, etc. Uma das coisas que ganhamos ao abrandar é a visão macro — a rapidez tem que ver com a visão micro, o que significa fazer coisas rápidas umas a seguir às outras, sem ligar os pontos. Isso faz com que não identifiquemos um sentido para a nossa vida, faz com que nos sintamos insatisfeitos porque, de certa forma, estamos a desempenhar um papel em vez de vivermos. Outra fragmentação, mais profunda, acontece entre a mente e o corpo. Vivemos numa sociedade em que estamos tão distraídos que ignoramos o que está a acontecer com o nosso corpo e, muitas vezes, é o corpo que envia sinais de que devíamos estar mais atentos, que diz “Chega! Estás a ir depressa demais”. E depois temos um ataque cardíaco.

"As pessoas são tão impacientes que até querem abrandar depressa. São capazes de pedir cinco coisas a fazer para a abrandar. Essa é a forma como as pessoas hoje em dia encaram as coisas, pensam que querem uma coisa e pensam de que forma rápida podem obtê-la. É aí que caímos nas fórmulas e não há receitas universais."

Estamos também a falar de perspetiva…
Sim, acho que sim. Isso é uma coisa que alcançamos quando abrandamos. Abrandar tende a ser algo a longo prazo.

Tem um conselho mais geral de como podemos melhorar as nossas vidas?
Uma coisa a ter em conta, quando estamos a ponderar abrandar, é não ser absolutista. Dou sobretudo este conselho em contexto empresarial: aconselho a ir por tentativa erro e a fazer pequenos testes. O mesmo pode acontecer em casa. O truque é ir testando as coisas porque, como já aqui dissemos, não há receitas universais e não basta fazer o download de um plano. É preciso abraçar o conceito geral — fazer as coisas ao ritmo certo e estar presente — e adaptá-lo [à nossa vida].

*Fotografia de Francisco Romão Pereira

 
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