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Entrevista a Maria da Luz Bragança, fundadora da revista social Eles & Elas, que chega aos 40 anos de existência, desde a primeira edição. 7 de Janeiro de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

"Nunca me lembrei de convidar o Cavaco para uma festa da Eles&Elas. Se calhar também nunca me convidou para nada"

Da esquerda à direita, aristocratas e simples aspirantes à fama, quase todos passaram pela "Eles&Elas", a revista do social que Maria da Luz de Bragança fundou em 1982 para "mexer com um país triste".

Movimentos ainda presos, língua solta como sempre, e “quase dois maços” de cigarros por dia. Mal a pandemia estourou, uma queda aparatosa à saída da redação esteve a um passo de se revelar fatal. Os médicos sentenciaram que dificilmente voltaria a andar, mas um ano de internamento depois ei-la a caminhar para os 80. Com dois filhos, oito netos e dois bisnetos, “todas as vacinas e mais algumas”, Maria da Luz de Bragança continua a ocupar a sua cadeira na redação da Eles&Elas, a revista do social que fundou há 40 anos para “mexer com esta gente” e colorir um país ressacado do cinzento da ditadura.

Sobre a secretária, o anuário da World’s Who’s Who do ano 2000  – “Não sei se estão aí mais portugueses. Vi que estava eu e ponto” – e uma estátua da Verdade, o troféu com que ano após ano tem distinguido as mais diversas figuras da sociedade portuguesa, de José Saramago a Durão Barroso, alheia a polémicas e profetizando ascensões. “Acho que não houve ninguém que não aparecesse na revista”, atira a diretora que nasceu em berço de ouro, cresceu com príncipes e reis, convidou condes e marqueses, conviveu com esquerda e direita, e com a varinha mágica de uma capa permitiu que anónimos passassem a pertencer ao restrito clube das celebridades.

Num segundo andar aos pés da Álvares Cabral, recebe-nos para assinalar a data redonda e anunciar a previsível transição: “Os títulos estão à venda. Quero fundar uma associação feminina”, adianta a diretora. Quatro décadas volvidas, há máximas que se mantêm: a aristocracia “embeleza muito as festas”, o escândalo fica à porta, o photoshop adelgaça, e uma senhora é uma senhora, e gera menos litígio doméstico. “Os homens na capa não vendem. Em casa, depois têm ciúmes de ver uma capa com outro homem. Fiz uma com o Alain Delon, lindo, e não vendeu.”

Dizia que queria começar por me fazer uma pergunta. Vamos a isso.
Há quantos anos é que a menina está neste desgosto [do jornalismo]?… Eu espero que eu não pareça ter a minha idade. Vou fazer uma coisa em janeiro…. acho que me vão pôr botox e mais não sei quê…

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Partiu há pouco tempo o colo do fémur. Ainda está a recuperar.
Sim, estive um ano no hospital. Um ano. Foi logo antes da pandemia. Caí aqui a sair do trabalho, pumba. Foi horrível.

Como é que se renasce disso?
Não renasci. Agora estou a começar a andar! (risos). Lembro-me de levar injeções e de me porem imensas coisas e ao mesmo tempo estava a escrever a revista. Pus as enfermeiras a trabalharem para mim.

Temeu que fosse incapacitante?
Disseram mesmo à minha filha que eu nunca mais ia andar. Estive meses só em cadeira de rodas. E era horrível. Tinha sempre que estar dependente de alguém, eu que andava sempre sozinha por todo o lado

E nem isso a fez deixar de fumar.
Fumo o mais possível. Se deixamos de fumar morremos em três meses, não vale a pena. Eu nem no computador tenho a minha idade… no Facebook, digo. Pus logo menos dez.

Tirou anos à sua idade verdadeira no Facebook?
Tinha que ser (risos). Depois as contas para os exames e para os estudos é que são difíceis, não podia pôr nada. Se a gente nasceu dez anos antes como é que estava na faculdade com as amigas que tinha?

Entrevista a Maria da Luz Bragança, fundadora da revista social Eles & Elas, que chega aos 40 anos de existência, desde a primeira edição. 7 de Janeiro de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Na mesa de trabalho, com o anuário da World's Who's Who à sua direita e uma das estátuas da Verdade à sua esquerda. Ano após ano, a revista tem premiado as mais variadas figuras do país

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Portanto, a estratégia não resultou.
Pois, aquilo não bate certo. No outro dia ligou-me um senhor dos seguros, e queria fazer um seguro comigo. Lá tive que explicar que na verdade tinha mais dez anos. Depois dos 70 já não nos dão nada, nem dinheiro. Já deviam despedir os presidentes da República.

