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“A mecânica quântica, desde que foi introduzida por Max Planck, inicialmente, e depois por Werner Heisenberg e companhia, tem sido sempre um problema — e ainda é de certa forma.” E é assim que João Seixas, professor e investigador no Instituto Superior Técnico (Lisboa), começa a conversa com o Observador. Mas espere, não desista já.
A mecânica quântica é difícil de explicar e de entender, mas este artigo tentará torná-la tão simples quanto possível para que possa perceber porque é que Alain Aspect, John F. Clauster e Anton Zeilinger foram laureados com o prémio Nobel da Física 2022. Se duvida, fique a saber que para poder fazer chamadas no telemóvel são precisos semicondutores e que o funcionamento desses semicondutores é explicado pela mecânica quântica. Ou que a mecânica quântica pode tornar as nossas transações bancárias e troca de informações mais seguras.
João Seixas, vice-presidente do Instituto Quântico Português, explica os fundamentos da mecânica quântica e destaca a importância desta forma de encriptação oferecida pela natureza. Pode ouvir a entrevista completa no programa Reposta Pronta.
Se a mecânica quântica é assim tão complicada, porque é que a usamos?
A mecânica quântica permite explicar aquilo que acontece à escala subatómica — ou seja, de coisas do tamanho de um átomo ou ainda mais pequenas, como os eletrões ou os fotões (as partículas de luz). Acima do tamanho do átomo as regras são outras e essas conhecemos bem melhor — e são mais fáceis de entender.
Imagine que tem uma bola na mão e que a larga. A experiência, e as leis da Física, dizem que a bola vai cair no chão na direção do ponto onde a largou. Assim, sabe de onde partiu a bola e consegue prever em que local vai bater no chão. É assim na Física clássica (determinismo), em que conseguimos perceber todos os detalhes do que se está a passar num sistema. “Sei onde [a bola] começa e onde acaba de forma inequívoca”, diz João Seixas.
Na mecânica quântica isso não acontece: podemos saber o ponto de partida, mas sobre a chegada conhecemos apenas a probabilidade de ser um determinado ponto — e existem inúmeros pontos possíveis. Voltando ao exemplo da bola: era como se ao largar a bola, esta pudesse ir em qualquer direção (para o chão, para o lado, na diagonal, etc.). “Não sei onde vai ‘cair’, mas sei onde tem a probabilidade de ‘cair’”, explica o investigador. “[Com a mecânica quântica] consigo prever exatamente qual é a probabilidade de uma coisa acontecer.”
É através da mecânica quântica que conseguimos, por exemplo, saber qual a probabilidade de um eletrão (a partícula de carga negativa do átomo) estar numa determinada região. É que o eletrão é um pouco irrequieto e não conseguimos saber onde está exatamente a cada momento. “Mas sabemos onde poderá estar”, diz João Seixas. É como ter um desconhecido a assistir a um jogo de futebol no estádio: sabemos que estará sentado num dos lugares da bancada e até podemos perceber que é mais provável que esteja junto ao banco da sua equipa, mas não conseguimos dizer onde está exatamente.
“Albert Einstein era um firme opositor da mecânica quântica”
A mecânica quântica também não tem sido facilmente entendida pelos cientistas ou sequer bem aceite por todos os físicos. Albert Einstein foi um dos seus opositores, conta o professor do Instituto Superior Técnico. Para o físico alemão, era a Física clássica que explicava os processos a nível subatómico e se só se conseguiam calcular probabilidades era porque não se estavam a conseguir medir as variáveis ocultas. Os laureados com o Nobel da Física 2022 mostraram que estava enganado.
Today the 2022 #NobelPrize in physics was awarded to Alain Aspect, John F. Clauser and Anton Zeilinger. Take a look at all of today's news:https://t.co/XFclAk5CuC
— The Nobel Prize (@NobelPrize) October 4, 2022
João Seixas ilustra como uma experiência típica: um laser, duas fendas numa tela e outra tela por trás onde ficará “registada” a luz do laser — ou seja, as partículas de luz emitidas (fotões). Seria expectável que, atravessar as fendas, a luz do laser desenhasse dois riscos na tela de trás correspondente às fendas. Mas ao prolongar a experiência verificou-se que entre esses dois riscos (ou fendas) havia zonas claras e escuras.
Outro exemplo: uma torneira a pingar tinta. Em vez de termos tinta apenas no ponto por baixo da torneira, temos salpicos a toda a volta (não que os fotões salpiquem, mas são desviados pelo comportamento ondulatório da luz). Assim, é fácil imaginar que quanto mais pingos de tinta caírem, mais salpicos se vão espalhando na superfície. Também pode prever que por baixo da torneira haverá um grande borrão de tinta e nas áreas mais distantes haverá muito menos salpicos. Da mesma maneira, a mecânica quântica estima a probabilidade de os fotões (que agora “mascarámos” de salpicos) marcarem determinada região da tela.
