A economia portuguesa pode cair entre 4% e 7% neste  trimestre, face ao mesmo período do ano anterior, se o Governo lançar um confinamento generalizado como o de 18 de março a 3 de maio, antecipa o economista Abel Mateus. Ou seja, podem estar em risco 15 mil milhões de euros nos primeiros três meses do ano. Em parte, essas perdas até podem ser recuperadas nos trimestres seguintes, mas o antigo presidente da Autoridade da Concorrência acredita que a tarefa não será fácil.

O golpe imediato neste primeiro trimestre poderá ser menor do que na “primeira vaga”, diz Abel Mateus, mas a destruição económica será pior, levando a que a economia não consiga “espevitar” após este novo confinamento, como aconteceu no verão passado.

O cenário de um segundo confinamento foi inicialmente colocado por António Costa após a reunião do Conselho de Ministros desta quinta-feira. “Mais vale ser claro: é evidente que o que temos feito até agora é fazer incidir medidas durante o fim de semana. Dar o passo seguinte significa estender essas medidas, o confinamento mais geral, aos dias da semana”, avisou o primeiro-ministro, que admitiu, no entanto, deixar abertas as escolas.

Entretanto, depois de ter falado com o Governo, Rui Rio confirmou esta sexta-feira que o confinamento que está a ser planeado é “muito semelhante ao que vigorou em Portugal em abril”. E o ministro da Economia, Siza Vieira, adiantou – após uma reunião com os parceiros sociais – que as restrições podem durar 15 dias e passar “pelo encerramento de um conjunto de atividades como restauração, comercio não alimentar, com a manutenção do ensino presencial“.

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Governo admite voltar ao confinamento geral de março, mas sem fechar escolas

Lançar medidas semelhantes às da “primeira vaga” (com a diferença de que as escolas poderiam permanecer abertas) terá um impacto relevante sobre a economia, mas dependerá sempre do nível de restrições das medidas e, também, da duração, num ano que prometia ser de recuperação mais ou menos acelerada, mas que ainda será marcado por múltiplas incertezas.

Por exemplo, se a famosa “bazuca europeia” vai ou não ser aplicada em tempo útil para dar um empurrão à economia este ano; se o Governo terá ou não capacidade para reforçar os apoios sociais face à nova realidade; ou se processo de vacinação vai ser suficientemente rápido de forma a garantir um nível baixo de infeções que “salve” o turismo, o comércio e a restauração no próximo verão.

Segundo confinamento será “muito sério para o rendimento” dos portugueses

Após a primeira “vaga” da pandemia, por altura do “desconfinamento”, o Banco de Portugal previu em junho que a economia portuguesa poderia cair 9,5% em 2020, com a informação que existia na altura, mas também alertou que, caso surgisse uma “segunda vaga”, o PIB poderia terminar o ano a afundar 12,6%. O desempenho da economia acabou por não cumprir as piores estimativas, embora deva atingir uma recessão inédita na democracia portuguesa — uma quebra entre 8,1% (estimativa do Banco de Portugal em dezembro) e 8,5% (previsão do Governo em outubro), face aos -7,3% da média do euro.

Essa “segunda vaga”, do ponto de vista epidemiológico, acabaria por chegar logo no outono, mas o Governo resistiu sempre ao “lockdown” quase total que estava subjacente à previsão económica do Banco de Portugal. Assim, o PIB acabou por não cair tanto em 2020 quanto temiam os economistas nesse “cenário mais severo” – pela simples razão de que a atividade foi menos “beliscada” pelas medidas de impacto intermédio que foram tomadas desde outubro/novembro.

Banco de Portugal prevê crescimento de 3,9% em 2021, depois de recessão de 8,1% este ano

Ainda assim, em dezembro, o Banco de Portugal admitia que esse cenário severo ainda pudesse ter lugar no primeiro trimestre deste ano, com “a necessidade de imposição de medidas adicionais de contenção e a redução da confiança dos agentes económicos“, o que pesaria sobre a atividade económica. Nesse caso, a recuperação seria “mais fraca e prolongada”, implicando “um aumento das fricções financeiras, que se reflete nos custos de financiamento dos agentes privados”. Além disso, o mercado de trabalho seria “particularmente afetado no cenário severo, com a taxa de desemprego a atingir 10% em 2021”, e, a acompanhar uma “evolução mais desfavorável da procura externa”, estariam em causa ainda “impactos mais negativos sobre as cadeias de valor global e o comércio internacional de serviços”.

Caso este cenário extremo se concretizasse, o Banco de Portugal admite que poderia haver “uma recuperação do consumo privado, do investimento e das exportações mais lenta do que a antecipada” no cenário base então traçado para o próximo ano, “em particular das exportações de turismo”. Ou seja, em vez de um crescimento de 3,9% em 2021 (cenário então visto como mais provável), o PIB subiria 1,3% em 2021, 3,1% em 2022 e apenas em 2023 conseguiria “convergir para uma taxa de crescimento próxima do cenário base”. Nesse último ano, o PIB ainda estaria “cerca de 2% abaixo do final de 2019”.

Em junho, quando se referia ao “cenário mais severo”, à boleia de uma segunda vaga, o Banco de Portugal ainda referia que as “novas perdas significativas da atividade nos diversos setores da economia” pudessem ser “eventualmente menores do que as observadas no período recente de estado de emergência”. Essa referência caiu no boletim de dezembro.

“Segunda vaga” faria a economia afundar mais de 13%, avisa o Banco de Portugal

E depois veio a consoada de Natal. Os números dispararam de tal forma (para mais de 10 mil casos diários nos últimos dias e perto do limite máximo que o SNS aguenta nos internamentos hospitalares) que voltou a estar em cima da mesa uma nova paralisação global – a mesma que o primeiro-ministro descartava em setembro.