Nem de propósito, houve um tempo em que queria ser presidente da República. Depois admitiu que talvez tivesse sido inconsciente nessa segurança.
Sempre gostei muito da política, mas não estive cá. Já nem me lembro quem me convidou.

Sim, aliás dizia que se não tivesse ido para o Brasil depois da Revolução se tinha metido na política.
Agora nem me meto nisso, agora sou o mais independente possível, mesmo na revista Diplomática [que lançou há 14 anos]. De resto, tinha as minhas opiniões. Mas como aceitava sempre um lado e outro, o que não é normal…é que realmente eu gosto de todos os que penso que estão por bem. Há uns que a gente sabe que não estão por bem; são políticos de nascença, de formação; não estão por bem. É o seu trabalho e políticos por trabalho não gosto. Por bem, gosto de todos. Por exemplo, com o PCP…

Diz que se dava muito bem com Álvaro Cunhal.
Muito bem, e escrevíamos. [chega o diretor-adjunto e editor in chief Rudolfo Pulido dos Reis, que saiu e voltou de uma missão importante: trazer tabaco]

"Havia uma [pessoa] que eu não queria convidar; estava no meu direito. Para não me chatear, disse-lhe que cada lugar custava 600 euros. Então não me foi dar logo isso? É uma dessas dos Facebooks [...] Há pessoas dispostas a tudo"

Como é que distingue os de bem?
A gente vê logo. Sente-se. Sente-se que se é por amor ou não. Por exemplo, fui a primeira pessoa a dar o prémio ao [José] Samarago.

Dá-lhe uma estátua da Verdade, os troféus da revista, no ano da polémica com o Sousa Lara.
É verdade. E eu apoiei o Sousa Lara na mesma [em 1992, o então Subsecretário de Estado da Cultura no Executivo de Cavaco Silva impediu a candidatura de “O Evangelho segundo Jesus Cristo” ao Prémio Literário Europeu por considerar que o livro “não representa Portugal”] Agora, eu não ia dar o prémio da Paz ao Saramago, ia dar pela literatura! Fomos todos de autocarro para o Porto para a festa.

Isso é aquela história em que lhe cantou a “Grândola” misturada com a letra do Hino da Mocidade?
É isso, é isso (risos), e ele achou imensa graça. Está a ver a minha linha? Lembro-me que quando ele ganhou o Nobel a televisão ligou-me a pedir uma foto com ele porque eles não a tinham. É claro que enviei.

Conseguia dar-se bem com todos os lados? 
Eu acho que me dava, sim. Por exemplo, com este piqueno que está agora no PC…piqueno, não, velho.

O Jerónimo de Sousa?
Sim, estou com ele muitas vezes nas embaixadas, como a de Cuba, e digo-lhe que tenho carinho por ele. Fica tão contente. Esse acho que está por bem, por exemplo.

Entrevista a Maria da Luz Bragança, fundadora da revista social Eles & Elas, que chega aos 40 anos de existência, desde a primeira edição. 7 de Janeiro de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Das provas de capa e anotações ao postal enviado pela Infanta Elena de Espanha, que coabitam no placard da redação

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Nas festas da revista também conseguia juntar esquerda e direita? Vinham todos? 
Normalmente, sim. As vezes não iam, outras sim. De resto, eles almoçam todos juntos, são todos amigos. Quando não iam eu no dia seguir ligava para irmos almoçar. Lembro-me de uma vez estar o embaixador da Alemanha na mesma mesa em que estava o convidado do PC, cheio de medo, e eu lá o descansava…isto em festas da Eles&Elas. Não é perigoso virem porque não nos vão tirar nada. Já nos tiraram tudo, não podem tirar mais. Não estou a brincar.

Diz que a maioria das figuras que premiou ao longo destes 40 anos quase todas chegaram longe, como Durão Barroso e Saramago.
É verdade, e dei-lhes o prémio antes disso. Eu esperava que chegassem longe…Sente-se, sabe.

Já apostou no cavalo errado?
Quase todos.