Fotões emparelhados: “diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és”
Alain Aspect, da Université Paris-Saclay e École Polytechnique (França), John F. Clauster, da J.F. Clauser & Assoc. (Estados Unidos), e Anton Zeilinger, da Universidade de Viena (Áustria), foram distinguidos pela Real Academia Sueca de Ciências (Estocolmo) pelas “experiências com fótões emparelhados, por terem estabelecido a violação da desigualdade de Bell e por serem pioneiros na ciência da informação quântica”.
Prémio Nobel da Física para os avanços na partilha de informação quântica
João Seixas explica o que são fotões emparalhados (e o teletransporte quântico) usando as próprias meias. Ao preparar a mala para uma grande viagem, achou que tinha colocado um determinado par de meias na bagagem e, só quando chegou ao local, percecebeu que tinha apenas uma. Sabendo que na mão tinha a meia esquerda, em casa só poderia ter ficado a meia direita. E não precisou de voltar para trás ou de ligar para casa para o confirmar: se na mão tinha uma, automaticamente em casa estaria a outra. E é assim, com os fotões emparelhados e a mecânica quântica.
Os fotões emparelhados são como as meias de um mesmo par, estão correlacionados entre si. Se os conseguirmos separar e seguirem caminhos distintos, podemos saber o que está acontecer com um observando o que está a acontecer com o outro — como descobrir que meia estava em casa a milhares de quilómetros. “Quando faço a experiência de um dos lados [num fotão], automaticamente sei o que está do outro lado”, diz o presidente do Centro de Física e Engenharia de Materiais Avançados. “Existe uma correlação perfeita entre as coisas — medimos de um lado e sabemos o que está do outro.”
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É a isto que se chama teletransporte quântico, que se trata de mais um nome apelativo para cativar aqueles que à partida se arrepiam só de pensar em mecânica quântica, mas que nem é assim tão usado pelos cientistas, segundo João Seixas.
Ok, ok. Mas para que é que isto serve?
A mecânica quântica diz que dois fotões anteriormente emparelhados vão apresentar as mesmas características: se medirmos de um lado, encontramos o oposto do outro. Se aquilo que se mede do outro lado for diferente do que se estava à espera, então alguma coisa interferiu no processo. Isto é útil, por exemplo, nas trocas de informação confidenciais e que exigem níveis altos de segurança, como as transações bancárias ou assuntos de segurança nacional.
“A natureza fornece-nos um mecanismo de encriptação de dados que é perfeito — porque é garantido pelas próprias leis da natureza”, diz João Seixas. Se for detetada uma interferência, “é possível destruir a correlação e assim destruir a informação que estava a passar de um lado para o outro”. Existem já empresas a fornecer serviços de encriptação com chaves quânticas.
Além da codificação da informação em sistemas quânticos — com “comunicações à prova de escuta” —, o emparelhamento de fotões abriu portas à computação quântica (muito mais rápida do que a clássica), à internet quântica, a novas formas de medição e aos sensores quânticos, refere Yasser Omar, em comunicado de imprensa. Antes desta nova revolução quântica, outras tecnologias (que agora consideramos comuns surgiram): microeletrónica, laser ou ressonância magnética.
Yasser Omar é presidente e coordenador científico do Instituto Quântico Português (PCI, Portuguese Quantum Institute), do qual fazem parte Alain Aspect e Anton Zeilinger, enquanto membros do Conselho Consultivo. O investigador do Instituto Superior Técnico destaca que a instituição foi pioneira em Portugal, fazendo investigação nesta área científica há 20 anos.
E a violação da desigualdade de Bell?
A desigualdade de Bell é uma expressão matemática elaborada pelo físico irlandês John Stewart Bell e pretendia resolver a querela entre probabilistas e deterministas — os que defendiam e os que se opunham à mecânica quântica, respetivamente — de uma forma científica (e afastando da discussão mais filosófica que se gerou). A desigualdade de Bell determina que, se houver variáveis ocultas (como defendia Einstein) que interfiram nos resultados de uma dada experiência (quântica, entenda-se), então a correlação entre os resultados de um grande número de medições nunca excederá um determinado valor.
Ora, John F. Clauser e, posteriormente, Alain Aspect e Anton Zeilinger, mostraram que as medições excedem esse valor, contrariando a expressão matemática de Bell, que dizia que tinham de ser iguais ou menores. Com estes resultados, os investigadores demonstraram que não poderiam existir variáveis ocultas para explicar as observações feitas.
Para João Seixas, vice-presidente do PCI para o Treino Quântico, este prémio Nobel mostra “a importância de voltar aos fundamentos da mecânica quântica e perceber o que ela significa”, sem nos limitarmos a fazer os cálculos sem saber muito bem o que querem dizer.