Se assim for, Abel Mateus ainda admite que o impacto possa não ser tão duro como no primeiro confinamento, mas acredita que poderá penalizar a recuperação posterior. Um banqueiro português disse recentemente que se notou muito bem a economia a “espevitar” no terceiro trimestre do ano passado – e os dados comprovam-no, com um aumento de 13,2% no PIB entre julho e setembro, em relação ao trimestre anterior – mas se Portugal entrar num novo “lockdown” neste primeiro trimestre de 2021 o impacto fará com que, após esta fase, no segundo e no terceiro trimestre, a economia não consiga recuperar tanto quanto no verão passado, antevê o antigo presidente da Autoridade da Concorrência.

Isto porque, como explica Abel Mateus, há um efeito cumulativo de destruição económica com estes sucessivos confinamentos. “Esse é o grande problema. A economia recuperou alguma coisa no terceiro trimestre, mas depois destas quedas todas o tecido produtivo ainda está muito fragilizado”, pelo que um novo golpe seria algo “muito sério para o rendimento das pessoas e para a situação das empresas”, alerta o economista.

INE/BdP. Quase um quinto das empresas fechou portas. As restantes funcionam (mesmo que parcialmente), mas faturação sente a crise

“Nem o primeiro-ministro nem ninguém quer chegar à intensidade do segundo trimestre”, afirma Abel Mateus, defendendo que a vacinação está a decorrer de forma demasiado lenta em Portugal (como também acha estar a acontecer na Europa).

Abel Mateus destaca o exemplo de Israel, que tem uma população de 9 milhões de pessoas e que já vacinou mais de 1,5 milhões. O governo israelita garante que até março toda a gente (com mais de 16 anos) estará inoculada contra o coronavírus, ao passo que, na Europa, “parece que não há uma consciência de que isto é uma crise enorme, uma emergência internacional”.

Israel já vacinou 1,5 milhões de pessoas – 17% da população – e estima vacinar toda a gente até março

6,5% do PIB “evapora” por cada mês de paragem?

Sobre o primeiro confinamento, Mário Centeno revelou em abril que teria um impacto anual de 6,5% do PIB por cada 30 dias em que Portugal estivesse parado, mas o então ministro das Finanças fazia a ressalva de que este processo “não é linear”, porque muito dependeria do andamento das economias com que Portugal se relaciona, nomeadamente a nível europeu.

Em resposta ao Observador, o Instituto Nacional de Estatística “não tem cálculos para o impacto específico do confinamento de março e abril”, mas é certo que, em conjunto com outras medidas de mitigação que fizeram travar a atividade económica, o PIB teve uma quebra de 16,3% no segundo trimestre de 2020 face ao mesmo período do ano anterior (e de 13,9% quando a comparação é feita com os primeiros três meses do ano).

O Observador questionou ainda o Ministério das Finanças sobre se tem em mãos algum estudo semelhante para o caso de um segundo confinamento ou se as estimativas apontadas em abril se mantêm válidas. O ministério respondeu que não tem dados ainda porque não sabe quais serão as medidas a serem implementadas.

Para já, o Governo tem previsto no Orçamento do Estado uma recuperação da economia de 5,4% no próximo ano, depois de uma quebra de 8,5% em 2020. O Banco de Portugal, por sua vez, tirou conclusões dois meses mais tarde, em dezembro, apontando para um crescimento de 3,9% no próximo ano — e não 5,2%, como previa em junho —, embora entenda também que a recessão de 2020 deverá ser menos intensa. Em vez de 9,5%, espera agora uma queda de 8,1% (valor que já tinha sido revelado em outubro).

OE2021. Governo prevê recessão de 8,5% este ano e crescimento de 5,4% em 2021

Na primeira vaga da pandemia, foram vários os países em todo o mundo que adotaram medidas de confinamento para tentar controlar os surtos e proteger os serviços de saúde. E, como cá, o impacto económico foi gigante. Em abril, com atualização em junho, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) estudou os casos dos países do G7 (EUA, Japão, Alemanha, França, Itália, Reino Unido e Canadá), concluindo que o efeito imediato no PIB “é normalmente entre 20-25% em muitas das principais economias avançadas”, dependendo da situação de cada país e das medidas restritivas que cada um adota.

Estendendo a análise a outros países, a organização sugeriu que o impacto do encerramento de empresas “pode resultar em reduções de 15% ou mais no nível de produção em todas as economias avançadas e nas principais economias de mercado emergente” depois de totalmente executadas as medidas de confinamento. O impacto no crescimento anual depende depois do tempo em que estão em vigor.

Os setores afetados representam “entre 30 a 40% da produção total na maioria das economias”, com destaque para os serviços. “As atividades que envolvem viagens, incluindo turismo, e o contacto direto entre consumidores e prestadores de serviços, como cabeleireiros ou compra de casa, são claramente prejudicadas por restrições de movimento e distanciamento social”, conclui a OCDE.

Além disso, “a maioria dos retalhistas, restaurantes e cinemas também fechou”, ainda que “as vendas de take-away e online possam impedir o encerramento total da atividade em alguns negócios”. As obras de construção não essenciais também foram afetadas nos casos analisados pela OCDE, “seja por causa das políticas de contenção que afetam a disponibilidade de trabalho ou por causa de reduções temporárias no investimento”.

Por outro lado, “o impacto direto das medidas de confinamento é menor nos setores industriais, alguns dos quais são menos intensivos em mão-de-obra”.

Artigo atualizado a 9 de Janeiro com a resposta do Ministério das Finanças.