Quase todos a desiludiram?
Sim, sim, quase todos. [pausa] Não tenho uma grande fé…Estou sempre à espera quando é que vem alguém…mas se calhar estou a ser injusta, eu compreendo que eles são engolidos pelo sistema, e depois não dão nada a ninguém. Sem ir uns minutos à televisão não somos ninguém. Estamos numa altura péssima agora.

Como é que é se financia uma revista destas?
Pois, é isso. Agora está tudo complicadíssimo. É tudo propriedade minha. E tenho mais títulos. Tive a Manchete quando vim do Brasil. Tinha um grande jornalista que conseguia milagres, mas queimou-me imensas pessoas porque fez muitas aldrabices. A minha secretária que tomava conta de tudo também está doente em casa. De maneira que estou a fazer quase tudo sozinha.

Mas mantém uma pequena redação, de meia dúzia de pessoas.
E tenho algumas pessoas a trabalhar fora. Os que não estão assinados são feitos por mim.

Falava do poder da televisão. Mas aposto que quando a revista começou havia muito boa gente a dar tudo para aparecer.
É verdade. Ainda hoje me ligam. [Aqui há uns tempos] havia uma que eu não queria convidar; estava no meu direito. Para não me chatear, disse-lhe que cada lugar custava 600 euros. Então não me foi dar logo isso? É uma dessas dos Facebooks.

Foi preciso ir fazendo esse tipo de cedência para sobreviver?
Não, é que a gente pensa que não vão aceitar e depois aceitam! Há pessoas dispostas a tudo. Numa festa queriam meter-me dinheiro no soutien para entrar. Uma coisa horrorosa.

"A aristocracia embeleza muito as festas, são chiques, podem vestir bons vestidos. Lembro-me que na primeira festa fui à lista do jornal ver quem era conde e marquês, para ver se não me faltava ninguém na lista, e enviei os convites."

Há 40 anos não havia Instagram, nem Facebook. 
É muito diferente, mesmo a própria revista. Só no Porto é que as coisas ainda estão como eram. O social está em grande no Porto. Gostava de lá ir ver mas estou com este problema de não me mexer.

O que mudou no contexto de Lisboa? 
As meninas que hoje em dia estão a ganhar fortunas podem escrever as asneiras que quiserem. Como se chama isso?

As influencers?
Isso, as influencers. É um disparate pegado.

Chegou a escrever que cerca de uma década depois de aparecer a Eles&Elas surgiram várias revistas marron, onde “as pessoas de bem apareciam lado a lado com os mexericos”. É uma das suas regras deixar o escândalo sempre à porta?
Ainda hoje consigo que fique à porta. [pega na edição mais recente]. Esta rapariga da capa é uma pessoa que estou a lançar, não era ninguém. Como a revista é boazinha as pessoas guardam muito tempo, sabe.

Portanto, zero polémicas?
Quando há escândalo é muito pouco. Mesmo agora para falar da [Meghan] Markle vou falar muito ao de leve.

A fórmula é vender o conto de fadas?
É a parte boa da vida. Tento que as pessoas se virem para a parte boa da vida. Cada dia sobem um degrau, que é um lema da Agustina [Bessa Luís]. Todos os dias devíamos subir um degrau.

Entrevista a Maria da Luz Bragança, fundadora da revista social Eles & Elas, que chega aos 40 anos de existência, desde a primeira edição. 7 de Janeiro de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

À secretária, sempre acompanhada pelo cigarro. "Fumo o mais possível. Se deixamos de fumar morremos em três meses, não vale a pena"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

E como se lida com aquelas pessoas que subiram muitos degraus mas depois caíram a pique, como Ricardo Salgado, habitual nas páginas da revista?
Eu não acredito.

Não acredita que tenha cometido alguma falha?
Custa-me imenso a acreditar. Acho que muita coisa do Salgado deve ter sido verdade mas ele foi empurrando com a barriga e a certa altura não salvou as coisas.

Este tipo de figuras continuam portanto a poder aparecer nas páginas da revista.
Não deixam de aparecer. Quer dizer, se aparecerem. Por exemplo, a Kiki é Espírito Santo, e sempre foi às nossas festas. Quando fizemos 35 anos, veja aqui [mostra a revista], estão aqui todos. Se forem, tudo bem, se não forem, também.

Numa entrevista disse que fez a Eles&Elas porque “viu esta gente toda muito triste”, os portugueses, entenda-se. E que se riam pouco porque havia muito respeito pela Revolução. Que país encontrou quando chegou do Brasil?
Pois não se riam. Encontrei um país muito triste, uma província. Tive a necessidade de fazer qualquer coisa, de mexer com esta gente.

Não arranca apenas com o ambiente social e as festas. Folheamos os primeiros números e encontramos de tudo. Entrevistas, perfis, cultura, uma série de rostos mais ou menos conhecidos.
Sim, qualquer pessoa que se distinga tem lugar.

Há figuras que não entrariam na revista?
Não.

Nenhuma?
Não lhe vou dizer quem mas claro há muita gente que não pode entrar.

O que é para si um limite?
Por exemplo, há um homem que tem imensa piada que até vai cantar às universidades, e que diz palavrões mas que podem ser interpretados sem ser palavrões. Se for buscar o palavrão, é porque o palavrão está nessa pessoa. Mas por exemplo, há uma mulher que canta e diz mesmo palavrões. É feio.

Mas essa pessoa que vai às festas das universidades cantar, e penso que se percebe bem quem é, podia estar na capa da Eles&Elas?
Claro que sim. E na altura em que o Herman estava do mais baixo que há fiz uma capa com ele. Claro que vendeu muito menos…

Pelos palavrões?
Deve ser. As pessoas não deviam querer ter aquilo na sala. Se calhar preferem ter esta aqui, [aponta para uma capa com a infanta Maria Francisca], mesmo não sabendo quem é. “Ah afinal é princesa, afinal é nossa”

Quem é o comprador tipo da revista?
Os que aparecem compram mais que uma. É difícil às vezes ter para todos. Aí telefonam e às vezes lá arranja.

Faz-me lembrar quando cá esteve o Khadafi e lhe comprou as edições todas da revista Diplomática em que foi capa.
As 40 mil! Foi muito bom (risos).

A origem do dinheiro não lhe motiva reservas?
Não há dinheiro limpo. As pessoas fazem a sua fortuna…e se calhar não foi propriamente limpo. Dinheiro mesmo, como eu gostava de ver e ter, esse não vejo.

Entrevista a Maria da Luz Bragança, fundadora da revista social Eles & Elas, que chega aos 40 anos de existência, desde a primeira edição. 7 de Janeiro de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A década de arranque da Eles&Elas, com os primeiros números encarnados

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Qual foi a fase mais próspera nestas quatro décadas de social?
A fase do Cavaco.

Chegou a vir a alguma festa da revista?
Eu não o convidei.

Nunca convidou o Cavaco? 
Não.

Porquê?
Nunca me lembrei de convidar o Cavaco para uma festa. É verdade, olhe, nunca convidei o Cavaco.

E outros presidentes?
A Maria (Barroso) gostava de vir. O Soares, viajámos muitas vezes..

Mário Soares que a incentivou a voltar para Portugal com aquele apelo aos portugueses no Brasil para que regressassem.
Infelizmente.

Infelizmente?
Não devia ter vindo para Portugal.

Que estaria a fazer agora no Brasil?
Vamos exagerar? Estava num prédio enorme!

Lá começou como secretária.
Foi horrível, ainda por cima as pessoas achavam que eu era tão bem, porque vinha com os vestidos todos de cá, lindamente, amiga de muitos presidentes…Se me convidassem, eu depois convidava. Lá está, se calhar o Cavaco também nunca me convidou para nada.

Deixa de convidar quando não retribuem? É essa a lógica para também deixar de aparecer na revista?
Claro! É porque não gostam de nós. Então porque hão de ir às nossas festas? Há uns amorosos que agradecem e são simpáticos, tiveram outra educação.

Nota que esse apego e desapego depende do interesse?
Ah, sim, o mais possível. Já tinham o que queriam… Não sei, se calhar pensam que sou muito importante.

Costuma dizer que não gosta da ideia de luta de classe, “ou se tem classe ou não se tem”.
É verdade. Há pessoas com dinheiro com classe nenhuma. Mesmo pelas atitudes que têm. Agora vou pouco ao Facebook mas quando lá ia e via aquelas fotos de pratos com muito marisco… quer dizer, essa gente não tem classe nenhuma. Pode andar vestida de ouro.

"Marcelo mora à minha frente. Encontramo-nos muitas vezes no senhor Adelino. Volta e meia, quando ele vai a pé, é ali que nos vemos. Eu dou-lhe a revista nessa altura. Na altura das eleições fiz uma capa com ele. Ali ficou na banca uns dois meses, exatamente para apanhar votantes.

Falta qualquer coisa?
Qualquer coisa não, falta muita coisa!. Mas são felizes que é o que interessa. Das poucas amorosas é a Lili Caneças. Sempre que pode e vai à televisão fala na Eles&Elas, o que é muito importante. Se não estivermos na TV não existimos.

Não concluiu o que teria sido esse seu futuro no Brasil…
Era ter casa uma enorme, com todas as comodidades, pelo menos três criados de servir, um criado de mesa. Cá há muitos poucos criados. Por acaso tenho uns, que só lá vão ajudar a fazer o jantar.

Algum deles estava entre os criados que a acompanharam quando foi à Torre Bela, já ocupada? A Maria da Luz vivia na herdade quando se dá o 25 de Abril.
Esses já foram para a sua vida. Mas fui lá, fui. E ninguém me reconheceu. Mas acho que no Brasil seria um homem, acho que não teria sido tão injustiçada. Aliás, estou a fazer uma associação só para mulheres para quando desligar disto. Algumas embaixadoras vêm cá e só veem homens na Assembleia. Ainda por cima agora são muito feios. Não sei, acho que os homens dantes eram mais bonitos.

Recorda-se do primeiro aniversário da revista, no Pátio Alfacinha, quando pela primeira vez no pós-Revolução se vestiu smoking?
Pois foi. Tudo lindo. As festas correram sempre muito bem. Estava na porta a receber as pessoas…. o normal. Mas falava dos criados. Eu adoro criados.

Nasceu naquilo a que se chama um berço de ouro.
Sim, é verdade. As vezes quando vejo TV e vejo aquela gente toda horrorosa. Até os anúncios eram diferentes. Não sei…eu sou feia porque sou velha mas era muito bonita.

Só há lugar para gente bonita numa revista do social?
Já me aconteceu pôr a mãe do nosso campeão de futebol.

Fala da mãe do Cristiano Ronaldo?
Sim.

Entrevista a Maria da Luz Bragança, fundadora da revista social Eles & Elas, que chega aos 40 anos de existência, desde a primeira edição. 7 de Janeiro de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Uma jovem (e anónima) estudante do liceu Maria Amália fez a capa do primeiro número da revista, corria o ano de 1982

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Na capa?
Capa não fiz. Isso tinha que pagar. Se tem dinheiro, ainda por cima.

Portanto, pagando é possível chegar à capa?
É muito raro…é muito raro, palavra de honra. Alguém que precise mesmo. Mas cheguei a fazer uma coisa em Cannes com ela. Até a emagrecemos em Photoshop. Nós pomos as pessoas bonitas. Agora vejo-a num anúncio a aconselhar os filhos a poupar. Ela que é tão rica, que disparate!

Voltando às origens. Falava há pouco da sua filha.
Tenho uma filha e um filho que são contra eu trabalhar. Querem que eu saia, e pagam o que eu quiser para deixar isto.

Arranjam-lhe criados e tudo?
(risos) Arranjam tudo e mais alguma coisa. Só que ficava dependente deles e gostava de não ser dependente de ninguém. Faz tempo que não tenho o meu marido. Tive o pai dos meus filhos, o Duarte (de Bragança), pai do Miguel e da Filipa, e cinco anos mais tarde tive o José Manuel Teixeira, que foi jornalista. Com ele fazia a Manchete. Era esquerda e ficou direita; fiquei toda contente, ainda mais direita que eu.

"Nunca lhe daria uma capa [ao vice-almirante Gouveia e Melo]. Quando muito aparecia lá dentro. Acho que é uma vergonha o que fizeram; a forma como o puseram como Chefe do Estado Maior [da Armada]."

Como era essa família em que nasceu?
O meu pai era engenheiro. A minha mãe, uma de quatro irmãs, acabou por formar-se. O meu avô dessa parte também era de famílias muito tradicionais. Descobri há pouco que era um dos principais da maçonaria. A minha mãe era um encanto de senhora, bonita, com as suas criadas, que ouviam tudo em silêncio. Agora não, temos medo e códigos para tudo.

Ainda tem irmãos?
Tenho um, que está fora. Creio que agora está no Brasil, ou Canadá. Ele ficou lá, tem um aviãozinho e tudo, e não tem metade da minha capacidade.

Que imaginava o seu pai para si? Sei que os estudos eram fundamentais para ele.
Sim, dizia que me podiam tirar tudo na vida, mas não me podiam tirar o que tivesse na cabeça.

Passa pelas Oblatas, Escravas, pelo Liceu Francês, mas diz que os estudos em Inglaterra é que lhe deram mais mundo.
É verdade. Lá gostava de jogar ténis, tinha tempo para jogar golfe. E mais nada. No fundo, no fundo, eles só têm um escritor, o Shakespeare, que a gente estudava a fundo.

Do seu pai conta uma história engraçada. Lançou a Cimianto, esteve ligado à Casa da Moeda, à Fundição de Oeiras, e era muito próximo de Salazar, até ao dia em que se chatearam… por causa de um cágado. É verdade?
É verdade, ele tinha um cágado chamado Salazar, que só andava para o lado e não andava para a frente (risos). Gente estúpida foi contar ao Salazar que ele tinha um cágado com o nome dele e ele ficou chateado. O meu pai soube disto e também se chateou. “Não quero mais nada com esta gente”. Mas todos os anos lembro-me de ir de carro com o meu pai deixar a Salazar um cartãozinho de Natal. Todos os anos.

Chegou a conhecê-lo?
Conheci-o como toda a gente mas não era visita lá de casa.

E como conheceu o primeiro marido?
O meu pai também caçava e ia muitas vezes com ele. Uma das herdades onde ia era à Torre Bela. Eu não tinha mais de 17 anos e lá  estava ele num cavalo quando o conheci, parece um filme. Era muito bonito, louro. Depois à noite entrei lá em casa e começamos a conversar, lembro-me que o céu estava todo estrelado, fiz imensas histórias, e começámos o namoro. Ao fim de uns anos casámos.

Deixa-o cá quando vai para o Brasil? Os seus filhos ficaram em França com amigos.
Não, ele foi comigo.

"Havia pessoas que me telefonavam a dizer que estavam em tal sítio. E eu mandava um fotógrafo. Para mim era bom. “Olhe, na praia estou no sítio assim e tal, em frente ao pescador”. Depois ligava-me o fotógrafo a dizer “ó doutora, não encontro!”.

Isto no rescaldo do 25 de Abril.
Mas não teve nada a ver com a Revolução! Palavra de honra. A maior parte dos meus amigos, o Balsemão, essa gente toda, tinham todos ido. Eu pensei que se não fosse agora não tinha hipótese de ir. Lembro-me perfeitamente de pensar nisto. Foi isso.

Há um momento decisivo para voltar quando conhece a Fernanda Pires da Silva, do Grupo Grão Pará.
Sim, encontrei-a numa festa qualquer mas penso que já foi cá. “Tens que vir trabalhar comigo”. Foi assim. Deu-me um cartão e eu não tinha nada que fazer. Sabe como é que se vai chamar a minha associação? United Women.

Que pretende fazer com a associação?
Para já, vou trabalhar muito menos. Faço um discurso ou dois todos os meses, reúno as pessoas, tento defender a mulher o mais possível. Há muito para fazer e elas são más umas para as outras.

Mas isso significa que a revista vai acabar?
[pausa]…Vamos lá ver, esta altura é péssima. Estou a ir ao poço buscar água, buscar água, e não há publicidade. Estou a vender os títulos, sim. Mas vou continuar a vir sempre, ensinar. Já estou cansada.

A Eles&Elas deu-lhe mais alegrias ou dores de cabeça?
Agora dores de cabeça, mas deu-me muitas alegrias. Ainda dá. Se ler com atenção, mesmo quando estou a escrever as coisas boas meto sempre lá pelo meio algumas coisas menos boas.

Nunca temeu que fosse uma revista frívola?
Não, não, tinha sempre muita mensagem. Ainda hoje vejo palavras que começámos a usar, como glamour.

Em que outras coisas sente que fez escola? Algo que os perfilados ainda hoje comentem?
As pessoas que comentam já morreram quase todas.

Entrevista a Maria da Luz Bragança, fundadora da revista social Eles & Elas, que chega aos 40 anos de existência, desde a primeira edição. 7 de Janeiro de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Entrevista a Maria da Luz Bragança, fundadora da revista social Eles & Elas, que chega aos 40 anos de existência, desde a primeira edição. 7 de Janeiro de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Entrevista a Maria da Luz Bragança, fundadora da revista social Eles & Elas, que chega aos 40 anos de existência, desde a primeira edição. 7 de Janeiro de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Entrevista a Maria da Luz Bragança, fundadora da revista social Eles & Elas, que chega aos 40 anos de existência, desde a primeira edição. 7 de Janeiro de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Entrevistas e perfis, da arte à política, sem esquecer os eventos mais sonantes da semana: alguns dos conteúdos que marcaram as décadas de 80 e 90 na Eles&Elas

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Não é bem assim. Ainda tem pessoas vivas que passaram pela revista e testemunharam estes 40 anos, como o atual presidente da República.
Esse mora à minha frente, aqui em Lisboa. Encontramo-nos muitas vezes no senhor Adelino, que é uma mercearia do mais péssimo que há. Volta e meia, quando ele vai a pé, é ali que nos vemos. Eu dou-lhe a revista nessa altura.

Foi capa recente, até.
Na altura das eleições fiz uma capa com ele. Ali ficou na banca uns dois meses, exatamente para apanhar votantes.

De propósito?
Para mim foi, achei piada. Não sei se ele gostou. Hoje tem muitos amigos, nunca mais o vi.

Mas escreveu-lhe uma nota simpática numa das últimas edições de aniversário.
Sim, sim, mas agora é que me podia arranjar um prémio cultural, uma coisa qualquer. Agora é que podia ser minimamente simpático.

Ia às festas?
Deve ter ido uma vez qualquer por mim. Mas não convidava muitas vezes.

E Ramalho Eanes, o presidente em funções quando se estreia?
Era um senhor da tropa, pronto. Há muitos. Mas fiquei amiga.

Falando em uniformes, hoje faria capa com o vice-almirante?
Não, acho que é uma vergonha o que fizeram; a forma como o puseram como Chefe do Estado Maior [da Armada]. Nunca lhe daria uma capa. Quando muito aparecia lá dentro.

Recuemos então a outros nomes que lançou. Nos 15 anos da revista, apresenta as irmãs Jardim.
Pois foi, no T Club, ninguém as conhecia.

Lembra-se de mais fenómenos daquela época?
Que tenham ido para o Big Brother? (risos) É que a Cinha foi. Há muitas. As Brito e Cunha. O Santana foi um acaso. Tenho um amigo, o Manuel Rua, que me disse que havia um rapaz que era capaz de vir a ser alguém na política. Foi assim. Fiz então a primeira entrevista e depois fui acompanhando. Lembro-me que havia pessoas que me telefonavam a dizer que estavam em tal sítio.

Para serem fotografadas?
Sim, e eu mandava um fotógrafo. Para mim era bom. “Olhe, na praia estou no sítio assim e tal, em frente ao pescador”. Depois ligava-me o fotógrafo a dizer “ó doutora, não encontro!”.

Muitas caras conhecidas que desapareceram entretanto?
Há, há. São pessoas que agora querem os pezinhos quentes e estar na cama. Na altura tinham 30 e agora têm mais 40 anos. Mas na festa dos 35 anos consegui que os meus netos levassem amigos, gente nova. Quero que quem pegue nos títulos não acabe com eles.

Chegou a fazer aqui um jantar com várias caras, há não muito tempo. Quem convidava para uma última ceia da Eles&Elas? Atenção que este exercício tem lugares limitados.
Pois é, o máximo é 300.

Não, não, isto é para imaginar uma mesa para máximo 13.
Convidava pelo menos uma pessoa de cada geração, e diversificava, escolhia pessoas com valor. Convidava com certeza a Kiki Espírito Santo, o filho, o Fernando… A aristocracia embeleza muito as festas, são chiques, podem vestir bons vestidos. Lembro-me que na primeira festa fui à lista do jornal ver quem era conde e marquês, para ver se não me faltava ninguém na lista, e enviei os convites. E também lá tínhamos esquerda [aponta para uma foto de Ary dos Santos que inclui dedicatória, no final de 1983: “Para a Eles&Elas, muitas velas”].

Este nome surge como?
Na altura só se falava de comunismo e fascismo, queria uma coisa diferente… Ficou Eles&Elas. Mas quando recebiam o prémio, caluda; se recebiam o da Diplomática já gostavam de falar.

O social ainda gera preconceito?
Agora já não. Mas riam-se do Eles&Elas. Calhou, porque era mesmo Eles&Elas. Porque é que não é era Elas&Eles? Porque não, porque elas devem estar ao lado deles, nem atrás nem à frente.

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